domingo, 13 de abril de 2014

Retrato (escrito) de uma vivência (sentida), - ou DIÁLOGOS LYRIANOS na “Casa Viva”.



                                                   Aline Furtado (*)
Um retrato das sutilezas dos encontros. E assim como um retrato é imagem pintada, semelhança verificada, descrição de uma realidade, este relato é a minha pintura para e sobre uma tarde de diálogos lyrianos. Por isso, é das coisas sutis que falarei, a começar pelo tempo – chuvoso, o que inicialmente poderia ser um elemento de resistência ao ato de sair de casa, e claro, não só pela chuva, mas também pelo dia – domingo (23 de março de 2014, para fins de registro). Porém, havia um outro elemento que mobilizava e parecia alegrar as pessoas (no decorrer dos dias que antecediam ao encontro através da lista de e-mails), o que, para mim, era só uma sensação, a qual só pude constatar mais tarde. Tal elemento, referia-se ao lugar de encontro, qual seja, a “Casa da Carol”, na cidade de Brasília, no Distrito Federal.
Duas informações importantes, a primeira, diz respeito às aspas da “Casa da Carol”, nesse caso, o lugar e sua disposição afetiva deram a tônica dos encontros (lyrianos). E lá, descobri o porquê da alegria de ir à Casa da Carol, é que lá era também a Casa do Dimitri e a Casa do Lucas. A segunda, envolve situar a cidade de Brasília, no meu caso específico, que estou em trânsito e não sei por quanto tempo, falar que sou de “outro” lugar é uma experiência recente, e ajuda a entender as cores desta pintura – dos primeiros encontros, e até, desencontros culturais, um assunto para outra hora quando for tratar das sutilezas dos deslocamentos, ou “das diásporas”.
De repente, pensei – neste relato lyrico, em que “nada é, num sentido perfeito e acabado; tudo é, sendo” (LYRA FILHO, 1982:6) corro o risco de me exceder nos detalhes, nos sentimentos e até nas informações, mas de outra forma, não será possível situar esta narrativa. Dada esta explicação, um respiro aliviado e o conforto da escrita catártica, de quem não precisa seguir a forma – e ironicamente já seguiu, fazendo, inclusive citações. (risos) 
Antes da descrição do encontro, preciso falar de duas pessoas, as quais chamarei de pessoas-elo, visto que foram elas que me colocaram em contato com o grupo e estão a me abrigar nesse momento. E também porque simbolicamente é um casal, destes, que somente o Direito que se acha nas ruas, é capaz de unir. Então, foram eles, Lívia e Dimitri, responsáveis por este primeiro contato.
De volta ao encontro. Uma memória do primeiro contato visual com “a Casa”, o locus afetivo. A casa está situada em um condomínio, se não há engano de minha parte, localizada no Altiplano Leste, o que para mim traz muitas incertezas, às vezes, duvido que o Norte seja o Norte e o Sul seja o Sul, dada a precisão da localização, fico a duvidar do meu senso de direção, desacostumado com o desenho da cidade. E cá estou, mais uma vez, in(conscientemente) a fazer uma fala que ressalta o olhar estrangeiro. Chegando à casa, uma das coisas que me chama atenção é a porta aberta, a qual parecia dizer:- Entrem! Fiquem à vontade! Uma casa simpática de madeira, cercada de um verde típico dos períodos chuvosos, e cheia das sutilezas de uma casa lúdica e com crianças, portanto, uma casa cheia de detalhes acolhedores, como quem foi preparada com muito carinho para aquelas presenças – e o foi. E aqui, afirmo, tanto pelo testemunho visual dos pequenos cuidados, como também por relato da própria Carol sobre o seu empenho para com a recepção.
Eu parecia estar com um dispositivo de atenção ligado, - típico de quem chega, tanto pelo espaço novo, quanto pelas pessoas novas. No entanto, a cada detalhe a sensação de estar em casa foi aumentando. As conversas descontraídas e fluidas regadas a cafezinho. Confesso, o cafezinho já me ganhou. Porém, a novidade era a sala! Para os que a conheciam, porque antes não era daquele jeito, e para mim, o fato de ter que descer uns degraus (poucos degraus) me deixaram bastante à vontade, e aquele desnível me disse, pela segunda vez: - Entre! Chegue mais um pouco!  Devagar, os primeiros re(encontros). Avistei logo Diana e João Francisco, e o clima estava familiar. Companheira de AJUP e também de ludicância, referência de militância nas épocas de movimento estudantil, e também posteriormente, e agora serei clichê, por ter que visibilizar suas escolhas e construções que a tornam essa mulher guerreira - pela sua coragem e força diárias, e agora mãe do João Francisco, uma das presenças ilustres desse domingo.
Vi pessoas que não conhecia, mas também pessoas que conhecia como o Tuco, (ou Antônio Escrivão, o nome próprio que o camufla, vez ou outra), o Rodrigo (Mesquita, para os íntimos como vim a saber hoje, para mim, amigo de Ornela), o José Geraldo, (Ou Zé, ou aquele que por suas vivências e experiências merece escuta qualificada) a Carol (mestranda do Direito, a de Uberlândia, e para mim, amiga da Andréa), o Rafael (da AJUP, e o da carona até Goiás Velho), o Dimitri (o Graco, ou o advogado de boa parte das pessoas que estavam na reunião, e o companheiro da Lívia). Entre as pessoas conhecidas nesse domingo, a Carol (a dona da Casa, a mãe do Dimitri, uma das fundadoras das Promotoras Legais Populares – ou PLP’s, companheira do Lucas e tantas outras funções), o Dimitri (o anfitrião simpático, presença ilustre, filho da Carol e do Lucas), a Raquel (baiana, que integrou o SAJU-BA, mestranda do Direito), O Fredson (ou Fred, baiano, mestrando do PPGDH, integrou o SAJU-BA), o Lucas (o engenheiro agrônomo de formação, aquele que se preocupou com os muros da Universidade e a incomunicação - do Extramuros, pai do Dimitri e também dono da casa) e Judith, que chegou um pouco depois, com sua áurea alegre e com sua presença firme.
Algumas pessoas sabiam porque estavam ali, outras, talvez ainda não soubessem, mas estavam muito abertas a saberem. Era o primeiro dia de encontro, tanto dos que já dialogam lyrianamente, quanto dos que estavam a chegar. E, naturalmente, a conversa foi tomando forma. Zé (essa proximidade eu devo ter aprendido com a Lívia, que o chama assim) com sua paciência marcante tratou de sugerir que alguém pudesse assumir o lugar de uma condução, coordenação e relatoria da reunião. Carol e Dimitri compartilharam essa condução. E assim – em disposição circular e aconchegante – o lugar acolhia com almofadas coloridas, tapetes, colchão e piscina de bolinhas. As trajetórias vivas estavam ali, pulsantes e pedindo partilha... e assim foi a rodada de apresentação, que reforçou em mim o sentimento de que uma “carreira profissional” é sim, uma trajetória social, cada um, cada uma falou de suas trajetórias, interesses, projetos e expectativas vindouras.
As motivações de encontro eram várias, que iam desde uma formação comum no direito, com exceção do Lucas, com interesses e princípios que regem as posturas políticas de cada um, cada uma, que também vem dos mais diversos lugares, Bahia, Piauí, Ceará, São Paulo, Minas, Distrito Federal, que, por sua vez, acreditam nas transformações sociais, que trabalham/militam por um cotidiano de prática efetiva dos direitos humanos, que lutam pela legitimidade dos direitos achados na rua e de seus sujeitos, que tecem diariamente práticas emancipatórias, que tentam fazer dos espaços segregadores e violadores um espaço de  junção, de respeito à diferença, de acesso, um lugar com espaço pra compartilhar.
A cada relato, a cada vivência experienciada, o sentimento que junta pessoas em torno de um sonho comum, uma miscelânea. E exatamente, essa obra composta de escritos diversos sobre os mais variados assuntos, traz a força necessária para seguir, e Gonzaguinha cantarolava em meus pensamentos, e reforçava a coletividade que há em nós, e – aprendi que se depende sempre, de tanta, muita, diferente gente e que toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende, que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá, e é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar. – e somente, com o passar da reunião, ia conseguindo entender a proposta do grupo diálogos lyrianos, como esse lugar que une pesquisadoras e pesquisadores, lutadoras e lutadores, sonhadoras e sonhadores, que agrega experiências diversas e potencializa ações a partir desse lugar, com uma referência a obra de Roberto Lyra Filho e seu potencial mobilizador. Então, minha impressão é a de que o grupo não se define como um grupo de pesquisa, mas cumpre esse papel de agregar sim pesquisas, temas e debates a partir Lyra Filho.
Entre um relato e outro, o cuidado com as presenças vivificantes de João Francisco e Dimitri, que também em seus dialetos contribuíam e reanimavam os debates, entre uma bola e outra, uma proposta. Alguns resgates foram feitos no sentido de somar esforços para alguns encaminhamentos para este ano de 2014, propostas editoriais, leituras debatidas sobre pluralismo jurídico, movimentos sociais, questões de gênero, assessoria jurídica popular, descolonização, direitos humanos, questões de gênero, as relações e a colonialidade do poder, e a alegria de alguns e algumas mais antigos/as de poder socializar e espalhar pro mundo os escritos de Lyra.
Seguia-se um fluxo animado de ideias, trocas, e propostas. A comunicação – falava Zé Geraldo, acontece em três dimensões, o blog, o facebook e a lista de e-mails, estes espaços precisam ser fortalecidos. Em meio as estratégias de comunicação, o olfato foi despertado pelo cheiro dos pães de queijo, e a conversa sempre entremeada com a vida da casa viva, nome dado por Zé Geraldo à Casa da Carol, não parava. Judith traz pães de queijo e suco, Carol tira dúvidas do debate – diretamente da cozinha, João Francisco, de joelhos aos pés do Zé, o observa atento. Carinhosamente, todas e todos estavam imersas/os naquela tarde. A curiosidade, o repasse dedicado, os informes e os planos para atuação do grupo, para este ano de 2014.
Assim, findava uma tarde de diálogos lyrianos, encontros e reencontros, ânimos renovados, e uma agenda mínima para o grupo. Sobre as atividades, sobre o pertencimento, sobre os encaminhamentos, sobre o fazer-ser-parte lyrica dessa proposta é uma construção diária que se potencializa no grupo mas vai além. Que esse retrato sentido, seja antes, mais um fio condutor dessa construção, no sentido de vivificar a memória de que as reuniões e o movimentar-se pode se dar de uma forma lúdica, sensível e solidária.
(*) Aline Furtado integra o programa de pós-graduação do CEPPAC (Centro de Estudos para as Américas e Caribe, do Instituto de Ciências Sociais, da UnB).



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