Manifesto de Posicionamento de Ex-Reitores em Defesa da Democracia
Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF
Em seguida à divulgação de conclusão de inquérito com a revelação repugnante de envolvimento do ex-Presidente e de altas patentes militares no intento de golpe e no plano de assassinatos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Vice-Presidente Geraldo Alckmin e do Ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Morais, também os ex-Reitores e ex-Reitoras das Universidades Públicas Federais lançaram manifesto em defesa da preservação e valorização da Democracia.
O manifesto, que subscrevo entre 69 ex-Reitoras e Reitores, na condição de Reitor da UnB entre 2008 e 2012, não só pela qualificação e relevância de seus autores e autoras, mas também porque se mostra uma locução responsável, quando em muitos pronunciamentos, o que transparece é a constatação de que um golpe de Estado não causa repulsa. Nem mesmo julgam que, em nome de sua imagem pública, deveriam se distanciar de um plano assassino.
Artigo do professor Luis Felipe Miguel, da UnB, analisa reportagem do Jornal Folha de São Paulo, – ela própria (Folha) com editoriais tíbios diante da gravidade do fato, – mostrando que os líderes da direita brasileira [e até figuras da política não necessariamente incluídas nesse espectro] se eximiram de condenar os planos de golpe, com justificativas evasivas no limite do conivente: “‘narrativa disseminada’ contra Jair”; “não sou capaz de opinar”; “E daí?”; ou se reservaram “o direito de aguardar”; quando não, “preferiram ficar em silêncio”.
O manifesto dos ex-Reitores e das ex-Reitoras, não se omite, nem tergiversa:
- Nós, ex-Reitoras e ex-Reitores que assinamos o presente Manifesto, dirigimo-nos à sociedade brasileira e às autoridades dos 3 Poderes para exigir que haja uma punição exemplar a todos os envolvidos no intento de golpe e no plano de assassinatos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Vice-Presidente Geraldo Alckmin e do Ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Morais, ações que podem ser evidenciadas no relatório da Polícia Federal (PF).
- Defendemos a punição com o rigor da lei aos responsáveis, financiadores, mandantes, comandantes e agentes que efetivariam os assassinatos com o objetivo de promover uma ditadura precisa ser célere, pois a liberdade dos golpistas e assassinos representa uma perigosa ameaça ao Estado de Direito Democrático.
- Essa defesa – PUNIÇÂO COM O RIGOR DA LEI – fundamenta-se nos atos e fatos estarrecedores de que a população brasileira e internacional tomou conhecimento nesta semana: o ex-Presidente Bolsonaro e mais 36 pessoas de seu círculo imediato e palaciano – 24 militares, incluindo 6 generais – sendo um deles o vice-presidente da chapa perdedora, e 1 almirante de esquadra – foram indiciados por Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito; Tentativa de Golpe de Estado e Associação Criminosa, demonstrados pela PF em um Processo de mais de 800 páginas, construído em quase 2 anos de investigação.
- O grau de sofisticação desse grupo de 37, e talvez outros agregados, era tal, que eles estavam estruturados em 6 subgrupos com divisões de tarefas: a) núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral; b) núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe de estado; c) núcleo jurídico; d) núcleo operacional de apoio às ações golpistas; e) núcleo de inteligência paralela e f) núcleo operacional para cumprimento de medidas coercitivas.
- Essa organização criminosa tinha um planejamento tal, que foram múltiplas as ações e planos implementados sob a tutela do ex-Presidente. O ápice de tudo isso, que conhecemos agora, graças ao trabalho sério, exaustivo e longo da PF, é que se tratava de um governo criminoso que visava exterminar os governantes do Brasil eleitos para o quadriênio 2023-2026 por mais de 62 milhões de cidadãos e cidadãs brasileiro(a)s.
- Reafirmamos que os financiadores que atuaram na organização do golpe são igualmente, responsáveis e representam uma ameaça à democracia e, por isso, devem ser investigados e julgados.
- As universidades públicas são instituições constitucionalmente comprometidas com a democracia, com a liberdade de cátedra e com a construção social de uma nação que assegure o bem-viver a todo o povo. Nossas instituições conheceram o AI-5/1968, o Decreto 477/1969, a tortura, o assassinato de estudantes, o ambiente de violência contra a liberdade de cátedra e, por isso, seus ex-reitores e suas ex-reitoras, junto com as demais forças democráticas, dimensionam a gravidade da situação atual.
- Manifestamos solidariedade aos que tiveram suas vidas ameaçadas e exigimos a punição de todos os envolvidos, em prol dos direitos fundamentais assegurados nas cláusulas pétreas da Constituição Federal.
Convidamos a todos (as) para que estejamos vigilantes e atentos (as) ao cumprimento dos Dispositivos Constitucionais visando coibir, no futuro, intentos golpistas de aventureiros e arautos de ditaduras, que não desejam a construção de uma sociedade da paz, mais justa, solidária, fraterna e igualitária.
NÃO À VIOLAÇÃO DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS! PUNIÇÃO EXEMPLAR, COM JUSTIÇA E SEM ANISTIA!
Assinaturas podem ser conferidas em https://adusp.org.br/conjuntura-nacional/exreitores-punicao/, indicada essa página porque ligada a uma universidade pública estadual. Mas o teor do documento teve grande circulação e impacto porque foi enviado para entidades como o Fórum Nacional Popular de Educação: FNPE; para a SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e, intencionalmente – um modo de desagravo – para o Presidente Lula; Vice-Presidente Geraldo Alckimin; Procurador-Geral Paulo Gonet; para os Presidentes do Senado, da Câmara, do STJ, Presidenta do TSE, para os 11 ministros do STF; para o Advogado Geral da União; Ministro da Justiça; Ministro da Educação; Ministro da Comunicação.
A senadora Teresa Leitão (PT-PE) leu na íntegra, em pronunciamento no Senado Federal na terça-feira (3), o manifesto, notas disponíveis em “Fonte: Agência Senado 03/12/2024: Teresa: manifesto de ex-reitores defende democracia e punição de golpistas, – https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/12/03/teresa-manifesto-de-ex-reitores-defende-democracia-e-punicao-de-golpistas.
A Senadora, conforme a matéria, destacou que as investigações sobre o caso prosseguem e afirmou que o direito de defesa será assegurado a todos. O manifesto enfatiza que o processo precisa ser rápido, pois “a liberdade dos golpistas e assassinos representa uma perigosa ameaça ao Estado democrático de direito”. Ela também pôs em relevo ser preciso dar uma resposta às denúncias, e que as pessoas que planejaram e participaram da suposta tentativa de golpe não podem ficar impunes. Segundo ela, É assim que a gente pode considerar os patamares de uma reconciliação. É assim que a gente pode considerar os patamares de uma pacificação. Não é simplesmente com anistia. Anistia se dá a quem já está condenado. Quem tem presunção de inocência ou quem é inocente não pede anistia, pede justiça. E é isso que a gente está pedindo: justiça. Quem não estiver comprovadamente envolvido não será condenado, mas quem estiver comprovadamente envolvido deve ser condenado.
A ex-Reitora da UnB, professora Márcia Abrahão, também assina o manifesto. Contribuindo para amplificar a sua circulação ela lembrou que as universidades são frequentemente alvo de governos autoritários, como ocorreu na ditadura militar e no governo Bolsonaro, quando reitores eleitos não foram nomeados.
Ela sustenta que “O manifesto dos ex-reitores reforça a necessidade de combater atos antidemocráticos e defender as instituições”, pois “A população ainda não compreende plenamente a gravidade dos atos antidemocráticos, em parte porque as mensagens das universidades não chegam de forma acessível e são, frequentemente, interpretadas como disputas políticas. “A falta de esclarecimento sobre a ditadura contribui para o ressurgimento de ciclos autoritários. É importante avançar com o projeto de lei sobre a nomeação de reitores”. (https://www.youtube.com/watch?v=o-vZpx_5tUc); https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2024/12/7002112-a-populacao-ainda-nao-compreende-o-8-de-janeiro-avalia-ex-reitora.html.
Há poucos dias, participando de uma sessão de lançamento do livro Domínio das mentes: do golpe militar à guerra cultural. 1 ed. – Curitiba : Kotter editorial, 2024, do ex-deputado constituinte Aldo Arantes, tangenciei a condição da cena contemporânea, no Brasil, que abre essa pauta e o tema da responsabilização de perpetradores de crimes contra a humanidade e contra a democracia, que se faz urgente e precisa ser exemplar (educar para o nunca mais, para a não repetição) – https://estadodedireito.com.br/aldo-arantes-dominio-das-mentes-do-golpe-militar-a-guerra-cultural/.
Se, como diz Aldo, afirmei no debate, “A Guerra Cultural da extrema-direita fica cristalina no objetivo do tal projeto de “neutralizar o poder das correntes de pensamento ideológico radical e utópicas”. A influência dos militares na vida política continua até hoje, sob novas formas”, o obscurantismo dessa influência marca mais o modo desastroso e canhestro dessa influência. A divulgação do relatório da Polícia Federal que captou as digitais de sua participação na preparação de um golpe de estado e pior, numa conspiração que se reveste de absoluta inescrupulosidade: um duplo banditismo que não hesita em atentar contra as instituições, os poderes e vida, em nome da falaciosa defesa do patriotismo, civismo e dos valores tradicionais, pautas com a assinatura fascista de um imaginário castrense de extrema-direita, acentua Aldo; ao mesmo tempo com a voracidade de saqueadores corporativos, em busca de um botim, que vai do consumo de reguladores de disfunção erétil e próteses penianas, passando por concessões e regalias até alcançar os postos civis da burocracia com o comissionamento de mais de seis mil funções bem remuneradas. Ver meu https://brasilpopular.com/morrer-se-necessario-for-matar-nunca/ , como exposição de anomalias de atuação com a ressalva de uma presença, na formação econômico-social brasileira, de um tempo e de protagonismos em que as forças armadas contribuíram para forjar a identidade nacional e se afirmarem como Instituição. Há nomes com registro obrigatório. E há uma institucionalidade a resgatar depois de expurgada dos efeitos de uma erosão ética e funcional. Por isso mesmo, é a mensagem de Aldo Arantes, um governo democrático necessita adotar uma nova política de formação democrática das Forças Armadas, fundada nos princípios de nossa Constituição, assim como promover oficiais identificados com tais objetivos.
O manifesto dos ex-Reitores e das ex-Reitoras convoca para uma tomada de posição que baliza a reconstrução do país no percurso de retomada de seu projeto democrático. Algo que venho assinalando aqui neste espaço do Jornal Brasil Popular (Coluna O Direito Achado na Rua): Em outro texto –https://brasilpopular.com/60-anos-do-golpe-de-1964-memoria-verdade-mas-tambem-justica-razoes-para-o-nunca-mais/, lembrei, com Nair Heloisa Bicalho de Sousa, em nosso texto de apresentação ao volume 7, da Série O Direito Achado na Rua (Justiça de transição: direito à memória e à verdade), que é necessário “um esforço para vencer a tendência a deixar no esquecimento os fatos reveladores das práticas políticas do regime autoritário. Vê-se, assim, com Pollack (1989), que memória e esquecimento são eixos fundamentais da esfera do poder, disputando o modo como a memória coletiva constrói-se em cada sociedade”. Em outro texto (Direito à memória e à verdade, Observatório da Constituição e da Democracia. Brasília: Faculdade de Direito da UnB, n. 17, outubro e novembro de 2007), avançamos esse ponto para reafirmar que há “uma memória coletiva em processo de construção necessitando que as diferentes gerações tenham conhecimento da verdade.
Cuida-se de apelar para a verdade, conforme a diretriz do pensamento da grande filósofa Hannah Arendt, e assim recuperar um “hiato de credibilidade” para resgatar a verdade como dimensão da política, em condições de estabelecer base para a confiança desejada entre governo e cidadãos. E fazê-lo com a determinação radical com a qual Garcia Marques (Viver para Contar. Rio e Janeiro/São Paulo: Record, 2003), diz deva-se autenticar a verdade histórica, fazê-lo de acordo com a nossa própria dor (p. 31).
(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)
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