terça-feira, 16 de outubro de 2012

Sexto volume do Direito Achado na Rua é lançado na sede da Opas


DIREITO - 15/10/2012
Mariana Costa/UnB Agência
 
O livro El Derecho desde la calle: Introducción critica al Derecho a la salud - edição revista, ampliada e traduzida do quarto volume da série - é base para cursos em toda a América Latina
Jairo Macedo - Da Secretaria de Comunicação da UnB
“Muito mais do que um livro ou um curso, um instrumento para descobrir o que é o direito sanitarista na América Latina.” Assim Félix Rigoli, gerente da área de sistemas de saúde da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS), define o livro El Derecho desde la calle: Introducción critica al Derecho a la salud, sexto volume da série O Direito Achado na Rua, lançado na sede da Opas/OMS nessa segunda-feira, 15. Resultado de uma parceria entre o Centro de Educação à Distância da Universidade de Brasília (Cead/UnB), a Fiocruz Brasília e a Opas/OMS, o livro constitui o texto-base para curso internacional à distância.
Surgida na Universidade de Brasília ainda em 1987, a série O Direito Achado na Rua vem trazendo uma significativa diversidade de temáticas – de direito agrário a direito das mulheres, passando pelos campos associados a trabalho e a saúde -, sempre do ponto de vista de quem trabalha pelo social e vê o direito como íntima relação com os cidadãos – "a tal rua metafórica", conforme explica Maria Célia Delduque, coordenadora do Programa de Direito Sanitário da Fiocruz Brasília (Prodisa) e principal organizadora do livro. "Pegamos o Direito Achado na Rua, um projeto da Faculdade de Direito, em que se valoriza esse direito construído dos movimentos sociais. Essa figura de linguagem vem ao encontro de quem representa a busca pela democratização da saúde, como associações de pacientes, gestores de hospitais e ONGs vinculadas à área", afirma. O livro é uma reedição do quarto volume da coleção, lançado em 2009, que trata do direito de universalização e democratização da saúde.
Com o gancho do projeto da Faculdade de Direito, a Prodisa construiu, há dois anos, o programa Introdução Crítica ao Direito da Saúde. Inicialmente voltado para o Brasil, e em língua portuguesa, a iniciativa se transformou em um curso à distância a partir da parceria com o Cead/UnB, o que possibilitou o acesso de 1.800 alunos, especialmente voltado para profissionais de Direito. "Foi quando a Organização Pan-Americana da Saúde nos colocou o desafio de transformar esse curso, que tinha sido um grande sucesso, em um programa voltado para toda a América Latina", conta Maria Célia Delduque. A ideia inicial era somente traduzir aquele texto original para a língua espanhola e distribuí-lo pelos países, mas a ideia se expandiu. "Consideramos que melhor seria juntarmos, em uma mesma oficina internacional, autores, sanitaristas e juristas latinoamericanos, de forma a estabelecer as bases para um livro e um curso que atendam à realidade desses países", afirmou.
Mariana Costa/UnB Agência
 
AMBIÇÃO - "É um trabalho ambicioso, no melhor dos sentidos. Quer alcançar 40 mil alunos e, mais do que isso, globalizar a discussão e instrumentalizá-la para a prática de fato", avaliou o reitor José Geraldo de Sousa Junior, presente no lançamento. Maria Célia Delduque apontou também que, em se tratando de saúde, não poderia ser de outra maneira. "O direito à saúde no Brasil nasceu assim, nas ruas, com movimento sanitarista brasileiro. Eles lutaram pela saúde e levaram esse direito até a Assembléia Nacional Constituinte, conseguindo inscrever, no artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado", conta a organizadora do livro. Alexandre Bernardino Costa, professor da Faculdade de Direito, autor e organizador do volume original em português, ressalta a confluência de interesses. "Uma forma de denominar o Direito Achado na Rua seria um trabalho de perspectiva teórica de construção social do direito. Este direito que emerge das lutas sociais, dos movimentos de protagonistas da construção de novos direitos."
Dessa forma, em novembro de 2010 foi realizada, na mesma sede da Opas em que ocorreu o lançamento do livro, uma grande oficina reunindo 23 universidades de 18 países. "Lembro-me perfeitamente dessa oficina como um dos momentos mais ricos de discussão e proposição de soluções. Avançamos muito na articulação da saúde coletiva e do direito universal. O livro, como produto final, é prova disso", relembra Márcio Florentino Pereira, professor adjunto do Departamento de Saúde Coletiva da UnB e um dos autores e organizadores do livro. O reitor José Geraldo também enfatizou esse período: "Esse momento foi fundamental. Foi ali naquela oficina que se concretizou essa temática de integração de interesses, aliamento entre áreas de Direito e Saúde e proposição de políticas públicas”. Na oficina de 2010, decidiu-se pela criação do livro e do curso, o que confere a urgência do texto na língua da maioria dos envolvidos.
Ao longo de 2011, autores de países como Chile, Guatemala, Argentina e Brasil auxiliaram na formulação de artigos para o livro, tentando incorporar os desafios em comum na temática de direito sanitarista e de melhorias em políticas públicas de saúde. Uma turma piloto foi composta com alunos de Brasil, El Salvador, Costa Rica e Argentina, todos formados em Direito e com atuação direta ou indireta na área de saúde, seja como advogados, gestores, agentes de ministérios ou consultores jurídicos. No último momento, surgiu a participação da Espanha. “Isso no momento de crise econômica naquele país, o que tem impacto no direito à saúde e sanitarismo deles, que antes era universal, gratuito, e agora pode passar por problemas”, observa Maria Célia Delduque. O curso tem 90 horas, 100% delas à distância, e o livro está disponível virtualmente, em formato e-book, nos sites do Cead/UnB, Opas/OMS e Fiocruz. O acesso é irrestrito: qualquer pessoa pode baixá-lo gratuitamente. A primeira turma se forma no fim de 2012.
DIFUSÃO – Participando diretamente da coleção de livros desde a sua gênese, o reitor atestou ainda a expansão do movimento Direito Achado na Rua. "Era um programa de extensão no início e hoje representa um grupo de pesquisa e linhas de pesquisa de pós-graduação em direito. Configurado em uma série, alcança agora um momento de grande expressão porque se internacionaliza. Essa edição em espanhol atende a uma expectativa de diálogo de dimensão continental". José Geraldo não teme por possível descaracterização do plano inicial. Ao contrário, acredita que "o Direito na Rua pode perder em densidade a princípio, porque não abarca somente os problemas de Brasília e do Brasil, mas ganha em difusão. É preciso enfrentar os problemas da América Latina quanto à universalização do acesso à saúde e a base teórica para isso é fundamental".
"Esse livro e o curso significam uma inserção muito maior. É desafiador e fascinante alcançar milhares de alunos na América Latina e discutir suas demandas sociais", endossa Alexandre Bernardino. Para ele, o tema de maior urgência na área é mesmo dessa amplitude. "A universalização e a democratização do direito da saúde é o principal. Quando falamos de direito, estamos falando de política de patentes de laboratório, por exemplo. Falamos também da possibilidade de melhorias da cultura de saúde centrada não só no ambiente hospitalar, mas também de saúde familiar, coletiva e social", complementa.
JUDICIALIZAÇÃO - Mais do que isso, para Alexandre Bernardino e Maria Célia Delduque, é fundamental discutir a judicialização das políticas de saúde na América Latina. "Hoje a judicialização é um fenômeno que vem acontecendo pela América Latina, de forma bastante grave em países como Argentina, Colômbia e Brasil. As pessoas vem acorrendo ao Poder Judiciário para obter ações e serviços de saúde. Mesmo a Espanha, onde esse fenômeno ainda não acontece, estudiosos dizem que, em vistas das crise econômica e dos consequentes cortes de direitos sociais, muitos vão acorrer ao judiciário para garantir seus direitos sociais", afirmou Maria Célia. "É fundamental discutir", concordou Bernardino, "principalmente por colocar a demanda por direitos da saúde no centro da discussão. Evidentemente, o atendimento isolado, sem a visão de um todo por parte dessa magistratura, pode gerar complicações em relação à administração pública do direito da saúde. Isso não significa que o Judiciário vai deixar de atuar, mas que temos de encontrar mecanismos para que todos usufruam do direito à saúde", acrescentou. Em El Derecho desde la calle, vários dos 28 artigos estudam essa nova perspectiva, inclusive um de autoria da própria Maria Célia Delduque - junto a Silvia Badim e Karen Vargas -, intitulado Judicialización de Las Politicas de Salud em America Latina.
Maria Célia ressalta ainda a questão da propriedade industrial e patentes farmacêuticas nesses países em desenvolvimento. “É um assunto que afeta a todos nós, uma vez que alguns países não dispõem de verba para pagar essas patentes e obter remédios para certas doenças. O fato de que pessoas carentes não tenham acesso ao que pode salvá-los guarda relação direta com o direito à saúde", finalizou.

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