domingo, 26 de junho de 2016

Assembleia constituinte poderia aprofundar a participação popular

Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-jun-25/insistir-constituinte
25 de junho de 2016, 6h25
Por Gladstone Leonel Júnior e Luiz Otávio Ribas

O provérbio popular diz que cavalo arriado só passa uma vez, quando alguém quer chamar a atenção da importância em se aproveitar as oportunidades. Ao analisar-se a luta política na sociedade, via de regra, observa-se que os grupos vitoriosos são aqueles que aproveitam as janelas históricas, não titubeando em ousar quando a conjuntura possibilita.

Nesse último período, por mais avanços sociais que tenham se verificado, muito se falou que faltaram aos governos fazer reformas estruturais, ou seja, faltou, entre outras coisas, ousadia para cumprir os preceitos constitucionais.

Ao trazer a Constituição como referência, o que vem à tona é um instrumento de orientação do ordenamento jurídico, que representa anseios de determinados projetos políticos em disputa na sociedade. Conforme destaca Enrique Dussel, o jurídico está, sim, subsumido ao político e, por mais que sejam campos distintos, são dinâmicos e se entrecruzam.

A concepção colonizada de que a Constituição boa é aquela que não se modifica, ou é muito pouco alterada, trazendo como exemplos sempre a dos Estados Unidos, ou a de alguns países europeus, são insuficientes para apreender nossas demandas de países do sul e necessidades que são distintas daquelas dos países do norte.

Mesmo a importante leitura pós-positivista advinda do pós-guerra na Europa, aplicada no Brasil tardiamente pós-Constituição de 1988, é precária para atingir as transformações sociais que ela mesmo anunciara, como a efetivação de direitos sociais, o respeito aos direitos políticos e a consideração às garantias individuais no Estado Democrático de Direito. Considerando que o positivismo jurídico restringe seu objeto de estudo às normas jurídicas estatais, metodologicamente analisadas a partir de construções axiológicas pretensamente neutras, as denominadas teorias pós-positivistas logram avançar apenas sob a perspectiva epistemológica da ciência jurídica.

A ruptura com o positivismo não enseja por si só a ruptura com a colonialidade do saber, que continua ligada à colonialidade do poder social de definição do que vem a ser o objeto jurídico da ciência do Direito. Daí se percebe que mesmo a perspectiva pós-positivista não é suficiente para cumprirmos o programa constitucional de 1988.

Assim, reconhecer a energia de um processo constituinte e sua condição de alterar a correlação de forças na sociedade é compreender a importância da dialética social do Direito, apresentada por Roberto Lyra Filho, uma vez que não se verifica caminho linear na construção jurídica.

Nesse sentido, Jose Geraldo de Sousa Júnior defende a importância em se verificar a ocorrência de um momento constituinte. Trata-se de avaliar se o acumulado político que o Brasil experimentou em seu processo de democratização, após o esgotamento do modelo autoritário estabelecido no país entre os anos 1964 e 1985, projeta as condições de emergência do protagonismo social que levaram a se constituir um bem definido momento constituinte.

A crise política agravada com a deterioração de direitos e a ruptura dos pactos constitucionais encabeçada pela classe política atual, explicitada por um golpe parlamentar, não demonstra ainda o esgotamento da Constituição de 1988, mas a dificuldade em se manter como Carta garantidora de direitos nesse novo cenário. O atual contexto do Congresso Nacional conservador tem o sentido político evidente de desconstitucionalizar processos sociais novos e direitos conquistados ou, como denomina Cristiano Paixão, um “golpe desconstituinte”.

No processo de impedimento da presidente Dilma, o Congresso e os doutrinadores estão abusando do Direito. Isto é, adequando a forma aos seus interesses políticos de ocasião. A despreocupação com a comprovação do crime de responsabilidade não vicia somente o processo de impedimento, mas a própria Constituição está ameaçada.

Um novo texto constitucional resolveria a crise de representatividade política instalada? O que se traz aqui extrapola a letra fria das leis e aposta na mobilização constituinte como possibilidade de retirar das mãos da sociedade política atual, o poder de decisão sobre os rumos do país nos próximos períodos direcionando-o à sociedade civil.

As contradições desse tempo não nos permitem assertivas determinantes, justamente por afetarem as condições materiais de vida das pessoas. Logo, o discurso de que um processo constituinte nesse momento geraria uma redução de direitos é pura especulação e palpite. Da mesma forma, se cravássemos que o processo constituinte trará a solução de todos os problemas atuais seria algo irresponsável. A proposta da Constituinte deve ser ventilada ao tempo que se observa as experiências em alguns países latino-americanos, assim como em outras partes do mundo, como Espanha e Escócia.

O tema da constituinte não deve ser encarado como tabu, nem como a alternativa definitiva para os problemas da República, mas como uma possibilidade real de alterar a correlação de forças da sociedade em um cenário em que a organização popular e a resistência ao golpe é cada vez mais crescente.  

Não há respostas a priori, somente a constatação de que se descortina um campo de disputa, que abre o espaço histórico para a ação política que tende a se fazer como projeto de sociedade.

Insistimos na proposta de uma assembleia constituinte porque esta serviria para o aprofundamento da participação popular e para barrar a “desdemocratização”. Poderia fortalecer as instituições de controle social, avançar em pautas como regulamentação da mídia e combate à corrupção, que precisam de participação da sociedade para funcionar. A participação social é pedagógica para a luta por direitos e defesa dos interesses das minorias políticas, diminuindo o impacto da ascensão do conservadorismo e da flexibilização de direitos. Quem luta pela democracia não pode temer consultas populares, processo em que as pessoas se educam e participam mais da política.

A melhor conjuntura para uma constituinte é aquela que ainda não existe de fato, mas que pode ser criada a partir da ampla participação popular e do enfrentamento das crises com criatividade e responsabilidade, principalmente com o exercício do poder constituinte. No plebiscito popular de 2014, já foi iniciada a mobilização para um processo constituinte, em que cerca de 7,7 milhões de pessoas expressaram sua vontade de mudança. Os protestos contra o impedimento e o governo interino podem fortalecer essa alternativa que aposta na força dos movimentos populares e no uso insurgente do Direito.

As elites brasileiras sempre buscaram legitimar seus golpes contra o povo brasileiro com novas constituições, como lembra Raymundo Faoro. Essa possibilidade não está descartada neste novo cenário de desdemocratização. Para a aprovação de todas as medidas propostas pela "Ponte para o futuro", do PMDB, seria preciso arrasar as garantias constitucionais. As organizações populares precisam estar alertas e afiadas nesse debate, não podem se calar com argumentos da impossibilidade ou da inviabilidade da constituinte. Para avançar, é preciso ter coragem para inovar!

Ao que tudo indica, parece que nos aproximamos do momento em que, metaforicamente retomando a mitologia grega em Édipo-Rei, de Sófocles, nos deparamos com o enigma da esfinge: decifra-me ou devoro-te!

Gladstone Leonel Júnior é advogado, doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília, com estágio doutoral na Facultat de Dret da Universitat de València (Espanha), e pós-doutorando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB.

Luiz Otávio Ribas é doutor em Filosofia e Teoria do Direito pela Uerj, mestre pela UFSC e conselheiro do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS).

terça-feira, 7 de junho de 2016

Cartas de Bologna: quem chora a morte dos fascistas? Feijoada Completa, dildos e outras histórias



Por Patricia Vilanova Becker*


Essa semana o destino resolveu aprontar mais uma daquelas piadas históricas que quase não nos damos conta. Desta vez, o Brasil e a Itália estabeleceram um diálogo quase tácito nas redes sociais ao confrontar-se no mesmo dia com a morte de dois fascistas. De um lado, Itália com a morte de Gianluca Buoananno do partido neo-fascista Lega Nord, conhecido por suas afirmações racistas e homofóbicas; e do outro lado do oceano, aos 95 anos, a morte de Jarbas Passarinho, notório apoiador do Golpe Militar de 1964 e um dos firmatários do AI-5. Respeitadas as diferenças das circunstâncias de morte e “de fascismos”, ambos os países interpretaram os fatos com sua sarcástica artilharia de memes. Vozes humanistas da esquerda deram um discreto sermão aos amigos nas redes sociais: “comemorar a morte de uma pessoa é tào fascista quanto...”. O humanismo balança ao cabeça em tom reprovatório. Já eu, que nunca fui de memes e humanismos, apenas observo. Infelizmente, para além dos acidentes que podem afetar alguns sujeitos, o fascismo parece estar mais vivo do que nunca.






Das analogias possíveis

Esta foto é Bologna no dia 02 de junho com sua principal praça cercada por todos os lados, dominada por policiais que tinham a função de “evitar conflitos” entre uma manifestação da extrema-direita italiana que recebia o comício de Matteo Salvini, uma das principais lideranças do partido Lega Nord, e a resistência popular de esquerda de Bologna que se posicionava em praça contrària à sua presença. Para evitar esses “conflitos”, a polícia resolveu aplicar o que por aqui chamam de “carica a freddo” - logicamente nos manifestantes de esquerda - agredindo pessoas e prendendo ativistas.
Seguindo com as coincidências da vida, no resultados do primeiro turno das eleições comunais de 05 de junho o Partido Democrático (PD) de centro-esquerda perdeu cerca de 40 mil votos em Bologna - o que o obriga a enfrentar a candidata leghista Lucia Borgonzoni no segundo turno (ballotaggio). Perda de votos esta que vem como resposta popular às políticas de despejos, repressão, limitação dos espaços públicos e políticas que afetam pequenos comerciantes imigrantes. Como modesta metáfora do nosso Brasil, a tradicional centro-esquerda de Bologna arrisca colocar a cidade nas mãos da direita conservadora porque não soube ou não quis implementar as políticas sociais que os movimentos da città rossa demandavam.


Foto por Michele Lapini/Bologna

A fabulosa ocupação relâmpago, entre sonhos e dildos
Esta é Bologna no dia 21 de maio, com suas ruas repletas de cores e sonhos, de dildos e faixas, de corpos, vivèncias, beijos e batons borrados. Esta é a Bologna que nem o Partido Democrático nem a Lega Nord quer ver nas ruas. Com a diferença que o primeiro investe em políticas de pink washing e concessões parciais de direitos, e o segundo vomita seu neo-fascismo sobre nossos corpos. Movimentos locais e o “Sommovimento TransnacioAnale”, frente formada por diversos movimentos transfeministasqueer da Italia, ocuparam Bologna e marcharam rumo à retomada de um espaço publico abandonado da cidade, ocupando-o “favolosamente” em frente aos olhos da polícia. A ocupação, que durou menos de duas horas, retirou-se pacificamente diante da ameaça concreta de violência endossada pelo chefe da polícia. Coletivamente, os movimentos da cidade buscam (re)elaborar o inesquecível dia de 21 de maio. Eu própria ainda não o (re)elaborei. Um misto de amor e fúria. Um misto de sonho e distopia.



Transgender European Counseil (TGEU)
E no mesmo dia do comício de Matteo Salvini, Bologna recebia mais uma profusão de sonhos e corpos autônomos em sua praça simbolo. O Conselho Transgender Europeu reuniu ativistas de diversos países, inclusive de fora da Europa como esta brasileira que vos fala. Tive a oportunidade de trabalhar como voluntária nos incríveis quatro dias de debates, cuidados, afetos e aprendizados. Bologna se encheu de cores, e eu me enchi de esperança.


Resistência contra o Golpe em Bologna
Nascido durante a resistência pré-golpe, o grupo Feijoada Completa se formou em abril por brasileiras/os, italo-brasileiras/os, italianas/os e amigas/os do Brasil em geral. Surge como possibilidade de resistência para quem, morando no exterior, não pode levar sua luta até o Brasil neste momento, reunindo em Bologna todas aquelas que se levantam contra o golpe. Entre atividades culturais e manifestações de praça, o grupo vem constituindo sua identidade e encontrando na indignação um denominador comum. Feijoada Completa realiza amanhã - 08 de junho - um “aperitivo brasiliano contro il Golpe” com a participação como debator do prof. Francisco Foot Hardman da UNICAMP. O grupo produziu recentemente um pequeno vídeo do movimento, e se planeja para organizar um CineForum e, quem sabe, um encontro nacional articulado com outros grupos de resistência que se formaram na Itália contra o golpe (grupos de Milão e Roma, e militantes de outras cidades). Novidades virão!

O tempo que escorre
Amigas/os e companheiras/os do Direito Achado na Rua: o tempo escorre! A experiência em Bologna escorre entre os dedos, e optei por encontrar no movimento meu equilíbrio. Em tão pouco tempo sinto esta cidade como minha: suas causas, seus movimentos, seus espaços secretos, seus muros pichados, suas disputas internas. Em Bologna sou “a Outra”, mas também sou sujeito político que se une a tantas “Outras” em luta. Oviedo se aproxima e Bologna começa a deixar saudades. Preciso de tempo. Preciso parar o tempo. Entendê-lo. Processá-lo. Como sempre, estou pagando o preço da escolha (política) de viver intensamente todas experiências: Bologna agora é parte de mim, e tenho que partir. Como colocar em conexão todas essas lutas, lugares e sujeitos amados? A sonhada conexão Poa-Brasilia-Bologna… minhas casas, meus amores.

Um grande abraço saudoso, nos vemos em setembro em Brasilia!
Passagens compradas para matar as saudades e derrubar os golpes.

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*Patrícia Vilanova Becker integra o Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua; mestranda em Direito pela UnB, participa atualmente do Programa Erasmus Mundus Master´s Degree in Women's and Gender Studies na Universidade de Bolonha e Universidade de Oviedo.


quinta-feira, 2 de junho de 2016

Concurso de Monografias Jurídicas – Homenagem ao Roberto Lyra Filho

1 de junho de 2016 http://abedi.org/concurso-de-monografias-juridicas-homenagem-ao-roberto-lyra-filho/
A Associação Brasileira de Ensino do Direito – ABEDi – anuncia a realização do Concurso de Monografias Jurídicas em Homenagem à Roberto Lyra Filho.
O homenageado foi Professor Titular de Direito da Universidade de Brasília e é reconhecidamente um dos grandes nomes do debate brasileiro sobre ensino jurídico. Neste ano de 2016, Roberto Lyra Filho completaria 90 anos de idade. O ano marca também os 30 anos de seu falecimento. O concurso de monografias jurídicas foi idealizado pelo Professor José Geraldo de Souza Jr., com a gestão da ABEDi e o apoio do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito – CONPEDI. O objetivo do concurso é estimular a produção científica sobre a educação jurídica brasileira e, ao mesmo tempo, homenagear um dos seus pesquisadores mais conhecidos. A Resolução DIR-ABEDi 5/2016 traz o Edital do Concurso.
Confira a Resolução e o Edital aqui: Resolucao-DIR-ABEDi-05-2016-(Edital-Monografias)
Acesse o verbete da Wikipedia sobre Roberto Lyra Filho: https://pt.wikipedia.org/wiki/Roberto_Lyra_Filho