terça-feira, 29 de abril de 2014

V Seminário Diálogos sobre justiça,

IV Seminário Diálogos sobre justiça, que será realizado na UNB (auditório da reitoria), no dia 7 de maio, das 9h30 às 12h30.

A atividade integra um projeto específico do Centro de Estudos da SRJ/MJ, no qual são desenvolvidas pesquisas que produzam informações sobre o sistema e o acesso à justiça no Brasil. Nos últimos meses, foram lançados diferentes estudos em 3 Seminários, que aconteceram no Palácio da Justiça.

Para encerrar a série de Seminários do 1º semestre de 2014, o MJ lançará a pesquisa "Estudo sobre Advocacia popular" na UNB, em evento que contará com a participação do professor José Geraldo de Sousa Junior, do Ministro Toffoli, da professora da URJ Mariana Trotta, do professor Roberto Batista. Destaco, aqui, a participação de Mariana, que é do Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Criola, CAJUP

Também participarão do evento Evorah Cardoso e Fabiola Fanti, ambas do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), responsável pela execução do estudo.

Há limitação de espaço (74 lugares), então o credenciamento começará às 9h30 e as apresentações e debates iniciarão às 10 horas. Haverá emissão de certificado de 3 horas de atividade científica/atividade complementar.

As inscrições podem ser realizadas, antecipadamente, por e-mail: cejus@mj.gov.br




domingo, 27 de abril de 2014

UM MEMORIAL PROJETADO PARA O FUTURO*




                                                  José Geraldo de Sousa Junior
                                                        Reitor da UnB

Em seu último discurso na UnB, quando recebeu o título de Doutor Honoris Causa e a homenagem de ter seu nome atribuído ao campus, Darcy Ribeiro nos convocou para olhar o futuro. Entre nostálgico de si mesmo e dos velhos tempos de fundação da Universidade de Brasília, o ainda bravo guerreiro de “muitas batalhas”, mais uma vez exortou a todos: “o que peço é que voltem ao Campus Universitário Darcy Ribeiro aquela convivência alegre, aquele espírito fraternal, aquela devoção profunda ao domínio do saber e a sua aplicação frutífera”.
            Nos últimos meses, de minha janela no terceiro andar da Reitoria, incorporei o hábito de acompanhar o cotidiano da edificação do Memorial Darcy Ribeiro, a bela peça arquitetônica projetada por João Filgueiras Lima, o Lelé, para realizar o último legado de Darcy para a sua amada UnB. De meu ponto de visão, descortinando um recanto da Praça Maior em ângulo com a extremidade sul do ICC, o edifício símbolo da própria Universidade, pude seguir a cada dia, como quem vira as páginas de um álbum, as mudanças perceptíveis do projeto em execução.
            Primeiro a demarcação da área, com o trabalho de terraplenagem e de sondagens realizado pelas equipes técnicas da UnB. Logo, os tapumes configurando o canteiro, e nas suas lâminas, jóias do pensamento do fundador: “A vocação da UnB é ser uma universidade completa”; “A UnB deve reger-se a si própria, livre e responsavelmente”. As frases, como que a assinalar um destino, reavivaram a utopia da universidade necessária, conquanto aspire ainda a se constituir como uma universidade emancipatória. Aqui, onde o conhecimento haure de seu acumulado universal, o seu máximo alcance civilizatório, a universidade moderna da cidade modernista, quer afirmar o seu compromisso social como condição para incluir os novos sujeitos que emergem das lutas democráticas para aspirar justiça e liberdade.         
E a obra em processo foi, aos poucos, materializando o esboço projetado da própria mente de seu criador, ao conceber a universidade que agora a acolhe: “A verdadeira Universidade de Brasília é a utopia concreta que subsiste calada entre seus muros no espírito dos estudantes e dos professores que guardam fidelidade ao seu espírito; mas é, também, a universidade exclausurada, que vive onde sobrevivem os que a conceberam; e é, sobretudo, a que ressurgirá em quantos, amanhã, hão de reencarná-la em liberdade e dignidade” (Carta 14, 1995).
            A cada dia, equipes bem organizadas, apetrechadas, com plano bem definido e segura direção do Instituto Brasileiro de Tecnologia do Habitat (IBTH), presidido pelo próprio Lelé e tendo no canteiro a presença coordenadora da arquiteta Adriana Filgueiras, começaram a dar forma à edificação, muito assemelhada ao desenho descrito na carta de Lelé para Darcy: “Lembra um pouco um disco voador ou uma mistura de maloca dos Xavantes com a dos Kamayanás, que você tanto admira”. Tal qual formigas, ou abelhas, em seus uniformes azuis, usando capacetes, botas, cintos, luvas, óculos, os trabalhadores se distribuíam pela estrutura, sobre a cúpula, de dia e de noite, azafamadamente, fazendo surgir a construção, conforme desenhada no projeto e em respeito, como se disse na audiência pública em que ele foi apresentado à sociedade e à comunidade universitária, com a preocupação de “não só manter a harmonia urbanística no local como preservar o ambiente paisagístico”. Como lembrou na ocasião o arquiteto Alberto Faria, da UnB, “um único ipê será transplantado”.
            Quase sem querer, a cada cena do processo, evoquei as imagens celebradas de Charles C. Ebbets e seu sensível registro do cotidiano de trabalhadores que participaram na construção de arranha-céus nova-iorquinos entre 1920 e 1935. Se bem suas insuperáveis fotos servissem para denunciar a inexistência de medidas de segurança, bastando recordar a sequência de 1932, no 69º andar do edifício GE do Rockefeller Center, não deixam de transmitir uma rara delicadeza plástica de momentos de harmonia entre o impulso genial que concebe um projeto e a mediação humana que lhe dá forma no instante da execução.
            Eles são como os operários de Brecht, construtores de Tebas, das Muralhas da China, dos Palácios da Babilônia, dos arcos de triunfo de Roma. São eles que não apenas assentam tijolos ou esquadrias de metal, mas que constroem catedrais e, neste momento, revendo fotos do jovem fotógrafo da Secretaria de Comunicação da UnB Luiz Filipe Barcelos, em seu belo ensaio para a Revista Darcy, eu diria que eles estão construindo uma universidade, sintetizada no Memorial Darcy Ribeiro.
            Essa disposição aparece na carta de 1996 do amigo Lelé, apresentando a Darcy o projeto: “Foi assim que concebi uma ‘casa digna’ para guardar seus livros, seu ‘beijódromo’e tudo o mais que você imaginar”. E foi assim também, em carta dirigida ao reitor da UnB, em março de 1996, que Darcy Ribeiro lavrou os termos de seu legado a UnB:
 “Os estatutos da FUNDAR de que estou mandando cópia, determinam que seu Presidente elegerá a Universidade que virá a acolher, a qual receberá e porá em uso público a biblioteca de trinta mil volumes e o arquivo documental, bem como os objetos de arte de Darcy Ribeiro e de Berta Gleizer Ribeiro, nela funcionará a direção superior da Fundação, que regerá a republicação das obras de ambos, cujos direitos foram transferidos a FUNDAR.
O instituidor da FUNDAR espera da Universidade que destine, mediante cessão de uso, uma área para construção da Biblioteca Darcy Ribeiro e seus órgãos colaterais. Espera ainda que a Universidade ajude na edificação da referida Biblioteca e que destaque de seus quadros alguns servidores para manutenção e uso da biblioteca.
Meu desejo Senhor Reitor é que seja a Universidade de Brasília, a que estou fortemente vinculado, que acolha a FUNDAR.

Mas este caminho não foi facilmente percorrido. Nem em linha muito contínua. Até que se retomasse recentemente aqueles compromissos de 1996, e agora em 2010, se pudesse celebrar o termo de permissão de uso para destinar a área de instalação do Memorial e liberar os procedimentos necessários à implementação do projeto sonhado, um pouco de amargo desapontamento deixou em sobressalto o próprio sonho.
Vera Brant, conselheira da FUNDAR e amiga dileta de Darcy, faz, em seu livro Darcy (Editora Paz e Terra, São Paulo, 2002, páginas 111 a 113), o registro ressentido do que ela chamou de grande insensibilidade.
O Cristovam Buarque, governador de Brasília e do PT, tentou ajudar. Foi ao                                      reitor, falou da tristeza do Darcy, que não era justo ele ter essa decepção. Nadinha. Nunca vi tanta insensibilidade na minha vida.
Eu dizia ao Darcy:
- Desista dessa idéia da campus, meu filho. A gente consegue um terreno a caminho da Universidade. Quem for para lá terá que passar por você.
Não havia argumento que o vencesse: a UnB era a sua filha e teria que ser lá.
No domingo, achei-o tão triste e desanimado que liguei para a casa do reitor e disse-lhe:
- Você está perdendo uma bela chance de ser lembrado no futuro. Nós colocaríamos uma placa informando que você ajudou na realização do Memorial Darcy Ribeiro.
Três dias antes do Darcy morrer, num sábado, à tarde, o Cristovam ligou para o Hospital Sarah e disse-lhe que teríamos uma reunião na terça-feira para resolver, de uma vez por todas o problema. Eu sabia que não era verdade. Mas deixei o Darcy ficar feliz, assim mesmo.
Logo em seguida, o Oscar ligou. O Darcy disse:
- Meu irmão, eu estou morrendo.
- Não está não, Darcy. Você ainda vai viver dez anos e vamos morrer, juntos.
- Eu não me importo de morrer, não. O que eu não quero é deixar este planeta. Sabe, Oscar, a construção do prédio da Fundação na UnB vai dar certo. O Cristovam acabou de me dizer.
Fiquei emocionada. E não tive coragem de dizer a ele que eu tinha certeza de que não aconteceria nada, como não aconteceu. O Cristovam também já não tinha esperanças. Ele deve ter falado isso para consolar o Darcy.
Foi preciso o Presidente operário para se fazer acessível ao compromisso de reconhecimento. O mesmo Presidente, aliás, o único Presidente que durante todos os anos de seu mandato, reuniu para diálogo todos os Reitores federais brasileiros e com eles concertou o maior programa de investimentos já realizado para o desenvolvimento das universidades públicas, para que elas se expandam, ampliem vagas, democratizem o acesso e se re-estruturem em direção à atualização de seus fins institucionais, de oferecer educação superior de qualidade como um bem público e social.
Este Presidente operário, atento ao papel transformador da educação, é ainda o Mecenas sensível, convencido de que se “a história de um país é expressa pela trajetória do povo que o construiu, por sua luta pela sobrevivência e autonomia”, este percurso “e o conjunto de suas conquistas faz-se representar também pelas idéias e mãos de seus artistas”.
A passagem transcrita consta da mensagem que abre o catálogo e a exposição Entre Séculos/Acervos Públicos do Distrito Federal, mostra realizada no Museu da República, em Brasília, em novembro de 2009, por ele inspirada e realizada para “contribuir para o acesso público a este patrimônio cultural e influir diretamente para a informação e formação daqueles que não têm como conhecê-la em seu dia a dia”. A exposição reuniu, com essa orientação, os acervos públicos do Museu Nacional Cultural da República, do Museu de Arte de Brasília, do Memorial dos Povos Indígenas, da Caixa Econômica Federal, do Banco Central e da Universidade de Brasília.
            E é ainda este mesmo Presidente, cuidadoso do dever de consideração, que se move em tributo de reconhecimento para homenagear o grande brasileiro Darcy Ribeiro, antropólogo, educador, escritor, político, semeador de esperanças. Ele orienta o seu Ministro da Cultura no sentido de criar as condições de materialização de seu derradeiro sonho que é instalar na UnB, o seu Memorial.
            Mas, como resumi antes, um Memorial que seja fiel à vivacidade instigante do homenageado, que seja projetado para olhar o futuro. E que se incruste, definitivamente, no território de sua filha querida, ali naquela “faixa de terras na qual conquistara um bom pedaço do planeta Terra para nele edificar a Casa do Espírito, enquanto saber, cultura, ciências: a Universidade de Brasília, nossa UnB”.
            Nesta Universidade de Brasília, repete o seu fundador, que “Existe, para entender o Brasil com toda a profundidade, - e cuja primeira tarefa para - o exercício dessa missão é ter a coragem de lavar os olhos para ver nossa realidade, é perscrutá-la, é examiná-la, é analisá-la – porque, ao fim e ao cabo – o Brasil, entendido como seu povo e seu destino, é nosso tema e nosso problema (Universidade Para Quê? Série UnB, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1986, p. 14).
            Sim, nesta Universidade de Brasília, registra o Ministro Juca Ferreira em seu discurso lido na abertura do Seminário Encontro de Saberes realizado em setembro de 2010, que não deixe perder-se “a sua função de razão crítica, de entidade processadora de sínteses e renovadora de conceitos, a Universidade (que) hoje abre as portas para formas de sentir, de criar, de pensar e de fazer que a sociedade produziu para si mesma”.
            Um lugar, enfim, adequado para abrigar o legado de Darcy, realizando, talvez, um de seus últimos desejos, e, como próprio de Darcy, embrulhado de inexcedível afeto. Num artigo de Oscar Niemeyer (“A Importância da Fundação Darcy Ribeiro”), o velho amigo rememora trechos de uma conversa (“Três ou quatro dias antes do seu aniversário, fui ver o meu amigo Darcy Ribeiro no apartamento em que mora em Copacabana. E lá estava esse meu irmão a escrever como sempre, sentado na sua poltrona preferida... E a conversa continuou, mas foi ao falarmos da Fundação Darcy Ribeiro, que ela se esticou, como se impunha”).
            Essa memória-testemunho, reafirma a intenção e as razões do legado. Lembra Oscar: “A Fundação Darcy Ribeiro vai ser construída na Universidade de Brasília, que Darcy criou”. E esta obra, para o grande arquiteto, tem a maior importância, é indispensável e precisa ser construída, porque “representa a vida de um brasileiro que honra, com seu talento, coragem e idealismo, o nosso país”.

(Publicado no Livro Memorial Darcy Ribeiro BEIJÓDROMO, Editora UnB/Fundação Darcy Ribeiro, Brasília, 2012)        
           

           
           

segunda-feira, 21 de abril de 2014

De Suecia para el mundo: irrumpe la jornada laboral de seis horas (*)

El Mundo

Bajo la mirada de otros países y de empresas, una ciudad sueca comenzó a testear la productividad de ese horario
Por Luisa Corradini  | LA NACION
   

PARÍS.- ¿Trabajar seis horas por día y cobrar como si fueran ocho o nueve? ¿Quién podría decir que no? El atractivo proyecto responde a la iniciativa del intendente de la ciudad sueca de Gotemburgo, para crear puestos de trabajo y aumentar la productividad de sus empleados.
Mats Philem, responsable de esa urbe de 500.000 habitantes, la segunda entre las más grandes de Suecia, propuso a comienzos de abril a su consejo municipal reducir el tiempo de trabajo a la mitad de sus empleados durante un año. En ese período, la otra mitad continuará trabajando con el mismo horario; todos recibirán el mismo salario.
"Al término de la experiencia, compararemos ambos grupos. Esperamos constatar menos ausencias por enfermedad entre quienes trabajaron menos y que los asalariados se sientan mejor mental y físicamente", explicó Philem.
Convencido de que la productividad es menor cuando las jornadas laborales son más largas, el intendente del Partido de Izquierda espera también aumentar la eficiencia de su administración.
Su experimento convirtió a Gotemburgo en un laboratorio que, desde comienzo de mes, está bajo la lupa y es tema de conversación de las grandes empresas multinacionales y de otros gobiernos.
Philem se apoya en numerosos estudios que demuestran, en efecto, que una jornada de trabajo más corta influye positivamente en la productividad. Basándose en cifras publicadas por la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico (OCDE), el instituto Policy Mic confirma: "Mientras más se trabaja, menor es la productividad".
Actualmente, los suecos trabajan un promedio de 36,5 horas por semana. Suecia está entre los países de la OCDE que tienen las semanas de trabajo más cortas. En Francia, que hace 14 años adoptó un régimen similar, el horario semanal oficial es de 35 horas, pero los franceses trabajan un promedio de 38 horas. El resultado no es el mismo cuando se comparan ambos países en términos anualizados. Allí, los franceses trabajan menos que los suecos: 1482 horas por año contra 1636.
No obstante, Francia mantiene una competitividad superior a la sueca y a muchos otros países. Los turcos, por ejemplo, se acercan a las 49 horas semanales, pero en términos de competitividad están muy lejos de Francia, de Noruega (33,9 horas) o Luxemburgo (37 horas).
En todo caso, todos los estudios demuestran que Francia es el país donde menos se trabaja en el mundo. Según el sitio económico Business Insider, los franceses se ubican justo delante de Alemania, Luxemburgo y Bélgica. Un gráfico demuestra que los países que más trabajan son Corea del Sur, México y Chile, mientras que Estados Unidos se encuentra en el promedio de los miembros de la OCDE.
Ese récord francés no se debe únicamente al tiempo laboral semanal, también tiene en cuenta la edad de la jubilación. Hace 14 años, el gobierno socialista dirigido por el premier Lionel Jospin instauró en Francia la semana de 35 horas para crear puestos de trabajo. Desde entonces, una avalancha de críticas se abate sobre esa medida, acusada de haber derrumbado la competitividad de las empresas y la performance económica del país. Las cifras, sin embargo, parecen desmentirlo.
Excluyendo del análisis la gran crisis financiera que golpeó a Europa a partir de 2007, un informe del Departamento de Análisis y Previsión del Observatorio Francés de Coyunturas Económicas estima que la actividad en el sector privado francés experimentó un pico de crecimiento de 2,9% de promedio anual en el período de aplicación de la ley. "Entre cinco de los mejores años que conoció el sector privado en los últimos 30 años, tres se sitúan durante el período 1998-2002 -según un criterio de crecimiento económico- y cuatro si se retiene el de creación de puestos de trabajo", anota el estudio.
Para el organismo, tras la aplicación de las 35 horas, "los resultados franceses fueron mejores que los registrados en el resto de la eurozona, sobre todo comparados a Alemania e Italia. Durante el decenio 1998-2007, el crecimiento fue superior en un punto al de Italia y en 0,8 puntos al de Alemania", afirma.
Francia no fue el único país que decidió reducir el tiempo semanal de trabajo. Finlandia hizo la experiencia entre junio de 1996 y diciembre de 1998. Por la grave recesión, 20 municipalidades participaron en el proyecto "6 + 6". Los empleados trabajaban seis horas, reemplazándose unos a otros. "La mayoría de los participantes afirmaban sentirse menos cansados y menos agotados emocionalmente al término de la jornada", anotaba el instituto Dollars and Sense, en 2001.
Los empleadores, sin embargo, decidieron poner fin a la experiencia, pues consideraron que el aumento de productividad, eficiencia y disponibilidad de los servicios no eran suficientes como para absorber los mayores costos del trabajo.
Dejar a la gente trabajar en la forma que desee "sólo puede aumentar la productividad", afirma Dharmesh Sha, cofundador y director técnico de la firma Hubspot. A su juicio, ese sistema permite a los empleados hacer su trabajo en el mejor momento para ellos y no en horarios convencionales. "Pero, sobre todo -afirma-, aumenta en forma exponencial el sentido de responsabilidad.".

(*) Ao final do mandato de José Geraldo de Sousa Junior na reitoria da UnB (2008-2012) a jornada flexibilizada de seis (6) horas foi aprovada pelo Conselho de Administração da universidade e teve início sua implantação, por meio de um bem elaborado programa de análise do processo de trabalho, definição de continuidade de tarefas e apoio de um projeto de qualificação, incluindo pós-graduação (mestrado profissionalizante). Embora tendo base legal em face da existência de decreto federal prevendo o procedimento, não houve continuidade da proposta após o mandato e hoje, ela está sendo desconstituída. Pena, enquanto o mundo caminha numa direção, ou porque é difícil ou porque não há abertura política e simbólica para pensar novos processos, ali onde mais forte deveria ser o pensamento de vanguarda - a universidade - prevalece o conformismo.


quarta-feira, 16 de abril de 2014

Pedir desculpas é apenas o início (**)


JOSÉ CARLOS MOREIRA DA SILVA FILHO *

Sabendo que o ministro da Defesa está empenhando todos os seus esforços para tornar as nossas Forças Armadas mais democráticas e permeadas pelo comando civil, gostaria de comentar a declaração por ele dada no dia 27 de março, veiculada em O Globo. Disse ele que “o Estado brasileiro, ao pagar as indenizações, já, de certa maneira, pediu desculpas por tudo o que ocorreu”.
De fato, a Comissão de Anistia, sempre que reconhece o direito à reparação de alguém que foi perseguido político pelo Estado brasileiro ao longo da ditadura civil-militar, no momento em que profere o resultado da apreciação feita do requerimento de anistia, faz simbolicamente o pedido de desculpas em nome do Estado brasileiro pelas perseguições, prejuízos e violências praticadas, no que efetua também uma reparação moral e política. Na nossa Constituição a anistia tem o sentido de reparação. É preciso, porém, entender neste gesto não o esgotamento das ações do Estado democrático de hoje para confrontar a herança autoritária do Estado ditatorial de ontem, mas sim o reconhecimento público da ilegitimidade do golpe e da política sistemática de perseguição que foi implementada a partir dele.
Reparar economicamente pessoas que em decorrência da perseguição política perderam seus empregos por anos a fio, forçadas ao exílio, presas ou torturadas, expulsas dos bancos escolares, é o mínimo que o Estado deve fazer, mas não é tudo. A Comissão de Anistia já manifestou em várias ocasiões o seu entendimento, convergente com o avanço, estudo e efetivação do campo da justiça de transição no mundo todo, de que a reparação das vítimas diretas não se separa do direito de acesso de toda a sociedade aos documentos públicos produzidos pela ditadura, bem como do direito de que sejam investigados os crimes contra a humanidade perpetrados e responsabilizados os agentes públicos que os praticaram, além da necessária reforma institucional. Exatamente por isto a Comissão tem sido parte atuante na luta da sociedade brasileira por verdade, memória e justiça.
É necessário lembrar para não repetir. É preciso demarcar claramente na arena pública e institucional o repúdio da sociedade democrática à instrumentalização do Estado para a repressão generalizada da sociedade e para a prática de crimes de lesa-humanidade como a tortura e o desaparecimento forçado. É fundamental alterar a cultura institucional das nossas forças de segurança pública no sentido de que a tortura, o autoritarismo e a brutalidade são admissíveis e normais, restando impunes ontem e hoje.
O problema não é ter havido um agente público que torturou, mas sim uma organização pública que não só permitiu a tortura, mas a comandou como política de Estado. Para que possamos realmente nos distanciar deste Estado de barbárie, que segue ainda vivo em seus enclaves e entulhos autoritários, e assumirmos uma posição de princípio para uma sociedade menos violenta, é preciso que comecemos a responsabilizar os crimes da ditadura. Um pedido de desculpas oficiais das Forças Armadas também ajudaria muito, afinal foi ela a instituição que em 1964 assumiu a linha de frente na ruptura com a ordem democrática.
* Vice-presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
** Artigo originalmente publicado no jornal Zero Hora, edição de 16/4/2014

José Carlos Moreira da Silva Filho
Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS (mestrado e doutorado)
http://lattes.cnpq.br/0410429186457225; integra o coletivo organizador do novo volume (7) da Série O Direito Achado na Rua - Introdução Crítica ao Direito e à Justiça de Transição na América Latina.

domingo, 13 de abril de 2014

Retrato (escrito) de uma vivência (sentida), - ou DIÁLOGOS LYRIANOS na “Casa Viva”.



                                                   Aline Furtado (*)
Um retrato das sutilezas dos encontros. E assim como um retrato é imagem pintada, semelhança verificada, descrição de uma realidade, este relato é a minha pintura para e sobre uma tarde de diálogos lyrianos. Por isso, é das coisas sutis que falarei, a começar pelo tempo – chuvoso, o que inicialmente poderia ser um elemento de resistência ao ato de sair de casa, e claro, não só pela chuva, mas também pelo dia – domingo (23 de março de 2014, para fins de registro). Porém, havia um outro elemento que mobilizava e parecia alegrar as pessoas (no decorrer dos dias que antecediam ao encontro através da lista de e-mails), o que, para mim, era só uma sensação, a qual só pude constatar mais tarde. Tal elemento, referia-se ao lugar de encontro, qual seja, a “Casa da Carol”, na cidade de Brasília, no Distrito Federal.
Duas informações importantes, a primeira, diz respeito às aspas da “Casa da Carol”, nesse caso, o lugar e sua disposição afetiva deram a tônica dos encontros (lyrianos). E lá, descobri o porquê da alegria de ir à Casa da Carol, é que lá era também a Casa do Dimitri e a Casa do Lucas. A segunda, envolve situar a cidade de Brasília, no meu caso específico, que estou em trânsito e não sei por quanto tempo, falar que sou de “outro” lugar é uma experiência recente, e ajuda a entender as cores desta pintura – dos primeiros encontros, e até, desencontros culturais, um assunto para outra hora quando for tratar das sutilezas dos deslocamentos, ou “das diásporas”.
De repente, pensei – neste relato lyrico, em que “nada é, num sentido perfeito e acabado; tudo é, sendo” (LYRA FILHO, 1982:6) corro o risco de me exceder nos detalhes, nos sentimentos e até nas informações, mas de outra forma, não será possível situar esta narrativa. Dada esta explicação, um respiro aliviado e o conforto da escrita catártica, de quem não precisa seguir a forma – e ironicamente já seguiu, fazendo, inclusive citações. (risos) 
Antes da descrição do encontro, preciso falar de duas pessoas, as quais chamarei de pessoas-elo, visto que foram elas que me colocaram em contato com o grupo e estão a me abrigar nesse momento. E também porque simbolicamente é um casal, destes, que somente o Direito que se acha nas ruas, é capaz de unir. Então, foram eles, Lívia e Dimitri, responsáveis por este primeiro contato.
De volta ao encontro. Uma memória do primeiro contato visual com “a Casa”, o locus afetivo. A casa está situada em um condomínio, se não há engano de minha parte, localizada no Altiplano Leste, o que para mim traz muitas incertezas, às vezes, duvido que o Norte seja o Norte e o Sul seja o Sul, dada a precisão da localização, fico a duvidar do meu senso de direção, desacostumado com o desenho da cidade. E cá estou, mais uma vez, in(conscientemente) a fazer uma fala que ressalta o olhar estrangeiro. Chegando à casa, uma das coisas que me chama atenção é a porta aberta, a qual parecia dizer:- Entrem! Fiquem à vontade! Uma casa simpática de madeira, cercada de um verde típico dos períodos chuvosos, e cheia das sutilezas de uma casa lúdica e com crianças, portanto, uma casa cheia de detalhes acolhedores, como quem foi preparada com muito carinho para aquelas presenças – e o foi. E aqui, afirmo, tanto pelo testemunho visual dos pequenos cuidados, como também por relato da própria Carol sobre o seu empenho para com a recepção.
Eu parecia estar com um dispositivo de atenção ligado, - típico de quem chega, tanto pelo espaço novo, quanto pelas pessoas novas. No entanto, a cada detalhe a sensação de estar em casa foi aumentando. As conversas descontraídas e fluidas regadas a cafezinho. Confesso, o cafezinho já me ganhou. Porém, a novidade era a sala! Para os que a conheciam, porque antes não era daquele jeito, e para mim, o fato de ter que descer uns degraus (poucos degraus) me deixaram bastante à vontade, e aquele desnível me disse, pela segunda vez: - Entre! Chegue mais um pouco!  Devagar, os primeiros re(encontros). Avistei logo Diana e João Francisco, e o clima estava familiar. Companheira de AJUP e também de ludicância, referência de militância nas épocas de movimento estudantil, e também posteriormente, e agora serei clichê, por ter que visibilizar suas escolhas e construções que a tornam essa mulher guerreira - pela sua coragem e força diárias, e agora mãe do João Francisco, uma das presenças ilustres desse domingo.
Vi pessoas que não conhecia, mas também pessoas que conhecia como o Tuco, (ou Antônio Escrivão, o nome próprio que o camufla, vez ou outra), o Rodrigo (Mesquita, para os íntimos como vim a saber hoje, para mim, amigo de Ornela), o José Geraldo, (Ou Zé, ou aquele que por suas vivências e experiências merece escuta qualificada) a Carol (mestranda do Direito, a de Uberlândia, e para mim, amiga da Andréa), o Rafael (da AJUP, e o da carona até Goiás Velho), o Dimitri (o Graco, ou o advogado de boa parte das pessoas que estavam na reunião, e o companheiro da Lívia). Entre as pessoas conhecidas nesse domingo, a Carol (a dona da Casa, a mãe do Dimitri, uma das fundadoras das Promotoras Legais Populares – ou PLP’s, companheira do Lucas e tantas outras funções), o Dimitri (o anfitrião simpático, presença ilustre, filho da Carol e do Lucas), a Raquel (baiana, que integrou o SAJU-BA, mestranda do Direito), O Fredson (ou Fred, baiano, mestrando do PPGDH, integrou o SAJU-BA), o Lucas (o engenheiro agrônomo de formação, aquele que se preocupou com os muros da Universidade e a incomunicação - do Extramuros, pai do Dimitri e também dono da casa) e Judith, que chegou um pouco depois, com sua áurea alegre e com sua presença firme.
Algumas pessoas sabiam porque estavam ali, outras, talvez ainda não soubessem, mas estavam muito abertas a saberem. Era o primeiro dia de encontro, tanto dos que já dialogam lyrianamente, quanto dos que estavam a chegar. E, naturalmente, a conversa foi tomando forma. Zé (essa proximidade eu devo ter aprendido com a Lívia, que o chama assim) com sua paciência marcante tratou de sugerir que alguém pudesse assumir o lugar de uma condução, coordenação e relatoria da reunião. Carol e Dimitri compartilharam essa condução. E assim – em disposição circular e aconchegante – o lugar acolhia com almofadas coloridas, tapetes, colchão e piscina de bolinhas. As trajetórias vivas estavam ali, pulsantes e pedindo partilha... e assim foi a rodada de apresentação, que reforçou em mim o sentimento de que uma “carreira profissional” é sim, uma trajetória social, cada um, cada uma falou de suas trajetórias, interesses, projetos e expectativas vindouras.
As motivações de encontro eram várias, que iam desde uma formação comum no direito, com exceção do Lucas, com interesses e princípios que regem as posturas políticas de cada um, cada uma, que também vem dos mais diversos lugares, Bahia, Piauí, Ceará, São Paulo, Minas, Distrito Federal, que, por sua vez, acreditam nas transformações sociais, que trabalham/militam por um cotidiano de prática efetiva dos direitos humanos, que lutam pela legitimidade dos direitos achados na rua e de seus sujeitos, que tecem diariamente práticas emancipatórias, que tentam fazer dos espaços segregadores e violadores um espaço de  junção, de respeito à diferença, de acesso, um lugar com espaço pra compartilhar.
A cada relato, a cada vivência experienciada, o sentimento que junta pessoas em torno de um sonho comum, uma miscelânea. E exatamente, essa obra composta de escritos diversos sobre os mais variados assuntos, traz a força necessária para seguir, e Gonzaguinha cantarolava em meus pensamentos, e reforçava a coletividade que há em nós, e – aprendi que se depende sempre, de tanta, muita, diferente gente e que toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende, que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá, e é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar. – e somente, com o passar da reunião, ia conseguindo entender a proposta do grupo diálogos lyrianos, como esse lugar que une pesquisadoras e pesquisadores, lutadoras e lutadores, sonhadoras e sonhadores, que agrega experiências diversas e potencializa ações a partir desse lugar, com uma referência a obra de Roberto Lyra Filho e seu potencial mobilizador. Então, minha impressão é a de que o grupo não se define como um grupo de pesquisa, mas cumpre esse papel de agregar sim pesquisas, temas e debates a partir Lyra Filho.
Entre um relato e outro, o cuidado com as presenças vivificantes de João Francisco e Dimitri, que também em seus dialetos contribuíam e reanimavam os debates, entre uma bola e outra, uma proposta. Alguns resgates foram feitos no sentido de somar esforços para alguns encaminhamentos para este ano de 2014, propostas editoriais, leituras debatidas sobre pluralismo jurídico, movimentos sociais, questões de gênero, assessoria jurídica popular, descolonização, direitos humanos, questões de gênero, as relações e a colonialidade do poder, e a alegria de alguns e algumas mais antigos/as de poder socializar e espalhar pro mundo os escritos de Lyra.
Seguia-se um fluxo animado de ideias, trocas, e propostas. A comunicação – falava Zé Geraldo, acontece em três dimensões, o blog, o facebook e a lista de e-mails, estes espaços precisam ser fortalecidos. Em meio as estratégias de comunicação, o olfato foi despertado pelo cheiro dos pães de queijo, e a conversa sempre entremeada com a vida da casa viva, nome dado por Zé Geraldo à Casa da Carol, não parava. Judith traz pães de queijo e suco, Carol tira dúvidas do debate – diretamente da cozinha, João Francisco, de joelhos aos pés do Zé, o observa atento. Carinhosamente, todas e todos estavam imersas/os naquela tarde. A curiosidade, o repasse dedicado, os informes e os planos para atuação do grupo, para este ano de 2014.
Assim, findava uma tarde de diálogos lyrianos, encontros e reencontros, ânimos renovados, e uma agenda mínima para o grupo. Sobre as atividades, sobre o pertencimento, sobre os encaminhamentos, sobre o fazer-ser-parte lyrica dessa proposta é uma construção diária que se potencializa no grupo mas vai além. Que esse retrato sentido, seja antes, mais um fio condutor dessa construção, no sentido de vivificar a memória de que as reuniões e o movimentar-se pode se dar de uma forma lúdica, sensível e solidária.
(*) Aline Furtado integra o programa de pós-graduação do CEPPAC (Centro de Estudos para as Américas e Caribe, do Instituto de Ciências Sociais, da UnB).



terça-feira, 8 de abril de 2014

Os corpos das mulheres pertencem ao Estado? (+)

Mariana de Carvalho Oliveira e Michelle de Sá e Silva (*) Thamy Cabral e Thamara Lage
No país em que a obstetrícia é campeã mundial em proporção de cirurgias cesarianas, já se sabe que as mulheres que optam pelo parto natural têm que desafiar inúmeros protocolos e arraigadas práticas médicas, além de preconceitos e muita falta de informação. Mesmo quando conseguem um parto vaginal são, não raro, submetidas a um rol de violências obstétricas, sem contar as intervenções desnecessárias que seu filho sofre logo após o nascimento. A mulher não é enxergada como a protagonista do momento – muito pelo contrário, parece mero repositório.

Em 01 de abril de 2014, este cenário dantesco conseguiu ficar pior. Ocorreu em Torres, Rio Grande do Sul, um caso que será lembrado não apenas pela violência e pela violação de direitos nele envolvidas, mas principalmente pelo respaldo a ele dado pelas instituições do Estado. Naquela noite, uma mulher em pleno trabalho de parto foi retirada de seu domicílio e levada por dez policiais armados a um hospital, onde foi obrigada, mediante mandado judicial, a se submeter a uma cesárea indesejada e possivelmente desnecessária. Adelir Carmem Lemos de Goes, mulher empoderada que se informou e buscou superar as violências obstétricas já sofridas em partos anteriores, teve mais uma vez usurpado o direito de decidir como seu corpo daria à luz sua filha.

O caso diz muito sobre a obstetrícia brasileira. E diz ainda mais sobre como o Estado e a sociedade brasileira continuam a perceber e a tratar as mulheres deste país. É curioso – e chocante – que em tão poucas horas membros de importantes segmentos e instituições – o corpo médico, o Ministério Público, a magistratura e as forças de segurança - tenham se mobilizado para tal.

A polêmica gerada tem um grande potencial para se perder em meio a uma guerra de argumentos médicos, que, de um lado e de outro, podem corroborar ou contrariar a afirmação de que haveria risco para mãe e filha. O fato é que, justamente porque parte do poder médico advém das informações que eles controlam e dos julgamentos que eles nos apresentam (muitas vezes sem qualquer justificativa para determinada tomada de decisão), nunca se saberá, ao certo, se o bebê estava realmente pélvico e se, mesmo que estivesse, isso oferecia um risco significativo. Por isso, este artigo lembrará apenas que, pelo menos em Brasília, não têm sido incomuns os partos naturais pélvicos, assim como os partos naturais posteriores a uma ou a duas cesáreas. Alguns deles, inclusive, realizados em domicílio, a fim de se fugir não apenas das violências hospitalares contra as mulheres, mas também das intervenções desnecessárias nos bebês.

Para além do que diz ou não a evidência científica, o caso choca ainda mais pela postura inabalável e resoluta dos representantes do Estado em tomar o corpo daquela mulher e forçá-la a uma cirurgia à qual ela se recusava. Choca o fato de decisão tão importante ter sido tomada em caráter liminar (apesar de terminativa) sem conceder a Adelir o exercício do contraditório e o direito de apelar a instâncias superiores da justiça. Choca o fato de uma juíza conceder liminar em caso tão grave sem questionar a posição médica, não solicitar outras opiniões e exames (que podem ser realizados rapidamente) e – mais importante- sem ouvir Adelir.

O dano causado é agora irreparável, uma vez que a cesárea já foi feita. Mais uma mãe que sofre por não poder conduzir o seu parto; mais uma criança que sofre por não poder nascer após um trabalho de parto que a prepare para o mundo. Foram violados direitos fundamentais, direitos reprodutivos. Foram violados princípios da bioética, que traduzem as ideias de priorização do paciente e respeito às suas opiniões. Foi violado o corpo de uma mulher.

Se ainda agora as opiniões médicas sobre o caso não são unânimes ou conclusivas, como pode ter se tornado a “justiça” tão rapidamente convicta de que a mulher deveria ser submetida à cesariana? E, ainda mais, por que o Estado seria detentor de melhor juízo e do direito de decidir por ela? A visão hospitalocêntrica da saúde e a percepção de que o discurso da autoridade médica é inquestionável e é o “melhor para o paciente” permeiam o imaginário do sistema de saúde brasileiro, colocando o parto como “doença” ou como “conveniência” e retirando-o totalmente do seu lugar natural que é o seio familiar e, mais precisamente, das mãos da mulher.

Adicionalmente, o caso coloca em evidência a percepção de que a sociedade brasileira e as instituições que a organizam ainda funcionam sobre uma estrutura profundamente patriarcal e machista, cuja lógica é de que o corpo feminino não passa de mero veículo para os herdeiros que receberão a tarefa de manter este mesmo estado de coisas. Como pode a mulher não ter direito ao seu próprio corpo e a decidir sobre as intervenções e procedimentos realizados sobre ele? Como se pode falar em dignidade humana – princípio maior da nossa Constituição Federal - quando se retira de seu domicílio, com a presença de dez policiais armados, uma mulher em pleno trabalho de parto? A sua integridade física e psíquica foi violentada; a sua autonomia sexual e reprodutiva sofreu coerção do Estado – em profunda violação à Carta Magna e a tratados internacionais. Reforça-se a ideia de que o corpo feminino é de domínio público e que a mulher não possui capacidade para decidir sobre ele.

Piores ainda são os prognósticos que este caso traz para o futuro. Ele gera um precedente bastante poderoso, e perigoso, para a legião de médicos que adorariam fazer apenas cesáreas, rápidas e caras, anulando o crescente movimento de mulheres que querem recuperar o direito sobre seus corpos e seus partos. Se médicos, promotores, juízes e policiais se unirem para tornar prática corrente o conjunto de violências observadas neste caso, o Brasil reforçará a sua permanência no clube internacional de violadores do direito da mulher – num percurso oposto aos países que atualmente enxergam o parto como momento único da mulher e da família, retirando-o cada vez mais do espaço hospitalar com políticas públicas de incentivo a casas de parto e a partos domiciliares. Porque cesárea forçada, mediante mandado judicial, não é uma prima muito distante de casamento arranjado, mutilação genital, e outros horrores que se veem pelo mundo.
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Mariana Siqueira de Carvalho Oliveira é Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília, especialista em Direito e Saúde pela Universidade de São Paulo, integrante do grupo O Renascimento do Parto, gestora governamental no Ministério da Justiça e mãe de três filhos (duas cesáreas prévias e um parto normal humanizado). Mariana é autora nos volumes 4 e 6 de O Direito Achado na Rua


Michelle Morais de Sá e Silva é PhD em Educação Comparada Internacional pela Columbia University (Nova Iorque), mestre em Estudos sobre o Desenvolvimento pelo Institute of Social Studies (Haia, Holanda) e graduada em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. É gestora governamental e mãe de dois filhos (dois partos normais, tendo o segundo sido domiciliar).
(+) Texto originalmente publicado no sítio Carta Maior, na Editoria Princípios Fundamentais.

Créditos da foto: Thamy Cabral e Thamara Lage

quinta-feira, 3 de abril de 2014

O DIREITO ACHADO NO HOSPÍCIO: UMA EXPERIÊNCIA DE EXTENSÃO JURÍDICA POPULAR EM DIREITOS HUMANOS






Ludmila Cerqueira Correia[1]
Murilo Gomes Franco, Olívia Maria de Almeida[2],
Isadora Silveira Xavier, Raymara Soares da Silva[3]



RESUMO

O Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (CRDH/UFPB) desenvolve o projeto de pesquisa e extensão “Cidadania e direitos humanos: educação jurídica popular no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira (CPJM)” desde o ano de 2012. Integra esse projeto um grupo interdisciplinar de estudantes composto pelos cursos de graduação em Direito, Psicologia, Serviço Social e Enfermagem. O cerne de atuação do projeto é a realização de atividades de educação jurídica popular, na perspectiva da educação em direitos humanos, direcionadas às pessoas em estado de sofrimento mental internadas no CPJM, assim como seus familiares e profissionais, presentes no cotidiano das relações institucionais. O projeto adotou a metodologia da Educação Popular, teorizada por Paulo Freire, a fim de estimular o processo de empoderamento de um grupo de pessoas que, historicamente, teve uma série de direitos violados, bem como a inacessibilidade a instrumentos e mecanismos de garantias de direitos. A partir desses marcos metodológicos, torna-se possível a socialização e o “desencastelamento” do saber jurídico e, ainda o apoio às pessoas em sofrimento mental a assumirem o protagonismo na construção de seus próprios direitos, auxiliando na mudança da realidade em que vivem. Conclui-se que o projeto tem contribuído para os debates no campo da garantia dos direitos das pessoas em estado de sofrimento mental, da conquista de novos direitos e da ampliação da cidadania desse grupo social, com destaque para as pessoas internadas em hospitais psiquiátricos.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Educação Jurídica Popular; pessoas em sofrimento mental; hospital psiquiátrico.

INTRODUÇÃO

O Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba (CRDH/UFPB) desenvolve projetos de pesquisa e extensão desde o ano de 2010, que agregam temáticas como a mediação de conflitos, a assessoria jurídica popular e o apoio psicossocial, funcionando como espaço de promoção e defesa dos direitos humanos e reconhecimento da produção jurídica dos sujeitos coletivos em espaços não estatais. Em abril de 2012 teve início o projeto de extensão “Cidadania e direitos humanos: educação jurídica popular no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira”, composto por um grupo de catorze estudantes de Direito. No ano de 2013, ingressaram estudantes de outros cursos de graduação da UFPB: além de Direito, estudantes de Psicologia, Serviço Social e Enfermagem.
Através da Educação Jurídica Popular em Direitos Humanos, tal grupo realiza oficinas que desenvolvem temas relacionados aos direitos das pessoas internadas no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira (CPJM), bem como dos seus familiares. Esse projeto identifica-se enquanto uma célula do movimento da luta antimanicomial que problematiza a existência das instituições psiquiátricas a partir do enfrentamento à cultura manicomial socialmente disseminada. 
O CPJM, situado na cidade de João Pessoa, no estado da Paraíba, assim como outros manicômios, se caracteriza pela segregação das pessoas em estado de sofrimento mental, contribuindo para a perda de suas identidades e dos vínculos comunitários e sociais, o que consiste, portanto, em violações de direitos humanos constitucionalmente garantidos.
No Brasil, observa-se que existem poucas pesquisas referentes à aplicação da Lei nº 10.216/2001 e dos princípios da Reforma Psiquiátrica, o que demonstra a necessidade de maior conhecimento das práticas realizadas em instituições manicomiais e nos serviços substitutivos, assim como de um debate que insira a comunidade acadêmica e os órgãos envolvidos na temática em diálogo com a realidade social.

QUESTIONANDO O TRADICIONAL MODELO JURÍDICO

Com o objetivo de romper com a naturalização das diversas violações de direitos relacionadas ao internamento em hospitais psiquiátricos e colaborar para o empoderamento dos sujeitos sociais participantes das oficinas propostas, o projeto de extensão “Cidadania e direitos humanos: educação jurídica popular no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira” adotou como metodologia a Educação em Direitos Humanos e a Educação Popular.
O projeto referido visa a constituição de um espaço horizontal e de uma cultura de cidadania e de participação que pretende dar a voz a todos os envolvidos, concebendo-os enquanto sujeitos políticos construtores de sua própria formação. Para tanto, pressupõe a quebra com a relação autoritária presente no assistencialismo e no tradicional ensino jurídico, e a construção do Direito que reconheça a atuação jurídica dos sujeitos coletivos e suas experiências e conflitos.
Partindo da idéia de que a produção jurídica não esgota a sua fonte unicamente no Estado, centro do poder político, tem-se a perspectiva de construção descentralizada do Direito em espaços não formais e antidogmáticos. Reconhecer essa produção implica em compreender o esgotamento do modelo jurídico vigente, como traz Wolkmer (2001, XVII):
porquanto o modelo de cientificidade que sustenta o aparato de regulamentação estatal liberal-positivista e a cultura normativista lógico-formal já não desempenha a sua função primordial, qual seja a de recuperar institucionalmente os conflitos do sistema, dando-lhes respostas que restaurem a estabilidade da ordem estabelecida.

Esse modelo esbarra nos interesses coletivos e é incompatível com a realidade social na medida em se preocupa com a legalidade do processo em detrimento da justiça. Exemplo disso é evidenciado na escolha de uma linguagem erudita centrada em procedimentos formais, nos quais os juízes “escravos da lei” não assumem a responsabilidade pelos conflitos da sociedade (DALLARI, 2007). O monismo jurídico consagra que “todo Direito é a criação do Estado e, por conseguinte, todo Direito Estatal é Direito Positivo” (WOLKMER, 2001, p. 63,), e por seu caráter abstrato ele acaba se distanciando dos sujeitos sociais e políticos.
Como afirma Aguiar, o Estado “legisla para si para se fortalecer e não perecer e legisla para os outros grupos para exercer um controle eficaz.” (1980, p. 48). A relação que se dá a partir do controle estatal sobre os grupos sociais é ideológica e política, e o direito normativo também, tendo em vista que o ordenamento jurídico se sustenta a partir do interesse de grupos dominantes.
A dinamicidade social e seus conflitos delimitam interesses que posicionam os sujeitos em lugares diversos, ora de dominantes, ora de dominados. Nessa relação, percebe-se a instabilidade social e a insuficiência do modelo de monismo jurídico, no qual o Direito não consegue mais regular as resoluções de conflitos, tornando necessária uma nova forma de lidar com a organização social.
Nesse sentido, tem-se a insurgência de uma produção jurídica não associada com o Direito Positivo, nem tampouco com o Estado, inclusive considerando a possibilidade de existência do Direito sem o aparato estatal (WOLKMER, 2001). Visualiza-se uma soberania múltipla e plural, onde os “destinatários de um ordenamento jurídico poderão ser a fonte de um outro ordenamento jurídico” (AGUIAR, 1980, p. 48), e assim, reconhecer as manifestações normativas informais e não estatais.
Este fenômeno de reconhecimento da multiplicidade de práticas normativas nos espaços sócio-políticos configura o denominado pluralismo jurídico, que se sustenta a partir das necessidades de organização social e cultural. Este novo olhar rompe com a lógica centralizadora de que o Estado seja fonte exclusiva da produção do Direito e admite a existência de
mais de uma realidade, de múltiplas formas de ação prática e da diversidade de campos sociais com particularidade própria, ou seja, envolve o conjunto de fenômenos autônomos e elementos heterogêneos que não se reduzem entre si (WOLKMER, 2001, p. 172).

Ainda que informalmente os sujeitos coletivos busquem soluções para os conflitos concretos, o aparelho burocrático estatal continua como principal responsável pelo controle social formal. Sendo o direito o operador desse poder controlador e disciplinador através do discurso da violência, ele pode aniquilar a individualidade dos sujeitos a partir da imposição de ações regradas, ligadas às normas jurídicas. É importante notar que não somente o direito exerce técnicas de disciplinamento, mas também outras ciências, como a psiquiatria e a psicologia. A respeito do poder disciplinador:
aqueles que se insurgem contra a disciplina receberão contra si o tapa da mão pesada da sanção, os que não forem aptos a se disciplinarem, pura e simplesmente, sofrerão a sanção da não participação da vida econômico-financeira dos que se encontram sob a égide daquele poder (AGUIAR, 1980, p. 69).

Destaque-se que as tradicionais ciências se configuram enquanto disciplinadoras e podem também exercer sanção, mesmo que implícita, sobre os sujeitos. Muitas vezes, a internação de um “louco” num hospital psiquiátrico a partir de um discurso de tratamento representa a aplicação da “mão pesada da sanção” da psiquiatria e da psicologia sobre o corpo e a liberdade do indivíduo. Esta sanção se disfarça enquanto prática “humana” e “caridosa” de cuidado que mistifica ideologicamente o fato de que a própria sociedade aprisiona e regula todos os comportamentos, estabelecendo o que se considera normal e o que se desvirtua disso (AGUIAR, 1980).

DIREITO NO HOSPÍCIO: CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO JURÍDICA POPULAR EM DIREITOS HUMANOS

O conceito de “educação bancária” atribuído por Paulo Freire (1987) à forma tradicional de se educar se refere a uma relação de poder que consiste na transferência de conhecimento de uma pessoa detentora do saber para outra que não o possui. Não estando apartada de outras relações interpessoais políticas e econômicas presentes na sociedade, essa “transferência de informação” que tem sido chamada de “educação” não só configura a polarização entre indivíduos opressores e oprimidos, mas também serve de instrumento de manutenção para que essas outras relações de dominação históricas continuem existindo.
A experiência da educação bancária não raramente se faz presente no cotidiano das salas de aula dos cursos de graduação[4] da UFPB em que estão matriculados(as) os(as) estudantes que compõem o projeto “Cidadania e Direitos Humanos: Educação Jurídica Popular no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira”. Para escapar dessa realidade e não repeti-la na atuação enquanto extensionistas, os(as) estudantes apostam na metodologia da educação jurídica popular, que viabiliza a construção coletiva de um conhecimento cujo conteúdo tenha como base os direitos humanos.
Ressalte-se que essa prática se contrapõe radicalmente ao modelo tradicional de educação, não somente porque trabalha com temas ligados aos direitos e às garantias fundamentais, mas, sobretudo, porque está politicamente voltada ao auxílio no processo de empoderamento do grupo historicamente oprimido das pessoas em sofrimento mental, com destaque para aquelas internadas em hospitais psiquiátricos (também chamados de hospícios ou manicômios).
Segundo Zenaide (2013, p.2), “a educação em direitos humanos objetiva, entre outros aspectos, afetar a naturalização das violações aos direitos humanos” e esse é o compromisso dos(as) extensionistas. Desde março de 2012, com o início do projeto, a educação jurídica popular tem se apresentado como uma estratégia para a aproximação do direito a essas pessoas, visando “propiciar o protagonismo dos sujeitos frente ao Direito” (REDE NACIONAL DE EDUCAÇÃO JURÍDICA POPULAR, 2009).
O referido projeto busca realizar suas atividades sempre compreendendo todas as pessoas que, voluntariamente, nelas se envolvem, como sujeitos fundamentais em sua construção e titulares de plena capacidade para serem porta-vozes de si mesmos. Nesse sentido, apostando na possibilidade de interlocução e aprendizado mútuo entre extensionistas e usuários, familiares e profissionais ligados ao CPJM, as oficinas são construídas coletivamente e tratam de questões como: o direito à igualdade e não discriminação, à liberdade, à comunicação, os mecanismos de garantia de direitos, institucionalização, políticas públicas, organização do Estado, atuação do sistema de justiça e de segurança na questão das drogas, além dos serviços substitutivos de saúde mental.
O projeto atua ainda no reconhecimento de mecanismos de acesso à justiça e seu fortalecimento, interna e externamente ao Complexo Psiquiátrico, como Ouvidorias e órgãos dos sistemas de Saúde e de Justiça. A metodologia das atividades, desde o seu planejamento, execução e avaliação, proporciona, através de uma escuta diferenciada, a captação de demandas oriundas do público alvo nas oficinas, que vão orientar as discussões e estudos do grupo relacionados às violações e mecanismos de garantia de direitos das pessoas em sofrimento mental internadas em hospitais psiquiátricos.  
Para além da repercussão que o projeto de extensão tem causado dentro da instituição manicomial, é importante ressaltar a colaboração do mesmo para a formação acadêmica e pessoal dos(as) extensionistas, uma vez que a educação em direitos humanos há de cumprir o importante papel de contribuir para a valorização do ser humano, enquanto ser completo, histórico, político, cultural, afetivo, axiológico, e de promover o despertar da sua consciência enquanto tal (GUIMARÃES, 2012).
O constante trabalho coletivo que envolve a interação entre estudantes de vários cursos e rompe com a lógica de mercado individualista e de concorrência tem promovido a ressignificação da produção do conhecimento científico ao passo que amplia as possibilidades de atuação do projeto dentro e fora do hospital. Quanto a isso, é notável a diferença entre as “duas fases” [5] do projeto. A primeira, em 2012, contou majoritariamente com estudantes do curso de Direito. A segunda, em 2013, está sendo marcada pela interdisciplinaridade entre quatro áreas do conhecimento, sendo possível constatar uma maior possibilidade de atuação, impulsionada pelo fortalecimento do grupo e que tem ligação direta com a recomposição do coletivo. A respeito disso, Costa e Sousa Júnior propõem o “Direito Achado na Rua” como possibilidade de um conhecimento que supere a distância entre a teoria e a prática e que busque a conexão entre os saberes científicos:
A interdisciplinaridade se impõe como forma de compreender e explicar o mundo sem estar presa a “caixas” ou “gavetas”. Embora não negue a importância do aprofundamento e da especialização, a tentativa de construção de um conhecimento específico não pode fazer com que se saiba cada vez mais de muito pouco, o que significa nada saber. Vale observar que a interdisciplinaridade busca uma coesão de saberes diferentes (Direito, Economia, Política, Psicologia, Sociologia, etc.). (COSTA e SOUSA JUNIOR, 2009, p. 24).

A utilização da perspectiva do “Direito Achado na Rua”, que diz respeito ao reconhecimento da produção jurídica a partir dos movimentos sociais, bem como a sua ressignificação e adaptação às reivindicações populares aprisionadas no ambiente do hospício, têm sido realizadas nas atividades de extensão propostas pelo referido projeto. O impedimento institucional à possibilidade de reivindicação de direitos no espaço público decorrente do aprisionamento de uma pessoa em uma instituição psiquiátrica fechada afeta diretamente o exercício da cidadania. Uma vez que a liberdade, compreendida enquanto prerrogativa para a luta por direitos (SOUSA JUNIOR, 2008), não está acessível para os(as) usuários(as) do CPJM, essa situação não impede que essas pessoas sejam titulares da capacidade de serem cidadãs, mas dificulta demasiadamente esse processo.
Nesse sentido, o projeto apresenta-se enquanto uma extensão universitária cuja práxis é comunicativa, do modo como explicitado na obra de Freire (GUIMARÃES, 2012) e que possibilita, entre outras coisas, a quebra do monopólio do conhecimento das ciências, com destaque para o Direito. Essa realidade só tem sido possível porque, aliada à extensão, a educação jurídica popular propõe uma reflexão crítica sobre a efetividade do princípio da função social, inerente à educação e, consequentemente, à Universidade.
A extensão universitária configura-se como oportunidade do saber científico desenvolver-se com sua abertura para a sabedoria posta em prática na dinâmica social. Na medida em que se realiza a extensão universitária, sobretudo voltada para a cidadania e para os direitos humanos, a sociedade ganha por desenvolver processos de autonomia na sua luta emancipatória, e a universidade ganha ao aprender com a comunidade formas de realização da justiça social. (COSTA e SOUSA JUNIOR, 2009, p. 23).

A realização quinzenal de oficinas tem promovido o contato direto dos extensionistas com a realidade manicomial e suas contradições. Não raramente, essa interação oferece mais conteúdo educativo do que aquele que os(as) estudantes têm experienciado em sala de aula. Sobretudo porque a prática da extensão consegue aliar a fundamentação teórica do projeto com a realidade social, enquanto o conhecimento produzido em sala de aula, em geral, encerra-se em teorias sem repercussão prática. Por exemplo, a partir do que foi estudado pelos extensionistas, percebeu-se que as demandas jurídicas oriundas do CPJM estavam ligadas a violações de direitos humanos e, ainda, que tais demandas colocam em cheque a efetividade do direito ao acesso à justiça (CORREIA et al., 2013).
Sendo tuteladas pelo Direito enquanto incapazes, essas pessoas têm o seu cotidiano marcado pela negação de suas existências enquanto sujeitos de direito. O silenciamento forçado de seus conflitos pelas várias formas de violência proporcionadas pela internação, com destaque para a medicalização, insere essas pessoas em um contexto de vitimização e expõe a fragilidade dos sistemas de saúde, justiça e segurança do Estado.
O ponto de partida para a realização das atividades do projeto tem sido provocar as pessoas que participam das oficinas com reflexões oriundas de dispositivos lúdicos e dinâmicos, como filmes, músicas, poesias, dinâmicas de grupo, ilustrações, pinturas, técnicas de Teatro do Oprimido [6], etc. A opção de se trabalhar com a arte viabilizou a realização de uma peça de teatro, um telejornal, a simulação de um processo eleitoral, dentre outros.
O trabalho com a educação em direitos humanos possui uma dimensão relacionada à solidariedade que, segundo Freire (1987), não deve ser confundida com a mera interiorização e racionalização de culpa. A capacidade de efetivação do princípio da alteridade frente às situações de opressão proporciona o impulsionamento da luta pelo respeito aos direitos humanos, posto que a violação ao direito de uma pessoa deixa de ser encarada enquanto uma situação particular para se tornar uma agressão  à coletividade.  A tarefa de educar para o “nunca mais” (ZENAIDE, 2013) exige esse tipo de comprometimento. Portanto, compreende-se que todo o investimento em educação em direitos humanos desenvolvido pelo projeto de extensão almeja contribuir para que o CPJM não mais exista, visto que a plena garantia dos direitos das pessoas ali internadas só será possível em um cuidado extra-hospitalar, tal qual preconiza a luta antimanicomial.
Em se tratando dos direitos das pessoas em sofrimento mental, é importante ressaltar que os mesmos não se encerram na seara da saúde. A maioria das pessoas internadas no CPJM são economicamente marginalizadas, além da vulnerabilidade culturalmente imposta e atrelada ao transtorno mental. Para além da íntima relação entre loucura e pobreza, a análise dessa realidade denuncia que o lugar do hospital psiquiátrico esteja sendo reforçado não só pelo cuidado ofertado em saúde mental e utilitarismo da defesa social, mas porque essa instituição supre a carência daquilo que se entende por “mínimo existencial” de muitas pessoas. Por exemplo, ainda que de forma precarizada, o CPJM proporciona moradia, alimentação, higiene, atenção à saúde, etc. Quanto a isso, cabe trabalhar a acepção de Paulo Freire (1987) sobre o “medo de liberdade” que se contrapõe ao empoderamento que o grupo de extensão estabelece enquanto objetivo. Esse conceito é um desafio para a prática da educação popular em direitos humanos e se expressa de forma recorrente na realidade das pessoas que trabalham ou que estão internadas no hospital psiquiátrico. Ele se traduz, por exemplo, no receio de que a instituição, mesmo sendo opressora, deixe de existir e junto com ela, acabem as provisões que ela oferece.
Mais um desafio à atuação do projeto se expressa em outros dois conceitos também trabalhados por Freire (1987) em seu livro Pedagogia do Oprimido, são eles o enquadramento de indivíduos em “ser mais” e “ser menos”. Ressalte-se que a complexidade dessa relação afasta a possibilidade de reducionismos maniqueístas. O primeiro diz respeito ao polo oprimido da relação de poder ou ainda àquele que luta pela humanização e quebra da relação de opressão. Resta ao segundo conceito o papel da violência e opressão.
A partir desse panorama, o projeto de extensão se enquadra enquanto “ser mais” e a instituição psiquiátrica enquanto “ser menos”. Dessa relação de contraposição emerge o sentimento de inquietação dos(as) extensionistas, oriundos(as) de um Centro de Referência em Direitos Humanos, em testemunhar frequentemente situações de violações aos direitos humanos. Esse sentimento funciona como importante elemento que reforça o comprometimento do projeto em contribuir para o fechamento dos hospitais psiquiátricos a partir de uma atuação que compreenda bem a dinâmica hospitalar para poder, assim, desmantelá-la.
Para além do que foi produzido nas oficinas, no que se refere aos resultados que o projeto tem alcançado, é importante ressaltar o papel estratégico da educação em direitos humanos na captação de demandas do CPJM, as quais vêm sendo supridas em atuações extra-hospitalares. Por exemplo, a provocação à Defensoria Pública para que atue assessorando juridicamente os casos de cumprimento de medida de segurança, articulações que mobilizaram o Ministério Público e a Vara de Execuções Penais a autorizarem a saída temporária de pessoas internadas no hospital, contatos com o Desembargador Ouvidor do Tribunal de Justiça da Paraíba.
O segundo ano de atuação do projeto tem sido marcado por uma maior inserção no hospital, evidenciada pela aproximação com algumas categorias de profissionais, de modo a, inclusive, ser pensado um cronograma de formação em direitos humanos junto aos trabalhadores que será posto em prática ainda em 2013. O estabelecimento de vínculos com alguns usuários(as) do hospital tornou-se fortalecido em virtude das recorrentes atividades do projeto na instituição e essa afinidade tem repercutido diretamente na qualidade das oficinas. Outra conquista importante do projeto se deu pela aproximação estratégica com a direção do CPJM, que passou a reconhecer o papel político do Centro de Referência em Direitos Humanos em diligenciar casos emblemáticos de graves violações a direitos. A diretoria do hospital passou a detectar esses casos e a encaminhá-los para análise dos(as) extensionistas como uma forma de não se omitir em razão dos conflitos existentes na instituição. 
Compreender o hospital psiquiátrico enquanto dispositivo que operacionaliza e responde à necessidade de defesa social se faz necessário para que se possa fechá-lo. Entendimentos como esse consideram a amplitude do fenômeno cultural da manicomialização e denotam que ele não se limita à instituição psiquiátrica e está disseminado socialmente. O propósito do projeto em execução naquele Complexo Psiquiátrico vai além de reconhecer o Direito achado no hospício, pois pretende que ele sirva de instrumento para a desconstrução da realidade manicomial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A compreensão da multiplicidade de práticas do Direito e o reconhecimento da construção do Direito em um hospital psiquiátrico são premissas da atuação do projeto de extensão “Cidadania e Direitos Humanos: Educação Jurídica Popular no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira”, que integra o CRDH/UFPB.
A partir da crítica ao academicismo, cabe à extensão universitária uma atuação que não se limite ao estudo do panorama teórico e esteja vinculada ao diálogo com a sociedade. Assumindo esse desafio, o referido projeto se utiliza da educação jurídica popular em direitos humanos como estratégia de aproximação à realidade manicomial, o que tem repercutido em uma série de críticas ao conservadorismo científico e às instituições estatais. A inserção dos(as) extensionistas nesse contexto está pautada na compreensão de que a loucura interpretada enquanto doença mental nem sempre existiu. Portanto, o processo histórico e cultural de construção desse e de outros conceitos violadores de direitos, como o da periculosidade, são levados em consideração nas atividades do projeto.  
A educação jurídica popular em direitos humanos tem se revelado enquanto metodologia que auxilia no processo de empoderamento dos sujeitos, propondo a possibilidade de uma ressignificação crítica das ciências e de suas repercussões no cotidiano das pessoas internadas no CPJM. A partir da negação à cultura manicomial que emerge de movimentos como a reforma psiquiátrica, os(as) extensionistas têm colaborado na afirmação e construção dos direitos das pessoas em sofrimento mental e compreendem que a participação dessas pessoas é indispensável nos processos que almejam a transformação da realidade em que vivem. Do ponto de vista da comunicação, as atividades do projeto objetivam a dialogicidade e inclusão de todas as pessoas que, voluntariamente, estejam dispostas a participar.
Assim como a luta antimanicomial, o referido projeto compreende que os direitos das pessoas em estado de sofrimento mental não se encerram na seara da saúde. Nesse sentido, o compromisso político com o fim das instituições psiquiátricas tem possibilitado articulações extra-hospitalares que repercutem diretamente nos resultados alcançados pelo projeto e afetam diretamente a cultura manicomial.
Por fim, vale destacar que os desafios contemporâneos à luta antimanicomial estão sendo estudados e problematizados pelos(as) extensionistas integrantes do mencionado projeto de extensão, que vêm buscando impulsionar a afirmação e a construção dos direitos das pessoas em sofrimento mental internadas no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira através da educação jurídica popular em direitos humanos.


REFERÊNCIAS

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[1] Advogada popular. Doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília. Mestra em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora Assistente do Departamento de Ciências Jurídicas da UFPB, do qual é assessora para assuntos de extensão. Coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos da UFPB e do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania. ludcorreia@gmail.com
[2] Estudantes do curso de graduação em Direito da UFPB e integrantes do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania.
[3] Estudantes dos cursos de graduação em Enfermagem e Serviço Social da UFPB e integrantes do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania.
[4] Direito, Serviço Social, Psicologia e Enfermagem.
[5] O projeto de extensão foi aprovado nos editais do Programa de Extensão da Universidade Federal da Paraíba (PROBEX/UFPB) nos anos de 2012 e 2013.
[6]  As técnicas do Teatro Oprimido abrangem a prática de jogos, exercícios e técnicas teatrais, com o objetivo de estimular a discussão e a problematização de questões do cotidiano, para uma maior reflexão sobre as relações de poder. Augusto Boal sistematizou o Teatro do Oprimido, que tinha como maior objetivo a transformação da realidade.