José Geraldo de Sousa Junior
Bem ao final de 2007 a Faculdade de Direito
da UnB recebeu da ABEDI – Associação Brasileira de Ensino do Direito, o prêmio Roberto Lyra Filho de Ensino Jurídico. A
solenidade teve lugar no Ministério da Justiça em Brasília, por ocasião da
abertura do Congresso 180 Anos do Ensino
do Direito no Brasil e a Democratização do Acesso à Justiça.
É,
no mínimo curioso constatar, com a premiação, o reconhecimento expresso na
escolha do nome e no balizamento construído em uma obra, que revelam a
atualidade de pensamento de um jurista
brasileiro singular, às vezes rejeitado no próprio ambiente em que sua
contribuição mais nitidamente foi formulada.
Com
efeito, embora seja notável a recepção das idéias do Professor Roberto Lyra
Filho para o conhecimento do Direito (Para
um direito sem dogmas, publicado por Sergio Fabris Editor, 1978) e para o
seu ensino (O Direito que se ensina
errado, publicado em Brasília pela Editora Obreira/Centro Acadêmico de
Direito da UnB, 1980), forte na concepção de que o Direito não é norma, mas
antes “a enunciação dos princípios de uma
legítima organização social da liberdade”, é ali onde mais firmemente essas idéias frutificaram, a ponto de
hoje conformarem a mais antiga linha de pesquisa certificada pelo CNPq na área
de Direito (Plataforma Lattes) e, portanto, do maior número de dissertações e
monografias aprovadas e publicadas, sendo ainda denominação de matérias na
graduação e na pós-graduação, que se arma um tipo de objeção à continuidade
fecundante dos pressupostos dessas idéias, ou pelo menos, de sua atualidade.
A
crítica epistemológica, esta sim, razoável e salutar, é oportuna. Aqui mesmo,
no espaço desta coluna, já travei enfrentamentos neste campo (Na rua a construção da cultura de cidadania,
Revista do Sindjus nº 35, nov/2006; O
direito como liberdade e consciência, Revista do Sindjus, nº 36, dez/2006).
Mas esta outra crítica, difusa e generalizante, de que a morte do autor data
suas idéias e que sua interlocução seletiva produz o efeito de represamento das
idéias, perde de vista que toda e qualquer obra de inteligência se projeta pela
força do filosofar do sujeito pensante, sua aptidão para compartilhar e fazer
trocas intelectuais e pelo impulso antecipatório que contém. O que se retém no
tempo é o lastro dos filosofemas, contidos
nas circunstâncias de tempo e lugar. A dialética vai além de Hegel e de Marx. A
noção de anomia, eu próprio escrevi em um trabalho (Para a crítica da eficácia do direito, Fabris, 1981), tem sentidos
não previstos por seus próprios formuladores – Durkheim, Merton, Duvignaud - e
que se prorrogam para além de seu modo de pensar.
Lyra Filho tem
um pensamento dialógico – ao contrário do solipsismo que estas mesmas objeções
insistem em lhe atribuir – e por isso encontrou uma interlocução formidável,
sobretudo ao se prorrogar na fortuna crítica do projeto coletivo “O Direito Achado na Rua”, num rico
intercâmbio local entre alunos e professores formados na vertente de seu
humanismo dialético; nacional, no arranque da crítica jurídica ao positivismo e
ao conformismo de reprodução às vezes erudita; e internacional, com registros
marcantes em Boaventura de Sousa Santos, J. J. Gomes Canotilho, Elias Diáz,
Sanchez Rubio, Herrera Flores, André-Jean Arnaud, entre tantos.
Por isso Sara
Cortes indica bem, em cuidadoso estudo acerca das perspectivas históricas do
pensamento deste autor (A ‘dignidade
política do direito’ e a ‘dignidade jurídica da política’. No caminho de
Roberto Lyra Filho, Estudos de Direito Público/Direitos Fundamentais e
Estado Democrático de Direito, Editora Síntese/Faculdade de Direito da UnB,
2003), que a afirmação de superação ou de represamento de suas idéias pode, em
certas circunstâncias, proceder de juristas que procuram afastá-lo muito
comumente porque não se deram ao trabalho de o estudar ou o absorver no processo dialético, em vista da violência que vivemos nos anos
90, especialmente, na construção do conhecimento, com o celebrado fim das
utopias, o fim da história e instalação de um pensamento único.
Até aí pode-se
admitir legitimamente objeções. O alarmante será se, em face das demandas
emancipatórias que este modo de pensar carrega para orientar ações com impulso
de transformação do mundo, as objeções ganhem alcance de veto para obstruir
projetos sociais, políticos ou acadêmicos.
(*) Publicado em Idéias para a Cidadania e para a Justiça, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 2008, págs. 115-116 e, originalmente na Coluna de José Geraldo de Sousa Junior, na Revista SindjusDF,
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