quarta-feira, 25 de junho de 2025

 

El uso del derecho como herramienta de transformación en América Latina

|
|

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

|

El uso del derecho como herramienta de transformación en América Latina/Gabriel Pereira y Catalina Smulovitz. Editores. – Bogotá: Editorial Dejusticia, 2025, 628 páginas.

        

 

Além das Notas sobre os (as) colaboradores (as), o sumário traz a Apresentação, a cargo  de Hartmut Rank e Miguel Barboza López e uma Introdução preparada pelos editores Gabriel Pereira e Catalina Smulovitz. O livro contêm quatro partes nas quais os artigos estão distribuídos.

Primera parte Movilización legal:

Movilización legal. Una herramienta adicional de acción política y social, de Catalina Smulovitz.

Contramovilización legal y backlash desde la sociedad civil y el Estado em América Latina: litigio conservador en Argentina y Colombia, de Alba Ruibal.

Movilizar el derecho sin accionar la justicia: la experiencia del movimento sin tierra en Brasil, de Antonio Escrivão Filho

La aplicación selectiva de los derechos sobre la tierra bajo el liberalismo mexicano, de María Paula Saffon e Juan González Bertomeu.

Segunda Parte: Activismo y decisión judicial

El poder judicial como actor político central en América Latina, de  Ezequiel González-Ocantos, de  Pablo Valdivieso-Kastner.

El mensaje importa: relaciones de influencia en los precedentes judiciales. Una reflexión acerca de los precedentes sobre perspectiva de género en el Poder Judicial Federal mexicano, de Karina Ansolabehere,  Sandra Serrano e Jesús Espinal.

Los jueces de la Corte Suprema argentina y la difícil tarea de permanecer en el cargo, de Andrea Castagnola.

Jueces como equilibristas: explicación del activismo judicial en América Latina, de Gabriel Pereira.

Tercera parte: Impacto de las decisiones judiciales

¿Sentencias que impactan? Análisis de la eficacia de las decisiones judiciales em América Latina, de Diana Esther Guzmán-Rodríguez e Mariana Camacho-Muñoz.

Los derechos de la población trans e intersex en la Corte Constitucional de Colombia: movilización e impacto judicial entre 1991-2022, de  Sandra Botero e Juliana Jaramillo.

Judicialización del derecho a la vivenda en la Ciudad de Buenos Aires. Um análisis de su impacto, de Catalina Marino.

La Corte Suprema argentina y su intervención en casos estructurales. Efectos irradiadores del caso de la cuenca Matanza-Riachuelo, de Esteban Nader.

Cuarta parte: Innovaciones jurídicas

Crisis, ritual judicial y autoridad. Análisis situado de los modos de construcción de legitimidade de la Corte Suprema argentina, de Leticia Barrera.

Los desafíos de la transformación social mediante el derecho en América Latina en la “era de la erosión democrática”, de Javier Couso S.

¿Cómo entender la victimización del territorio en el conflicto armado? De Alexandra Huneeus e Pablo Rueda Sáiz.

Una teoría del litigio estructural desde Latinoamérica,  Mariela Puga.

Caleidoscopio de los usos del derecho y de la judicialización de la política em América Latina, de Rodrigo Uprimny.

Do que trata o livro, melhor diz o seu resumo, extraído da Introdução:

Este livro oferece uma discussão interdisciplinar sobre um dos fenômenos mais marcantes das democracias latino-americanas dos últimos anos: o uso do direito, e especialmente do litígio, como ferramenta de transformação social e política. Muito já se escreveu sobre esse fenômeno, também conhecido como judicialização da política, no meio acadêmico anglo-saxão; no entanto, na região latino-americana, são escassos os trabalhos multidisciplinares e comparativos sobre o tema. Este volume busca suprir essa lacuna, incorporando não apenas essas perspectivas à análise do fenômeno, mas também o olhar de pesquisadores jovens e de outros mais experientes, bem como de autores provenientes de diferentes países da região.

Por outro lado, este volume pretende ser um ponto de encontro entre duas abordagens da judicialização da política. A análise desse fenômeno tem sido tratada de forma fragmentada na região: de um lado, por acadêmicos do direito que procuram delinear seus contornos conceituais e processuais; de outro, por sociólogos e cientistas políticos que explicam como o fenômeno jurídico interage com o tecido social, político e cultural no qual se insere.

Para esse fim, esta obra inclui um conjunto de estudos voltados a analisar e dimensionar os avanços, retrocessos e inovações dogmáticas e institucionais que têm se verificado no direito latino-americano, bem como sua relação com a expansão e o uso do direito como ferramenta de ação. O trabalho desta obra coletiva foi guiado por perguntas como: Quais fatores determinam que alguns grupos sociais utilizem, ou não, a estratégia do litígio para levar adiante suas reivindicações coletivas em situações específicas? Quais dinâmicas do contexto político doméstico e regional determinam a extensão do ativismo de juízes em determinados casos? Ou ainda: Quais têm sido as consequências específicas e particulares de alguns desses processos?

 

Da Apresentação feita por Hartmut Rank, Diretor do Programa de Direito para a América Latina e por Miguel Barboza López, Coordenador de Projetos e Pesquisador Senior do Programa Estado de Direito para América Latina, da Fundação Konrad Adenauer que proporcionou o apoio para a edição, tem-se que move a compreensão desses apoiadores é entender que o direito tem, sem dúvida, “a capacidade de, ao ser utilizado, gerar mudanças sociais e políticas profundas. É isso o que tem ocorrido na América Latina, onde diversos setores têm levado suas demandas aos tribunais para transformar realidades. O livro que apresentamos a seguir, intitulado O uso do direito como ferramenta de transformação social e política, aborda justamente esse uso do direito voltado para a transformação política e social, apostando em um olhar diferente: multidisciplinar e comparativo”. Assim que a obra, reunindo reflexões de autoras e de autores seniores da América Latina, muitos deles com atividades acadêmicas na América do Norte e na Europa, entre eles o único brasileiro, nosso colega da UnB, Antonio Sergio Escrivão Filho, traz como eixo comum o “tema do chamado ‘ativismo judicial’ ou ‘judicialização da política’, de modo que suas “perspectivas críticas abordam desde a conceituação da mobilização legal, sua evolução, as dificuldades e seus impactos, até o papel dos juízes e juízas nas democracias e a politização do poder judiciário”. É o que mostra as palavras-chave, judicialização da política, direito e políticas públicas, mobilização legal e política judicial, impacto judicial, inovações jurídicas.

A partir do resumo e no descritivo que expõe a obra, os editores afirmam em conclusão, que além do fato de que o livro condensa as discussões mais relevantes sobre o crescente uso do direito como ferramenta de transformação social e política observada na região, talvez seu aspecto mais inovador seja a pretensão de realizar essa tarefa a partir de uma perspectiva multidisciplinar e comparativa, abordando tanto a faceta propriamente jurídica do fenômeno quanto sua interação com os atores sociais e políticos que o promovem ou o dificultam.

Destacado entre os autores e autoras, o nosso Antonio Escrivão Filho foi assim apresentado, conservando aqui o original em espanhol: Antonio Sergio Escrivão Filho Abogado y máster en Derecho de la Universidade Estadual Paulista (UNESP), y doctor en Derecho de la Universidade de Brasília (UnB). Profesor de grado y posgrado de la Facultad de Derecho de la Universidade de Brasilia (UnB); es coordenador del Núcleo de Estudios por la Paz y los Derechos Humanos del Centro de Estudios Avanzados Multidisciplinares (CEAM/ UnB), y miembro del Consejo Director de la Tierra de Derechos, organización de derechos humanos y servicios legales. Entre 2006 y 2014 trabajó en la abogacía junto al Movimiento de los Sin Tierra, pueblos indígenas y quilombolas en Brasil. Fue coordinador ejecutivo y de pesquisa de la Tierra de Derechos. Ha sido investigador visitante en la University of California (UCLA School of Law). Desde 2013 es investigador de El Derecho Hallado en la Calle (UnB), trabajando con temas referidos a la relación entre los movimientos sociales, los derechos humanos y el poder judicial en diferentes cursos y publicaciones.

Penso que o cerne da análise de Escrivão está na consideração da mobilização camponesa e uso do direito no MST. Para ele, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem gerado intenso debate acadêmico em diversas áreas, dada sua relevância política, social e jurídica no Brasil. A criação de uma CPI contra o movimento em 2023 demonstra sua atualidade e o impacto de suas ações. Pesquisas apontam que cerca de 85% dos assentamentos rurais no país resultaram de ocupações lideradas pelo MST. Apesar disso, a estratégia criminalizadora permanece como forma de tentativa de contenção, tanto em sua face bruta pela violência direta e militarizada, quanto em sua face dissimulada que procura se vestir de institucionalidade aparelhada, sendo a comissão parlamentar de inquérito a mais insistente. A propósito, https://brasilpopular.com/nova-estrategia-do-latifundio-agronegocio-uma-cpi-para-confrontar-o-mst/; e também https://brasilpopular.com/cpi-do-mst-contexto-e-diagnostico-da-situacao-agraria-brasileira/.

Todavia, desde os anos 1980, analisa Escrivão, o MST construiu uma estratégia paradoxal: usa o direito como argumento político e moral, mas sem necessariamente recorrer ao Judiciário. A ocupação de terras é seu principal instrumento de mobilização, denúncia e negociação, funcionando como mecanismo para pressionar o Estado a aplicar a função social da propriedade — prevista na Constituição de 1988, mas já ensaiada desde o Estatuto da Terra de 1964.

Historicamente, as lutas camponesas no Brasil remontam às décadas de 1950 e 60, com sindicatos e ligas apoiadas pelo Partido Comunista e depois pela Igreja progressista. Após o golpe militar de 1964, o campo foi profundamente reprimido, mas o Estatuto da Terra instituiu a expropriação por interesse social, desde que houvesse descumprimento da função social da propriedade.

Com a redemocratização e o novo sindicalismo nos anos 1980, o MST surge articulando a força social com apoio legal e pastoral, criando uma forma inédita de mobilização legal sem judicialização. A lei passou a ser usada como ferramenta de ação direta e expansão política, e não apenas como limite institucional. A ocupação tornou-se uma forma de convocar o Estado para agir, e não de enfrentá-lo, subvertendo o papel tradicional do direito.

O MST construiu um repertório de mobilização que articula ocupações, acampamentos, eventos públicos e ações simbólicas, fundadas em argumentos jurídicos. Essa atuação ampliou sua capacidade de articulação com a sociedade e fortaleceu seu poder de negociação com o Estado. O direito, assim, se converte em fonte de legitimidade e mobilização, substituindo elementos tradicionais ou sagrados por uma racionalidade jurídica-social.

De fato, a proposta central do texto é mostrar que, no caso brasileiro, o direito foi apropriado como instrumento de radicalização e não de contenção, desafiando a tendência global de submissão dos movimentos sociais à legalidade institucional. O MST demonstra que é possível mobilizar o direito sem depender da ação judicial, mantendo a criatividade, a pressão política e a construção coletiva de direitos, em especial o direito à terra.

Nas considerações finais Escrivão destaca que a sua análise põe em relevo a estratégia paradoxal do movimento camponês brasileiro, especialmente do MST, que utiliza o direito como instrumento de mobilização social e fiscalização da função social da propriedade por meio de ocupações de terra. A partir dos anos 1980, o direito passa a ter centralidade no discurso público e na organização das famílias sem terra, funcionando tanto como símbolo de legitimidade quanto como oportunidade política para viabilizar a reforma agrária.

Com o fim da ditadura militar, o movimento intensifica suas ações, provocando a atuação do Estado. Em resposta, os proprietários rurais recorrem à violência e à judicialização, tentando desmobilizar os acampamentos e bloquear as políticas agrárias, num processo de contramobilização legal.

A confiança crescente dos proprietários no Judiciário faz com que eles levem a reforma agrária para os tribunais, politizando a função judicial. Nesse contexto, o movimento enfrenta o uso da Justiça como instrumento de repressão, mesmo quando é ele quem convoca o Estado a aplicar a lei. Esse cenário revela uma disputa intensa em torno do papel do Judiciário na política agrária, marcando limites e contradições no uso do direito como ferramenta de transformação social.

Na tese de doutoramento de Escrivão Filho, a que se pode ter acesso pelo Repositório de Teses da UnB – Mobilização social do direito e expansão política da justiça: análise do encontro entre movimento camponês e função judicial. 2017. 315 f., il. Tese (Doutorado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2017 – o Autor oferece o resultado de uma pesquisa que tem por objeto o fenômeno de encontro entre o movimento social e a função judicial no Brasil, analisando a experiência do movimento camponês a partir da década de 1980, com foco empírico (primário e secundário) e bibliográfico nos conflitos fundiários e no MST, observando a sua capacidade de reivindicação e mobilização constitutiva (criação) e instituinte (efetivação) de direitos.

Neste cenário, segundo o resumo do trabalho, observa-se um fenômeno de expansão política da sociedade brasileira, e com ela uma dialética de expansão política do direito, no bojo da ativação social dos direitos fundamentais. De modo complementar, neste período observa-se ainda a densificação das funções de controle judicial sobre a sociedade e os entes estatais, o que, por via de consequência, proporciona uma potencial transferência da deliberação de assuntos de elevada intensidade política para a arena judicial – como a relação ‘Estado-sociedade’ inscrita nos direitos fundamentais- culminando, enfim, no fenômeno identificado pela noção de expansão política da justiça. Identifica-se, assim, que a análise da mobilização social do direito realizada pelo movimento camponês, e o respectivo padrão de enfrentamento judicial com proprietários, tanto pode ser melhor analisada sob o enfoque da expansão política da justiça, como fornece elementos para a própria compreensão do fenômeno da expansão judicial no Brasil, a partir do regime de enunciado democrático.

Esse é o mesmo cenário, embora alargado em alcance histórico e político, no qual Escrivão, aqui denominando contexto, instala sua análise sobre o Supremo Tribunal Federal em face dos direitos humanos. Trata-se, diz ele (pp. 5-6) de reconhecer a política como o campo constitutivo (de criação) e instituinte (de efetivação) de direitos, a partir do que antigos e novos movimentos sociais, urbanos e rurais, comunitários e eclesiais, locais e nacionais, de Gênero e étnico-raciais emtram em cena, primeiro deslocando o lócus da ação política dos espaços institucionais para achá-la na rua, espaço público por excelência, depois, ocupando também os espaços institucionais para então disputar a participação no próprio processo constituinte de 1987-88. Assim que, se não parece possível afirmar a existência de um regime democrático sem direitos fundamentalmente referidos à cidadania – ou seja, às garantias de dignidade, bem estar social e participação ativa na vida política da sociedade – não soaria lógico conceber um regime de direitos sem identificar que, por detrás da sua conquista, traduzida em reconhecimento jurídico-institucional, estão os sujeitos que irromperam a história, superando violências, exploração e opressões cotidianas para, a cada novo momento, a cada nova emergência em luta social, afirmar novos direitos.

Pensando, pois, os direitos e principalmente os direitos humanos, como a resultante política das lutas concretas pela dignidade, nesse contexto, para o Autor,  de pouco ou nada adianta o reconhecimento jurídico-normativo de novos direitos, se ele não for acompanhado por uma equivalente e muitas vezes drástica transformação dos órgãos estatais, institucionalmente desenhados e politicamente delegados para o exercício das funções de proteção, defesa e efetivação de direitos (p. 6).

O fato é que, embora, sob consideração teórica, se reconheça como legítimas as formas de ação coletiva de natureza contestadora, solidária e propositiva dos movimentos sociais, a dialeticidade de suas múltiplas práticas sociais, não necessariamente é vista, no plano da política, como compromisso com a coletividade para a construção de esfera pública democrática em cujo âmbito se definem projetos emancipatórios, sensíveis à diversidade cultural e à justiça social. Ao contrário, a expressão conflitiva dessa dialeticidade tem levado, muito em geral, a uma reação despolitizada, da qual não são imunes o Ministério Público e o Judiciário, abrindo-se à tentação de responder de forma pouco solidária e até criminalizadora a essas práticas.

No seu texto, no livro ora Lido para Você, Escrivão generosamente agradece a mim pelos comentários ao texto original e pelos diálogos sobre a relação entre o direito e os movimentos sociais no Brasil. Assim como agradece também a Scott Cummings  – ver a participação do autor norte-americano em nossas trocas interpretativas, por exemplo, em O Direito achado na rua: Introdução crítica ao Direito como liberdade (https://livros.unb.br/index.php/portal/catalog/book/116) – pelas impactantes conversas sobre a mobilização do direito, e mais ainda a Renata Corrêa Vieira pela leitura atenta e pelas sugestões que foram essenciais para que esta análise fosse possível.

Com efeito, os agradecimentos remetem a uma colaboração que nos associa nesse compromisso comum de contribuirmos para ressignificar o processo de mobilização do sistema de justiça para calçar o chão da luta emancipatória do MST e de seu projeto de sociedade. Com Renata Carolina Corrêa Vieira, mostramos em artigo no Le Monde Diplomatique, publicado em 18/07/2019 – A função social da propriedade: pedra angular da Constituição Cidadã (https://diplomatique.org.br/a-funcao-social-da-propriedade-pedra-angular-da-constituicao-cidada/), a malícia de propostas legislativas que, apesar de sua inviabilidade, tentam reduzir o alcance da realização do princípio da função social da propriedade, com movimentos deliberativos no Parlamento para favorecer a privatização do que já se colocava fora do comércio. Volta-se, com renovados artifícios, em medidas legislativas, a invocar a tese da propriedade privada como um direito absoluto, num contexto de realidade distópica, em que mentes autoritárias afirmam a “sacralidade” para retirar do seio da sociedade direitos conquistados historicamente por lutas sociais.

Ainda nesse artigo, compulsamos algumas agendas que conformam o tema geral do direito à terra e à reforma agrária, notadamente desde a conjuntura que antecede o golpe parlamentar-judicial-midiático, que levou ao afastamento da presidenta Dilma Rousseff e, com ela, a disposição para levar à derrogação projeto popular-democrático que abriu ensejo à construção dessas agendas e, logo, à instalação de uma governança a serviço do modelo capitalista de concentração da terra e do território. Vê-se nitidamente que o tema de relativização da função social da propriedade compõe essa agenda. Aliás, o requerimento para instalar a CPI em 2024 toma esse sentido “sacralizado” da ultrapassada noção de propriedade privada absoluta.

Por isso que, com Escrivão, estamos todos de acordo em que, enquanto se funcionaliza uma ação, com algum grau de concertação na linha de respostas criminalizadoras, o mesmo não se vê quando se trata de verificar a legalidade e a constitucionalidade dos pleitos possessórios que requeiram a concessão de medidas protetivas em imóveis que descumprem a função social, ou ainda, quando se trata de assistir despejos de famílias sem-terra, para fiscalizar a ação policial, prevenir abusos, fazer cumprir a legislação de proteção a crianças, adolescentes e idosos ou, finalmente, para impedir que qualquer desocupação seja realizada sem a designação de lugar adequado para a remoção dos atingidos.

Apesar de um momento de inflexão que permitiu ao Judiciário entender que há uma espaço de politização descriminalizadora, que permitiu até ao STJ distinguir a invasão (esbulho possessório) da ocupação, modo social de realizar a promessa constitucional da reforma agrária e a outras instâncias de que a função social faz a moradia prevalecer sobre a propriedade, constata-se e recrudesce a existência persistente ainda em nosso Pais de uma disputa que envolve, de um lado, a secular manutenção da concentração da terra frente à necessária democratização do acesso à essa terra e ao território; e de outro, a formulação de projetos políticos antagônicos para o campo brasileiro, desafiando a elaboração de agendas para a adoção de estratégias econômicas, sociais, políticas e jurídicas que conforma esse tema.

 

quinta-feira, 19 de junho de 2025

 

Em Defesa da Universidade Pública Frente às Investidas da Extrema Direita

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

Facebook
Twitter
WhatsApp

Nesta semana, dia 17, sindicatos, parlamentares, movimentos sociais, professores, estudantes, técnicos e representantes governamentais se reuniram em ato de Defesa da Universidade Pública Frente às Investidas da Extrema Direita. A manifestação é uma reação a uma insidiosa investida dessa conjuração que vem contaminando o País, que chegou a inocular-se em sua governança por pouco não totalmente capturada, não fosse a resposta eleitoral que resgatou o curso democrático e a mobilização do sistema de justiça para debelar sua tática de tomada do poder por meio de golpe antidemocrático e de força.

O ato foi também uma afirmação de que não há lugar na universidade e na UnB para o discurso de ódio, a desinformação e qualquer forma de autoritarismo, fascismo na sua pior forma, a se considerar como mostra Umberto Eco sua insistência perene de substituir a política pela violência. Conforme se divulgou, o ato “reafirmou a necessidade da UnB como espaço de pensamento crítico, coletivo e democrático”.

O ato foi organizado pela ADUnB, Sintfub, DCE UnB e ANDES-SN, e contou com a presença de parlamentares distritais, federais, autoridades governamentais, dirigentes de organizações populares e sindicais, que se manifestaram após a abertura, com uma mesa de debate formada pelo professor Fábio Sá e Silva (Universidade de Oklahoma e pesquisador do Ipea), candidato do Brasil a uma vaga de comissário na Comissão Interamericana de Direitos Humanos em eleição na OEA ao final deste mês; e também pela professora Janara Sousa (FAC/CEAM-PPGDH/UnB), incumbidos de indicar elementos para aprofundar a compreensão do avanço da extrema direita como um fenômeno global, com estratégias que ultrapassam fronteiras e refletem no ambiente universitário. 

A professora Janara, é pesquisadora em direitos humanos, mídia e tecnologias digitais, atuante em observatório acadêmico que avalia e organiza disposições para enfrentamento à violência online e discursos de ódio. Enquanto o professor Fábio Sá e Silva, para além de suas qualificações de docente e de pesquisador, é candidato do Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos).

A propósito da candidatura de Fábio para exercício comissionado na CIDH, houve no ato, manifestação formal de segmentos organizados na UnB – Assessoria Jurídica Universitária Popular Professor Roberto Lyra Filho (AJUP), Coletivo (Grupo de Pesquisa certificado pelo Diretório do CNPq) O Direito Achado na Rua, Grupo de Pesquisa Justiça de Transição do Programa de Pós-Graduação em Direito/UnB, Grupo Candango de Criminologia, Grupo de Pesquisa Direito, Gênero e Famílias (GCCRIM),  Moitará – Grupo de Pesquisa de Direitos Étnicos e Grupo de Pesquisa Laboratório de Informação, Tecnologia e Diversidade – LabDiv – por meio de moção à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e à Organização dos Estados Americanos (OEA), expressando a expectativa de que considere a “candidatura brasileira (que) surge na percepção de que o Brasil, juntamente com os países com mais protagonismo na região – Colômbia e México – não pode estar ausente do sistema interamericano nesse contexto de avanço da extrema-direita glocal. Neste importante momento, a indicação do Professor Doutor Fábio de Sá e Silva para o posto na Comissão Interamericana representa uma oportunidade singular de representação da sociedade do hemisfério sul, em seu caráter social, econômico e geográfico, assim como dos ideais que germinam a partir da trajetória de luta e resistência do povo latino-americano”.

A manifestação desses segmentos corresponde a uma indicação que cabe muito bem no perfil que procurei esboçar quando antecipei a importância de o Brasil se mobilizar para ter protagonismo nesse espaço estratégico interamericano (https://brasilpopular.com/a-importancia-e-a-urgencia-de-o-brasil-ter-protagonismo-no-sistema-interamericano-de-direitos-humanos/). Depois, desenhando o rosto do próprio Fábio a esse perfil, praticamente o sabatinamos, eu e a minha presidenta Ana Paula Daltoé Inglês Barbalho, da Comissão de Justiça e Paz de Brasília, em programas radiofônicos (Programa de Justiça e Paz, da CJP: https://www.youtube.com/watch?v=T-t-cCLiP_I e https://www.youtube.com/watch?v=xtfDctUtO6g&t=2216s

Na sua exposição, no ato da UnB, Fábio balizou quatro perspectivas para chamar ao debate provocado pelas investidas da extrema-direita: 1) o fenômeno é transnacional; 2) há uma apropriação, por seus porta-vozes da linguagem dos direitos, contra os direitos; 3) mas essa apropriação é oportunista e gera contradições; e 4) o Brasil tem condições institucionais que o habilitam a enfrentar isso — autonomia universitária definida na CF, campo que, nessas condições nos proporciona possibilidades de reação, porque a universidade, autônoma e criticamente livre, é por isso, estratégica para o desenvolvimento do País.

Concordando com essas questões-guias, eu próprio tive meus cinco minutos de manifestação no ato, certamente na condição de ex-Reitor. Claro que comecei por marcar posição em relação ao histórico de uma instituição insubmissa, fiel ao seu projeto inscrito na lealdade originária de compromisso com a busca de soluções para os problemas do Brasil (Darcy Ribeiro). Uma universidade que sempre resistiu a intervencionismos autoritários, pagando alto preço na ditadura (expulsões de alunos, banimento de professores, assassinatos políticos – Honestino Guimarães, Ieda Santos Delgado, Paulo de Tarso Celestino, tentativas de interrupção desse projeto). Para mais, ver Roberto Salmeron “A universidade interrompida” e o “Relatório da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB”: https://estadodedireito.com.br/a-universidade-interrompida-brasilia-1964-1965/https://estadodedireito.com.br/relatorio-da-comissao-anisio-teixeira-de-memoria-e-verdade-da-universidade-de-brasilia/

Mas também lembrei que o espaço de produção de conhecimento, especialmente o universitário, por construção histórica crítico, livre, autônomo, é um espaço estratégico e por isso alvo preferencial de qualquer paroxismo autoritário. As investidas desse paroxismo, quando se extrema à direita, no sentido próprio dessa expressão (atualmente em sua ação globalizada, xenofóbica, antiglobalista, autoritária,  negacionista no científico e no climático, historicamente revisionista) assume ostensivamente na prática, o discurso militarizado do ódio e da violência política.

Não por outra razão, tomando como referência a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vê-se a preocupação em preservar a autonomia universitária e a liberdade de ensino, em face dessas investidas continentais e globais, com a adoção de diretrizes sobre esse tema (confira-se em https://brasilpopular.com/principios-interamericanos-sobre-a-liberdade-academica/), que aprovou Princípios Interamericanos sobre a Liberdade Acadêmica, para prevenir “a constatação da ameaça crescente, no continente, de agressões, mobilizações e atitudes contra a autonomia universitária e a liberdade de ensino, sobre a desinstitucionalização e a desconstitucionalização desses fundamentos, caros aos enunciados dos direitos convencionais internacionais, assim como da própria ONU”(https://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Principios_Libertad_Academica.pdf). Ver também, ainda sobre esse assunto, minha opinião aqui no Jornal Brasil Popular: https://brasilpopular.com/ameaca-a-liberdade-de-ensino-e-a-autonomia-universitaria/

Na escalada global desse paroxismo espanta que ele ultrapasse até o patamar que um mínimo de pudor pudesse dissimular. Entre os dias 13 e 15 de junho, os ataques aéreos israelenses em Teerã e arredores visaram entre outros alvos, eliminar e consumaram o intento assassino, de nove cientistas nucleares, de um ex-reitor da Faculdade de Engenharia Nuclear, conforme registro do Financial Times e Relatórios de imprensa, entre esses meios, o El País. Confirmando uma ação deliberada que desde 2007, visa letalmente cientistas, não só em bombardeios com o pano de fundo de uma guerra em curso, mas com o assassinato focado no emprego de motos-bomba e armas remotas.

Mas o despudor, o discurso que mesmo entre celerados mergulhados na condição anômica da mais radical criminalidade evita, assume na prepotência que se desvia do direito internacional, a desfaçatez de exibir publicamente e sem filtro editorial o assassinato como plano da política.

Sob a retranca “Rejeição de plano israelense de assassinato”, fontes da Reuters e da CBS confirmam que Trump vetou um plano israelense recente para eliminar Khamenei. Em entrevista à CBS, foi citado: “The Israelis had the opportunity to assassinate Khamenei and Mr. Trump conveyed … that it wasn’t a good idea.”  A mesma cbsnews.com, registra sem se deter na crítica a um discurso delinquente que Benjamin Netanyahu (Primeiro-Ministro de Israel) não descarta eliminação de líderes iranianos (“regime change”). E o mesmo premiê, durante entrevista no Fox News Special Report, disse: “There’s so many false reports of conversations … But I can tell you, I think we do what we need to do, we’ll do what we need to do.” (“Há tantos relatos falsos sobre conversas… Mas posso te dizer o seguinte: acho que fazemos o que precisamos fazer — e faremos o que for necessário.”).

O espantoso, pasme-se, é que também o presidente Donald Trump, em 17 de junho, em uma publicação no Truth Social, conforme reportado pela Reuters, tenha declarado: “We know exactly where the so‑called ‘Supreme Leader’ is hiding. He is an easy target, but is safe there – We are not going to take him out (kill!), at least not for now.” (“Sabemos exatamente onde está escondido o chamado ‘Líder Supremo’. Ele é um alvo fácil, mas está seguro lá — não vamos eliminá-lo (matar!), pelo menos por enquanto.”. A Associated Press (AP) também divulgou o trecho completo, destacando que Trump afirmou conhecer o paradeiro do aiatolá, mas optou por não ordenar seu assassinato, por “enquanto” (“for now”).

Soa nostálgico, como primado da ética, que o paroxismo extremado à direita, descarte, o tempo em que os reis não matavam os reis, mesmo em guerra aberta, na metáfora que o xadrez perenizou, o rei se põe em xeque, mas é a única peça do tabuleiro que não é morta. Se hoje se declara publicamente a intenção de assassinar os reis, quem defenderá os cientistas e os professores, senão nós por nós?!.

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

quarta-feira, 18 de junho de 2025

 

A Crise Brasileira e o Projeto Popular para o Brasil. Secretaria Nacional Projeto Brasil Popular

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

|

A Crise Brasileira e o Projeto Popular para o Brasil. Secretaria Nacional Projeto Brasil Popular. Ronaldo Pagotto (Coordenador). São Paulo: Expressão Popular, 2022, 104 p.

                   

O livro, tal como está na sua apresentação, assinada por Ronaldo Pagotto e Teresa Maia, da Secretaria Nacional Projeto Brasil Popular é o resultado de um trabalho coletivo e um esforço de síntese dos acúmulos do Projeto Brasil Popular. Esta é uma formulação conjunta elaborada a partir dos debates realizados em mais de cinco anos, organizados em quatro eixos temáticos e 31 grupos de trabalho (GTs) com centenas de pessoas envolvidas e muitos espaços de reflexão conjunta. Mas o que apresentamos aqui não é o Projeto Brasil Popular a ser assimilado e conhecido. É um ponto de chegada, mas também um ponto de partida.

Na Apresentação, os coordenadores indicam que o roteiro para seguir o texto concentra-se em temas gerais e nacionais, em razão da necessidade de sistematizar e produzir um uma síntese desse trabalho: “Esta síntese é fruto de um processo que não pretende ser conclusivo. Mesmo reunindo centenas de lideranças de movimentos populares, sindicais e partidos políticos, professores/as, intelectuais e pesquisadores/as que são referências em diversos temas, e ainda que tivéssemos feito um trabalho perfeito, ainda teríamos muito a fazer. Acreditamos que um debate como esse precisa ser parte de um método dialógico que só poderá florescer com um intenso percurso de debates em cada localidade, movimento, escola, faculdade, centro acadêmico, acampamento, assentamento, bairro, comunidade, igreja, terreiro, paróquia e em todo espaço com pessoas dispostas a debater o Brasil, seus problemas e desafios”.

Na primeira parte, cuida-se da atualidade da crise brasileira como parte de um diagnóstico geral dos problemas de nosso país. A segunda parte apresenta caminhos para a superação dos graves problemas atuais, mas não se limita a apenas resolver a crise do nosso tempo, trazendo um conjunto de questões que podem guiar estudos, debates e lutas por um Brasil que temos que construir. As propostas, portanto, não estão circunscritas à crise atual, mas também apontam para dilemas históricos como a dependência econômica e política, a violência generalizada, a superexploração do trabalho, a desigualdade social e a enorme concentração de renda, o racismo, o machismo, o ataque aos direitos humanos, sociais e políticos e o caráter antinacional, antipopular e antidemocrático da classe dominante nacional.

Para os Coordenadores, somente “um projeto coletivo, construído pacientemente, envolvendo e respeitando a diversidade dentro do campo democrático e popular que tenha no horizonte que só o povo será capaz de libertar o povo poderá plantar as transformações que precisamos colher. Que o Projeto Brasil Popular seja a materialização dos acúmulos coletivos e da força social das amplas maiorias desse país. Em movimento, ocupando as ruas, contribuindo com os debates e se colocando como uma construção para enfrentar os grandes e profundos problemas brasileiros”.

Trata-se da síntese do estágio mais atual do Projeto Brasil Popular. Em 2016, diante do aprofundamento da crise política, econômica e social que o Brasil atravessa agravado pelo golpe jurídico e midiático contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, diferentes forças da esquerda e suas bases sociais identificaram a necessidade de criar um espaço de união e debate junto ao povo brasileiro para traçar caminhos para a construção coletiva de um projeto popular para o país. Assim foi criado o Projeto Brasil Popular.

Desde então, homens, mulheres e jovens de diversos setores da sociedade, do campo, da cidade e da mata têm se organizado para debater e elaborar propostas para construção do Brasil que queremos – uma nação verdadeiramente democrática e soberana.

Por meio de um método coletivo, dialógico e dialético, o Projeto Brasil Popular estruturou-se em 4 eixos temáticos, que comportam 31 grupos de trabalho (GTs), com temas indispensáveis a um novo projeto nacional com a cara do povo: 1) Direitos; 2) Economia, desenvolvimento e distribuição de renda; 3) Estado, democracia e soberania popular; e 4) Igualdades, diversidade e autonomia. O texto publicado é a síntese do trabalho coletivo de mais de 5 anos realizado por militantes de movimentos populares de todo o Brasil.

Toda essa construção, transposta para o livro, resultou no conteúdo da publicação compreendendo:

INTRODUÇÃO: O BRASIL PRECISA DE UM PROJETO POPULAR

  1. A ATUALIDADE DA CRISE BRASILEIRA
  2. A) Elementos estruturantes e históricos da crise
  3. B) Elementos contemporâneos da crise
  4. O BRASIL COM O QUAL SONHAMOS
  5. A) Desenvolvimento econômico com igualdade
  6. B) Um Estado democrático e com soberania popular
  7. C) Garantia de direitos, igualdade e diversidade
  8. ORIENTAÇÕES PARA O DEBATE DO PROJETO BRASIL POPULAR

Tomei conhecimento do livro durante a realização do V Seminário de Formação Comunitária em Direitos Humanos – Região Centro Oeste, seguido do Seminário Nacional, etapa conclusiva de um programa formação comunitária em direitos humanos que a Universidade de Brasília realiza em formato de extensão universitária para o setor de direitos humanos do MST, numa parceria com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e com o fomento promovido por emendas parlamentares designadas orçamentariamente pelos deputados federais Orlando Silva e Helder Salomão (https://brasilpopular.com/mst-formacao-comunitaria-em-direitos-humanos/https://brasilpopular.com/globalizacao-dos-movimentos-sociais-uma-assembleia-internacional-dos-povos/). No encerramento do Seminário Nacional, em seguida à mística, a obra foi apresentada e distribuída entre os participantes, por Teresa Maia (Secretaria Nacional Projeto Brasil Popular) que forma com Ronaldo Pagotto, Dafne Melo e Rafael Tatemoto, a equipe de síntese da edição do livro.

Vale uma explicação. A Secretaria Nacional do Projeto Brasil Popular é uma instância de coordenação e articulação política ligada à frente Projeto Brasil Popular, que reúne movimentos sociais, sindicatos, partidos políticos e organizações populares comprometidos com um projeto democrático, popular e soberano para o Brasil.

E o Projeto Brasil Popular é uma articulação nacional criada com o objetivo de construir uma alternativa política e programática ao neoliberalismo e à extrema direita no Brasil. É uma frente que busca unificar diversas organizações em torno de um programa comum de transformação social, inspirado em valores como: Soberania nacional; Justiça social; Reforma agrária e urbana; Defesa do meio ambiente; Direitos sociais e trabalhistas; Democracia participativa.

Essa frente está vinculada, ideologicamente e na prática, a movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Consulta Popular, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), setores da CUT, UNE, Levante Popular da Juventude, entre outros.

A Secretaria Nacional do Projeto Brasil Popular atua como núcleo organizador, com funções de planejamento das ações e campanhas nacionais, coordenação dos comitês regionais e setoriais, elaboração e divulgação de materiais políticos e programáticos, organização de conferências e encontros, e de modo destacado, promover relações com outras frentes e articulações, como a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo. Portanto, não é uma estrutura estatal, mas sim uma instância interna do movimento popular que funciona de forma autônoma, ainda que possa dialogar com instâncias institucionais quando necessário.

Esses enunciados se expressam no texto de abertura do livro – O Brasil com o qual Sonhamos – na linha da intenção de mobilizar com reflexão e ação para esse projeto tão potente:

Como fazer frente a esse momento histórico tão complexo, que conjuga tantas crises de diferentes naturezas? Aqui, buscaremos traçar algumas propostas para o desafio de construção de um Projeto Popular para o Brasil centrado na justiça social, igualdade, liberdade, diversidade e que abra caminho para um processo de refundação nacional colocando o país em um rumo radicalmente democrático, sustentável e soberano − e também superando as cinco dimensões da crise apontadas anteriormente, ou seja, a mercantilização da vida, a submissão do Estado ao capital, a capitalização dos bens públicos à financeirização e o esgotamento do capitalismo.

A superação desse momento histórico só pode ser alcançada por meio de um projeto que conjuga uma interpretação da nossa crise e dos desafios para superá-la, partindo do pressuposto que isso só será materializado com a união de forças sociais, econômicas, políticas e culturais, mobilizando-as para uma longa empreitada de profundas transformações. O futuro é inédito e está para ser permanentemente construído e refundado.

O desafio colocado é a elaboração de propostas concretas para os problemas da sociedade brasileira, apontados anteriormente, que nos façam ver com clareza a possibilidade de transformação social. Para isso, faz-se necessário criar novas formas de gerir o Estado e as relações sociais e econômicas, o que implica novas formas de produzir, distribuir, consumir, habitar e conviver.

Nossas propostas buscam combinar duas dimensões: propostas de curto a médio prazo que melhoram a vida do povo, mas que também apontam para transformações profundas, e de longo prazo, que busquem uma nova sociedade fundada em novos paradigmas, como: garantir a todos/as brasileiros/as uma vida boa e que valha a pena ser vivida; garantir que todos os bens que tornam possíveis boas condições para a vida humana sejam acessíveis a todos/as; enfrentar todas as dimensões da desigualdade: econômica, regional, cultural, racial, de gênero, de conhecimento, de acesso a serviços sociais de qualidade, divisão social e sexual do trabalho etc., tomando a igualdade um pilar inegociável e respeitando as diversidades; e radicalizar a democracia por meio da participação e da soberania popular.

Assim que, como é o propósito da edição, todas essas questões apresentadas são essenciais para pensar um projeto popular para o país. São pontos de partida a partir dos quais será possível traçar propostas e ações concretas que possibilitem mudanças a curto-médio prazo e que apontem para um horizonte de transformações mais profundas. A seguir, elencamos algumas dessas propostas, divididas em três eixos: “Desenvolvimento econômico com igualdade”; “Um Estado democrático e com soberania popular”; “Garantia de direitos, igualdade e diversidade”.