terça-feira, 31 de dezembro de 2024

 Carta de Viagem, Camila Gomes

Puglia, Itália, 31 de dezembro de 2024 

 

Querido professor José Geraldo,

 

Escrevo esta carta diretamente da Itália, onde estamos eu e Flor. Estamos no salto da bota, onde fica a região chamada Puglia. Chegamos em outubro e retornaremos daqui a pouco dias, no início de janeiro. Viemos juntas para uma aventura de 90 dias, o tempo que podemos ficar por aqui sem visto. Aqui temos pouso e pessoas queridas, daí a escolha do destino. Estamos uma cidade pequenininha, com cerca de 15 mil habitantes, na província de Lecce.  

Escrevo para mandar notícias (inclusive sobre o avançar do projeto de doutorado) e para desejar um bom final de ano e boas festas.

Restaurando a esperança ...

Desde que me mudei para Brasília (em 2011), mas mais intensamente desde o golpe de 2016, eu vinha num ritmo de trabalho cada vez mais acelerado. Sentia que, como advogada popular, dizer sim para as lutas que estavam colocadas era a contribuição que podia dar. E assim foi: denúncia internacional do golpe, #ForaTemer, assassinato da Marielle, #EleNão, ... Aí veio Bolsonaro, e era hora de dizer mais sim, afinal as batalhas eram tantas. Denúncias internacionais, pedidos de impeachment, tantas idas ao Supremo... Pensava sempre na música nos Novos Baianos: era preciso “jogar o corpo no mundo”.  

Aí veio a pandemia e levou minha mãe. Meu pai disse: morreu uma mulher, mas é como se tivéssemos perdidos 50 soldados nessa guerra que travamos por um mundo melhor. Foi um golpe muito duro, talvez nunca nos recuperemos. O único remédio que eu conhecia era continuar trabalhando. Aumentei o ritmo.

Olhando para trás, sinto-me feliz pelo caminho que trilhei. Ou, como diz, a poeta Ryane Leão, feliz com “a mulher que batalhei para ser”. Mas eu sabia, no íntimo, que precisava de uma pausa, um repouso para restaurar o ânimo, o entusiasmo, para cuidar da esperança. Como diz você, para cuidar da minha reserva utópica. Era urgente. Assim fiz: vendi o carro, fechei o apartamento e pegamos o avião. Aos olhos do mundo, parecia às pressas, mas era uma necessidade que me acompanhava fazia tempo, um plano secreto, alimentado por bastante tempo.  

Os três meses passaram rápido, mas foram intensos e bons. No primeiro mês, trabalhei intensamente fechando as atividades com a Terra de Direitos e o Conselho Nacional de Direitos Humanos, enquanto ajudava Flor na adaptação na escola. No segundo mês, descansei e voltei a praticar esporte, ginástica e corrida. Agora em dezembro, terceiro mês, voltei a fazer planos, o que, dada as circunstâncias, é algo valiosíssimo. Precisava restaurar o ânimo para conseguir projetar os novos passos.

Agora, com o corpo mais descansado, tenho pensado muito (e trabalhado um pouco) no projeto do doutorado.

Revisitei alguns estudos antigos, reli o artigo que fiz na sua disciplina nos idos de 2015 (quando achei no Direito Achado na Rua o referencial teórico pelo qual eu poderia caminhar, o caminho que me faltava para andar na academia), reli trechos da minha dissertação de mestrado, ... Sabia que o projeto de doutorado tinha a ver com a minha trajetória profissional, mas, vendo esses materiais, percebi que também tem conexão com estudos anteriores. Juntar esses dois aspectos com uma inquietação genuína e paixão pelo tema parece um caminho alvissareiro.

Bem, professor, espero que esta carta o encontre bem, com saúde, entusiasmo e projetos para o próximo ano.

Retornamos dentro de alguns dias e farei contato para marcarmos um café.

Desejo um final de ano tranquilo e um feliz ano novo!

Um abraço!

 

Camila

 

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