domingo, 29 de julho de 2012

Comissão quer indentificar colaboradores da ditadura dentro da UnB

Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2012/07/28/interna_cidadesdf,314080/comissao-quer-indentificar-colaboradores-da-ditadura-dentro-da-unb.shtml
Universidade de Brasília deve instalar em agosto a comissão que pretende resgatar e esclarecer episódios ocorridos durante a ditadura militar contra alunos e professores

Publicação: 28/07/2012 08:00 Atualização: 28/07/2012 11:35
Honestino Guimarães (em pé, à direita) foi um dos estudantes perseguidos pelos militares na UnB (Arquivo CB/D.A Press - 1973)
Honestino Guimarães (em pé, à direita) foi um dos estudantes perseguidos pelos militares na UnB
As páginas em branco deixadas pela ditadura na história das famílias dos estudantes da Universidade de Brasília podem começar a ser preenchidas. No início de agosto, a Comissão da Verdade da UnB iniciará os trabalhos para recolher documentos e depoimentos sobre o que ocorreu na instituição no período compreendido entre 1964 e 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal. Além de contribuir com o grupo nacional, uma das intenções é identificar quem foram os colaboradores do regime dentro da universidade e quais direitos dos que resistiram ao regime foram violados. Outro ponto a ser tratado é o resgate do projeto inicial idealizado por Darcy Ribeiro ao fundar a instituição de ensino superior, criada para ser o centro de pensamento cultural livre de Brasília.

Até hoje, as informações sobre a resistência e a repressão dos militares foram coletadas a partir de testemunhos. Professores reintegrados e alunos contaram o que viveram à época. Com a recente Lei de Acesso à Informação, uma outra versão dos fatos pode ser descoberta. Os arquivos do Serviço Nacional de Informações (SNI) — que antes traziam com tarjas pretas sobre os nomes dos envolvidos com a repressão e atentados aos direitos humanos — agora estão liberados no Arquivo Nacional e na própria universidade.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

UnB se prepara para instalar sua Comissão da Verdade


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20585

Com um saldo de centenas de professores e estudantes expulsos, presos, mortos ou desaparecidos, a instituição criada em 1962 com uma proposta filosófica vanguardista foi a mais afetada pela repressão da ditadura brasileira. Foram pelo menos quatro invasões do campus. No segundo ano do regime, a UnB já havia perdido mais de 80% do seu quadro docente. Após 1968, centenas de prisões. Estudantes como Ieda Santos Delgado, Paulo de Tarso Celestino e Honestino Guimarães estão desaparecidos até hoje.

Brasília - A Universidade de Brasília (UnB) se prepara para instalar, nos próximos dias, a sua Comissão da Verdade, que terá a missão de auxiliar a nacional, instituída em maio pela presidenta Dilma Rousseff, a resgatar a história dos anos de chumbo na instituição de ensino superior brasileira que mais sofreu os efeitos da repressão imposta pela ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985. 

Com um saldo de centenas de professores e estudantes expulsos, presos, mortos ou desaparecidos, a UnB tem uma enorme dívida com seu passado. Foram pelo menos quatro invasões do campus pelos militares. No segundo ano do regime, a UnB já havia perdido mais de 80% do seu quadro de professores. 

Após 1968, foram centenas de prisões. Estudantes como Ieda Santos Delgado, Paulo de Tarso Celestino e Honestino Guimarães estão desaparecidos até hoje.

O decreto já está nas mãos do reitor José Geraldo de Souza Junior, aguardando os últimos ajustes. “O reitor é um militante dos direitos humanos que atendeu prontamente esta reivindicação da comunidade acadêmica”, afirma o professor da Faculdade de Direito, Cristiano Paixão, um dos idealizadores da iniciativa. Segundo ele, a Comissão será composta por professores do quadro da instituição, mas contará com o apoio de um comitê de observadores, formado por estudantes, funcionários, familiares das vítimas, ex-alunos e militantes dos direitos humanos. “Queremos envolver toda a sociedade interessada em reestabelecer a memória e a verdade”, afirma Paixão.

Criada em 1962 com uma proposta tida como inovadora para os padrões da época, a UnB foi invadida por tropas militares apenas nove dias após o golpe de estado que depôs o então presidente João Goulart, em 30 de março de 1964. O então reitor Anísio Teixeira, que acabou demitido, foi surpreendido por tropas militares provenientes de Minas Gerais, que chegaram ao campus em 14 ônibus e três ambulâncias, indício que a ditadura previa confrontos com a comunidade universitária. O campus ficou interditado por duas semanas.

A segunda invasão ocorreu no ano seguinte, quando os professores entraram em greve, em protesto contra a demissão de três colegas. Os alunos aderiram à paralisação e o clima de tensão tomou conta do campus. A UnB foi cercada no dia 11 de outubro. Uma semana depois, o reitor Zeferino Vaz demitiu 15 docentes acusados de subversão. Entre eles Sepúlveda Pertence, que viria a ser presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). 

Em solidariedade aos colegas, 223 dos 305 professores da instituição também se demitiram. Com apenas três anos desde sua fundação, a UnB perdeu mais de 80% do seu quadro. Entre eles, intelectuais do porte do artista plástico Athos Bulcão, considerado o artista de Brasília, do educador Paulo Freire, tido como um dos mais notáveis pensadores da pedagogia mundial, e do médico Josué de Castro, aclamado pelo clássico “Geografia da Fome”.

Os problemas decorrentes daí foram inúmeros. “A UnB se desviou completamente dos ideais de sua fundação, defendidos por intelectuais como Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. Se tornou uma instituição medíocre, com professores de segunda linha. Foi nesta época que o estudante de geologia, Honestino Guimarães, ganhou a presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (FEUB) e passou a se destacar na luta por melhor qualidade de ensino”, conta o advogado Cláudio Almeida, estudante da instituição à época e companheiro de luta de Honestino desde o colegial.
Em 1968, a morte do estudante Edson Luiz nos porões da ditadura no Rio de Janeiro levou Honestino a conclamar uma série de manifestações na UnB. Os protestos contra a repressão logo encamparam também a luta por melhores condições de ensino. E levaram à terceira invasão do campus, que resultou na detenção de cerca de 500 alunos e na prisão definitiva de 60. Entre eles, Honestino e Cláudio.

“No dia anterior, eu fui avisado de que circulavam boatos de que o campus seria invadido. Os filhos de militares que estudavam na UnB foram aconselhados a faltarem aula e a história vazou, Mas mesmo assim fui até lá. Quando cheguei, encontrei Honestino que me perguntou como estava a situação lá fora. Disse que estava tudo calmo e fui para a sala de aula. Um pouco mais tarde, começamos a ouvir gritos de que Honestino foi preso, espancado e levado amarrado pelos militares”, recorda Cláudio. 

Segundo ele, os alunos começaram a sair das salas, em protesto, mas os 
militares já haviam ocupado o campus. “Eram mais de 700 homens atirando para matar e jogando bombas. Meu colega Waldemar Alves foi baleado na cabeça e apresenta sequelas até hoje. Nós tentamos nos esconder no Minhocão, que ainda estava em obras. Mas, cercados, tivemos que nos render. Fomos levados em fila indiana, mãos na cabeça, para a quadra de basquete. Lá era feita a triagem: os identificados eram imediatamente presos e os demais liberados. Eu fui preso”, conta o ex-aluno.

Cláudio foi levado ao Doi/Codi e, depois, ao Exército, onde outros quatro estudantes também estavam presos. Mais tarde, o obrigaram a participar de uma acareação com Honestino, um dos momentos mais difíceis de sua vida. “Quando eu o vi, ele estava um trapo. Foi barbaramente espancado e torturado. Os militares zombavam dele, o humilhavam. E continuou sendo torturado na minha frente, para dizer quem eu era e qual era minha participação no movimento. Mesmo assim, não falou nada. Depois, eu também fui torturado para denunciar outros colegas. “A tortura é uma violência física e moral muito grande. Impossível de esquecer”.

Cláudio foi liberado alguns dias depois e conseguiu concluir os estudos. Honestino passou mais tempo na prisão, foi solto e expulso da UnB. Constantemente perseguido, detido e aterrorizado pelos militares, foi morar em Goiânia. “A última vez que nos encontramos foi no final de 1969. Eu falei que não tinha condições psicológicas de continuar na luta. Honestino partiu para a clandestinidade. Foi preso em 1973 e, desde então, ninguém sabe o que aconteceu com ele”, relata.

Outros estudantes da instituição, como Ieda Santos Delgado (que participou do histórico Congresso da União Nacional dos Estudastes (UNE), em Imbiúna (SP), Paulo de Tarso Celestino, que também foi presidente da FEUB, tiveram destinos semelhantes. “Naquela época, era muito comum um militante desaparecer sem deixar vestígios. As famílias, os amigos, ficavam desesperados. Foram muitas histórias interrompidas que precisão ser desvendadas. Éramos um bando de burgueses, classe média, sonhadores e não imaginávamos a violência que teríamos que enfrentar”, desabafa Cláudio. 

Pretexto para o AI-5
O ex-estudante da UnB afirma que a invasão do campus foi o pretexto utilizado pela ditadura para a promulgação do Ato Institucional no 5 (AI-5), que implantou a censura, fechou o Congresso e cassou de vez as liberdades individuais. “Eles precisavam de um fato político que justificasse a adoção desta medida, que foi a maior agressão praticada pelo Estado contra a sociedade brasileira. Depois houve o discurso do então deputado Márcio Moreira Alves, mas só isso não seria suficiente”, avalia.

Em 1976, com a posse do capitão de mar e guerra José Carlos de Almeida Azevedo no posto de reitor, os protestos recomeçaram. O mote ainda era a má qualidade do ensino, mas logo os estudantes passaram a reivindicar também a redemocratização do país, no bojo dos movimentos pró-anistia que começavam a pipocar. “Foi a retomada do movimento estudantil, praticamente dizimado no país todo após a promulgação do AI-5, em 1968”, relata o empresário Antônio Ramaiana Ribeiro, estudante de agronomia à época. 

Ramaiana, que apesar de ser filho de um oficial da Marinha, foi preso por três vezes e expulso da instituição, relata que, principalmente em 1977, quando eclodiu a greve dos estudantes, a ditadura voltou a ocupar o campus e a fazer um grande número de vítimas. “Só naquele ano, mais de 80 alunos foram presos, alguns na própria UnB, outros em suas casas. Destes, 30 foram expulsos e cerca de mil saíram da instituição, pressionados pelo terrorismo imposto pelo interventor Azevedo”, recorda. 

No livro “UnB 1977: o início do fim”, no qual narra suas memórias daqueles dias, o empresário avalia que o vanguardismo da luta na instituição, que rapidamente se espalhou pelas demais universidades do fim, foi o divisor de águas que obrigou a ditadura a dar início a abertura política, descrita como lenta, gradual e segura pelo então presidente Ernesto Geisel. “A ditadura não admitia subversão na UnB, justamente por ela estar mais perto da sede do poder político, no próprio quintal do Palácio do Planalto. Por isso, a repressão era imensa. Foi a única universidade a ser comandada diretamente por um militar”, acrescenta.

Brasil precisa reavaliar seu passado

COMISSÃO DA VERDADE - 18/07/2012
Simone Rodrigues Pinto


A Comissão Nacional da Verdade, que iniciou seus trabalhos em maio desse ano, tirou o Brasil de uma posição de conservadorismo no que diz respeito à justiça de transição. O conceito de justiça de transição surgiu no final da década de oitenta e inicio da década de noventa principalmente em resposta às mudanças políticas ocorridas na América Latina e no Leste Europeu. Da junção de demandas por justiça e por transição democrática, o termo justiça transicional (ou justiça de transição) foi cunhado para expressar métodos e formas de responder a sistemáticas e amplas violações aos direitos humanos. Assim, justiça transicional não expressa nenhuma forma especial de justiça, mas diversas iniciativas que têm por intuito reconhecer o direito das vítimas, promover a paz, facilitar a reconciliação e garantir o fortalecimento da democracia.

Até então, o Brasil havia focado suas ações nas reparações às vítimas e seus familiares, resistindo a medidas de construção da memória e da verdade sobre o período e, principalmente, de justiça em relação aos agentes da violência estatal. 

Na América Latina, a maioria dos países está revendo suas leis de anistia a fim de derrogá-las ou promovendo interpretações que permitem julgamentos penais para os crimes mais graves. Dentre os dezenove países da América Latina que passaram por ditaduras militares no final do século XX, dezesseis optaram por leis de anistia geral. Ainda assim, muitos estão encontrando meios de responsabilizar os principais perpetradores, como tem acontecido no Chile, na Argentina e no Uruguai. No cone sul, somente o Brasil reitera a validade da anistia para os crimes graves como tortura, desaparecimento forçado e execuções sumárias.

No Brasil, ainda prevalecem argumentos que favorecem o esquecimento e rechaçam a possibilidade de debate amplo e informado, acessado facilmente por todos os extratos da população. Os mitos a respeito da violência estatal jazem no discurso cotidiano, impedindo que as fragilidades de nossa democracia atual sejam enfrentadas a partir de um olhar crítico sobre o passado. 

Por isso, a intenção da Universidade de Brasília de criar uma Comissão da Verdade paralela, anunciada pelo Magnífico Reitor na semana passada, vem somar a outras iniciativas muito bem-vindas neste momento. Câmaras legislativas, sindicatos, organizações não governamentais e outras entidades da sociedade civil têm criado comissões da verdade para compor o cenário mais amplo do período e contribuir com a responsabilização de pessoas e instituições envolvidas com os abusos aos direitos humanos impetrados pelo Estado. A revelação dos nomes e das circunstâncias que envolveram os crimes pode gerar uma comoção nacional pela responsabilização efetiva dos criminosos, que se escondiam atrás do manto do Estado. Quem são eles, como agiam e onde estão agora? Os abusos cometidos por agentes do Estado não constituem um tema do passado, mas continuam como um fantasma para a nossa democracia. 

O Brasil precisa ter uma chance para reavaliar seu passado à luz das demandas presentes por uma democracia mais justa, fundada nos pilares do respeito às leis, aos direitos humanos e às diferenças políticas e sociais. Somos exemplos na tentativa de garantir o direito à reparação das vítimas do período militar, estamos avançando na busca pela verdade e pela memória, resta-nos decidir, enquanto sociedade, que tipo de justiça queremos alcançar.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Livro de docentes da UnB orienta curso para alunos da América Latina e Caribe

Sexto volume da série O Direito Achado na Rua será lançado em espanhol, junto com curso a distância que vai atender 500 alunos de sete países da região
Débora Cronemberger - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Fonte: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=6820
O sexto volume da série O Direito Achado na Rua será material de trabalho de curso à distância voltado para estudantes e profissionais da América Latina e do Caribe. No dia 1º de setembro, começam as aulas da primeira turma, que reúne 500 alunos de sete países: Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Costa Rica, El Salvador e Haiti. A data é a mesma em que será apresentado o sexto volume da série, El Derecho desde la calle: Introdución Critica al Derecho a La Salud, a versão em espanhol, revista e ampliada, do quarto volume, lançado em 2009, que abordou o Direito à Saúde.
A organização do livro e do curso resulta de parceria entre o Centro de Educação à Distância (CEAD) da Universidade de Brasília, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de Brasília. O livro possui artigos que contaram com a colaboração de 53 autores, entre juristas e sanitaristas. “Nem todos os sistemas de saúde da região são includentes como o Sistema Único de Saúde brasileiro. Em alguns países há um sistema de contrapartida por parte do usuário. Nosso objetivo, com o livro e o curso, é enfatizar que o direito à saúde é universal”, afirma Maria Célia Delduque, coordenadora do Programa de Direito Sanitário da Fiocruz Brasília.
Na sexta-feira, 6 de julho, o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, reuniu-se com Maria Célia Delduque, que também é professora do Departamento de Saúde Coletiva na UnB, e com Sandra Alves, pesquisadora colaboradora do Programa de Direito Sanitário da Fiocruz Brasília, para discutir os últimos detalhes gráficos do livro e da formatação da plataforma de ensino à distância. José Geraldo é organizador da série, que teve início no final da década de 1980. 
Paulo Castro/UnB Agência
Reunião discutiu últimos detalhes gráficos do livro e da plataforma de ensino
META - O curso, com grade de 90 horas e duração prevista de três meses, tem como meta atender a 45 mil alunos da América Latina e do Caribe. “Esse projeto surge em vista do sucesso do curso, em português, que o CEAD promoveu em 2009 para 600 operadores do Direito”, diz Maria Célia. Ela conta que o curso foi tão bem avaliado que a OPAS sugeriu a oferta de curso similar para o âmbito regional. A primeira turma de alunos, que começa em setembro, pode incluir também estudantes de Cuba.

“O curso tem como público alvo pessoas das áreas de Direito e de Saúde, mas Cuba tem o interesse de capacitar líderes comunitários. No Haiti, país de língua francesa, participarão do curso apenas acadêmicos”, afirma Maria Célia. A seleção dos alunos é feita em cada país, que deve enviar a lista dos selecionados para o CEAD proceder a matrícula. Ao fim do curso, cada aluno receberá um certificado de extensão da UnB.

SÉRIE – O livro El Derecho desde la calle: Introdución Critica al Derecho a La Salud é o sexto volume da série O Direito Achado na Rua - projeto criado em 1987 sob a forma de um curso de extensão universitária à distância, elaborado por pesquisadores do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos, com apoio da então Coordenadoria de Educação a Distância do Decanato de Extensão – hoje chamada de Centro de Educação a Distância (CEAD-UnB).

O primeiro volume, Introdução Crítica ao Direito, abordou o Direito de forma ampla. “Esse projeto não foi concebido como uma série, mas como um curso de capacitação jurídica. Porém, atraiu o interesse dos estudantes, que o adotaram como um novo manual”, explica o reitor José Geraldo. O interesse crescente pelo conteúdo diferenciado resultou em novos volumes, desta vez com temas específicos: Direito do Trabalho, Direito Agrário, Direito à Saúde e Direito das Mulheres – este último foi lançado no dia 30 de junho, no Núcleo de Prática Jurídica da UnB em Ceilândia. Leia mais aqui.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Projeto de criação da Comissão da Verdade será apresentado na próxima semana


DIREITOS HUMANOS - 10/07/2012
Professores entregam ao reitor proposta de funcionamento do grupo que pretende analisar os casos de repressão contra professores e alunos durante a ditadura militar 
Débora Cronemberger - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Fonte:  http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=6825 
A proposta de estrutura, competências e prazo de trabalho da Comissão da Verdade da Universidade de Brasília será apresentada na próxima semana ao reitor José Geraldo de Sousa Junior. O esboço da comissão, concebida para investigar a repressão contra professores e alunos da UnB durante a ditadura militar, será apresentado pelos professores Cristiano Paixão, da Faculdade de Direito, e José Otávio Guimarães, do Departamento de História, pelo coordenador-geral de Memória Histórica da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Marcelo Torelly, e pela assessora do reitor, Lívia Gimenes. O objetivo do reitor é instituir a Comissão da UnB em 15 dias.
A ideia é que a UnB possa contribuir com a Comissão Nacional da Verdade instituída pela presidenta Dilma Rousseff em maio. A Comissão Nacional foi criada para investigar, em dois anos, violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. Com sete integrantes, a Comissão criada por Dilma deverá ter como foco inicial os desaparecimentos políticos durante a ditadura militar (1964-1985). Ao fim do trabalho será produzido um relatório oficial sobre as circunstâncias das violações, apontando o nome dos responsáveis.
Existem comissões similares instituídas em âmbito estadual e municipal, como é o caso da Comissão Estadual de São Paulo, criada em fevereiro, mas ainda não há grupo com essa atuação em universidades federais. “É necessário chegar à verdade sobre os fatos para evitar a repetição dos ciclos de violência”, disse o reitor, que se reuniu na segunda-feira, 9, à noite, com o grupo que irá propor o modelo da Comissão. 
Emília Silberstein/UnB Agência
Reitor ressaltou a importância de se chegar a verdade para evitar ciclos de violência
Durante a ditadura militar, a UnB sofreu diversas invasões (leia aqui o histórico) e a comunidade acadêmica enfrentou forte repressão. Uma das metas da Comissão será esclarecer o que houve com Ieda Santos Delgado, Paulo de Tarso Celestino e Honestino Guimarães, estudantes da Universidade que desapareceram durante o governo militar.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Comissão irá investigar violência cometida na UnB durante ditadura militar


Universidade de Brasília institui grupo com o objetivo de esclarecer episódios de violência contra a comunidade acadêmica durante a didatura militar. Desvendar o desaparecimento de alunos é o principal foco do trabalho
Publicação: 10/07/2012 07:00 Atualização:
Testemunhas da repressão no câmpus entre 1964 e 1984 devem ser ouvidas pela comissão da UnB (Arquivo CB/D.A Press - 1/1/00)
Testemunhas da repressão no câmpus entre 1964 e 1984 devem ser ouvidas pela comissão da UnB

A Universidade de Brasília (UnB) vai remexer o seu passado. Em 15 dias, um grupo de professores e historiadores se reunirá para esmiuçar documentos engavetados que podem revelar detalhes da violenta repressão sofrida pela comunidade acadêmica durante o regime militar. Testemunhas serão convidadas a contar o que viram e ouviram entre 1964 e 1984. O projeto, batizado de Comissão da Verdade da UnB, terá duas abordagens. Uma pretende desvendar o desaparecimento de líderes estudantis no período da ditadura e investigar episódios de tortura contra servidores. A segunda visa resgatar a história de uma das maiores instituições de ensino do país.
“Alguns estudantes da UnB se tornaram símbolos de luta e a história deles pode iluminar o futuro dos jovens de hoje que não conhecem a fundo o que se passou naquele difícil período”, afirmou o professor da Faculdade de Direito Cristiano Paixão, um dos entusiastas da proposta. A conclusão do trabalho auxiliará, ainda, a Comissão da Verdade em âmbito nacional, instalada em maio último a fim de apurar violações dos direitos humanos cometidos nos anos de chumbo. “Esse grupo tem sete membros e apenas dois anos para investigar tudo entre 1946 e 1988. É pouco tempo. A UnB foi alvo direto da ditadura, era vista como uma ameaça e, por essa razão, existem questões que ainda não foram completamente entendidas”, destacou Paixão.

UnB discute criação de Comissão da Verdade


Ideia é investigar a repressão contra professores e alunos no período da ditadura militar. Proposta segue tendência observada no Brasil e em países da América Latina de investigar crimes ocorridos em período
João Paulo Vicente - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Fonte:  http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=6814 
O professor da Faculdade de Direito Cristiano Paixão e o reitor José Geraldo de Souza Júnior discutem na próxima semana a criação de uma Comissão da Verdade da Universidade de Brasília. A iniciativa segue uma tendência nacional de instituir comissões para investigar crimes contra os Direitos Humanos cometidos durante a ditadura militar no Brasil, além de resgatar documentos ocultos e retomar a memória do que aconteceu no período.
A ideia de criar comissões com esse objetivo resulta de um processo longo, articulado por organizações que lutam pelos Direitos Humanos e pela memória dos desaparecidos durante o regime militar, e discutido durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. A concretização veio em novembro do ano passado, quando a presidenta Dilma Rousseff sancionou a lei que criou a Comissão da Verdade em âmbito nacional, com a responsabilidade de apurar violações ocorridas entre 1946 e 1988.
 
A Comissão criada por Dilma é composta por sete membros e tem dois anos para conduzir as investigações. "É pouco tempo. Para ser efetivo, tem que ter órgãos semelhantes que podem contribuir para as apurações", afirma Cristiano Paixão.
O professor explica que o objetivo da comissão na UnB seria investigar a repressão contra professores e estudantes da UnB no período da ditadura, além de descobrir os responsáveis por crimes como o desaparecimento do estudante de geologia Honestino Guimarães. "É muito importante as próprias instituições recuperarem sua história", afirmou o reitor José Geraldo, que confirmou o interesse na criação de uma Comissão da Verdade da UnB. "As universidades sofreram muito com a lei de segurança nacional", disse. 
 
O Brasil, no entanto, está atrasado na criação de suas comissões que investigam crimes durante governos ditatoriais - o país foi o último a fazê-lo na América Latina. Para corrigir esse déficit e integrar as investigações nacionais ao que é feito nos países vizinhos, políticos, intelectuais, jornalistas e juristas brasileiros, argentinos, uruguaios, paraguaios e americanos reunidos em Brasília propuseram a criação de um Fórum Permanente de Justiça e Direitos Humanos na América Latina.
 
A proposta está na Carta a Brasília, resultado do Seminário Internacional sobre a Operação Condor, que ocorreu no Plenário II da Câmara dos Deputados na quarta e quinta-feira da última semana. "Isso será um Fórum Parlamentar Latino Americano, com o objetivo de buscar a memória, verdade e justiça no continente", afirmou a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), presidente da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça.
 
CONDOR - O tipo de lei de segurança mencionada por José Geraldo não era exclusividade brasileira. Na realidade, fazia parte de uma política de dominação ideológica e repressão contra movimentos progressistas de esquerda que dominou a América do Sul entre as décadas de 60 e 80. Durante esse período, um pacto de cooperação entre os governos brasileiro, argentino, chileno, paraguaio, uruguaio e boliviano permitia que equipes paramilitares de qualquer uma dessas nações conduzissem missões extraoficiais que incluíam raptos, atentados e assassinatos dentro do território das outras - com auxílio das Forças Armadas locais.
 
Era a Operação Condor, oficializada em uma reunião em novembro de 1975 em Santiago, Chile. O Brasil enviou dois militares como observadores, mas não assinou o documento da criação. "Em 75 a situação no Brasil já estava tranqüila para os militares, mas foi o Brasil que iniciou a Condor ainda em 70, com operações de seguestro em Buenos Aires. O país também continuou a cooperação com as ditaduras vizinhas depois", afirmou Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos e signatário da Carta à Brasília.
 
As raízes da Condor podem ser traçadas à Escola das Américas, instituição de ensino militar norte-americana localizada no Panamá. Uma das participantes do seminário, Patrice McSherry, professora e diretora do Programa de Estudos sobre América Latina na Long Island University de Nova Iorque, explicou como a vontade dos Estados Unidos de manter a América Latina sob sua influência política e econômica moldou os militares sul-americanos que estudaram na Escola das Américas.

Emília Silberstein/UnB Agência 
 
  

A pesquisadora americana afirmou que foi na Escola das Américas que os sul-americanos aprenderam os métodos de tortura e ações paramilitares "com o objetivo de oprimir qualquer levante contrainsurgente". Patrice explicou que o apoio americano também foi material, com recursos e uma grande teia de comunicação entre os países que participavam da Condor, que passava pela base americana no Panamá. "É preciso lembrar que se os Estados Unidos era o império, o Brasil era o sub-império", destaca Jair Krischke. Ele cobra que as investigações da Comissão da Verdade brasileiras se estendam também aos brasileiros desaparecidos no exterior.
"O que nós queremos é investigar crimes cometidos por pessoas que só fizeram lutar pela liberdade", afirma a deputada Erundina. "Temos que saber a verdade, para que quem atentou contra os direitos humanos pague por seus crimes diante da lei, mas com direito de defesa."
 
Emília Silberstein/UnB Agência 
 
  
Para Erundina, a criação de um órgão internacional que investigue crimes cometidos em conjunto durante a Operação Condor é como um espelho: "Da mesma forma que durante a ditadura houve uma aliança, agora queremos nos unir para investigar o que aconteceu. É um acúmulo de força política, para descobrir o que realmente aconteceu".

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O depoimento de Marilena Chauí no ato pela criação da Comissão da Verdade na USP

Fonte: http://espacoacademico.wordpress.com/2012/06/23/o-depoimento-de-marilena-chaui-no-ato-pela-criacao-da-comissao-da-verdade-na-usp/


Boa noite a todos e a todas, obrigada pelo convite. Quero começar fazendo duas colocações. A primeira, certamente você sabe, mas sou avó, como alguns colegas de colegial e faculdade. Nós [ela e Heleny Guariba] estudávamos juntas, ela que escolheu o meu namorado, com quem eu casei. Estive com ela na véspera do dia da prisão, foi a minha casa e tivemos uma longa conversa, fizemos planos, íamos nos ver no dia seguinte, mas eu não a vi mais. Entendo o que a Vera [Paiva] diz, levei muitos anos para enterrar, não podia admitir.
A segunda é de um outro colega meu, o [Luiz Roberto] Salinas, que não morreu na prisão, mas morreu por causa da prisão. Foi preso, torturado, e, na época, ele não fazia parte de nenhum movimento ou grupo, nada. Mas tinha feito muito antes, na altura de 64, e isso aconteceu no final dos anos 70. A esposa dele era jornalista e havia publicado uma matéria, os policiais, militares, não entenderam algumas palavras e interpretaram como um código. Foram ao apartamento deles e, como ela não estava, pegaram Salinas, que foi torturado no pau de arara dias a fio para dizer qual era o deciframento do código, das palavras do artigo da mulher dele.
Não era código, não havia o que dizer e ele foi estraçalhado. O resultado dessa prisão: foi anulado, evidentemente, o estado físico do Salinas e o seu estado psíquico. Foram anos para ele se refazer, e nunca conseguiu realmente se refazer. Teve trombose nas duas pernas, tendo que cortar dedos dos pés e morreu com uma síncope. Ou seja, foi morto pela tortura. Amigo meu do coração, entramos juntos no Departamento de Filosofia e, juntos, nos tornamos professores no departamento.
Gostaria de contar para vocês como foi entrar no campus da USP em 1969, logo depois de dezembro de 1968, quando foi promulgado o AI 5. Você vinha para cá e não tinha nenhuma garantia de que não seria preso e torturado, portanto, não sabia se seus alunos estariam na classe e, quando você se dava conta de que alguns não estavam, não ousava perguntar se tinham faltado na aula, se tinham partido para o exílio, se já estavam presos ou se já estavam mortos. E a mesma coisa com relação aos colegas. Tínhamos o pessoal do Dops à paisana nas salas de aula e escutas na sala dos professores e no cafezinho. Éramos vigiados noite e dia.
Eu me lembro que em 1975 a Unicamp fez um congresso internacional de historiadores, e convidou Hobsbawm, Thompson, enfim, a esquerda internacional. Houve as exposições dos brasileiros e os estrangeiros disseram: Nós não estamos conseguindo entender nada do que vocês dizem, não entendemos as exposições e sobretudo não estamos entendendo os debates entre vocês.
Então, nos demos conta que falávamos em uma língua cifrada para não sermos presos. A esquerda acadêmica criou um dialeto, uma linguagem própria na qual dizia tudo que queria dizer e não dizia nada que fosse compreensível fora do seu próprio circulo.
Foi uma forma de autodefesa e uma forma de continuar produzindo, pensando e discutindo. Ao mesmo tempo, essa forma nos fechou num circulo no qual só nós nos identificávamos com nós mesmos. Isso é uma coisa importante, que a Comissão da Verdade traga o fato de você criar um dialeto, criar um conjunto de normas, de regras, de comportamento em relação aos outros, tendo em vista não ser preso, torturado e morto, durante anos a fio.
Costumo dizer aos mais novos que eles não avaliam o que é o medo, pânico. Sair e não saber se volta, sair e não saber se vai encontrar seus filhos em casa, sair e não saber se vai encontrar seu companheiro, ir para a escola e não saber se encontrará seus alunos e colegas. Você não sabe nada. Paira sobre você uma ameaça assustadora, de que tem o controle da sua vida e da sua morte. Isso foi a USP durante quase dez anos, todos os dias. Além das pessoas que iam desaparecendo, desaparecendo… Ao lado das cassações.
Eu teria gostado que a [Eunice] Durham pudesse ter vindo, porque quando ela fez parte da Adusp na gestão do Modesto Carvalhosa, fez o chamado “Livro negro da USP”, que tem o relato de como foram feitas as cassações. As cassações não vieram do alto. As congregações de cada instituto, de cada faculdade, se encarregavam de denunciar, de delatar e de fazer a cassação.
Isso é uma coisa que a Comissão da Verdade precisa deixar muito claro, não foram forças lá de fora que fizeram isso, nem militares. Foram os civis acadêmicos, dentro da universidade, que fizeram uma limpeza de sangue. É uma coisa sinistra, mas foram nossos colegas que fizeram isto.
E, impávidos, quando começou a luta pela volta da democracia, quando começaram as greves no ABC, quando começaram as lutas pela diretas etc e tal, eu ia às assembleias da Adusp e do DCE e ficava lado a lado com muitos deles que estavam ali para fazer a defesa do retorno da democracia, quando eles tinham sido apoiadores da ditadura. E isto não pode ficar em branco. Uma Comissão da verdade tem que dizer isto.
E eu gostaria também, como uma contribuição ao trabalho da Comissão da Verdade, de retornar ao que o Eduardo e a Vera disseram, o fato de que a estrutura da nossa universidade, mais do que a estrutura de outras universidades que conseguiram se desfazer disso, é a mesma que a ditadura – através do MEC e do acordo MEC-USAID – introduziu no Brasil e aqui se cristalizou.
Primeiro, foi feita uma chamada reforma universitária, e essa reforma universitária introduziu a ideia de créditos, a ideia de disciplinas obrigatórias e disciplinas optativas. Como a sustentação ideológica da ditadura era a classe média urbana, era preciso compensar a classe média pela falta de poder econômico e político e a compensação foi através do prestigio do diploma, abriu-se a industria do vestibular, que veio por decreto.
Ou seja, a universidade que vocês frequentam, a universidade que vocês cursam, a universidade que nós damos aula, é a universidade que foi estruturada a partir do Ato Institucional número 5. Em outras universidades, houve força suficiente, do corpo docente, do corpo dicente, para derrubar muita coisa.
A estrutura curricular não, continuamos Brasil afora com disciplinas obrigatórias, optativas, créditos, frequência… A introdução dos créditos significou a escolarização da vida universitária. Em uma universidade você pode fazer duas ou três matérias no máximo e você deve ter duas a três horas de aula por semana para cada uma delas, no máximo.
O ideal são duas matérias, cada uma delas com duas horas semanais para que você trabalhe o que ouviu em classe, vá para as bibliotecas e laboratórios, faça pesquisas e tenha efetivamente uma vida universitária. A reforma feita pela ditadura, ao escolarizar a universidade, transformou-a em um curso secundário avançado, em um colegial avançado. Isso a Comissão da Verdade tem que mostrar, mostrar as datas em que os decretos vieram, as datas de implantação, quem implantou tudo isso, não pode passar em branco também.
Uma outra coisa que é muito importante é o fato de que as contratações dos jovens professores naquele período não eram feitas nem pelos departamentos, nem pelos institutos, mas diretamente pela reitoria. Estou dizendo isso porque quero fazer um complemento depois a respeito da reitoria atual. Como é que a reitoria procedia?
Ela recebia o processo de contratação e mandava para o Dops, para a policia enviar a ficha policial do professor e saber se ele tinha participado de algum movimento. A reitoria queria a ficha policial, que era a ficha política do jovem professor. Em função disso, a reitoria dizia se contratava ou não contratava.
Eu posso fazer um depoimento junto à Comissão da Verdade, se ela quiser, da experiência direta que tive sobre isso. Eu era chefe do Departamento de Filosofia, havia o processo de contratação de um jovem professor e a contratação não saía, os papeis estavam na reitoria e pedi para ser informada do porquê de a contratação não acontecer. Fui empurrada de uma sala para outra sala, para outra sala, e ninguém respondia. Finalmente, fui levada a uma sala ao lado da sala do reitor. Esta sala não tinha janelas, tinha uma porta e duas cadeiras com uma mesinha.
Ali, um senhor, um civil, grisalho, muito bem afeiçoado, me mandou sentar e disse para mim: “Vou explicar para a senhora que esta sala não existe, eu não existo e a conversa que nós vamos ter nunca aconteceu. O professor não pode ser contratado porque ele esteve em um encontro estudantil terrorista, então ele não vai ser contratado, aqui está o processo.” E foi quando eu vi, estava tudo anotado a lápis, com as informações sobre ele vindas do Dops. Ainda me disse: “Eu sei que ele era um lambari, sei que não é um perigo para a segurança nacional, mas ele tem essa ficha e não vai ser contratado.”
E ele foi contratado, evidentemente vocês podem imaginar o barulho que nós fizemos, todo o escândalo que fizemos e o risco que se corria se ele não fosse contratado. Mas, era uma intimidação direta, não tinha algum esconderijo, era direto, na cara. Eu posso, eu tenho o poder, eu faço e você engole.
A manutenção da estrutura da Universidade de São Paulo tal como ela foi feita a partir do Ato Institucional número 5 pela ditadura é algo que tem que ser devassado se nós quisermos democratizar a universidade. Para democratizar nossa universidade, temos que desmontar aquilo que foi feito no final dos anos sessenta e no decorrer dos anos setenta, é uma tarefa imensa que tem que ser feita. E por que ela tem que ser feita? Porque, no momento que há uma hegemonia no estado de São Paulo de um pensamento privatista e de um pensamento neoliberal, a Universidade de São Paulo está sendo regida por estes princípios, por este reitor.
Não é só isso, esse reitor foi formado, teve o aprendizado dele, como dirigente, nesse caldo de cultura da ditadura. Portanto, é essa forma de gestão que explica essa coisa inacreditável, e isso nem a ditadura fez, de por a polícia dentro do campus para espancar os alunos.
E, para encerrar, me disponho a dar meus depoimentos para a Comissão da Verdade. Penso, como os que me precederam, que tem que ser apanhado um período longo, e penso que, como se trata da Comissão da Verdade da Universidade, no caso da Universidade de São Paulo, é preciso contar não só as histórias ligadas à violência de Estado, ao terrorismo de Estado sobre os professores e os alunos, mas a maneira pela qual a universidade foi estruturada para ser um órgão da violência, um órgão do autoritarismo.
Ela foi estruturada com a cabeça da ditadura e é por isso que ela é autoritária. E é isso que a Comissão da Verdade pode mostrar ao desvendar a maneira pela qual essa estrutura foi montada. E Salinas presente, Heleny presente.

* Ato por uma Comissão da Verdade da USP realizado dia 12 de junho na FEA-USP.Fonte: Resvista Fórum, disponível emhttp://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9915. Leia também:  “Chauí emociona público em ato pela Comissão da Verdade da USP”, por Carolina Rovai, disponível em http://www.spressosp.com.br/2012/06/chaui-emociona-publico-em-ato-pela-comissao-da-verdade-da-usp/

terça-feira, 3 de julho de 2012

Livro simboliza união por avanços nos direitos das mulheres


GÊNERO - 02/07/2012
Livro simboliza união por avanços nos direitos das mulheres
Emília Silberstein/UnB Agência
 
O quinto volume da série O Direito Achado na Rua foi lançado neste sábado, em Ceilândia, para apoiar as discussões realizadas no curso Promotoras Legais Populares
Débora Cronemberger - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Fonte:  http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=6788 
As discriminações que prejudicam o exercício da cidadania dos mais diversos grupos sociais só serão superadas por meio de uma revolução cultural na sociedade e do engajamento contínuo dos movimentos sociais por novos avanços em seus direitos. Esta foi a afirmação mais citada por autoridades, representantes acadêmicos e de movimentos sociais que participaram, no sábado 30, do lançamento do livro "Introdução Crítica ao Direito da Mulher", no auditório do Núcleo de Práticas Jurídicas da Universidade de Brasília, em Ceilândia. O livro servirá como material de apoio para o curso Promotoras Legais Populares (leia sobre o projeto aqui), que é realizado no mesmo local.
Representantes do Governo Federal, do Distrito Federal, do Ministério Público e da comunidade acadêmica foram enfáticos sobre a importância de projetos como o Promotoras Legais Populares por seu poder transformador junto às alunas, mulheres de idades e perfis sociais distintos (leia o depoimento de uma aluna formada aqui). Todos saudaram a publicação, que aborda de forma ampla e inédita, com uma linguagem acessível, os mais variados temas relacionados à luta pelos direitos das mulheres. O livro foi organizado pelo reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, pela professora de Direito Bistra Stefanova Apostolova e pela Doutoranda em Direito Lívia Gimenes Dias da Fonseca.
A secretária-adjunta da Secretaria de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, Lourdes Bandeira, alertou que a persistência das desigualdades de gênero implica custos sociais que não prejudicam apenas as mulheres, mas toda a sociedade. Lourdes, que foi coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Mulher da UnB, elogiou o fato de a série O Direito Achado na Rua tornar acessível a compreensão de direitos. "Este é um verdadeiro trabalho de extensão que a Universidade faz, pois atinge quem não teve acesso aos bancos acadêmicos, ajudando-os a serem cidadãos", afirmou, em análise endossada pelo professor de Direito da UnB, Alexandre Bernardino Costa. "O curso de PLP é a realização do ideal de uma universidade, que não deve ser um lugar de produção autocentrado e dirigido para publicações científicas, mas um lugar voltado para atuar junto à sociedade para ajudá-la a evoluir", disse o professor.
INSTRUMENTALIZAÇÃO - A secretária da Mulher do Distrito Federal, Olgamir Amancia Ferreira, disse que o livro instrumentaliza a luta pela superação das desigualdades de gênero. "Existe uma negação histórica dos direitos da mulher. É uma batalha constante pelo direito a uma educação não sexista, a salários equivalentes aos dos homens, pela autonomia em relação à reprodução", relatou Olgamir, militante da causa feminina desde os trabalhos da Assembleia Constituinte de 1988. Ela aponta avanços nessa luta, dentre os quais destaca a própria criação da Secretaria da Mulher do Distrito Federal, no início de 2011.
Emília Silberstein/UnB Agência
 
"A participação de mulheres na população do Distrito Federal é de 52,5%, maior do que a média do país, em torno de 51%. Há indicadores interessantes que mostram que a mulher busca estratégias para superar a subjugação. Ela se qualifica mais, estuda mais, e para ganhar salários menores que os homens. Além disso, a mulher mantém as responsabilidades do trabalho doméstico, o que faz com que ela chegue a ter uma tripla jornada: estudos, trabalho no mercado e trabalho em casa", conta Olgamir.
Segundo ela, a libertação da mulher passa necessariamente por uma maior oferta de equipamentos públicos, como creches e restaurantes comunitários, e pela compreensão de que o trabalho doméstico deve ser coletivo. "Há quem ache que a mulher não participa mais de sindicatos ou associações políticas por falta de interesse. Mas elas têm de lidar com sérias dificuldades. Muita gente que aceita dividir o trabalho doméstico diz que faz isso para "ajudar a mãe". Não é para ajudar a mãe. A responsabilidade não é só dela, é de todos", enfatiza.
ENTUSIASMO - O reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Junior, um dos organizadores do livro, relembrou com satisfação a gestação do Promotoras Legais Populares. "Pude participar do início desse projeto há sete anos, quando fui procurado por um grupo de alunos da Universidade. Discutimos um programa de capacitação em Direitos Humanos e gênero, de forma a trabalhar a percepção do jurídico para além dos livros, baseado na experiência da sociedade", afirmou. Ele ressaltou a parceria da Universidade com o Ministério Público do Distrito Federal para a viabilização do PLP. "A equipe de coordenação do curso está centrada na UnB e no Ministério Público. Talvez não pudéssemos manter o programa com essa continuidade sem essa parceria, o que dá ao curso um relevo que só a Universidade não daria", enfatizou.
A promotora Danielle Martins Silva, coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público do Distrito Federal falou sobre a origem dessa parceria com a UnB. "Assim que entrei no Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público, tive uma conversa com o reitor José Geraldo. Ele me falou do PLP com tanto entusiasmo que eu tive de me engajar. O Ministério Público não poderia estar fora de algo assim. Hoje as instituições são parceiras inseparáveis", contou.
Danielle disse que a participação no PLP foi um divisor de águas em sua carreira. "Quando entrei no Ministério Público, não sabia nada de questões de gênero. Quando tive contato com esse mundo, foi uma revolução para mim e vi que eu não queria ser uma promotora de gabinete. Eu tinha de me colocar como um canal da comunidade, mas para isso eu tinha de conhecer essa comunidade, ficar mais próxima dela."
Emília Silberstein/UnB Agência
 
Danielle elogiou o engajamento de Lívia Gimenes para o aprimoramento do projeto. "Ela está aqui todos os sábados, é uma idealista e é a grande homenageada no dia de hoje por sua atuação no fortalecimento do PLP", disse Danielle. Lívia foi muito aplaudida, o que provocou uma brincadeira do reitor com os demais integrantes da mesa: "Vamos ter de nos esforçar muito para não ficar atrás nos aplausos". Lívia agradeceu o carinho, mas fez questão de ressaltar o trabalho coletivo que resultou no sucesso do curso e do livro. "Sempre ouvimos de todos os colaboradores um sim carinhoso", disse.
REPRESENTATIVIDADE - A abrangência da mesa do lançamento mostrou bem a representatividade de esforços em torno da redução de quaisquer discriminações sociais. Também participaram do lançamento a coordenadora de Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Marga Janete Ströher, o especialista em Gestão de Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério da Educação, Lucas Ramalho Maciel, e o secretário nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Antônio José do Nascimento Ferreira.
O livro, o quinto volume da série "O Direito Achado na Rua", contou com a participação de 61 especialistas e ativistas sociais, será o texto-base para o curso Promotoras Legais Populares, criado no Distrito Federal em 2005 como um projeto de extensão da UnB.
MULHERES - 02/07/2012
Emília Silberstein/UnB Agência
 
O que é o projeto Promotoras Legais Populares
Criado na Universidade de Brasília como um projeto de extensão, em 2005, o PLP terá como texto-base o quinto volume da série O Direito Achado na Rua
Débora Cronemberger - Da Secretaria de Comunicação da UnB
O Projeto Promotoras Legais Populares foi concebido originalmente na década de 1980 por organizações feministas e de mulheres da Argentina e do Peru. A partir de 1993, sua proposta e metodologia passaram a ser incorporadas por organizações feministas e de mulheres brasileiras. Os primeiros cursos de formação ocorreram no Rio Grande do Sul e em São Paulo e, atualmente, o Brasil conta com cerca de 20 organizações em todas as regiões do país que desenvolvem cursos e projetos de formação de promotoras legais populares e educação jurídica popular.
Os Cursos de Promotoras Legais Populares realizados no Brasil integram as especificidades de cada região, mas têm em comum o objetivo de promover espaços de capacitação exclusivos para mulheres, nos quais são abordadas noções de direito, gênero e cidadania, com vistas a fortalecer o enfrentamento da violência contra as mulheres e promover o acesso à justiça.
O livro “Introdução Crítica ao Direito da Mulher”, lançado nesse sábado no Núcleo de Práticas Jurídicas da UnB, em Ceilândia, será o texto-base do PLP. Ele é o quinto volume da série O Direito Achado na Rua, criado em 1987 sob a forma de um curso de extensão universitária à distância. O primeiro volume, Introdução Crítica ao Direito, abordou o Direito de forma ampla. Os volumes seguintes apuraram o foco em áreas específicas: Direito do Trabalho, Direito Agrário, Direito à Saúde e, agora, Direito das Mulheres.
Durante o lançamento do livro sobre o direito das mulheres, Lívia Gimenes, umas das organizadoras da obra e uma das coordenadoras do curso de PLP, escolheu homenagear os parceiros desses projetos dedicando a eles o poema “Chuva Caminhar”, do poeta brasiliense Carlos Augusto Cacá:
“É bom lembrar como aprendi a caminhar.
A cada tombo percebia o duro chão.
Mas não desiste quem enxerga a lhe esperar
Sorriso aberto, esparramado coração.

Mão estendida à minha mão me dava o prumo.
Ainda assim, não impedia o novo tombo.
Apoio apenas, quando ainda é alto o ombro,
Deixando claro serem meus o risco e o rumo.

Se ainda hoje o meu destino é tão distante,
Já me conforta a cada passo estar mais perto.
O importante é escolher o rumo certo.

Na companhia de incontáveis caminhantes,
Sigo seguindo, solto o passo e vou adiante,
Cabeça erguida, pés no chão e peito aberto”.
GÊNERO - 02/07/2012
Emília Silberstein/UnB Agência
 
"Sonho que se sonha junto é realidade"
A líder comunitária Rosa dos Santos formou-se como promotora legal popular em 2011 e quer viabilizar o projeto em Águas Lindas
Débora Cronemberger - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Uma personagem que roubou a cena durante o lançamento do livro “Introdução Crítica ao Direito da Mulher” foi Rosa Maria Silva dos Santos, que se formou como promotora legal popular no ano passado. Rosa foi incentivada pelas participantes do curso a falar em nome delas durante o lançamento. Desenvolta e bem humorada, Rosa se disse muito emocionada com a democracia daquele espaço. Além dos integrantes da mesa do lançamento, diversos colaboradores que escreveram para o livro foram convidados a dizer algumas palavras.
“Tenho o privilégio de, com quase 60 anos de idade, continuar me esforçando para melhorar a vida de outras mulheres”, afirmou. Participar do curso Promotoras Legais Populares em Ceilândia não foi exatamente fácil para essa moradora de Águas Lindas. Ela soube desse projeto quando fazia um curso de educadora popular pelo Centro Cultural de Brasília (CCB), na 601 sul. “Acho que no começo quiseram barrar minha inscrição aqui no PLP. Talvez não acreditassem que uma mulher de idade, usando bengala, teria condições de frequentar o curso por um ano. O que eles não sabiam é que nordestino é bicho teimoso”, disse Rosa, que é de São Luís do Maranhão.
Ela não apenas frequentou todo o curso como foi escolhida oradora das formandas do PLP de 2011. Ela abriu seu discurso se declarando “uma mulher de programa” para explicar, em seguida, que coordenava o programa “Águas Lindas em revista”, em uma rádio comunitária local. Ela afirmou que cuida de casa sozinha desde que o marido “morreu de parto”. “Ele simplesmente partiu”, ela disse, fazendo as pessoas rirem.
Atualmente, Rosa preside o Conselho Municipal do Direito da Mulher de Águas Lindas, atuação que é muito inspirada pelo aprendizado que recebeu no curso de Promotoras Legais Populares. Seu sonho é viabilizar o projeto em sua cidade. “Quando Dilma, a primeira presidenta do país, tomou posse, ela falou uma frase que me marcou muito: ‘sim, nós podemos’. Acredito nisso, da mesma forma que acredito nesse verso de uma música: sonho que se sonha só é só um sonho; sonho que se sonha junto é realidade”.

domingo, 1 de julho de 2012

O Direito Achado na Rua vol. 5


Edu Lauton/UnB Agência
Livro fortalece debate nacional sobre direito das mulheres
Quinto volume da série O Direito Achado na Rua será lançado nesse sábado 30, no Núcleo de Práticas Jurídicas, em Ceilândia
Débora Cronemberger - Da Secretaria de Comunicação da UnB

No Brasil, o conceito de “homem público” está associado à atuação política e valores respeitáveis. A expressão “mulher pública”, por sua vez, denota uma mensagem pejorativa, pois costuma ser usada para rotular mulheres ligadas à prostituição. O reitor da Universidade de Brasília, José Geraldo de Sousa Junior, usa esse paradoxo semântico para defender que o direito feminino, apesar das conquistas recentes, tem muito a avançar no país. O desafio é a base do livro “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres”, o quinto volume da série O Direito Achado na Rua, que será lançado neste sábado, às 9h, no Núcleo de Práticas Jurídicas da UnB, em Ceilândia.
Organizado por José Geraldo, pela professora da Faculdade de Direito Bistra Stefanova Apostolova e pela doutoranda em Direito Lívia Gimenes Dias da Fonseca, o livro será o texto-base do curso de extensão Promotoras Legais Populares, voltado para mulheres e realizado no Núcleo de Práticas Jurídicas. A publicação conta com a colaboração de 61 especialistas e ativistas de movimentos sociais.
Os artigos foram divididos em quatro unidades temáticas: o curso de Promotoras Legais Populares no Brasil; fundamentos sociopolíticos das lutas das mulheres; organização do Estado: o acesso à justiça e o enfrentamento à violência contra a mulher. “Aqui no Brasil, como em qualquer país, há um elevado grau de segregação da mulher. Os benefícios de um trabalho para o empoderamento feminino alcançam os mais variados setores: a infância, a política penitenciária, a família, entre outras. Há um impacto positivo em toda a sociedade”, afirma José Geraldo.
Criado em 1987 sob a forma de um curso de extensão universitária à distância, o projeto O Direito Achado na Rua foi elaborado por pesquisadores do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos, com apoio da então Coordenadoria de Educação a Distância do Decanato de Extensão – hoje chamada de Centro de Educação a Distância (CEAD-UnB). O primeiro volume, Introdução Crítica ao Direito, abordou o Direito de forma ampla. Os volumes seguintes apuraram o foco em áreas específicas: Direito do Trabalho, Direito Agrário, Direito à Saúde e, agora, Direito das Mulheres.
CULTURA - José Geraldo ressalta que de 1988 para cá houve várias conquistas para o direito da mulher no País. “O Direito Constitucional, por exemplo, mudou a configuração do elemento contratual do casamento. Em 1988, o afeto passou a ser considerado o elemento definidor da união”, diz o reitor. Com essa mudança, ajustou-se o conceito de família protegida pela Constituição Federal. Outros marcos que ele aponta são a legislação eleitoral, de 1997, que destina no mínimo 30% das vagas de candidatos às mulheres, e a lei Maria da Penha, de 2006, que aumenta o rigor das punições das agressões contra a mulher quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar.
Afora a atualização necessária das normas legais, José Geraldo afirma que o fortalecimento do direito das mulheres depende de uma transformação muito mais profunda. “Do ponto de vista legislativo, avançamos muito e os tribunais superiores têm tido cuidado para que a lei não seja esvaziada na sua promessa. Porém, precisamos de uma mudança cultural, de mentalidade, e um dos temas que o livro trabalha é a questão da linguagem inclusiva. Há mudanças necessárias no plano da semântica, que expressa uma hierarquia social”, enfatiza, citando o exemplo das expressões “homem público” e “mulher pública”.
CURSOS - A professora Bistra Stefanova Apostolova, uma das organizadoras do livro, diz que a publicação tem como objetivo servir de material de curso para dois projetos: o Promotoras Legais e também um curso a distância. Produzido pelo Centro de Educação a Distância da UnB, o curso deve ser formatado no segundo semestre para atualizar alunas já formadas pela Promotoras Legais de todo o Brasil.
Para a professora, a maior importância do livro é ajudar a fortalecer projetos como o Promotoras Legais, que busca a prevenção da violência contra a mulher. “Considero a violência o principal problema do Brasil. Muitas pessoas esperam medidas contra a violência por parte da polícia ou dos governos, mas a comunidade também precisa se transformar”, avalia a professora, que é coordenadora do Promotoras Legais de Ceilândia.
Bistra acrescenta que é visível a mudança entre as mulheres que participam do programa. “Esse curso é longo, com aulas todos os sábados de manhã. É muito bom perceber uma mudança de postura entre as alunas que se formam. Elas assumem um discurso mais afirmativo, com uma consciência maior das opressões não só em relação às mulheres, mas também em termos de classe e de raça. Com esse livro, espero que os movimentos sociais tenham novos elementos para aumentar a mobilização na tentativa de frear esse problema da violência no país.”
O PLP é um projeto desenvolvido em vários Estados. Ele foi criado no Distrito Federal como um projeto de extensão da UnB em 2005, quando um grupo de estudantes leu um artigo sobre esse projeto, que já havia sido implantado no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Os estudantes convidaram o professor José Geraldo de Sousa Junior para ser o orientador do grupo de educação jurídica popular feminista. O projeto já formou mais de 300 promotoras legais populares no Distrito Federal.
TRANSFORMAÇÃO - Uma aluna já formada pelo PLP de Ceilândia confirma a análise feita pela professora Bistra sobre o poder transformador desse curso. Leila Rebouças, da ONG Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), formou-se como promotora legal popular em 2007. “Pude ter acesso a muitas informações que eu desconhecia. Foi ali que me percebi como sujeito político e de direito e me reconheci como feminista - não uma feminista acadêmica, mas de comunidade”, conta.
Lívia Gimenes Dias da Fonseca, que também organizou o livro, vem direcionando seus estudos na temática da mulher. Após a graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), com monografia sobre mulheres encarceradas, Lívia fez mestrado na UnB sobre o PLP. Agora, desenvolve um doutorado com foco em mulheres indígenas. “O melhor desse livro sobre o Direito da Mulher é que resulta de um projeto coletivo. Foi muito bom observar o envolvimento e o carinho que nossos parceiros tiveram com esse projeto. Todos se dispuseram a uma reflexão de qualidade pela causa”, enfatiza. “Finalmente temos um material com linguagem mais acessível sobre temas fundamentais para o Promotoras Legais, que atende a mulheres de todos os perfis.”
Leila Rebouças acredita que o livro vai beneficiar muito as participantes do programa e reforça que gostou tanto do curso que recomenda todas as conhecidas a participarem. “Para muitas mulheres, participar de um curso como esse é muito difícil. Muita gente tem de pegar dois ônibus para passar a manhã inteira do sábado em aulas, durante quase um ano. Mas as mulheres já passam por tantos sacrifícios diariamente, e geralmente em nome de outras pessoas... Manter a frequência no curso pode até ser difícil, mas vale a pena. É um sacrifício não por outras pessoas, mas por nós mesmas.”

SERVIÇO
Lançamento do livro “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres”
Data: sábado, 30 de junho
Horário: 9h
Local: Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ-UnB), em frente à estação do metrô Ceilândia Centro.