quinta-feira, 16 de maio de 2024

 

Lido para Você: Incapacidades. Proteção ou Repressão?

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

Roberto A. R. de Aguiar. Incapacidades: Proteção ou Repressão? Fundamentos das Incapacidades no Direito Positivo: em Busca de uma Reconceituação. Tese apresentada em Concurso para Professor Titular do Departamento de Propedêutica e Direito Comercial do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará, matéria Filosofia do Direito. Belém: Universidade Federal do Pará (mimeo), 1988, 193 fls.

Não é a primeira vez que me debruço sobre um texto de Roberto A. R. de Aguiar para o resenhar. Muito pelo contrário. Minha primeira resenha publicada foi exatamente sobre um livro desse querido amigo, meu colega na UnB, meu antecessor na Reitoria da universidade e parceiro em muitos projetos, acadêmicos e políticos.

Com efeito, então, ainda estudante no Mestrado de Direito da UnB, fiz, por indicação de meu Orientador o Professor Roberto Lyra Filho, uma leitura crítica de Roberto, um autor que nem ele, nem eu conhecíamos, e que acabara de publicar pela Editora Alfa Ômega, o livro Direito, Poder e Opressão. Minha resenha, com o mesmo título foi publicada no Correio Braziliense, de 15/4/1981. Fiz a leitura e preparei uma primeira versão da resenha que submeti a Lyra Filho, como de hábito, questionando a pertinência de sua publicação. Penso que ele ficou atento ao fato de que eu, mesmo sugerindo pleno acolhimento ao livro e às proposições avançadíssimas do autor, levantasse alguns pontos para criar polêmica nos debates em seminário que ele deveria promover.

Assim, para ilustrar, um certo tom no meu texto, reticente a aspectos inferidos em Michel Foucault, forte na obra, de um lado sobredeterminando relações de direito às tensões ideológicas entre dominantes e dominados, eventualmente conducentes, por causa de Foucault à uma leitura nihilista do jurídico.

De outro lado, também com o objetivo de recortar temas para o debate pedagógico, cuidados que algumas afirmações de meu texto deveriam suscitar. Reproduzo uma passagem: “…o livro atinge a sua finalidade. Isto é, percorre o primeiro caminho do processo cognoscitivo, o da abstração, o da extração das categorias. Inclusive, nesta etapa, alcança (ainda como processo cognoscitivo) intuições e representações formidáveis. Refiro-me, não só à percepção de antidireitos, de direitos plurais (p. XV e 135), à questão do desaparecimento ou ultrapassamento do direito (pág. 184), como, muito significativamente, na colocação dos direitos humanos (p. 171), embora, contraditoriamente, neste caso, recusando as suas mais amplas possibilidades (admissão apenas como princípios e não como direitos propriamente ditos) à falta de um poder que lhes confira eficácia e vigência, não obstante, a incursão anterior (p. 47), muito lúcida, quanto ao problema das fontes e do contra legem (p. 84)…”.

Tendo enviado previamente a resenha para Roberto, por mediação da Editora Alfa-Ômega, esse foi o cartão de visita, para uma amizade, que seguindo-se à resposta elegante que deu, fortaleceu-se por toda a vida dele e para o que ainda possa restar da minha.

Mais recentemente, a propósito de uma reedição de seu livro O Que é Justiça: uma Abordagem Dialética. Brasília: Senado Federal (Edições do Senado Federal; v. 279). Conselho Editorial, 2020 (https://estadodedireito.com.br/o-que-e-justica-uma-abordagem-dialetica-2/), no qual também tenho um ensaio extenso no qual faço o registro de múltiplas trocas intelectuais e políticas que estabelecemos em nosso percurso, arrolo várias leituras que fiz de suas obras, incluindo outras resenhas, entre elas a que foi publicada na Revista Humanidades, da Editora UnB (volume 8, número 1, 1992, p. 97-98, a propósito de seu livro A Crise da Advocacia no Brasil – Diagnóstico e Perspectivas, também publicado pela Alfa-Ômega, 1ª edição 1991.

Ainda na recensão mais recente sobre a obra celebratória publicada pelo Senado (https://estadodedireito.com.br/o-que-e-justica-uma-abordagem-dialetica/), lembrei outros registros, entre eles o de ter, com meus alunos de Pesquisa Jurídica, na Faculdade de Direito da UnB, incluído nessa mobilização de homenagens, o exercício autoral de pesquisa, conforme temos seguidamente procedido nas suas edições da disciplina, compondo para a wikipedia o verbete Roberto Aguiar (https://pt.wikipedia.org/wiki/Roberto_Aguiar), cujo conteúdo, apresentado em sala de aula no momento de seu lançamento, teve a presença da viúva Wanja Meire de Carvalho, procuradora federal e da filha Júlia Aguiar, e outros ilustres convidados.

Em complemento, trago o testemunho da professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa, minha colega e esposa, extraindo de seu belo e consistente parecer no Conselho Universitário da UnB, por ocasião da deliberação de outorga de título de professor emérito a Roberto, o retrato completo que ela desenhou, e que veio a ser publicado no Portal da UnB: Roberto Aguiar, um Paladino da Causa da Justiça (https://noticias.unb.br/artigos-main/3043-roberto-aguiar-um-paladino-da-causa-da-justica), 12/7/2019.

Com muita síntese, extraio do que com a acuidade que a tornaram uma credenciada avalista das mais destacadas biografias acadêmicas, com o modo muito preciso com que faz a leitura crítica dos elementos curriculares para que melhor se exibam às distinções acadêmicas, notabilizou-se no Conselho Universitário da UnB pelas peças que muito contribuíram para conferir reconhecimento honorífico nas láureas universitárias, a respeito de Roberto, disse a professora Nair Bicalho.

Tenho que ela leu o currículo do Professor Roberto Aguiar para aferir seus requisitos acadêmicos quando submetida ao Conselho Universitário da UnB a proposta do título de Professor Emérito da UnB. No parecer, atualizado para registro de homenagem que a autora faz ao amigo, colega e ex-Reitor da UnB, ela anota que o docente, com trajetória militante e acadêmica, que o erige em verdadeiro paladino da causa da justiça, publicou em 1980 seu primeiro livro Direito, poder e opressão (São Paulo: Alfa-Ômega) onde apresenta uma nova concepção do direito “sempre parcial por conter a ideologia do poder legiferante” e elabora uma crítica da “simbiose oficial entre o saber teórico e o saber burocrático”. Em 1985 recebeu o prêmio Alceu Amoroso Lima da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de S. Paulo pelo ensaio publicado em 1983, “LSN – a lei da insegurança popular”. Em 1986 publica novo livro Os militares e a Constituinte (São Paulo: Alfa-Ômega), além de diversos ensaios e artigos sobre o tema. Em 1991 lançou A crise da advocacia no Brasil (São Paulo, Alfa-Ômega), onde realiza uma reflexão entre direito, ciência e tecnologia e afirma que o “Direito é uma expressão de um processo que faz do advogado um sujeito partícipe de sua criação, na medida em que ele representa interesses, expectativas e projetos de grupos sociais e de coletividades emergentes. O advogado é um explicitador de direitos”. Nos anos seguintes o professor Roberto Aguiar se dedicou à publicação de ensaios e artigos sobre os temas da justiça, da ética, da bioética, da cidadania e dos direitos humanos. Em 2000, publica Os filhos da flecha do tempo: pertinência e rupturas (Brasília: Letraviva), um marco teórico fundamental na sua trajetória de jurista e filósofo. Além de refletir sobre a opressão, as repressões, as violências (“estranhamento do outro”) e desigualdades presentes no mundo contemporâneo, ele propõe a constituição de um ser integral: “Os entes sociais , para viver em liberdade, necessitam ser unos e plurais (…) Só as convivências da unidade na variedade, da totalidade com as diferenças poderá construir sistemas unos, porém dinâmicos e mutáveis, e manter seu sentido de complexidade e possibilidade de saltos para patamares mais avançados de ser”.

Apesar de tantas excursões à fortuna crítica do pensamento filosófico-jurídico de Roberto Aguiar, acabei me dando conta de que um trabalho seminal por ele elaborado, ainda que referido aqui e ali, restou pouco referido. Talvez porque só tenha tido a circulação circunscrita ao objetivo de sua elaboração: uma tese para concurso. E ainda assim, num tempo ainda muito artesanal para a circulação de material acadêmico: o texto foi datilografado e encadernado para leitura da banca de concurso e para depósito nos repositórios oficiais da Instituição, portanto, com muito poucas cópias disponíveis e que se propagaram quase no privado do restrito grupo de leitores, alguns colegas e uns tantos amigos.

Trata-se da tese tema deste Lido para Você. Fui um dos escolhidos que receberam uma cópia do texto. Texto que li com enorme curiosidade e surpresa, sobretudo por logo me dar conta de que a sua defesa num departamento de direito privado, não lhe retirava a densidade epistemológica que bem o poderia ser arrolado, tal como diz a Professora Nair Bicalho, na linha condutora que caracterizou a produção de Roberto num conjunto reflexivo formado pelos temas da “justiça, da ética, da bioética, da cidadania e dos direitos humanos”.

Acabei revisitando a obra, por ocasião da participação em recente banca de qualificação de dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania, da UnB.

Trata-se da dissertação (ainda em etapa de qualificação já concluída) – Capacidade Jurídica das Pessoas com Deficiência: a Compreensão da Magistratura do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios Após a Lei nº 13.146/2015 – de Ana Cláudia Mendes de Figueiredo, em elaboração no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania, da Universidade de Brasília (CEAM).

Sob a orientação da Professora Sinara Zardo, a dissertação pretende investigar “a argumentação e o entendimento dos magistrados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) sobre as mudanças efetivadas pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) – também denominada Estatuto da Pessoa com Deficiência –, no sentido de ruptura do tradicional regime das incapacidades e de garantia, às pessoas com deficiência, do direito ao exercício da sua capacidade jurídica, em igualdade de condições com as demais pessoas”. A pergunta que a pesquisa quer responder “é se o direito das pessoas com deficiência à capacidade jurídica – estabelecido no artigo 12 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e reiterado, em parte, na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) e em outras normas legais – tem sido reconhecido e interpretado, pelos magistrados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, sob a ótica dos direitos humanos”.

Ana Cláudia vem trabalhando o tema da capacidade ou incapacidade, como ativista e teórica do tema, em parte motivada por convocações subjetivas que lhe são próximas. Antes da dissertação, ainda em fase de elaboração, mas já qualificada, ela se associou a projeto editorial que conduzo e em processo de reflexão se associou à proposta de pensar o empoderamento de sujeitos coletivos cujas lutas sociais e políticas instituem e ampliam direitos fortalecendo a capacidade protagonista de lutar por reconhecimento.

Ela assim se fez autora e co-organizadora do livro O Direito Achado na Rua. Sujeitos Coletivos: Só a Luta Garante os Direitos do Povo!, volume 7, Coleção Direito Vivo. Ana Cláudia Mendes de Figueiredo, Andréa Brasil Teixeira Martins, Edilane Neves, José Geraldo de Sousa Junior, José Roberto Nogueira de Sousa Carvalho, Luana Nery Moraes, Shyrley Tatiana Peña Aymara, Vítor Boaventura Xavier (Organizadores). Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2023. Para mais, conferir em https://estadodedireito.com.br/sujeitos-coletivos-so-a-luta-garante-os-direitos-do-povo/

Os artigos do livro tratam, cada um do seu modo, da categoria jurídica do sujeito coletivo de direito. Com cerca de três décadas desde a formulação do conceito, tal como indicado nessas leituras preparatórias, a obra em questão serve como uma espécie de compêndio que promove balanços, inovações e direcionamentos acerca da fortuna crítica dessa categoria e de seu alcance nos âmbitos da teoria e da práxis.

A identidade política dos movimentos sociais e a possibilidade de que eles venham a se investir de uma titularidade jurídica coletiva, ou seja, de atuarem como um sujeito coletivo de direito, são questões caras para a política e para o ensino jurídico. Assim, as reflexões com o pano de fundo teórico do Humanismo Dialético e d’O Direito Achado na Rua são, por sua vez, uma referência para a leitura crítica da realidade.

Pois bem, no ensaio O Reconhecimento dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência: Resultados Provisórios de Lutas do Movimento Social, Ana Cláudia Mendes de Figueiredo aborda a trajetória das lutas do movimento social e político das pessoas com deficiência pelo reconhecimento jurídico dos direitos humanos desses sujeitos de direito, bem como alguns resultados provisórios de tais lutas. À luz da teoria crítica dos direitos humanos, analisa os processos para tal reconhecimento e o cenário de não efetivação ainda dos direitos daquela população, reveladores da imprescindibilidade de criação de condições que viabilizem a esses sujeitos o acesso igualitário aos bens necessários a uma vida digna.

A arranque dessa ordem de considerações, na dissertação, ela é bastante firme no estabelecimento dos pressupostos que orientam o seu trabalho. O objetivo geral da sua pesquisa é o de investigar como os magistrados do TJDFT têm interpretado normas legais que, por força da CDPD (Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência), desconstruíram o tradicional regime das incapacidades, passando a assegurar a todas as pessoas com deficiência o direito ao exercício da sua capacidade jurídica, em igualdade de condições com as demais pessoas. O trabalho, que há pouco passou pelo procedimento de qualificação (precedente ao momento definitivo de ser apresentado a defesa), tem como título, nessa etapa: “Capacidade Jurídica das Pessoas com Deficiência: a Compreensão da Magistratura do Tribunal de Justiça do Distrito Federal após a Lei nº 13.146/2015”.

A hipótese de pesquisa é a de que, não obstante o artigo 12 da CDPD tenha reconhecido o direito das pessoas com deficiência ao exercício da sua capacidade jurídica, em igualdade de condições com as demais pessoas, e a LBI tenha promovido em nosso ordenamento, em homenagem à citada norma constitucional, alterações importantes acerca do tema, o aludido direito segue sendo interpretado à luz de teorias, institutos, concepções e conceitos superados pelo novo paradigma da capacidade jurídica e pelos princípios de direitos humanos consagrados nas citadas normas constitucional e legal, especialmente quando se trata de pessoas com deficiência intelectual e psicossocial.

Para a Autora, “constituindo o exercício da capacidade jurídica um direito humano – que se insere na esfera existencial de todas as pessoas – e havendo, de outro lado, a possibilidade de que o referido direito venha sendo ignorado, é de extrema relevância e necessidade a investigação pretendida, a qual propiciará a geração de informações empiricamente sustentadas. Contudo, na banca, ao discutir a questão da incapacidade necessária a esses pressupostos, verifiquei que a disponibilidade conceitual e política para afrontar esses pressupostos, ainda se faz muito carente de possibilidades emancipatórias que livrem os sujeitos de um sistema de contenção para exercitar liberdades e autonomias legítimas”.

Em apoio a Ana Cláudia de Figueiredo, eis que me veio em socorro a tese única de Aguiar, para poder abrir esse campo de possibilidades: Incapacidades: Proteção ou Repressão? Fundamentos das Incapacidades no Direito Positivo: em Busca de uma Reconceituação.

A tese de Roberto Aguiar, tal como ele propõe, teve (tem) por objetivo discutir a validade dos modelos explicativos das denominadas incapacidades previstas no ordenamento jurídico, em específico, o brasileiro. Ela (a tese) se vale de subsídios trazidos pelo marxismo, pelo pensamento de Michel Foucault – um autor sempre em diálogo co Aguiar -, pelos juristas que procuram uma renovação epistemológica e pelas contribuições das ciências sociais. Assim, foi desenvolvida uma análise crítica do modelo que subjaz à doutrina sobre as incapacidades, destacando as justificativas ideológicas da vontade livre, do mundo harmônico e do individualismo, como sustentadoras desse entendimento do jurídico. O resultado dessa análise levou a reconceituação de incapacidades, que foram chamadas de incapacitações, já que imersas em contexto mais amplo, atingindo também as pessoas jurídicas, não tendo caráter protetivo dos incapazes, uma vez que apresentam evidente marca repressiva, configurando-se por isso, como uma das formas do exercício dos poderes.

Seguindo ainda o que o próprio autor da tese designa, foram levantadas outras formas de incapacitação que constam em outras regiões do ordenamento e que aparecem nas práticas sociais, sejam confirmando o direito, seja negando, mas sempre a serviço de interesses que não são os dos incapacitados. Para um aprofundamento da questão foram (são) levantas questões sobre cada um dos atingidos pelas incapacitações. Mas a questão de fundo, que está ligada aos problemas tratados na tese, refere-se aos países periféricos, que têm uma tradição histórica de autoritarismo e vivem relações oriundas de um capitalismo tardio, o que vem a exacerbar as desigualdades, aumentar o arbítrio e distanciar as classes sociais, em evidente colisão com os objetivos propostos em abstrato pelo ordenamento.

Marcada pelo pensamento europeu – ele continua – nossa doutrina dominante não tem condições de perceber a natureza fragmentária e perigosamente destrutiva de nosso ordenamento, que tem baixa credibilidade até mesmo nos setores que são por ele beneficiados.

Em conclusão, diz Roberto Aguiar, resumindo sua proposta, o problemas das incapacidades, na sua tese, foi (é) tratado partindo desses pressupostos, além (grifo) de levar em conta a existência de uma pluralidade de ordenamentos, o que significa a presença constante – grifo de novo – de uma tensão contraditória permanente entre os direitos cristalizados e os emergentes das lutas dos destinatários desfavorecidos.

Outro ponto que o Autor põe em relevo, foi (é) a preocupação de evidenciar a estigmatização de uma população, que é jogada para fora da produção convencional e que, não tendo os valores da acumulação ou da transformação, podem tomar atitudes que podem inviabilizar o direito e os poderes, sem que haja um salto para melhor.

O sumário da tese tem uma distribuição analítica que permite percorrer todas essas dimensões postas em relevo no resumo, até consumar-se numa discussão de fim que é poder discutir ou melhor, rediscutir incapacidades.

Dei conta dessa tentação, exatamente no tema das capacidades/incapacidades/incapacitações, ao recuperar incidente que exigiu leitura crítica inspirada em posicionamentos político-epistemológicos, de rara localização, como esse de Roberto Aguiar.

Aliás, documentei a situação, conforme meu artigo no Jornal Brasil Popular (https://brasilpopular.com/lealdade-ao-dever-constitucional-de-protecao-a-funai-os-indios-e-o-direito/), não sem anotar que as condicionantes da novidade.

A situação diz respeito a um incidente dentro da vocação autoritária e anti-povo, nunca totalmente superada em nosso País. Ainda que a Constituição atual, artigos 231 e 232 tenha reconhecido a capacidade ativa dos índios, ela manteve o dever de proteção pelo Estado dos direitos originários desses povos, tanto que atribuiu ao Ministério Público acompanhar todos os atos que digam respeito à salvaguarda desses direitos e manteve como obrigatoriedade governamental, não havendo mais o regime de tutela, de exercitar essa obrigação, atribuindo a Fundação Nacional do Índio (Funai) como órgão indigenista oficial responsável pela promoção e proteção aos direitos dos povos indígenas de todo o território nacional.

Ora, é legítimo o repúdio indígena aos posicionamentos hostis que a partir desse órgão, começam a caracterizar a quebra de lealdade ao dever constitucional de Proteção, violando os direitos indígenas.

É preciso lembrar que mesmo no curso da ditadura do regime imposto em 1964 e ainda sob a égide de uma Constituição de traços colonialistas, que não reconhecia a capacidade plena aos indígenas, mantendo-os subalternos e tutelados, nunca se perdeu o horizonte emancipatório de respeito aos seus direitos, usos e tradições originários.

Num artigo que publiquei no Jornal de Brasília, edição de 29/04/1984 – Os Índios e o Direito – trato desse tema. Nele aludo a decisão proferida em mandado de segurança que estudantes terenas, representados por membros da Comissão de Direitos Humanos, da OAB-DF, impetraram contra a Funai, ocasião para que o íntegro juiz Dario Abranches Viotti, da Justiça Federal em Brasília, reconhecendo a incompatibilidade de interesses entre o tutor e seus assistidos, nomeou curador especial um dos advogados, para o fim específico de representa-los na ação. Essa curatela especial coube a mim, um dos advogados da OAB, investido no processo pelo magistrado.

Essa decisão não trouxe, a rigor, eu disse no artigo, nenhuma inovação técnica. A remoção do tutor, no âmbito da legislação cível, ou a interdição de direitos, como pena acessória, nos casos de incompatibilidade manifesta, na esfera penal, implicam na perda do exercício da tutela, constituindo alternativas adequadas para a verificação da responsabilidade do tutor em face de suas obrigações para com o tutelado.

Tanto é assim que, no caso relatado, o Juiz simplesmente adotou a solução sugerida pela lei processual civil, identificando, na situação litigiosa, uma hipótese de colisão de interesses.

O inusitado da medida não chega a ser, sequer, o seu pioneirismo jurisprudencial, embora mereça relevo a determinação, no particular, que resultou em abandono de postura, evidentemente inibida da magistratura brasileira. O que repercute nessa decisão, sem precedente a nível judiciário, é o seu alcance instrumental para a defesa de interesses e direitos diferenciados no seio da sociedade civil, como garantia de acesso à Justiça de segmentos sociais dela alienados.

Penso ter aí um exemplo da disposição que Roberto Aguiar sugere na conclusão de sua tese, sobre caminhos para “a superação das incapacitações em direitos como o brasileiro passam pelas redistribuições das desigualdades, pela instrumentalização dos direitos previstos e pela eliminação dos ardis que remetem a questão para o mero exercício da violência ou do arbítrio”.

São trilhas emancipatórias. Referidas a O Direito Achado na Rua, na perspectiva do que temos atribuído a essa concepção, do que se trata é realizar uma espécie de devolução conceitual para a sociedade, da função crítica para de atribuir o sentido político ao Direito, através do reconhecimento teórico-conceitual da luta social como expressão cotidiana da soberania popular, claro, o Direito compreendido como a enunciação dos princípios de uma legítima organização social da liberdade.

Curiosamente, embora essa perspectiva emancipatória tenha leito natural no campo da teoria do direito e dos direitos humanos, Roberto Aguiar a traz para o campo do direito privado que historicamente serviu bem ao modo burguês de produção capitalista, assentada na perspectiva privatizante da acumulação.

E não tardou que a pudéssemos surpreender sustentada de modo muito orgânico, no sentido intelectual e político do termo, em nuances que a pressentem, embora por distintas razões, em autores que se distinguiram em estudos de direito privado. Assim que, em IL DIRITTO DI AVERE DIRITTI, di minima&moralia pubblicato giovedì, 10 Ottobre 2013 • 3 Commenti (https://www.minimaetmoralia.it/wp/estratti/stefano-rodota-il-diritto-di-avere-diritti/), notável jurista (e político recém-falecido) Stefano Rodotà, nos fala sobre “a necessidade inegável de direitos e de direito manifesta-se em todo o lado, desafia todas as formas de repressão e inerva a própria política. E assim, com a ação quotidiana, diferentes sujeitos encenam uma declaração ininterrupta de direitos, que tira a sua força não de alguma formalização ou reconhecimento de cima, mas da profunda convicção de mulheres e homens de que só assim podem encontrar reconhecimento e respeito pelos seus dignidade e pela sua própria humanidade. Estamos perante uma ligação sem precedentes entre a abstração dos direitos e a concretude das necessidades, que põe sujeitos reais a trabalhar”.

Para ele, certamente, “não os ‘sujeitos históricos’ da grande transformação moderna, a burguesia e a classe trabalhadora, mas uma pluralidade de sujeitos agora ligados entre si por redes planetárias. Não um “intelecto geral”, nem uma multidão indeterminada, mas uma multiplicidade laboriosa de mulheres e homens que encontram, e sobretudo criam, oportunidades políticas para evitar ceder à passividade e à subordinação”.

Mas, realmente, numa aferição que me surpreende porque ativa uma categoria metafórica com a qual instalamos toda uma linha de pesquisa (O Direito Achado na Rua, cf. Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq), ele prossegue: “Todos estes sujeitos ignoram o que, no final do século XVIII, começou em torno das duas margens do “Lago Atlântico”, não são dominados por alguma ‘tirania de valores’, mas interpretam, cada um à sua maneira, a liberdade e os direitos ao longo do tempo que vivemos. Aqui não é a ‘razão ocidental’ em ação, mas algo mais profundo, que tem as suas raízes na condição humana. Uma condição histórica, porém, não uma natureza da qual se possa extrair a essência dos direitos. Por que, de fato, só agora tantos condenados da terra os reconhecem, invocam, desafiam? Por que são eles os protagonistas, os adivinhos de um ‘direito achado da rua’? (‘diritto trovato per strada’)”.

Fecho a recensão com Roberto Aguiar. Conforme ele lembra, “tais modificações não podem acontecer no interior do direito estatal. Elas vêm das lutas pela transformação social e pela cristalização de direitos operativos, já existentes nos grupos dominados que se estruturam. Isso significa que só haverá o fim das incapacitações exacerbadas, pela mudança dos poderes políticos. Se houver tempo…” (p. 180).

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

quarta-feira, 8 de maio de 2024

 

Lido para Você: Rússia Resistente

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

Luiz Recena Grassi. Rússia Resistente. Primeira Guerra Mundial com Alta Tecnologia, livro 2. 1ª edição. Brasília: Irmãos Recena Editora, 2024, 104 p.

Contato para aquisição: Rozane Oliveira (whatsapp 61-9839-9293)

O jornalista Luiz Recena que por anos foi correspondente do Correio Braziliense em Moscou, lançou no dia 20/04, a segunda edição (na verdade segundo volume) do livro sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que caminha para o terceiro ano. “Rússia resistente” reúne uma leva de artigos analíticos publicados ao longo de 2023 e início deste ano no Blog do jornalista Vicente Nunes (Jornal Correio Braziliense).

Os textos de Recena organizados na obra têm o esmero analítico do jornalista experimentado capaz de mergulhar fundo no exame dos fatos sem se deixar iludir pela reverberação dos eventos espetacularizados pela mídia contemporânea, fiel ao seu lado (lado que a nutre e capitaliza).

Recena, da velha escola, mergulha na trama cultural que dá nervura aos acontecimentos. Com o estilo de correspondente, vivencia o entretecer dos fatos que animam os seus despachos. Viveu na União Soviética, testemunhou a Perestroika e a Glasnost. Impregnou-se da alma russa (sabe porque viu). Aprendeu que o urso hiberna, mas quando deixa o covil embora tenha os pelos amarfanhados, conserva as presas e as garras afiadas.

Talvez venha daí o título Rússia Resistente. Dura lição que Napoleão e von Paulus amargaram ainda que o aprendizado não aproveite apenas a eles e se restrinja a Borodino ou a Stalingrado. Aleksandr Vasilievsky e Georgy Jukov e antes deles Kutuzov mostraram, com as nuances de 1812 como ilustrou Tolstoi (Guerra e Paz) ainda que com discutível Filosofia da História, que a continuidade absoluta do movimento é incompreensível para o espírito humano, que só pode compreender as suas leis gerais se lhe for dado examinar determinadas unidades, porque o fracionamento arbitrário do movimento contínuo em unidades descontínuas produz a maior parte dos erros humanos; por isso que, diz Tolstoi, interpretando o velho urso, a arte da guerra é a arte de ser a um dado momento mais forte do que o inimigo.

Em matéria na qual Vicente Nunes noticia o lançamento – https://blogs.correiobraziliense.com.br/vicente/guerra-entre-russia-e-ucrania-pode-acabar-neste-ano-diz-luiz-recena/ – o jornalista que abrigou os despachos originários que vieram para os livros, sintetiza a publicação:

Com uma visão que foge da análise rasa, Recena acredita que há chances de um possível cessar-fogo ou mesmo de um acordo de paz entre os dois países ainda neste ano. “É muito importante parar com o frenético mercado de armamentos em que se transformou o conflito. Quem ganhou dinheiro deve pensar, agora, na reconstrução da Ucrânia”, diz.

Para Recena, Estados Unidos e Europa estão mais preocupados, agora, com a guerra entre Israel e o Hamas, do que com as disputas entre russos e ucranianos. Não por acaso, o dinheiro enviado ao país de Volodimyr Zelensky está cada vez mais escasso. “Do ponto de vista político, Israel é muito mais importante do que a Ucrânia. Zelensky foi engabelado”, frisa.

E, na sequência da matéria, registra os principais trechos de entrevista que Recena concedeu ao Blog:

Como avalia a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, dois anos depois? Há vencedor?

Esse é o tipo de conflito em que não há vencedores no final. Nenhum dos lados têm razão maior. Não adianta ficar discutindo quem invadiu quem sem analisar os elementos em volta do conflito, como, por exemplo, a tentativa de isolamento da Rússia pela União Europeia com o apoio dos Estados Unidos. O que era para ser uma convivência harmônica e produtiva se tornou uma guerra, porque, principalmente, a UE e os EUA foram cercando toda a fronteira da Rússia, que sempre soube se defender. Quando a União Europeia e os Estados Unidos não honraram um acordo com Mikhail Gorbachev, ele avisou: “Não mexam com a Rússia, deixem a Rússia quieta”.

É possível acreditar em um processo de paz? Por quê?

Sim, é possível. Acredito que, neste ano, o terceiro da guerra, haverá condições de algum tipo de acordo de paz, de cessar-fogo, de cessar as hostilidades, de parar o frenético mercado de armamentos em que se transformou o conflito. Está na hora de quem ganhou dinheiro vendendo armas parar um pouco e começar a pensar na reconstrução da Ucrânia, que é importante para o equilíbrio da Europa e mesmo do mundo.

Nesses dois anos de guerra, a Otan expandiu seu território de atuação, com a recente adesão da Suécia. O que isso representa?

Aparentemente, a primeira percepção é de que a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) está conseguindo o objetivo de isolar cada vez mais a Rússia. Mas são aparências. Acredito que a formalização da adesão de outros países à organização bélica vai permitir que, com regras bem mais claras, se busque o convívio pacífico. O foco tem ser a paz e não a venda de armas.

Até que ponto as eleições deste ano no Parlamento Europeu e nos Estados Unidos impactam o contexto internacional de guerra?

Com exceção das eleições dos Estados Unidos, os demais pleitos pelo mundo não têm impacto no conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Os norte-americanos têm dinheiro, armas, projetos de guerra, teoria, prática e soldados. Portanto, os EUA são importantíssimos para começar e terminar uma guerra. Os europeus são coadjuvantes nesse processo. Na verdade, a Europa perdeu a capacidade de determinar para onde vai o mundo e para onde ela própria vai. Incharam de tal maneira a União Europeia com países tão díspares, que as desigualdades vão atrapalhar por muito tempo se chegar a uma verdadeira união em um bloco.

É visível a redução do apoio financeiro do Ocidente à Ucrânia. Como avalia isso?

Em primeiro lugar, foi um erro de avaliação. Os norte-americanos e os europeus acharam que seriam parceiros na missão de confinar geograficamente a Rússia a uma região que gostariam e que queriam. Só não contavam com a astúcia dos russos. O retorno do capital bélico foi baixo. A Ucrânia se mostrou um mau investimento, muito lento, ruim mesmo. Por isso, o apoio financeiro foi reduzido. Os europeus não têm o dinheiro que prometeram. Até hoje, chegou à Ucrânia um terço do combinado. Também não querem armar o país de Volodimir Zelensky. Não por acaso, estão enviando para os ucranianos sucatas bélicas, liberando os pátios de seus exércitos. Os países europeus mais ricos optaram por modernizar as suas Forças Armadas. Zelenski foi engabelado pelo discurso conquistador da União Europeia e dos Estados Unidos, que estão sempre atentos para ganhar mais espaço na geopolítica mundial. Há, ainda, um ponto importantíssimo, que reduziu o dinheiro para a Ucrânia: a guerra entre Israel e o Hamas, na Faixa de Gaza. Israel é mais importante do ponto de vista político do que a Ucrânia.

Vladimir Putin ganhou mais um mandato. O que isso representa para o futuro da guerra?

A reeleição de Putin pouco muda o quadro da guerra. Na minha opinião, o mais importante para Putin é ter uma força maior no futuro para negociar a paz ou o cessar-fogo. Ele é a Rússia.

É possível medir o impacto dos atentados promovidos pelo Estado Islâmico em Moscou sobre o governo russo e, por consequência, na guerra?

Na minha visão, é quase uma guerra para Putin. Está a ser construído uma nova hipótese de provocação ao poderio russo. Só que é uma sinuca de bico, porque apoiar o terrorismo mais enlouquecido contra a Rússia é sempre um risco. Penso que a questão se resume à região próxima ao país de Putin, onde estão vários países muçulmanos e radicais.

Esse segundo volume segue-se ao primeiro – Rússia Condenada. Primeira Guerra Mundial com Alta Tecnologia, preparado nas mesmas condições e circunstâncias (Rússia Condenada, a primeira guerra mundial com alta tecnologia, conforme – https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2023/06/5101160-livro-revela-guerra-paralela-da-informacao-no-conflito-entre-ucrania-e-russia.html#google_vignette

Por ocasião da publicação do primeiro volume Nunes destacou “a visão privilegiada do jornalista Luiz Recena Grassi, que foi correspondente na antiga União Soviética, permite uma leitura muito diferenciada da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que se arrasta por mais de um ano. Todo seu conhecimento tem sido compartilhado por meio de artigos semanais publicados no Blog do Vicente, do Correio Braziliense. O retorno foi tão grande, que o jornalista decidiu aglutinar todos os textos em um livro — Rússia condenada, a primeira guerra mundial com alta tecnologia —, que acaba de ser lançado pela editora independente Irmãos Recena”. Ele acentuou, depois de ouvir o Autor que “quando decidiu escrever os artigos, Recena optou por uma posição desengajada do apoio incondicional à Rússia ou à Ucrânia e crítica do desinteresse pela paz. Ele ressalta que é preciso entender o contexto histórico que está na base do conflito, o primeiro nas franjas da Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial”.

Recena pontuou que “A guerra atual está contaminada pelo uso da tecnologia e pela disseminação de notícias falsas por parte dos dois lados”, explica. “Desde o início do conflito existe uma guerra paralela de informação que, muitas vezes, não encaixa com a realidade mostrada pelas próprias notícias”, complementa. Isso, no entender dele, só aumenta a responsabilidade de todos os governos na busca por uma saída que ponha fim aos ataques e poupe vidas. Há civis morrendo todos os dias”. E, que “Desde que a Rússia fez os primeiros ataques à Ucrânia, o mundo sofreu consequências pesadas. Passou a conviver com a escassez de alimentos, o que empurrou os preços para cima, levando a Europa a registrar a maior inflação em pelo menos três décadas, movimento que se espalhou para o planeta. Para piorar, dependentes da Rússia na questão energética, os países europeus entraram em situação de emergência. As faturas arcardas pelas famílias ficaram tão caras, que milhares de lares caíram na pobreza, exigindo consecutivos socorros por parte dos Estados. A guerra só beneficiou um lado, o dos fabricantes de armas, como sempre”.

Vicente Nunes também traz uma nota biográfica do Autor. Recena, que estava morando há quase quatro anos em Portugal, é gaúcho, formado na primeira turma de jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A paixão pelas notícias e pelas palavras o fizeram se aventurar pelo mundo. Sua primeira experiência como jornalista, antes mesmo de sua formatura, foi na Razão de Santa Maria. Após obter o diploma, aportou em Brasília, onde trabalhou na Gazeta Mercantil, no Globo, na TV Globo, no Jornal de Brasília, no Correio Brasiliense, na Radiobras e na EBC.

Sua atuação, contudo, não se limitou ao Brasil. No México, deu aulas de redação em uma faculdade. Uma quase paródia a Rui Barbosa, que em Londres, durante seu exílio, acabou“ensinando, inglês aos ingleses”, Recena acabou “ensinando castelhano a mexicanos”.

Na ex-União Soviética, trabalhou na agência de notícias TASS e escreveu sobre a Perestroika e a queda do regime para jornais brasileiros e de Portugal, além fazer boletins para rádios do Brasil e da Alemanha. Em Paris, foi correspondente do Correio. Atualmente, colabora com o blog do Vicente, onde o livro começou a nascer. Aliás, no Blog, ao seu jeito de cronista, Recena ainda inovou com uma sessão – O Correio Sabe Porque o Correio Viu – um registro do seu cotidiano moscovita recriado por uma memória crítica e simultaneamente saborosa muitas das quais ouvidas por seus amigos nas rodas de conversas jogadas fora, na Quituart (a feirinha do Lago Norte), depois do futebol de sábado ou na Pizzaria Baco. Onde também líamos em primeira mão suas crônicas gourmet durante muito tempo publicadas na Revista Roteiro Brasília. Comida, Diversão e Arte, editada por seu amigo Adriano Lopes de Oliveira.

Nunes ilustra o estilo peculiar de Recena, nessas crônicas O Correio Sabe Porque o Correio Viu (O Correio, no caso, é o próprio Recena):

Estava lá. A jovem loura robusta ri e seus dentes de ouro brilham sob o teto do Mercado. Frestas filtram a luz do sol, frágil, mas capaz de devolver calor e sorrisos aos rostos soviéticos, a saudar o final de mais um inverno. “Orelha?”, a incrédula loura trava ao ouvir a resposta e a notícia de que a parte suína vai para panela, com outras carnes, linguiças e feijão preto. Feijoada, não conseguiu repetir.

Era demais para ela naquela quinta-feira de sol no bairro Dínamo. Caucasiana, os limites da barbárie não chegavam a uma panela. Só melhorou na troca de limões sicilianos por sacolas Louis Vitton, trazidas de Paris pelo correspondente. Vazias. Doação de amigos quando souberam que eram moeda de troca naquela Moscou da Perestroika, distante e misteriosa.

Feita na quinta e na sexta-feira, a feijoada foi servida no sábado. Quer dizer, começou no sábado e entrou domingo adentro. Farra digna de um Comitê Central. Brasileiros, russos que sabiam do Brasil, outras nacionalidades minoritárias. O amálgama eram o feijão preto, as carnes e caipirinha de cachaça. Sim, sobrou cerveja. Vodka, no limite.

Confraternização sem problemas e convivas partindo sob promessa de que haveria outra. Lembranças provocadas pela internacionalização da guerra e ações extra conflito, tipo a entrevista do novo embaixador da Ucrânia no Brasil, a reclamar da nossa neutralidade e falta de manifestações de apoio a Kiev e maldições a Moscou. Andrii Melnyk certamente não sabe o convívio entre nações. Feijoada nem pensar.

Esse é bem o Recena, sempre dando sutileza ao seu ofício, resiliente em sua mestria. Também tenho memórias. Com ele, como editor, publicamos na UnB – Faculdade de Direito, por três anos, um jornal tablóide, com o conceito de Observatório da Constituição e da Democracia. Resultados de nossas pesquisas em Direito Constitucional – https://estadodedireito.com.br/21528-2/ (Observatório da Constituição e da Democracia, C & D. Brasília: Faculdade de Direito da UnB/Sindjus-DF (Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público em Brasília). Grupo de Pesquisa Sociedade, Tempo e Direito-STD. Ano I, número 1, janeiro de 2006…ano IV, número 35, julho/agosto de 2010).

Recena nos ajudava a aprimorar texto, organizar conteúdo e nos fazer legíveis. Há memórias antológicas dessa orientação e de sua argúcia editorial. Lembro aqui alguns episódios. Para limpar o texto ele dizia: “suprimam toda palavra que termine em mente. Livrem-se dos advérbios, façam amizade com os substantivos. Vocês juristas tomam o incidental como essencial, invertem a hierarquia do texto. Perdem um tempo enorme nos pressupostos e o leitor desiste de ler antes de chegar à conclusão. O/as jornalistas, ao contrário, lançam no primeiro parágrafo o núcleo informativo do texto pois, caso o leitor não chegue ao fim da leitura, já terá recebido a informação importante”. Recena sempre respeitou nossos textos, mas às vezes precisava fazer caber na diagramação todo o material. Uma ocasião foi inesquecível. Era o fechamento da edição e um autor-coordenador estava bravo uma vez informado de corte em seu texto. Recena quis se justificar e o colega logo obtemperou: “já li e reli a matéria e eu estou bravo não porque você cortou, mas porque eu não consigo encontrar o que você cortou”. Convimos que o Editor tinha razão, parece que a parte cortada não fez falta ao texto.

E Recena contou mais uma vez com a arte de nosso colega da turma do futebol – Pedro Koshino. Eu próprio, assim como O Pasquim, também me vali do traço singular e muito irônico do P. Koshino. Aliás, no meu caso, em publicação na Revista Roteiro (graças à mediação editorial do Recena), para crônica que fiz em homenagem ao imorrível (para nós) Jorjão (Jorge Ferreira):

Eu já havia destacado o traço do Pedro. Ele completou os textos de Gustavo Tapioca, nas crônicas reunidas em Uma Senhora Pelada proporcionando uma outra descoberta. Refiro-me ao desenho (cartoon, charge, ilustração) de Pedro K (K de Koshino). Talento também descoberto por Luiz Recena (Recena depois seria o editor do tablóide Observatório da Constituição e da Democracia que os Grupos de Pesquisa Sociedade, Tempo e Direito e O Direito Achado na Rua publicaram por três anos na UnB, com temas ainda insuperados), Pedro, caricaturista bissexto (porque nas horas vagas de seu ofício de auditor do Tribunal de Contas), cujos primeiros traços apareceram nos anos 1970 no Pasquim, para reaparecerem nas páginas do Tribuna do Brasil (outro experimento editorial de Recena) e que é, no livro, autor e personagem, em ilustrações marcadas pela irreverência, tal qual no pastiche (“Picasso, Perdão” p. 71), https://estadodedireito.com.br/meninos-do-rio-vermelho/.

Volto a Rússia Resistente. O livro, é compilação dos despachos ordinários sobre uma guerra que já vai para o terceiro ano, mas boa análise, com o auxílio interpretativo de excelentes fontes e consultores que Recena cultivou em seus tempos de correspondente na Europa. Mestre no ofício, Recena mostra “a guerra de forma transversal a grande mídia ocidental” – num jornalismo raro hoje em dia, que é autônomo e que toma lado no front (nada de novo, no sentido duro de Erich Maria Remarque).

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).

terça-feira, 7 de maio de 2024

 

Mediação e Tratamento Adequado de Conflitos Coletivos: a Justiça Formal Abrindo-se à Justiça Material

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

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O título do artigo remete a constatação, no âmbito da justiça formal operada institucionalmente pelo sistema judicial, de espaços de realização de justiça material promovida pela cidadania e por movimentos sociais.

O apelo para esse tema veio de manifestação da Juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e Coordenadora do 1º Núcleo Virtual de Mediação e Conciliação (1NUVIMEC), Christiane Nascimento Ribeiro Cardoso Campos, quando apresentou o Projeto Calliandra, em palestra durante a 4ª Reunião do Fórum Fundiário Nacional (FFN) – Governança Fundiária, Sustentabilidade e Multiculturalismo, em São Luís/MA.

Esta não é a primeira iniciativa no campo de alargamento do acesso à justiça conduzida no âmbito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. A propósito, conforme recensão que elaborei –https://estadodedireito.com.br/dialogos-entre-justica-comunitaria-e-justica-restaurativa-um-estudo-a-partir-da-experiencia-do-tribunal-de-justica-do-distrito-federal-e-territorios/ – Anne Carolline Rodrigues da Silva Brito, havia desenvolvido uma excelente dissertação de mestrado – Diálogos entre Justiça Comunitária e Justiça Restaurativa: um estudo a partir da experiência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Dissertação de Mestrado. Brasília: Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, 2022 – pondo em relevo um programa, que eu próprio também divulgara, ao comentar o trabalho da Juíza Gláucia Foley, também do TJDFT – Justiça Comunitária. Por uma justiça de emancipação. Gláucia FalsarellaFoley. Belo Horizonte. Editora Fórum, 2010 (https://estadodedireito.com.br/28455-2/).

Com efeito, nesse comentário, que incidia sobre um projeto muito bem sucedido, eu indicava estarmos nos colocando numa perspectiva de alargamento do acesso democrático à justiça (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Uma Concepção Alargada de Acesso à Justiça. In SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Idéias para a Cidadania e para a Justiça.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008, o. 101-102), para acentuar que não basta institucionalizar os instrumentos decorrentes desse princípio, é preciso também reorientá-los para estratégias de superação desses mesmos pressupostos. Principalmente pelo Poder Judiciário que se tem mostrado extremamente recalcitrante à abertura de espaços para a ampliação das condições democráticas de realização da justiça.

Para ir mais fundo nessa consideração, remeto a https://estadodedireito.com.br/experiencias-compartilhadas-de-acesso-a-justica-reflexoes-teoricas-e-praticas/, quando destaco duas obras valiosas nesse aspecto  – REBOUÇAS, Gabriela Maia; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; CARVALHO NETO, Ernani Rodrigues de (Organizadores). Experiências Compartilhadas de Acesso à Justiça: Reflexões teóricas e práticas. Santa Cruz do Sul: Esserenel Mondo, 2016, 281 p. Texto Eletrônico. Modelo de Acesso World Wide Web (gratuito). www.esserenelmondo.com.br; e REBOUÇAS, Babriela Maia; SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; ESTEVES, Juliana Teixeira (Organizadores). Políticas Públicas de Acesso à Justiça: Transições e Desafios. Santa Cruz do Sul: Esserenel Mondo, 2017, 177 p. E-Book (gratuito). www.esserenelmondo.com.br.

Essas duas experiências encontradas no TJDFT, estão na base e na mão dupla decorrente da atenção que o Conselho Nacional de Justiça atribui ao tema de alta necessidade estratégica de ampliar o acesso à justiça. Assim que o CNJ instituiu uma Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos, com as competências de coordenar e acompanhar o desenvolvimento da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos e das demais políticas públicas voltadas à implementação dos métodos consensuais de solução de conflitos, a desjudicialização dos processos, bem como à prevenção dos litígios mediante medidas de incentivo à desjudicialização, entre outras; de propor programas, projetos e ações relacionados aos métodos consensuais de solução de controvérsias; de zelar pelo fortalecimento do sistema multiportas de acesso ao Poder Judiciário; de auxiliar no desenvolvimento de meios eletrônicos de resolução de conflitos; e de supervisionar a atuação do Comitê Gestor da Conciliação do CNJ.

São iniciativas como o Calliandra que vão dando nervura e conteúdo ao que designo no título deste artigo:  adensar a irradiar a mediação e o tratamento adequado de conflitos coletivos para que a Justiça Formal Abra-se à Justiça Material. Sobretudo quando se depare com situações, tais como a identificada por Gustavo de Assis Souza, em seu livro Acesso à justiça para a população em situação de rua: perspectivas frente às práticas autoritárias aporofóbicas e a atuação da Defensoria Pública, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2022(https://estadodedireito.com.br/30859-2/).

Ou, como a experiência realizada por juízes no Amapá. A partir da disciplina O Direito Achado na Rua desenvolvida em programa interinstitucional de pós-graduação (Mestrado) entre a UnB/Faculdade de Direito e a Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Amapá, foi eloquente a abertura dos alunos-magistrados para outros modos de pensar o jurídico com inspiração em teorias de sociedade e de justiça e sob a perspectiva do movimento O Direito Achado na Rua, como sugere o constitucionalista J. J. Gomes Canotilho. Isso se deu com a criação de uma coluna semanal no Jornal Gazeta do Amapá: O Direito Achado nas Ruas, nos Campos, nos Rios e nas Florestas Amapaenses, espaço para relato e reflexões sobre experiências da jurisdição que reconhece a equivalência de direitos em registro de pluralismo jurídico.

Numa das primeiras colunas, assinada por Esclepíades de Oliveira Neto,  Professor da Escola Judicial do Amapá (EJAP); Graduado pela UFMA; Mestrando da UnB; Juiz de Direito do TJAP, essa disponibilidade epistemológico-política está cabalmente fundamentada: “Essa proposta, associada ao conceito de democracia participativa enquanto um direito de luta e resistência através da repolitização da legitimidade – como diria Paulo Bonavides –, encontra em seu trafegar a ideia de “novos sujeitos coletivos de direitos”, ou seja, movimentos sociais consolidados que, reivindicando um novo papel conferido por meio da legitimidade democrático-participativa constitucional atual – o poder emana do povo e pode ser por ele exercido diretamente –, afirmam-se de modo instituinte como protagonistas no processo de reconhecimento de direitos novos e ampliação da mediação democrático-participativas, levando a um registro expansivo de um rol sem limites de novas categorias jurídicas, como assinala José Geraldo de Sousa Junior em seu artigo “O Direito Achado na Rua: concepção e prática” (In: Introdução crítica ao direito. 4. ed. Brasília: Editora UnB, 1993; Série O Direito Achado na Rua, v. 1)”.

E vou além, com Esclepíades: No curso destas correntezas filosófico-sociológico-jurídicas, não é difícil encontrar pontos de ancoragem para o Programa de Justiça Itinerante Fluvial do TJAP que, lançando os olhos para a população ribeirinha, desde 1996 busca assegurar o acesso à justiça e à cidadania a milhares de amapaenses, especialmente os moradores do Arquipélago do Bailique, localizado na foz do rio Amazonas, distante aproximadamente 170 quilômetros de Macapá, capital do Estado do Amapá. O modelo mental do Programa de Justiça Itinerante Fluvial do TJAP preconiza uma construção jurídica que se identifique como síntese entre o aparato formal da Justiça tradicional e um projeto comunitário-participativo que visa priorizar os anseios sociais da comunidade amapaense. Ou seja, uma das características mais importantes da Justiça Itinerante como elemento conceitual no âmbito do TJAP é a consciência de que tal programa é um produto da atuação do Poder Judiciário (e de diversos parceiros) em sintonia com a participação popular comunitária dos moradores locais.

Nesse contexto, a comunidade é vista como agente de transformação do modelo jurídico tradicional, capaz de propor uma pluralidade de formas de soluções legítimas de conflitos. Os sujeitos coletivos presentes, atuantes e com forte posição de liderança têm potencial para, a partir da prática de autogestão de direitos, suplementar ou suprir a atuação do ordenamento formal. Daí a necessidade de aprofundar o empoderamento da comunidade ribeirinha, com a identificação dos grupos sociais, lideranças legítimas comunitárias, representantes naturais de coletividades, que atuam no âmbito dos conflitos que surgem no Arquipélago do Bailique, identificando suas capacidades, atuação e posicionamento diante das questões jurídicas sob uma perspectiva dialética e dialogal que sintetiza os modelos formais e alternativos de solução de conflitos.

Ao apresentar o Projeto Calliandra, a Juíza Christiane explicou que a metodologia é específica para a resolução do caso tratado na Ação Civil Pública nº 0706637-31.2022.8.07.0018, referente à desocupação de área pública na região central de Brasília. No local, atualmente, encontra-se abrigada comunidade de catadores de material reciclável e suas famílias. A exposição cuidou de relatar procedimentos que buscam “transformar a realidade social das pessoas envolvidas, em detrimento de seu mero deslocamento da região em questão. Para isso, constituiu-se grupo de trabalho com representantes de instituições diversas e com expertise multifacetada, de maneira a amparar tecnicamente as mediações coletivas, que serão conduzidas com a comunidade de catadores, e o desenvolvimento de soluções” (https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2023/outubro/juiza-do-tjdft-apresenta-projeto-em-encontro-de-corregedores-gerais-dos-tribunais-de-justica-do-brasil).

Do que se trata, nesse contexto, é afirmar o reconhecimento de que tanto na observação das instituições de Estado, a exemplo do poder Judiciário e Conselhos de Justiça, quanto na análise dos espaços coletivos de realização da sociedade civil, através da cidade, da educação ou da ética, é preciso problematizar e qualificar o acesso à justiça encontram na contribuição de Ludmila Cerqueira Correia (UFPB), Antonio Escrivão Filho (UnB) em co-autoria comigo, uma reflexão fundamental acerca de A expansão semântica do acesso à justiça e o direito achado na assessoria jurídica popular. Neste caso, a aderência com a linha de pesquisa da UnB – Pluralismo jurídico e O Direito Achado na Rua, reforçam a dimensão concreta do direito, como produto de lutas, na correlação de forças que evidenciam compromisso político com os sujeitos coletivos organizados e movimentos sociais cujas atuações expressam práticas instituintes de direitos, reforçando a combinação de instrumentais pedagógicos, políticos e comunicacionais com a dimensão jurídica (in CESContexto, Coimbra: Centro de estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Debates nº 19, outubro de 2017).

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).