quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Boaventura de Sousa Santos profere aula de inquietação na UnB

AULA DA INQUIETAÇÃO - 30/10/2012
Edu Lauton/UnB Agência
Ensinamentos de um "rebelde competente"
Doutor Honoris Causa da UnB é o participante da última Aula da Inquietação, com um dos maiores públicos na gestão de José Geraldo de Sousa Junior
Luciana Barreto - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Fonte:http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=7265

Conhecimento entoado como emancipação; indignação, rebeldia e alegria em um só brado; vozes, gestos e bandeiras ecoando um movimento que se mostra plural, transformador, libertador. O incisivo calor e a baixa umidade não se fizeram adversos, e quase duas mil pessoas no teatro de Arena, no campus Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília, acolheram – com atenção e entusiasmo (veja aqui) – as palavras, provocações e chamamentos do renomado e irrequieto sociólogo português Boaventura de Sousa Santos em um espaço que lhe foi absolutamente apropriado: a Aula da Inquietação, uma iniciativa da gestão de José Geraldo de Sousa Junior, em sua oitava edição. 
De modo criativo e despojado, os eventuais picos de luz que sustaram o microfone não o impediram de falar. Pelo contrário, Boaventura não se fez de rogado. A situação o impeliu a assumir o megafone e circular por entre os alunos para propor o que compreende como o grande motor e matriz da inquietação transformadora, a “rebeldia competente”. O percurso político e a biografia intelectual do sociólogo foram reverenciados em cerimônia ocorrida na noite anterior – leia matéria aqui –, na qual recebeu o título de Doutor Honoris Causa por sua recorrente presença e inegável contribuição à Universidade de Brasília.
LUTA KAIOWÁ – De início, uma quebra de protocolo se mostrou justa, providencial e legítima. Com assentimento do reitor José Geraldo de Sousa Júnior, anfitrião da Aula, um grupo de estudantes-manifestantes, com cartazes, tambores e faixas, lançaram um apelo pelo direito ao território do povo Guarani-Kaiowá e, na seqüência, o líder indígena Ash fez uma comovente e contundente fala. “A cosmologia da floresta está sendo atacada, e o chamado progresso está destruindo a natureza. Sem espiritualidade e sem essa cosmologia, o mundo está ficando doente de arrogância, hipocrisia e egoísmo. E para tratar o câncer que resulta disso tudo a medicina alopática rouba nossa matéria-prima e patenteia nossas plantas, e não existe propriedade na natureza”.
Edu Lauton/UnB Agência
Ash aproveitou para convidar a todos para a Marcha contra o Genocídio dos Guarani-Kaiowá, a ser realizada nessa quarta, 31, no Museu Nacional da República, às 10h. “Prestem atenção na cosmologia das florestas, pedindo ainda aos antropólogos que se formaram dentro das aldeias que “não escrevam só livros, mas ajudem, atuem, apliquem”.
Para o líder indígena, “diploma é só um papel, uma chuva o desfaz; o que nunca vai se desfazer é o diploma consciente dentro do espírito e da mente de cada um”. Em um momento em que foi muito aplaudido, lembrou que “Pedro Álvares Cabral não descobriu o Brasil, nós já estávamos aqui muito antes dos colonizadores e bandeirantes”, complementando que “o conhecimento está na biblioteca, mas também na natureza, em um pássaro, em uma árvore, numa folha caindo, no vento que muda de direção. Que o coração de vocês, como o vento, também mude de direção e de sentido, pois a espiritualidade e a política têm de estar juntas, afinal somos cidadãos, jovens e ‘evolucionários’”.
SAUDAÇÃO – Para o idealizador e anfitrião do evento, o reitor José Geraldo de Sousa Júnior, “essa Aula da Inquietação coroa o acolhimento aos novos estudantes, permeado pela Semana Universitária e pelo Festival Latino Americano de Arte e Cultura (FLAAC), em que esses jardins chegaram a ter 30 mil pessoas acompanhando os eventos que celebram nosso cinquentenário”.
Edu Lauton/UnB Agência
Segundo José Geraldo, o titulamento de Boaventura, “esse intelectual ativo, transformador, esse cidadão do mundo”, como Doutor Honoris Causa representa “o significado de uma Universidade que, em sua biografia e percurso, traduz a lealdade de seus fundadores, uma Universidade que é excelente, pois comprometida com conhecimento de ponta e também com o desenvolvimento social e com o povo – povo aqui expresso, por exemplo, na liderança de Ash”, acrescentando que “uma universidade necessária é também uma universidade emancipatória”.
REBELDES COMPETENTES – Para contornar as renitentes quedas de energia, Boaventura, de início, valeu-se do megafone, fazendo jus ao tom e expandindo o espírito esperado de uma Aula da Inquietação. “Impedir o suicídio coletivo do povo Kaiowá é uma luta a ser encampada por todos”, reiterou, sublinhando a legitimidade trazida pela liderança indígena e aproveitando para lembrar o quanto é importante pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF), responsável pela decisão de mérito quanto à posse da terra. 
“Os povos indígenas têm razão, pois a realidade é o que ainda não existe. A realidade são nossas aspirações a serem realizadas, é algo mais complexo do que está diante de nossos olhos”, provocou Boaventura, ao lançar e defender a necessidade de as universidades investirem na formação do “rebelde competente” em contraposição à grande massa de "conformistas incompetentes".
De modo didático, vibrante e entusiasmado, o sociólogo prosseguiu com sua aula, afirmando que “o rebelde competente não deve aceitar soluções impostas como as únicas válidas e sensatas. Há sempre outras alternativas e outros modos de ver a realidade”.  Para tanto, é fundamental valer-se do que chama de "ecologia dos saberes" e a valorização de todos os conhecimentos plurais e heterogêneos.
ALEGRIA, PROVA DOS NOVE – Uma das emblemáticas frases do escritor modernista Oswald de Andrade foi evocada por Boaventura para ilustrar o eixo mobilizador que deve orientar e sustentar o gesto da inquietação transformadora: “a alegria é a prova dos nove”. De acordo com ele, “essa é mensagem dos indignados da Grécia, do Portugal e da Espanha, por exemplo”. Ainda na ilustração do conceito da rebeldia competente, defendeu que esse rebelde deve conjugar “razões convincentes a paixões mobilizadoras”.
Paulo Castro/UnB Agência
Já com microfone na mão, o que melhorou a repercussão e o alcance do som para um público curioso e participativo, o sociólogo expôs as sete grande ameaças que o mundo precisa enfrentar. A primeira está associada ao Estado a serviço dos negócios e não dos cidadãos – “situação na qual o rebelde competente deve exercer uma diária e crítica vigilância”. A segunda ameaça é a desvalorização da democracia, “que cada vez mais vale menos, sendo fundamental democratizar a própria democracia, já que não participamos das coisas mais importantes de nossa nação”.
Já a terceira ameaça apontada por Boaventura é a destruição da natureza – “por que a natureza não pode ter direitos?” – e a quarta estaria voltada especialmente à Espanha, Portugal, Grécia, África do Norte, pois nos países grego e espanhol, por exemplo, “50% dos jovens estão desempregados, e o perigo é a distinção entre trabalho pago e não pago desaparecer”, o que configura a maior das explorações, apontando para uma “civilização voraz e sem regras, destruidora dos valores coletivos”.
COMERCIALIZAÇÃO - Por fim, nessa esteira de alertas, Boaventura falou ainda sobre a quinta grande ameaça, que é a “comercialização e mercantilização do conhecimento – “e a necessidade de impedir que a universidade valorize somente o conhecimento com valor de mercado”, defendendo que um pensamento crítico e independente deve destruir essa tendência, inclusive a lógica de se valorizar mais as produções e publicações voltadas para o currículo lattes que as atividades associadas aos movimentos sociais.
Sobre a sexta ameaça, o sociólogo levantou o perigo da “criminalização do protesto social” – “e os poderes políticos não costumam gostar disso”, mencionou citando exemplos próximos de afrodescendentes e indígenas perseguidos na América Latina, muitas vezes “presos como terroristas”. “Bloquear estrada para impedir que suas comunidades e história sejam destruídas é crime?”, indagou. Como última “significativa e séria ameaça” o fato de como “a herança colonial persiste em nossos corações”. Explica, aproveitando para provocar: “existe ou não racismo no Brasil, até mesmo a despeito de muitas instituições que progrediram a partir de ações afirmativas?” Segundo ele, “o racismo no Brasil é insidioso e tão inteligente que parece não existir”, alerta. "Nossas lutas são todas as lutas, não apenas as que pertencem a determinados grupos ou países".
No encerramento da Aula, o Teatro de Arena da UnB pareceu assumir a sua acepção grega originária – um espaço vivo e catártico no qual a comunidade toda se ressignificava a partir dos atos ali encenados. E na encenação do real, Boaventura contou com a adesão – em uníssono – de quase duas mil pessoas, quando em coro com ele repetiram: “Prezados companheiros indignados, a vossa luta é a nossa luta; somos 99% e eles, 1%; se nos fecharem o futuro, abrimo-lo de novo; se nos negam as instituições, a rua é afirmativa; se nos negam a democracia, democratizaremos a democracia; e a prova dos nove é a alegria”. Vibrantes provocações e iluminadores ensinamentos que certamente se inscreverão na história e no imaginário da Universidade de Brasília.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

“A universidade deve reagir à mercantilização do conhecimento”

HOMENAGEM - 29/10/2012
Boaventura fala sobre a universidade como veículo das transformações sociais e promete convocar plateia da Aula da Inquietação para uma "rebeldia competente"
Cristiano Torres - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Fonte: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=7260
Importante defensor da atuação da universidade nas transformações políticas e econômicas, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos chegou à Capital Federal para convocar a comunidade da Universidade de Brasília e do Distrito Federal a se engajar numa utopia possível e emergencial. Nesta terça-feira, 30, todos terão a oportunidade de reencontrar a mensagem do estudioso na Aula da Inquietação, que acontece às 10h, no Teatro de Arena do campus Darcy Ribeiro.
Além disso, o sociólogo recebeu, na noite de segunda-feira, 29, o título de Doutor Honoris Causa. A cerimônia aconteceu no Memorial Darcy Ribeiro e contou com a saudação feita pela filósofa Marilena Chaui. Professora da Universidade de São Paulo, declarou que se sentia honrada por saudar o sociólogo português. “É uma honra participar. Mas, antes de tudo, é uma honra para a UnB e para a academia brasileira receber um pensador desse porte”, elogiou.
Marilena Chaui explicou que o professor Boaventura de Sousa Santos é o criador de duas posições teóricas importantes. “Ele desenvolveu a crítica da razão indolente: uma forma de interpretar a ciência, a política e a cultura que, ao fim e ao cabo, impede a sociedade de ver adequadamente o real; e a proposta de superar o etnocentrismo, o eurocentrismo e a razão cognitiva instrumental, dominante na ciência e na tecnologia”, explicou a filósofa. A professora definiu a obra de Boaventura de Sousa Santos como inovadora, instigante e afirmou que ela propõe uma mudança radical e benéfica na maneira de encarar a ética, a política e a cultura.
Antes da cerimônia, o professor português conversou com a UnB Agência e falou um pouco sobre a importância da universidade nas transformações sociais advindas da crise econômica mundial, sobre o combate a mercantilização do conhecimento e a necessidade de garantir a inclusão social e a democratização do saber. Ele também defendeu as ações afirmativas e abordou políticas sociais e econômicas do Governo Dilma Rousseff. Ao final, o português prometeu, na Aula da Inquietação, provocar estudantes e professores a uma "rebeldia competente". 

Qual o lugar e a missão da universidade neste momento, de tantas e profundas mudanças sociais e econômicas? 
Boaventura de Sousa Santos: A universidade sofre atualmente com os embates políticos e sociais provocados pela crise e recebe pressões para que se submeta às necessidades do mercado. Isso é mais nítido na Europa e nos Estados Unidos, mas pode ser percebido também em países do Hemisfério Sul. 
Do século XIX para cá, as universidades foram instituições que tiveram papel importante na construção do Estado e na democratização do saber, ainda que só recentemente grupos como os indígenas e os negros tenham conseguido algum tipo de inserção nesse ambiente.
Por isso, hoje a universidade é mais necessária do que nunca. E ela tem a missão de preservar a democratização do saber, desde que resista às pressões pela mercantilização do conhecimento. Não podemos valorizar apenas os saberes que dão origem às patentes, ou seja, aquele conhecimento com valor de mercado. É necessário dar incentivos para as ciências humanas e sociais, para aqueles departamentos que não criam produtos, mas ajudam a preservar saberes valiosos para os povos. Conhecimentos que não podem ser vendidos, de culturas tradicionais como as comunidades remanescentes de quilombos, por exemplo. 
Mas a universidade pode mudar, ou ajudar a mudar as relações sociais vigentes atualmente?      
Boaventura de Sousa Santos: O que estamos vendo atualmente é que a sociedade perde sua coesão à medida que a crise avança. Basta ver os protestos e os conflitos que acontecem na Grécia, na Itália e na Espanha. Nesse sentido, a universidade ajuda a manter a coesão social, mas apenas na medida em que preserva a tradição do pensamento crítico e que se torna mais inclusiva. Do contrario, se submetendo às necessidades do capital, ela deixa de ser parte da solução e passa a contribuir com os problemas sociais.
Uma das dificuldades enfrentadas pela academia, atualmente, está justamente nos mecanismos de avaliação dos professores e pesquisadores. Os parâmetros são restritos e se submetem a certo conjunto de publicações e de pesquisas, normalmente em inglês. Já existem reações, por exemplo na Inglaterra e na França, a esses mecanismos restritivos; critérios que não compreendem adequadamente iniciativas importantes como as atividades de extensão e outras ações comunitárias e sociais realizadas ou acompanhadas por pesquisadores, professores ou estudantes, de universidades.
Uma lei recente alterou a destinação das vagas universitárias em instituições federais de ensino superior do Brasil. Criou-se um conjunto de cotas com recorte em escolaridade, renda e raça. Qual a sua opinião sobre isso? 
Boaventura de Sousa Santos: Sou um apoiador das ações afirmativas e saudei a iniciativa pioneira de instituições como a Universidade de Brasília, quando adotou o sistema de cotas para negros; bem como as várias iniciativas propostas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Entendo que a democracia racial, por exemplo, é uma aspiração legítima, mas que precisa ainda ser construída. Ela não existe na realidade e a sociedade deve apoiar medidas legais – previstas, inclusive, na Constituição – para combater injustiças históricas cometidas contra diversos grupos, como as populações negras ou indígenas. 
São iniciativas coerentes e amplas e não devem se limitar à educação. Sou também a favor de cotas para o serviço público, por exemplo. Agora, é claro que as ações afirmativas buscam corrigir injustiças históricas; portanto, elas têm um caráter transitório, limitado no tempo. Mas, ao contrario de muitos grupos que as acusam de desrespeitar o mérito, acredito que o verdadeiro mérito deve buscar a igualdade entre os grupos, respeitando as diferenças. Devemos lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem e lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize.
E as políticas sociais no Brasil hoje?
Boaventura de Sousa Santos: Reconheço a importância das iniciativas de desenvolvimento com redução das desigualdades sociais realizadas nos últimos dez anos. O Programa Bolsa Família, por exemplo, é uma iniciativa reconhecida como exemplar em todo o mundo. Hoje existe mais equilíbrio e distribuição de renda do que a alguns anos. Não podemos negar o fato de que a classe média cresceu de 38% para 53% da população.
Mas diversas iniciativas de desenvolvimento tem me preocupado. O desrespeito às comunidades rurais e aos indígenas na fronteira agrícola, o aumento da violência do campo, o fortalecimento da economia baseada em commodities e em minérios, com desrespeito ao meio ambiente, são problemas urgentes e que precisam ser combatidos. 
VIDA E OBRA – Boaventura de Sousa Santos nasceu em Coimbra, em 1940 e têm Doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973). É professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e leciona também nas Universidades de Wisconsin-Madison e de Warwick. Além disso, dirige o Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia e o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra.
O português chegou a morar numa favela do Rio de Janeiro, nos anos 1970. Ele escolheu o Brasil como cenário para compreender as raízes das injustiças econômicas e sociais e debater um novo caminho para o mundo. Suas ideias costumam ser evocadas em discussões que envolvem os temas mais sensíveis da atualidade.
Assiduamente convidado a participar de atividades na Capital Federal, a primeira aproximação de Boaventura de Sousa Santos com a UnB aconteceu ainda na década de 1970, quando seus textos foram pela primeira vez alvos de debates em seminários na UnB. A aproximação foi uma das principais inspirações para a criação do grupo de pesquisa O direito achado na rua, hoje linha de pesquisa da Faculdade de Direito. A corrente de pensamento, da qual o reitor José Geraldo de Sousa Junior é um dos criadores e principais defensores, incorpora ao pensamento jurídico as práticas normativas desenvolvidas no seio das comunidades e dos movimentos sociais. Boaventura participou de vários volumes da série de livros publicados sobre tema.
Em seu trabalho recente, o sociólogo vêm provocando os agentes sociais a repensar o modo de produção do conhecimento dentro da universidade e defende uma aproximação com os movimentos sociais do mundo. Para Boaventura de Sousa Santos, vêm deles as iniciativas que, de fato, podem transformar a sociedade.
Para o autor de A Crítica da Razão Indolente, é preciso criticar radicalmente as verdades estabelecidas. “As teorias críticas que hoje vigoram no mundo foram produzidas pelos países do Hemisfério Norte. As experiências inovadoras de hoje estão acontecendo no Hemisfério Sul e é para elas que o mundo tem que olhar”, afirmou. Ele também defende que a tradição e as culturas mais antigas, como os movimentos indígenas e os povos africanos, possuem experiências capazes de criar políticas públicas e transformar a sociedade.

sábado, 27 de outubro de 2012

Coerência política marca percurso de Boaventura de Sousa Santos

Pensamento e percurso do notável sociólogo português são celebrados na Universidade de Brasília em solenidade de outorga de título Doutor Honoris Causa e na Aula da Inquietação

Luciana Barreto - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Fonte: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=7252

Boaventura de Sousa Santos é um daqueles nomes que se inscrevem na seleta galeria dos notáveis pensadores. Admirado não apenas por sua inegável estatura intelectual,  vasta produção acadêmica e recorrente presença tanto em espaços críticos na mídia quanto em fóruns no mundo todo, o sociólogo português prima por sua coerência política em uma vida a serviço da democracia, movimentos sociais, acesso à justiça e da igualdade e soberania dos povos.
Figura assídua no Brasil e na Universidade de Brasília, na qual vem inspirando pensamentos e gerações, Boaventura ocupará duplamente a cena universitária com suas palavras, ensinamentos e provocações. Na segunda-feira, 29 de outubro, às 18h30, o sociólogo receberá o título Doutor Honoris Causa, no Memorial Darcy Ribeiro. No dia seguinte, 30, será protagonista da Aula da Inquietação, às 10h. Leia mais aqui.
Convidado para prestigiar a cerimônia de outorga da honraria, a qual contará com a presença da filósofa Marilena Chauí, que fará a saudação de Boaventura, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou que “a decisão da Universidade de honrá-lo com tamanha distinção faz justiça à trajetória deste querido amigo, um intelectual engajado na defesa da justiça social e dos Direitos Humanos em Portugal e no mundo, e à altura do prestígio da UnB”. Por ter outra agenda, lamentou não poder participar da solenidade, pedindo ao reitor José Geraldo de Sousa Júnior que “envie ao querido Boaventura os parabéns pela homenagem, junto com um afetuoso abraço”.
“Boaventura é a própria expressão do pensamento inquieto”, afirma o reitor, parceiro há longa data de suas bandeiras e ideais associados à Justiça, Educação e Direitos Humanos. “Nos últimos anos, é a principal referência nos campos teóricos de Política, Ciência e Direito, sem dúvida um protagonista na revisão dos paradigmas da sociedade, da justiça e do conhecimento da realidade”, complementa.
COTAS – Referência internacional nas áreas de Ciências Sociais e de Direitos Humanos e de participação ativa em importantes congressos brasileiros, especialmente as edições do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, seu ideário e marcos teóricos têm assumido grande repercussão especialmente por guardarem estreita relação e coerência com a sua própria prática – uma ação efetivamente voltada ao fortalecimento dos movimentos populares como instância essencial ao controle democrático da sociedade e à mediação enquanto instrumento de emancipação da cidadania e da democratização da Justiça e do Direito.
Um recente e polêmico episódio ilustra bem o quanto Boaventura de Sousa Santos tem seu percurso marcado pela conjugação exemplar de teoria e ação, no sentido de o que defende de modo irrestrito acaba por influenciar e interferir em ações políticas, resultando em medidas concretas, socialmente transformadoras. Foi o caso da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da constitucionalidade das cotas raciais para ingresso nas universidades públicas.
Conforme aponta o reitor José Geraldo, o artigo “Justiça social e justiça histórica” foi um balizador nas discussões que acompanharam a questão, acrescentando como a ministra Cármen Lúcia incorporou esses argumentos em seu voto. Para Boaventura, “a proposta de situar o juízo de constitucionalidade no horizonte da fraternidade representa uma importante inovação no discurso do STF. Mas assim como o debate sobre a adopção de acções afirmativas baseadas na cor da pele não pode ser dissociado do modo como a sociedade brasileira se organizou racialmente, o debate sobre a concretização da Constituição não pode desprezar as circunstâncias históricas nas quais ela se insere”. Leia aqui o texto de Boaventura.
ADVOCACIA POPULAR – “Boaventura é um intelectual raro, e coerência é o que o melhor caracteriza, já que não deixa de levar para a prática tudo o que defende e propõe. Seu grande mérito é justamente utilizar sua admirável teoria de Direito e Justiça a serviço dos movimentos sociais”. A afirmação é de Flavia Carlet, discípula confessa do sociólogo, atualmente à frente da Ouvidoria da Universidade de Brasília. Sua militância em Democratização da Justiça e no grupo de pesquisas Direito Achado na Rua a aproximou do pensador português, especialmente após sua pesquisa no mestrado intitulada “Advocacia Popular e as práticas jurídicas e sociais no acesso ao direito e à justiça aos movimentos sociais de luta pela terra”, sob a orientação de José Geraldo e “co-orientação informal” de Boaventura de Sousa Santos. Explica: “Tive a oportunidade maravilhosa de, um pouco antes da defesa, ser selecionada com uma bolsa, onde pude discutir os resultados da minha pesquisa com o professor Boaventura, na Universidade de Coimbra”.
Três anos antes, em 2007, deu-se o primeiro contato com o mestre, também na mesma Universidade – onde é professor catedrático –, quando estagiou no Observatório de Justiça Portuguesa, desenvolvendo com ele o estudo que resultou em sua pesquisa de mestrado. Neste ano, Flávia Carlet prossegue com seu percurso como acadêmica e militante, estando comprometida com o doutoramento na Universidade de Coimbra, associada ao Programa Direito, Justiça e Cidadania no século 21, idealizado por Boaventura. Outro exemplo de sua parceria ideológia e intelectual com Boaventura está no artigo assinado em conjunto com o sociólogo: “The Landless Rural Workers’ Movement and its Legal and Political Strategies for Gaining Access to Law and Justice in Brazil”, em 2008.
“São seus marcos teóricos e a sua admirável prática que me movem e me inspiram. Quem pesquisa Direitos Humanos no Brasil, na América Latina, na Europa, ou em qualquer outra parte do mundo, necessariamente tem de se valer de suas brilhantes e densas teorias”, acrescenta Flávia. Para ela, uma imensa contribuição do sociólogo está na conscientização das classes populares sobre a desigualdade e a violações de direitos, “e Boaventura nos desafia a pensar na tarefa imperativa da revolução democrática da justiça e na concepção emancipatória do acesso ao direito por parte dos movimentos populares, como negros, mulheres, índios, sem-terra, quilombolas, entre outros marginalizados”.
SOCIOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS – Um de seus encorpados pensamentos que empreendem uma revisão dos paradigmas das Ciências Sociais se dedica ao que chama de “sociologia das emergências”, na qual defende que “a experiência social em todo mundo é muito mais ampla e variada do que o que a tradição científica ou filosófica ocidental conhece e considera importante, e como essa riqueza social está a ser desperdiçada”. Segundo Boaventura, “para combater o desperdício da experiência social, não basta propor um outro tipo de ciência social. Mais do que isso, é necessário tornar visíveis as iniciativas e os movimentos alternativos e para lhes dar credibilidade”.
Além da defesa irrestrita dos Direitos Humanos a serviço de uma política progressista, da democratização da Justiça e do fortalecimento dos movimentos sociais nos espaços decisórios, Boaventura tem-se destacado em suas incisivas críticas à hegemonia econômica neoliberal e uma agenda globalizante que privilegia o mercado em detrimento do Estado e do individual sobre o coletivo, empreendendo ainda recorrentes proposições acerca de uma reforma democrática e emancipatória da Universidade.
PENSAMENTO NOVO – Um outro importante par político e intelectual de Boaventura também se diz honrado e orgulhoso de sua interlocução com o sociólogo. O senador, professor e ex-reitor da Unb, Cristovam Buarque, confere ao intelectual a importância de integrar “um grupo de pensadores e intelectuais que conseguem pensar o novo de modo novo, que ultrapassa aquele modo tradicional e antigo de enxergar o mundo em dois grandes blocos – um conservador e outro progressista”.
Segundo Cristovam, Boaventura “pensa o novo de modo novo em um mundo globalizado não mais dividido entre União Soviética e Estados Unidos, não mais marcado pela queda do muro em Berlim, um mundo onde os trabalhadores já participam do mercado e foram cooptados pelo sistema”. Entrevistado por telefone, o senador, cumprindo agenda política em Niterói, Rio de Janeiro, aproveitou para contar que – não à toa – encontrava-se, naquele momento, em uma livraria justamente às voltas com muitos dos admiráveis, inquietantes e iluminadores livros de Boaventura de Sousa Santos.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Boaventura de Sousa Santos na UnB

AULA DA INQUIETAÇÃO - 25/10/2012
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Boaventura volta à UnB para instigar o pensamento social
Sociólogo português estará na Universidade, na próxima semana, para receber o título de Doutor Honoris Causa e oferecer a Aula da Inquietação para os estudantes
Cristiano Torres - Da Secretaria de Comunicação da UnB


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“A universidade vai para onde vai o mundo e é por isso que uma boa universidade deve ajudar a mudar o mundo”. As palavras do sociólogo Boaventura de Sousa Santos foram proferidas em discurso no seminário Universidade e Sociedade, um ciclo de debates que discutiu a reestruturação da Universidade de Brasília, em 2009, e sintetizam as ideias do português acerca da academia e do papel central que essa instituição assume nas transformações da sociedade.
Os estudantes da Universidade de Brasília terão a oportunidade de rever e de ouvir de novo a mensagem do estudioso, que esteve várias vezes no campus, na Aula da Inquietação, que acontece às 10h da próxima terça-feira, 30 dse outubro, no Teatro de Arena do campus Darcy Ribeiro. Além disso, o sociólogo – cujo trabalho é dedicado a temas como globalização, justiça social, democracia e direitos humanos – receberá também o título de doutor Honoris Causa, às 18h30 da segunda-feira, 29, no Memorial Darcy Ribeiro. A apresentação do homenageado será feita pela filósofa Marilena Chauí.
Boaventura de Sousa Santos nasceu em Coimbra, em 1940 e têm Doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973). É professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e leciona também nas Universidades de Wisconsin-Madison e de Warwick. Além disso, dirige o Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e o Centro de Documentação 25 de Abril, na mesma Universidade.
O português chegou a morar numa favela do Rio de Janeiro, nos anos 1970. Ele escolheu o Brasil como cenário para compreender as raízes das injustiças econômicas e sociais e debater um novo caminho para o mundo. Suas ideias costumam ser evocadas em discussões que envolvem os temas mais sensíveis da atualidade.
Assiduamente convidado a participar de atividades na UnB, a primeira aproximação de Boaventura de Sousa Santos com a instituição aconteceu ainda na década de 1970, quando seus textos foram pela primeira vez alvos de debates em seminários na UnB. A aproximação foi uma das principais inspirações para a criação do grupo de pesquisa O direito achado na rua, hoje linha de pesquisa da Faculdade de Direito. A corrente de pensamento, da qual o reitor José Geraldo de Sousa Junior é um dos criadores e principais defensores, incorpora ao pensamento jurídico às práticas normativas desenvolvidas no seio das comunidades e dos movimentos sociais. Boaventura participou de vários volumes da série de livros publicados sobre tema.
Em seu trabalho recente, o sociólogo vêm provocando os agentes sociais a repensar o modo de produção do conhecimento dentro da universidade e defende uma aproximação com os movimentos sociais do mundo. Para Boaventura de Sousa Santos, vêm deles as iniciativas que, de fato, podem transformar a sociedade.
Para o autor de A Crítica da Razão Indolente, é preciso criticar radicalmente as verdades estabelecidas. “As teorias críticas que hoje vigoram no mundo foram produzidas pelos países do Hemisfério Norte. As experiências inovadoras de hoje estão acontecendo no Hemisfério Sul, e é para elas que o mundo tem que olhar”, afirmou. Ele também defende que a tradição e as culturas mais antigas, como os movimentos indígenas e os povos africanos possuem experiências capazes de criar políticas públicas e transformar a sociedade.
AULA INAUGURAL – Desde 2009, a cada semestre os novos alunos da UnB são recebidos com uma especial Aula da Inquietação, pensada para instigar nos calouros as primeiras curiosidades quanto ao novo mundo acadêmico que se descortina. Aberta a toda a sociedade, o encontro reúne pensadores da atualidade a um público variado – que envolve visitantes, professores, servidores, calouros e veteranos – num espaço em que são privilegiadas a liberdade e a expressão. Para o reitor José Geraldo de Sousa Junior, a aula “completa o ciclo de recepção dos calouros com um encontro entre os saberes não conformistas – exatamente o que a Universidade precisa”.
A edição inaugural, em março de 2009, reuniu 1,3 mil pessoas para assistir o rapper brasiliense Gog e o teólogo Leonardo Boff, que celebraram a inquietude em três horas de debate público sobre a proximidade da academia com os grupos marginalizados da comunidade. Ainda em 2009, o cientista Miguel Nicolelis pediu aos alunos que não desistissem dos sonhos diante das críticas ou das dúvidas alheias. “As pessoas têm medo daqueles que continuam sonhando com o impossível. Se vocês tiverem medo, não tentem dissuadir o próximo que quer seguir esse caminho. Mesmo o fracasso vale a pena. Rejeitem a mediocridade”, recomendou.
A terceira edição da Aula trouxe à UnB o astrofísico Marcelo Gleiser, que percorreu uma viagem desde o Big Bang aos dias de hoje e também provocou os calouros da universidade a não serem passivos na sala de aula. No segundo semestre de 2010, a atriz Clarice Niskier e o físico Ennio Candotti propuseram aos alunos a união entre arte e ciência nas salas de aula. O encontro inusitado entre saberes tão diferentes resultou em um ponto comum: Clarice acredita na transgressão como meio para o crescimento pessoal, e Candotti vê na indisciplina uma ponte para o conhecimento.
Em 2011, foram convidados, no primeiro semestre, o professor e músico José Miguel Wisnik e poeta e jornalista Eric Nepomuceno. Nessa apresentação, uma das novidades foi a presença de alunos de ensino médio na platéia. Já a sexta edição recebeu o poeta Nicolas Behr e o ator Juliano Cazarré. O evento foi marcado por protestos de estudantes, que expressaram sua indignação diante dos problemas da universidade e do Brasil.
A mais recente Aula da Inquietação, em 2012, recebeu as histórias e experiências de Amyr Klink. O navegador e escritor falou sobre o tempo de estudante, os desafios e de como os conhecimentos acadêmico, popular e prático contribuíram para o desenvolvimento de seu trabalho. “Não é somente o que vocês vão aprender aqui, nem somente o que vocês ouviram dos seus avós que vai solucionar os problemas. É preciso somar ciência e saberes populares na construção do conhecimento”, defendeu.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Rede Iberoamericana de Direito Sanitário homenageia reitor da UnB

Rede Iberoamericana de Direito Sanitário homenageia reitor da UnB
Maria Célia Delduque, da Fiocruz Brasília, representará José Geraldo em premiação que acontece nessa quinta-feira, 25, em Sevilha, na Espanha
Débora Cronemberger - Da Secretaria de Comunicação da UnB


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A Rede Iberoamericana de Direito Sanitário vai homenagear o reitor da Universidade de Brasília José Geraldo de Sousa Junior nesta quinta-feira, 25 de outubro, na Universidade de Sevilha, Espanha, por sua trajetória em defesa da saúde. O reitor será representado pela coordenadora do Programa de Direito Sanitário da Fundação Oswaldo Cruz Brasília (Fiocruz) e professora do Departamento de Saúde Coletiva da UnB, Maria Célia Delduque.
O prêmio será entregue por ocasião do II Congresso Iberoamericano de Direito Sanitário, realizado em 25 e 26 de outubro na Faculdade de Direito da Universidade de Sevilha. A homenagem a José Geraldo, aprovada por unanimidade pelo conselho diretivo da Rede, fundamenta-se também na relevância do livro El Derecho desde la calle: Introducción critica al Derecho a la salud, do qual José Geraldo foi um dos organizadores. A obra, resultado de parceria entre o Centro de Educação à Distância da UnB (Cead), a Fiocruz Brasília e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), foi lançada em outubro e é o texto-base do curso à distância para a América Latina.
O livro El Derecho desde la calle: Introducción critica al Derecho a la salud é o sexto volume do projeto O Direito Achado na Rua e o primeiro em espanhol. Veja aqui a matéria sobre o lançamento. “Essa premiação pela Rede Iberoamericana representa o fortalecimento e a concretização do direito à saúde, em um contexto em que a região ibérica vive uma crise com retrocessos de direitos sociais”, diz Maria Célia, dando os exemplos de Portugal e Espanha.
Em função de compromissos como a Semana Universitária, o reitor José Geraldo não pôde comparecer à homenagem na Espanha, mas reforçou a simbologia do prêmio. “Essa distinção traduz o coletivo que se incumbiu de ampliar o projeto O Direito Achado na Rua”, afirmou, ressaltando a importância da parceria com a Fiocruz Brasília e com a OPAS.
A Rede Iberoamericana de Direito Sanitário foi constituída em abril de 2011, em reunião celebrada na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires. Sua estatégia é de articulação e cooperação entre pessoas e instituições, no âmbito do Direito Sanitário, nos países membros da comunidade iberoamericana, de uma maneira que permita ampliar o debate acerca do efetivo exercício do direito à saúde.
HISTÓRICO - Criado em 1987 sob a forma de um curso de extensão universitária à distância, o projeto O Direito Achado na Rua foi elaborado por pesquisadores do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos, com apoio da então Coordenadoria de Educação a Distância do Decanato de Extensão – hoje chamada de Centro de Educação a Distância (CEAD-UnB). O primeiro volume, Introdução Crítica ao Direito, abordou o Direito de forma ampla. Os volumes seguintes apuraram o foco em áreas específicas: Direito do Trabalho, Agrário, à Saúde e das Mulheres.
Maria Célia Delduque diz que a integração proporcionada pelo curso internacional de direito à saúde tem entusiasmado os alunos. “Eles começam a perceber que padecem dos mesmos problemas em saúde, como o subfinanciamento do sistema, e que devem se unir para buscar soluções iguais para todos. Esse prêmio ao professor José Geraldo é uma consagração do entendimento de que a saúde é um direito de todos”, afirma.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Sexto volume do Direito Achado na Rua é lançado na sede da Opas


DIREITO - 15/10/2012
Mariana Costa/UnB Agência
 
O livro El Derecho desde la calle: Introducción critica al Derecho a la salud - edição revista, ampliada e traduzida do quarto volume da série - é base para cursos em toda a América Latina
Jairo Macedo - Da Secretaria de Comunicação da UnB
“Muito mais do que um livro ou um curso, um instrumento para descobrir o que é o direito sanitarista na América Latina.” Assim Félix Rigoli, gerente da área de sistemas de saúde da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS), define o livro El Derecho desde la calle: Introducción critica al Derecho a la salud, sexto volume da série O Direito Achado na Rua, lançado na sede da Opas/OMS nessa segunda-feira, 15. Resultado de uma parceria entre o Centro de Educação à Distância da Universidade de Brasília (Cead/UnB), a Fiocruz Brasília e a Opas/OMS, o livro constitui o texto-base para curso internacional à distância.
Surgida na Universidade de Brasília ainda em 1987, a série O Direito Achado na Rua vem trazendo uma significativa diversidade de temáticas – de direito agrário a direito das mulheres, passando pelos campos associados a trabalho e a saúde -, sempre do ponto de vista de quem trabalha pelo social e vê o direito como íntima relação com os cidadãos – "a tal rua metafórica", conforme explica Maria Célia Delduque, coordenadora do Programa de Direito Sanitário da Fiocruz Brasília (Prodisa) e principal organizadora do livro. "Pegamos o Direito Achado na Rua, um projeto da Faculdade de Direito, em que se valoriza esse direito construído dos movimentos sociais. Essa figura de linguagem vem ao encontro de quem representa a busca pela democratização da saúde, como associações de pacientes, gestores de hospitais e ONGs vinculadas à área", afirma. O livro é uma reedição do quarto volume da coleção, lançado em 2009, que trata do direito de universalização e democratização da saúde.
Com o gancho do projeto da Faculdade de Direito, a Prodisa construiu, há dois anos, o programa Introdução Crítica ao Direito da Saúde. Inicialmente voltado para o Brasil, e em língua portuguesa, a iniciativa se transformou em um curso à distância a partir da parceria com o Cead/UnB, o que possibilitou o acesso de 1.800 alunos, especialmente voltado para profissionais de Direito. "Foi quando a Organização Pan-Americana da Saúde nos colocou o desafio de transformar esse curso, que tinha sido um grande sucesso, em um programa voltado para toda a América Latina", conta Maria Célia Delduque. A ideia inicial era somente traduzir aquele texto original para a língua espanhola e distribuí-lo pelos países, mas a ideia se expandiu. "Consideramos que melhor seria juntarmos, em uma mesma oficina internacional, autores, sanitaristas e juristas latinoamericanos, de forma a estabelecer as bases para um livro e um curso que atendam à realidade desses países", afirmou.
Mariana Costa/UnB Agência
 
AMBIÇÃO - "É um trabalho ambicioso, no melhor dos sentidos. Quer alcançar 40 mil alunos e, mais do que isso, globalizar a discussão e instrumentalizá-la para a prática de fato", avaliou o reitor José Geraldo de Sousa Junior, presente no lançamento. Maria Célia Delduque apontou também que, em se tratando de saúde, não poderia ser de outra maneira. "O direito à saúde no Brasil nasceu assim, nas ruas, com movimento sanitarista brasileiro. Eles lutaram pela saúde e levaram esse direito até a Assembléia Nacional Constituinte, conseguindo inscrever, no artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado", conta a organizadora do livro. Alexandre Bernardino Costa, professor da Faculdade de Direito, autor e organizador do volume original em português, ressalta a confluência de interesses. "Uma forma de denominar o Direito Achado na Rua seria um trabalho de perspectiva teórica de construção social do direito. Este direito que emerge das lutas sociais, dos movimentos de protagonistas da construção de novos direitos."
Dessa forma, em novembro de 2010 foi realizada, na mesma sede da Opas em que ocorreu o lançamento do livro, uma grande oficina reunindo 23 universidades de 18 países. "Lembro-me perfeitamente dessa oficina como um dos momentos mais ricos de discussão e proposição de soluções. Avançamos muito na articulação da saúde coletiva e do direito universal. O livro, como produto final, é prova disso", relembra Márcio Florentino Pereira, professor adjunto do Departamento de Saúde Coletiva da UnB e um dos autores e organizadores do livro. O reitor José Geraldo também enfatizou esse período: "Esse momento foi fundamental. Foi ali naquela oficina que se concretizou essa temática de integração de interesses, aliamento entre áreas de Direito e Saúde e proposição de políticas públicas”. Na oficina de 2010, decidiu-se pela criação do livro e do curso, o que confere a urgência do texto na língua da maioria dos envolvidos.
Ao longo de 2011, autores de países como Chile, Guatemala, Argentina e Brasil auxiliaram na formulação de artigos para o livro, tentando incorporar os desafios em comum na temática de direito sanitarista e de melhorias em políticas públicas de saúde. Uma turma piloto foi composta com alunos de Brasil, El Salvador, Costa Rica e Argentina, todos formados em Direito e com atuação direta ou indireta na área de saúde, seja como advogados, gestores, agentes de ministérios ou consultores jurídicos. No último momento, surgiu a participação da Espanha. “Isso no momento de crise econômica naquele país, o que tem impacto no direito à saúde e sanitarismo deles, que antes era universal, gratuito, e agora pode passar por problemas”, observa Maria Célia Delduque. O curso tem 90 horas, 100% delas à distância, e o livro está disponível virtualmente, em formato e-book, nos sites do Cead/UnB, Opas/OMS e Fiocruz. O acesso é irrestrito: qualquer pessoa pode baixá-lo gratuitamente. A primeira turma se forma no fim de 2012.
DIFUSÃO – Participando diretamente da coleção de livros desde a sua gênese, o reitor atestou ainda a expansão do movimento Direito Achado na Rua. "Era um programa de extensão no início e hoje representa um grupo de pesquisa e linhas de pesquisa de pós-graduação em direito. Configurado em uma série, alcança agora um momento de grande expressão porque se internacionaliza. Essa edição em espanhol atende a uma expectativa de diálogo de dimensão continental". José Geraldo não teme por possível descaracterização do plano inicial. Ao contrário, acredita que "o Direito na Rua pode perder em densidade a princípio, porque não abarca somente os problemas de Brasília e do Brasil, mas ganha em difusão. É preciso enfrentar os problemas da América Latina quanto à universalização do acesso à saúde e a base teórica para isso é fundamental".
"Esse livro e o curso significam uma inserção muito maior. É desafiador e fascinante alcançar milhares de alunos na América Latina e discutir suas demandas sociais", endossa Alexandre Bernardino. Para ele, o tema de maior urgência na área é mesmo dessa amplitude. "A universalização e a democratização do direito da saúde é o principal. Quando falamos de direito, estamos falando de política de patentes de laboratório, por exemplo. Falamos também da possibilidade de melhorias da cultura de saúde centrada não só no ambiente hospitalar, mas também de saúde familiar, coletiva e social", complementa.
JUDICIALIZAÇÃO - Mais do que isso, para Alexandre Bernardino e Maria Célia Delduque, é fundamental discutir a judicialização das políticas de saúde na América Latina. "Hoje a judicialização é um fenômeno que vem acontecendo pela América Latina, de forma bastante grave em países como Argentina, Colômbia e Brasil. As pessoas vem acorrendo ao Poder Judiciário para obter ações e serviços de saúde. Mesmo a Espanha, onde esse fenômeno ainda não acontece, estudiosos dizem que, em vistas das crise econômica e dos consequentes cortes de direitos sociais, muitos vão acorrer ao judiciário para garantir seus direitos sociais", afirmou Maria Célia. "É fundamental discutir", concordou Bernardino, "principalmente por colocar a demanda por direitos da saúde no centro da discussão. Evidentemente, o atendimento isolado, sem a visão de um todo por parte dessa magistratura, pode gerar complicações em relação à administração pública do direito da saúde. Isso não significa que o Judiciário vai deixar de atuar, mas que temos de encontrar mecanismos para que todos usufruam do direito à saúde", acrescentou. Em El Derecho desde la calle, vários dos 28 artigos estudam essa nova perspectiva, inclusive um de autoria da própria Maria Célia Delduque - junto a Silvia Badim e Karen Vargas -, intitulado Judicialización de Las Politicas de Salud em America Latina.
Maria Célia ressalta ainda a questão da propriedade industrial e patentes farmacêuticas nesses países em desenvolvimento. “É um assunto que afeta a todos nós, uma vez que alguns países não dispõem de verba para pagar essas patentes e obter remédios para certas doenças. O fato de que pessoas carentes não tenham acesso ao que pode salvá-los guarda relação direta com o direito à saúde", finalizou.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

UnB e Fiocruz Brasília lançam sexto livro do Direito Achado na Rua


SÉRIE - 09/10/2012
El Derecho desde la calle: Introducción critica al Derecho a la salud trata de temas como judicialização da saúde e propriedade industrial x patentes farmacêuticas
- Da Ascom Fiocruz Brasília
Com 28 artigos escritos por 53 juristas e sanitaristas de 11 países, o livroEl Derecho desde la calle: Introducción critica al Derecho a la salud -  sexto volume da série O Direito Achado na Rua - será lançado no dia 15 de outubro na sede da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS) em Brasília. A publicação resulta de parceria entre o Centro de Educação à Distância da Universidade de Brasília (Cead/UnB), a Fiocruz Brasília e a Opas/OMS.
“O Direito Achado na Rua” é uma filosofia que privilegia os movimentos sociais que fazem emergir da rua os direitos dos cidadãos. Um dos exemplos é “saúde direito de todos, dever do estado”, estabelecido na Constituição brasileira, que nasceu do movimento sanitário na década de 1980. O movimento reuniu profissionais de diversas áreas, conforme explica a principal organizadora do livro, Maria Célia Delduque, coordenadora do Programa de Direito Sanitário da Fiocruz Brasília (Prodisa).
Essa é a primeira publicação da série em espanhol. Questões instigantes como propriedade industrial e patente farmacêutica; o direito à saúde das populações migrantes e de fronteira; e judicialização das políticas de saúde na América Latina são alguns dos temas tratados em artigos. O livro também traz discussões a respeito das bases conceituais do direito à saúde e sobre as tendências do direito à saúde e dos sistemas de saúde na America Latina. Delduque observa que “nem todos os sistemas de saúde da região são includentes como o Sistema Único de Saúde brasileiro. Em alguns países, há um sistema de contrapartida por parte do usuário”. A pesquisadora destaca que o objetivo principal do livro é levar a todo o povo latino americano que o direito à saúde é universal.
O primeiro volume da série O Direito Achado na Rua foi Introdução Crítica ao Direito, que abordou o direito de forma ampla. Posteriormente, foram elaborados volumes com temas específicos: Direito do Trabalho, Direito Agrário, Direito à Saúde e Direito das Mulheres. O sexto volume, El Derecho desde la calle: Introducción Critica al Derecho a La Salud, é a versão em espanhol, revista e ampliada, do quarto volume, lançado em 2009, que tratou do direito à saúde.
A publicação também é destinada aos alunos do curso de atualização Derecho desde la calle: introducción crítica al derecho a la salud, promovido por meio de parceria entre a Fiocruz Brasília, UnB – pela Faculdade de Direito e Departamento de Saúde Coletiva - e Opas/OMS. Na modalidade à distância, a primeira turma do curso atende 250 estudantes de cinco países - Argentina, Costa Rica, El Salvador, Espanha e Brasil, e está abrigado no campus virtual da Opas/OMS no Panamá.
O livro será disponibilizado apenas na versão eletrônica somente após 15 de outubro, nos sites da UnB (www.cead.unb.br), Opas (http://new.paho.org/bra) e Fiocruz Brasília (http://rededireitosanitário.fiocruz.br), clicando no item "publicações".