sábado, 31 de janeiro de 2015

Entrevista Zygmunt Bauman: “É possível que já estejamos em plena revolução”

Entrevista Zygmunt Bauman: “É possível que já estejamos em plena revolução” O sociólogo polônes Zygmunt Bauman, em entrevista à MGMagazine traduzida para o português e publicada pelo site Fronteiras do Pensamento, fala, aos 89 anos, sobre o mundo atual e como entende os efeitos da modernidade sobre as pessoas. “As consequências são a austeridade, o aumento do desemprego e, sobretudo, a devastação emocional e mental de muitos jovens que entram agora no mercado de trabalho e sentem que não são bem-vindos, que não podem adicionar nada ao bem-estar da sociedade, porque são uma carga”, diz. MGMagazine: O senhor imaginou que poderia se tornar uma estrela midiática em nível global? Zygmunt Bauman: Certamente não. Mas não sou uma estrela. Quando eu morrer, o que provavelmente acontecerá logo, com certeza morrerei como uma pessoa insatisfeita, que não alcançou seu objetivo. MGMagazine: Por quê? Zygmunt Bauman: Porque tratei de transmitir certas ideias durante toda a minha vida, que tem sido muito longa. E quando olho pra trás, existe toda uma montanha cinza de esperanças e expectativas que morreram ao nascer ou faleceram muito jovens. Não tenho nada para me gabar. Tento juntar palavras para dizer às pessoas quais são os problemas, de onde eles vêm, onde se escondem, como encontrar ajuda para resolvê-los se for possível. Mas são palavras. E não nego que são poderosas, porque a nossa realidade, o que nós pensamos que é o mundo, esta sala, nossa vida, nossas lembranças, são palavras. Mas, apesar de ter vivido tantos anos, não consegui resolver o problema de transformar as palavras em carne. Hoje, existe uma enorme quantidade de pessoas que querem a transformação, que têm ideias de como tornar o mundo melhor não somente para eles, mas também para os outros, mais hospitaleiro. Mas na sociedade contemporânea, na qual somos mais livres do que nunca, ao mesmo tempo somos também mais impotentes do que em qualquer outro momento da história. Todos sentimos a desagradável experiência de ser incapazes de mudar qualquer coisa. Somos um conjunto de indivíduos com boas intenções, mas entre as intenções e os projetos e a realidade tem muita distância. Todos sofremos agora mais do que em qualquer outro momento pela falta total de agentes, de instituições coletivas capazes de atuar efetivamente. MGMagazine: O que mudou? Zygmunt Bauman: Quando eu era jovem, todos os meus contemporâneos, de esquerda, direita ou centro, coincidiam em um ponto: se chegamos ao governo ou fazemos uma revolução, sabemos o que fazer e como fazer através do poder do Estado. Agora, ninguém acredita que o governo pode fazer algo. Os governos são vistos como instituições que nunca cumprem suas promessas. É um grave problema. Porque significa que, embora saibamos como criar uma sociedade mais humana – e no momento abandonamos a esperança de poder projetá-la–, a grande pergunta, para a qual não tenho resposta, é quem vai transformá-la em realidade. MGMagazine: Viver em um mundo líquido, o que isso significa exatamente? Zygmunt Bauman: Modernidade significa modernização obsessiva, viciante, compulsiva. Modernização significa não aceitar as coisas como elas são, e sim transformá-las em algo que consideramos que é melhor. Modernizamos tudo. Você pega as suas regulações, seus objetos, e trata de modernizá-los. Não duram muito tempo. Isso é o mundo líquido. Nada tem uma forma definida que dure muito tempo. Deve-se dizer que fundir o que é sólido, transformá-lo em líquido e moldá-lo de novo era uma preocupação da modernidade desde o princípio, mas o objetivo era outro. Arbitrariamente, mas acredito que de forma útil, situo o início da modernidade no ano de 1.775 no terremoto de Lisboa, seguido de um incêndio que destruiu o que restava e em seguida um tsunami que levou consigo tudo para o mar. MGMagazine: Por que nesse terremoto? Zygmunt Bauman: Foi uma catástrofe, não só material, mas também intelectual. As pessoas pensavam, até então, que Deus tinha criado tudo, que tinha criado a natureza e disposto leis. Mas, de repente, veem que a natureza é cega, indiferente, hostil com os humanos. Não se pode confiar nela. O mundo tem que estar sob direção humana. Substituir o que existe pelo que se pode projetar. Assim, Rousseau, Voltaire ou Holbach viram que o antigo regime não funcionava e decidiram que tinham de fundi-lo e refazê-lo de novo no molde da racionalidade. A diferença em relação ao mundo de hoje é que não o faziam porque não gostavam do que era sólido, e sim, pelo contrário, porque acreditavam que o regime que existia não era suficientemente sólido. Queriam construir algo resistente para sempre que substituísse o oxidado. Era a época da modernidade sólida. A época das grandes fábricas empregando milhares de trabalhadores em enormes edifícios de tijolos, fortalezas que iam durar tanto quanto as catedrais góticas. No entanto, a história decidiu um caminho muito diferente. MGMagazine: Tornou-se líquida? Zygmunt Bauman: Sim. Hoje a maior preocupação da nossa vida social e individual é como prevenir que as coisas sejam fixas, que sejam tão sólidas que não possam mudar o futuro. Não acreditamos que existam soluções definitivas, e não é só isso: não gostamos delas. Por exemplo: a crise que muitos homens têm ao fazer 40 anos. Ficam paralisados pelo medo de que as coisas já não sejam como antes. E o que mais lhes dá medo é ter uma identidade aferrada a eles. Uma imagem que não se pode tirar. Estamos acostumados com um tempo veloz, certos de que as coisas não vão durar muito, de que vão aparecer novas oportunidades que vão desvalorizar as existentes. E isso acontece em todos os aspectos da vida. Há duas semanas, as pessoas faziam filas durante a noite pelo iPhone 5 e agora mesmo estão fazendo pelo 6. Posso garantir que em dois anos aparecerá o 7 e milhões de iPhones 6 serão jogados no lixo. E isso dos objetos materiais funciona da mesma forma com as relações pessoais e com a própria relação que temos conosco mesmos, como nos avaliamos, que imagem temos de nossa pessoa, que ambição permitimos que nos guie. Tudo muda de um momento a outro, somos conscientes de que somos transformáveis e, portanto, temos medo de fixar qualquer coisa para sempre. Provavelmente, seu governo, como o do Reino Unido, convoca seus cidadãos a serem flexíveis. MGMagazine: Sim, convoca. Zygmunt Bauman: O que significa ser flexível? Significa que você não está comprometido com nada para sempre, mas sim pronto para mudar a sintonia, a mente, em qualquer momento no qual seja requisitado. Isso cria uma situação líquida. Como um líquido em um copo, no qual o mais leve empurrão muda a forma da água. E isso está em todos os lugares. MGMagazine: Quais o senhor acredita que são os efeitos desta nova situação nas pessoas? Zygmunt Bauman: Há alguns anos, os jovens iam trabalhar para a Ford ou a Fiat como aprendizes e podiam acabar ficando ali pelos próximos 40 anos se não se embebedavam ou morriam antes. Hoje, os jovens que não perderam a ambição depois de ter amargas experiências de trabalho sonham em ir ao Vale do Silício. É a meca das ambições de todo homem jovem, a ponta da lança da inovação, do progresso. Você sabe qual é a média de um trabalhador de uma empresa do Vale do Silício? Oito meses. O sociólogo Richard Sennet calculou, há uns anos, que o trabalhador médio mudaria de empresa onze vezes durante a sua vida. Hoje, essa quantidade é inclusive maior. As gerações que emergem das universidades em grandes quantidades estão ainda buscando emprego. E se encontram, não tem nada a ver com suas habilidades e expectativas. Estão empregados em trabalhos precários, temporários, sem segurança, sem carreira. Então, a principal maneira pela qual nos conectamos com o mundo, que é a nossa profissão, nosso trabalho, é fluida, líquida. Estamos conectados apenas pela água. E não se pode estar conectado por isso, ocorrem inundações, fugas… MGMagazine: Por isso você diz que passamos do proletariado ao precariado? Zygmunt Bauman: Há não muito tempo o precariado era a condição de vagabundos, sem-teto, mendigos. Agora, marca a natureza da vida de pessoas que há 50 anos estavam bem instaladas. Pessoas de classe média. Com exceção do 1% que está acima de tudo, ninguém pode se sentir seguro hoje. Todos podem perder as conquistas alcançadas durante sua vida sem aviso prévio. Não faz tantos anos, seis, o crédito e os bancos entraram em colapso e as pessoas começaram a ser despejadas de suas casas e seus trabalhos. Antes disso, os otimistas falavam de orgia de consumo, as pessoas pensavam que podiam gastar dinheiro que não tinham porque as coisas seriam cada vez melhores, assim como seus rendimentos, mas tudo isso desabou. As consequências são hoje os cortes, a austeridade, o alto nível de desemprego e, sobretudo, a devastação emocional e mental de muitos jovens que entram agora no mercado de trabalho e sentem que não são bem-vindos, que não podem acrescentar nada ao bem-estar da sociedade, que são um peso. MGMagazine: Aumenta o que o senhor chama de vidas desperdiçadas. Zygmunt Bauman: Cada vez há mais. Mas é que, além disso, as pessoas que têm emprego experimentam a forte sensação de que existem altas possibilidades de que também virem resíduos. E, mesmo conhecendo a ameaça, são incapazes de preveni-la. É uma combinação de ignorância e impotência. Não sabem o que vai acontecer, mas nem mesmo sabendo seriam capazes de preveni-lo. Ser o resto, um resíduo, é uma condição ainda de uma minoria. No entanto, impacta não somente os empobrecidos, mas também setores cada vez maiores das classes médias, que são a base de nossas sociedades democráticas modernas. Estão atribuladas. bauman2Zygmunt Bauman fotografado por Carlos González Armesto MGMagazine: As classes médias vão desaparecer? Zygmunt Bauman: Estamos em um interregno. A palavra foi usada pela primeira vez na história da Roma Antiga. O primeiro rei lendário foi Rômulo, que reinou por 38 anos. Essa era a expectativa de vida das pessoas, então, quando ele morreu, pouca gente lembrava do mundo sem ele. As pessoas estavam confusas. O que fazer? Rômulo lhes dizia o que fazer. E se houvesse outro, ninguém sabia o que ele lhes pediria. Gramsci atualizou a ideia de interregno para definir uma situação na qual as antigas formas de fazer as coisas já não funcionam, mas as formas de resolver os problemas de uma nova maneira efetiva ainda não existem ou não as conhecemos. E nós estamos assim. Os governos vivem presos entre duas pressões impossíveis de reconciliar: a do eleitorado e a dos mercados. Eles têm medo de que, se não agem como as bolsas e o capital móvel querem, as bolsas quebrarão e o dinheiro irá a outro país. Não se trata apenas de que possa haver corrupção e estupidez entre os nossos políticos, mas sim que essas situações os deixam impotentes. E, por isso, as pessoas buscam desesperadamente novas formas de fazer política. MGMagazine: Como os indignados? Zygmunt Bauman: É um bom exemplo. Se o governo não cumpre, vamos à praça pública. Mas é uma boa tentativa que não traz muito resultado. Estamos tentando. Tentando criar alternativas praticáveis para atender às necessidades coletivas. O interregno por definição é transitório. Eu acredito que não viverei para ver o novo arranjo, mas sua vida estará repleta de buscas por essas alternativas. Porque este período de suspensão, no qual muitas coisas vão mal e temos poucas ideias para resolvê-las, não é eternamente concebível. MGMagazine: Será que já não estamos líquidos demais? Zygmunt Bauman: As mudanças vêm e vão. Muita gente está hoje convencida de que já existem alternativas, mas que são invisíveis porque ainda estão muito dispersas. Jeremy Rifkin fala da utilidade pública colaborativa. Benjamin Barber publicou o livro Se os prefeitos governassem o mundo, no qual diz que os estados estão acabados, que foram uma boa ferramenta para a separação, a independência e a autonomia, mas que em nossos tempos de interdependência devem ser substituídos. Que as instituições locais são capazes de enfrentar os problemas muito melhor, têm a dimensão adequada para ver e experimentar sua coletividade como uma totalidade. Podem levar adiante lutas muito mais efetivas para melhorar as escolas, a saúde, o emprego, a paisagem. Pede um tipo de Parlamento mundial de prefeitos das grandes cidades. Um Parlamento onde as pessoas falem e compartilhem experiências que são altamente parecidas. E as mudanças podem já estar aqui. Minha tese, quando eu estudava, foi sobre os movimentos operários na Grã Bretanha. Pesquisei nos arquivos do século XIX e nos jornais. Para minha surpresa, descobri que até 1875 não se mencionava que estava acontecendo uma revolução industrial, havia apenas informações dispersas. Que alguém tinha construído uma fábrica, que o teto de uma fábrica desabou… Para nós, é óbvio que estavam no coração de uma revolução, para eles, não. É possível que, quando você for entrevistar alguém dentro de 20 anos, essa pessoa lhe diga: “Quando você entrevistou o Bauman em Leeds, vocês estavam no meio de uma revolução e o senhor perguntava a ele sobre mudanças”.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Charlie Hebdo: Una Reflexión difícil

Por Boaventura de Sousa Santos Traducción de José Luis Exeni Rodríguez El repugnante crimen cometido contra los periodistas y dibujantes del semanario Charlie Hebdo hace muy difícil un análisis sereno de lo que está implicado en este acto bárbaro, de su contexto y precedentes, así como de su impacto y repercusiones futuras. Sin embargo, este análisis es urgente, bajo pena de continuar avivando un fuego que mañana puede alcanzar a las escuelas de nuestros hijos, nuestras casas, nuestras instituciones y nuestras conciencias. Ahí están algunas pistas para tal análisis. La lucha contra el terrorismo, la tortura y la democracia No se pueden establecer nexos directos entre la tragedia de Charlie Hebdo y la lucha contra el terrorismo que los EUA y sus aliados están ejecutando desde el 11 de septiembre de 2001. Pero es sabido que la extrema agresividad de Occidente ha causado la muerte de muchos millares de civiles inocentes (casi todos musulmanes) y ha sometido a niveles de tortura de una violencia increíble a jóvenes musulmanes contra los cuales las sospechas son meramente especulativas, como consta en el reciente informe presentado al Congreso norteamericano. Y también es sabido que muchos jóvenes islámicos radicales declaran que su radicalización nació de la revuelta contra tanta violencia impune. Ante esto debemos meditar si el camino para frenar la espiral de violencia es continuar con las mismas políticas que la han alimentado como ahora es demasiado patente. La respuesta francesa al ataque muestra que la normalidad constitucional democrática está suspendida y que un estado de sitio no declarado está en vigor, que los criminales de este tipo, en lugar de ser apresados y juzgados, deben ser abatidos, que este hecho no representa aparentemente ninguna contradicción con los valores occidentales. Entramos en un clima de guerra civil de baja intensidad. ¿Quién gana con ella en Europa? Ciertamente no los partidos de izquierda como Podemos en España o Syriza en Grecia. La libertad de expresión Es un bien precioso pero tiene límites, y la verdad es que la abrumadora mayoría de ellos son impuestos por aquellos que defienden la libertad sin límites siempre y cuando sea "su" libertad. Ejemplos de límites son inmensos: si en Inglaterra un manifestante dice que David Cameron tiene sangre en las manos, puede ir preso; en Francia, las mujeres islámicas no pueden usar el hiyab; el 2008, el dibujante Maurice Siné fue despedido de Charlie Hebdo por haber escrito una crónica supuestamente antisemita. Esto significa que los límites existen, pero son diferentes para diferentes grupos de interés. Por ejemplo, en América Latina, los grandes medios, controlados por familias oligárquicas y por el gran capital, son los que más claman por la libertad de expresión sin límites para insultar a los gobiernos progresistas y ocultar todo lo bueno que estos gobiernos han hecho por el bienestar de los más pobres. Aparentemente, Charlie Hebdo no reconocía límites para insultar a los musulmanes, incluso cuando muchos de sus dibujos fueran propaganda racista y alimentasen la onda islamofóbica y antiinmigrante que avasalla a Francia y a Europa en general. Además de muchos dibujos con el Profeta en poses pornográficas, uno de ellos, bien aprovechado por la extrema derecha, mostraba un conjunto de mujeres musulmanas embarazadas, presentadas como esclavas sexuales de Boko Haram que, apuntando a sus barrigas, pedían que no les fuese retirado el apoyo social a la gravidez. De un golpe se estigmatizaba el Islam, a las mujeres y al Estado de bienestar social. Obviamente que, a lo largo de los años, la mayor comunidad islámica de Europa se fue sintiendo ofendida por esta línea editorial, pero fue igualmente inmediato su repudio por este crimen bárbaro. Debemos, pues, reflexionar sobre las contradicciones y asimetrías en la vida vivida de los valores que creemos son universales. La tolerancia y los "valores occidentales" El contexto en que ocurrió el crimen es dominado por dos corrientes de opinión, ninguna de ellas favorable a la construcción de una Europa inclusiva e intercultural. Las más radical es frontalmente islamofóbica y antiinmigrante. Es la línea dura de la extrema derecha en toda Europa y de la derecha cuando se ve amenazada por elecciones próximas (el caso de Antonis Samarás en Grecia). Para esta corriente, los enemigos de la civilización europea están entre "nosotros", nos odian, tienen nuestros pasaportes; y esta situación solo se resuelve liberándonos de ellos. La pulsión antiinmigrante es evidente. La otra corriente es la de la tolerancia. Estas poblaciones son muy distintas de nosotros, son una carga, pero tenemos que "aguantarlas", hasta porque son útiles; empero, solo debemos hacerlo si ellas son moderadas y asimilan nuestros valores. ¿Pero qué son los "valores occidentales"? Luego de muchos siglos de atrocidades cometidas en nombre de estos valores dentro y fuera de Europa –de la violencia colonial a las dos guerras mundiales--, se exige algún cuidado y mucha reflexión sobre lo que son esos valores y por qué razón, según los contextos, ora se afirman unos ora se afirman otros. Por ejemplo, nadie pone hoy en duda el valor de la libertad, pero lo mismo no puede decirse de los valores de la igualdad y de la fraternidad. Fueron estos dos valores los que fundaron el Estado social de bienestar que dominó la Europa democrática después de la segunda guerra mundial. Sin embargo, en los últimos años, la protección social, que garantizaba niveles más altos de integración social, comenzó a ser puesta en causa por los políticos conservadores y hoy es concebida como un lujo inaccesible para los partidos del llamado "arco de gobernabilidad". La crisis social causada por la erosión de la protección social y por el aumento del desempleo entre jóvenes, ¿no será leña en el fuego del radicalismo por parte de los jóvenes que, más allá del desempleo, sufren la discriminación étnico-religiosa? El choque de fanatismos, no de civilizaciones. No estamos ante un choque de civilizaciones, incluso porque la cristiana tiene las mismas raíces que la islámica. Estamos ante un choque de fanatismos, aunque algunos de ellos no aparezcan como tales por sernos próximos. La historia muestra cómo muchos de los fanatismos y sus choques estuvieron relacionados con intereses económicos y políticos que, en realidad, nunca beneficiaron a los que más sufrieron con tales fanatismos. En Europa y sus áreas de influencia es el caso de las cruzadas, de la Inquisición, de la evangelización de las poblaciones colonizadas, de las guerras religiosas y de Irlanda del Norte. Fuera de Europa, una religión tan pacífica como el budismo legitimó la masacre de muchos millares de miembros de la minoría tamil de Sri Lanka; del mismo modo, los fundamentalistas hindús masacraron a las poblaciones musulmanas de Guyarat en 2003 y el eventual mayor acceso al poder que han conquistado recientemente con la victoria del Presidente Modi hace prever lo peor. Es también en nombre de la religión que Israel continúa imponiendo la limpieza étnica de Palestina y que el llamado Emirato Islámico masacra poblaciones musulmanas en Siria y en Irak. ¿La defensa de la laicidad sin límites en una Europa intercultural, donde muchas poblaciones no se reconocen como tales, será después de todo una forma de extremismo? ¿Los diferentes extremismos se oponen o se articulan? ¿Cuáles son las relaciones entre los yihadistas y los servicios secretos occidentales? ¿Por qué los yihadistas del Emirato Islámico, que ahora son terroristas, eran “combatientes de la libertad” cuando luchaban contra Kadhafi y contra Assad? ¿Cómo se explica que el Emirato Islámico sea financiado por Arabia Saudita, Catar, Kuwait y Turquía, todos aliados de Occidente? Una cosa es cierta, por lo menos en la última década: la gran mayoría de las víctimas de todos los fanatismos (incluyendo el islámico) son poblaciones musulmanas no fanáticas. El valor de la vida La repugnancia total e incondicional que los europeos sienten ante estas muertes debe hacernos pensar por qué razón no sienten la misma repulsa ante un número igual o mucho mayor de muertes inocentes como resultado de conflictos que, en el fondo, ¿tal vez tengan algo que ver con la tragedia de Charlie Hebdo? En el mismo día, 37 jóvenes fueron muertos en Yemen en un atentado con bomba. El verano pasado, la invasión israelita causó la muerte de dos mil palestinos, de los cuales cerca de 1.500 eran civiles y 500 niños. En México, desde el año 2000 fueron asesinados 102 periodistas por defender la libertad de expresión y, en noviembre de 2014, 43 jóvenes fueron asesinados en Ayotzinapa. Ciertamente que la diferencia en la reacción no puede estar basada en la idea de que la vida de europeos blancos, de cultura cristiana, vale más que la vida de europeos de otros colores o de no europeos de culturas basadas en otras religiones o regiones. ¿Será entonces porque estos últimos están más lejos de los europeos y estos los conocen menos? ¿Acaso el mandato cristiano de amar al prójimo permite tales distinciones? ¿Será porque los grandes medios y los líderes políticos de Occidente trivializan el sufrimiento causado a esos otros, cuando no los demonizan al punto de hacernos pensar que ellos no merecen otra cosa? Publicado 15 hours ago por E. D. H Cuba

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Política e terror na França contemporânea

Cristiano Paixão & José Otávio Guimarães O atentado (7/1/2015) em Paris contra o Charlie Hebdo apresenta-se como evento único. Não apenas por sua violência perturbadora, mas sobretudo pelos efeitos que pode produzir. Algumas reações, logo após o ataque, merecem destaque. Revelam modos de uma sociedade estar no tempo: relações entre tradição e contemporaneidade, entre passado, presente e futuro. Como era de se esperar, quase toda a classe política francesa, apoiando-se nos valores democráticos da tradição republicana, condenou o morticínio. Uma observação mais atenta desses pronunciamentos revela, contudo, que escondem claros cálculos políticos. Integrantes da oposição, tanto de centro-direita como da direita radical (representada pela Frente Nacional), falam em “guerra total contra o terror”, postulam “medidas de exceção”, pedem que se recrudesça um direito penal leniente ou dizem que o atentado poderá “liberar o discurso” em relação ao “fundamentalismo islâmico”. Elegendo um inimigo ao mesmo tempo visível e indeterminado, esses atores políticos recorrem à batida estratégia de ativação do medo. Nada de novo nessa atitude. Já no século XVII, sob o argumento da generalização do horror causado pelas guerras civis de religião, construiu-se o argumento da necessidade de um Estado absoluto. Ao mesmo tempo, algo diferente parece ter ocorrido. Em várias cidades francesas, houve manifestações espontâneas de solidariedade e defesa da democracia. Os principais jornais estimam em 100.000 o número de pessoas nas ruas e praças do país. Em Paris, na Praça da República, reuniram-se cerca de 20.000. A dinâmica dessas manifestações revelou-se bem diferente do tradicional modelo de protesto. Não havia lideranças em destaque. Ainda que houvesse muitos estudantes, o público era diversificado, distribuído em várias faixas etárias. Ouviam-se diferentes idiomas, mas nada de microfone, palanque ou carro de som. Os manifestantes se apropriaram da estátua que simboliza a República Francesa, no centro da praça, e nela projetaram mensagens de apoio e homenagem ao Charlie Hebdo, cantando palavras de ordem improvisadas, compartilhadas pelo restante do público. Canetas eram erguidas, velas acesas e pequenos cartazes exibidos: a luz contra a obscuridade. Num desses cartazes, reivindicava-se a nomeação de Cabu, um dos cartunistas mortos, para o Panteão. Nenhum símbolo de partido político foi notado. Fotos eram tiradas e logo compartilhadas nas redes sociais. Verificam-se, nas reações ao atentado, diferentes atitudes. De um lado, demandas de mais repressão, de medidas punitivas e uma declaração de guerra. De outro, setores da sociedade civil se organizam e ocupam a Praça da República para defender o ideário do que representa aquele território simbólico. Essa dicotomia fica explicitada quando Marine Le Pen, da Frente Nacional, justifica a necessidade de um “debate” sobre o “fundamentalismo islâmico” por força do “medo” que ele instalaria na sociedade francesa. Em perspectiva contrária, uma das palavras de ordem repetida nas manifestações era: “não temos medo”! A dicotomia, entretanto, parece por vezes se dissolver na convivência plástica de elementos diferentes, uma das características do tempo opaco e incerto da nossa contemporaneidade. Por exemplo, os mesmos conglomerados de mídia que dão voz aos pedidos de “medidas de exceção” exaltam, por meio de fotos e textos, a reação das ruas e praças. Os fundamentalismos em ascensão das últimas décadas expressam uma mistura de arcaico e moderno. Eles alimentam e justificam sua reinvindicação identitária com a recusa da homogeneização globalizante do Ocidente, que seria responsável por boa parte das mazelas do presente. Entretanto, nesse movimento, não reabrem o futuro fechado pela crise do progresso, voltam-se para tradições inventadas. Já começam a surgir paralelos entre o atentado ao Charlie Hebdo e aquele do 11 de setembro. Manchetes afirmam que a França nunca mais será a mesma. Também em relação a isso não há consenso: como podemos perceber neste século, nossas democracias podem “normalizar” o terrorismo, adotando seus métodos e criando uma estrutura operacional e institucional para justificar uma guerra contra o terror. Entre política tradicional e manifestações espontâneas, entre a defesa de valores e a afirmação da liberdade, símbolos entram em disputa. O futuro ainda não se mostra nessas lutas. Se ele não aparece agora, quando virá? E como? Cristiano Paixão Professor da Faculdade de Direito da UnB. Está em estágio pós-doutoral na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) José Otávio Guimarães Professor do Departamento de História da UnB. Doutor em História pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) Os autores são líderes do grupo de pesquisa “Direito e História: políticas de memória e justiça de transição” (UnB-CNPq) Este texto foi originalmente publicado no Blog Carta Maior