Aspectos Introdutórios
O
impulso que motiva esse artigo direciona-se à uma revisão panorâmica da teoria
crítica de direitos humanos do autor espanhol Joaquín Herrera Flores,
analisando com uma leitura própria as diversas minúcias e pontos estabelecidos
pelo autor ao longo de sua vasta produção bibliográfica.
Dessa forma, éimportantecompor a teoria crítica de
direitos humanos em eixos temáticos de estudo, tanto para fim pedagógico, mas
também para fim organizacional, mapeando a teoria em alguns pontos estruturais.
Assim sendo, é necessário mencionar que tais construções são próprias de tal
ensaio e não construções do autor espanhol.
Ao analisarmos tal teoria, importante ter por
base algumas premissas estabelecidas pelo autor espanhol, quais sejam: a
contraposição à concepção universalista de direitos humanos, a contrariedade a
razões transcendentais para explicação dos mesmos, a ideia de que estes estancam-se
e realizam-se pela sua positivação, e a descontextualização
ou ahistoricidade, que é proposta pela teoria tradicional de direitos
humanos.
Antes de estudar cada ponto teórico, é
importante situar e contextualizar o que tal teoria entende por concepção
crítica, ou seja, o que ela entende e porque acredita relevante para o papel da
crítica no estudo dos Direitos Humanos:
Criticar não consiste em destruir
para criar ou em negar para afirmar. Um pensamento crítico é sempre criativo e
afirmativo. E, ao afirmar e ao criar, distanciamo-nos daquilo que impede a
maioria dos seres humanos de exercer suas capacidades genéricas de fazer e
apresentar alternativas à ordem existente. Portanto, ser crítico exige afirmar
os próprios valores como algo necessário a implementar lutas e garantias com
todos os meios possíveis e, paralelamente, mostrar as contradições e as
fraquezas dos argumentos e as práticas que a nós se opõem. É preciso afirmar as
fraquezas de uma ideia, de um argumento, de um raciocínio, inclusive dos
nossos, quando não forem consistentes, tentando corrigi-los para reforçá-los.
Isso, porém, não nos deve dirigir unicamente à destruição daquilo que não nos
convém como resultado de uma paixão cega, mas à prática de uma ação racional
necessária para podermos avançar (FLORES, 2009, p.66).
É assim, portanto, que a teoria assume sua
postura enquanto pensamento, analisando as fraquezas da teoria tradicional de
direitos humanos e avançando sem rompimentos totalitários, sem desconstrução de
conquistas alcançadas, reconhecendo que logros foram atingidos e não cabe a
concepção nova partir de um ponto zero.
Ao falar sobre a sustentação da Teoria Crítica
dos D.H., Herrera Flores define da seguinte forma:
Una
teoría critica del derecho debe sostenerse, pues, sobre dos pilares; el
reforzamiento de las garantías formales reconocidas jurídicamente, pero,
asimismo, en la capacidad de los grupos mas desfavorecidos por el ordenamiento
jurídico en su globalidad a trasladar las relaciones de fuerza a zonas con
menos resistencia legal.. Es decir, al unir la crítica social a la críticaartística,
la fuerza del derecho se manifiesta básicamente en la posibilidad que tengamos
de huir de sus propias constricciones con el objetivo de crear nuevas formas de
garantizar los resultados de las luchas sociales (FLORES, 2005b, p.27).
Nota-se a preocupação do presente pensador com a
não destruição das garantias e das conquistas logradas, principalmente no que
tange ao reconhecimento jurídico positivado, o qual, por sua vez, interpretado somente
como força legal, sendo um dos marcos da crítica ao sistema tradicional.
No entanto, é claro que o autor espanhol vê
valor e importância no que já foi alcançado. Dessa forma, apresentaremos ao
longo do estudo os avanços e mudanças propostos pelo autor, os quais partem
dessa base conquistada anteriormente, expondo as fragilidades do sistema
vigente para propor nova forma de compreender os Direitos Humanos.
Destarte, é fundamental a ideia perpetuada pelo autor no que tange
atingir uma compreensão complexa de direitos e, é claro, envolvendo aí os
Direitos Humanos. Assim, é necessário que se tome uma postura periférica, ou
seja, distante do centro, compreendendo os fenômenos de forma diferenciada.
O autor
desenvolve seu raciocínio, explicando porque devemos nos posicionar de forma
distinta, para fugirmos do padrão do que se entende comumente e buscarmos,
então, uma atitude crítica em relação ao dominante:
Por essa razão, a visão complexa
dos direitos aposta em nos situarmos na periferia. Só existe um centro, e o que
não coincide com ele é abandonado à marginalidade. Periferias, entretanto,
existem muitas. Na verdade tudo é periferia, se aceitamos que não há nada puro
e que tudo está relacionado. Uma visão dos fenômenos a partir da periferia nos
indica que devemos deixar a percepção de 'estar em um entorno" como se
fôssemos algo alheio ao que nos rodeia e que deve ser dominado ou reduzido ao
centro que inventamos. Não estamos no entorno. "Somos o entorno".
(FLORES, 2009, p.157).
Eassim é importante partir para o entendimento
desta postura crítica, situando, assim, o primeiro dos passos, a mudança de
visão acerca de onde estamos, ou seja, localizando-nos como se estivéssemos
afora do contexto tradicional, exercendo um raciocínio distinto, para então compreendermos
alguns pontos mais estratégicos dos direitos humanos aqui pensados.
Situando-se afora do dominante, é possível
pensar diferente, compreender o fenômeno de forma distinta, reinterpretando os
marcos e conquistas, para que avancemos nos debates acerca do tema.
Ao dar o primeiro passo para situar a Teoria
Crítica dos Direitos Humanos, importante posicionar-se na periferia,
afastando-se do sistema dominante, com o fim de atingir um olhar diferenciado,
formando uma postura distinta.
1.
Perspectivas Estruturais
da Teoria Crítica dos Direitos Humanos
1..1 O afronte ao Universalismo
Partindo da análise da crítica ao universalismo,
temos a ideia de que os Direitos Humanos não podem ser compreendidos sem
conceber o contexto cultural em que estão inseridos. Assim, não existe
possibilidade de entendimento do tema partindo de um contexto em que todos os
seres humanos de diferentes nações são iguais perante direitos.
O autor expõe sua visão acerca do universalismo
proposto pela concepção tradicional:
Queda,
tristemente evidente, que la forma occidental de luchar por la dignidad humana,
es decir, los derechos humanos nada dicen de los modos de existencia inmanentes
y concretos de los seres humanos que, por lo visto, están provistos por arte de
birlibirloque de los derechos que los textos internacionales y nacionales
proclaman. La prestidigitación llega a su colmen cuando se afirma que los
derechos humanos son las pautas aplicables universalmente a toda la humanidad.
O, en otros términos, nos encontramos
con normas, reglas y declaraciones que parecen funcionar por sí mismos sin
necesidad de tomar en consideración los contextos de los que necesariamente
surgen y en los que pretendidamente se van a aplicar (FLORES, 2005c, p.208).
Assim, Herrera Flores parte de uma crítica a
essa abstração de direitos, na qual o ser humano e seu contexto social não são
levados em conta. É uma figura marcante e reiterada em sua obra a necessidade
de que os sujeitos, a quem esses direitos positivados são destinados, tenham
conexão com a realidade em que estão inseridos.
Eis, então, que se apresenta o momento
histórico, em que surge esse dito universalismo, apresentado pelas convenções
de direitos humanos e pela Declaração Universal de 1948:
“Esa
“falsa universalidad” se puso en evidencia cuando a finales del siglo XX
comenzaron a proliferar una tras otra las denominadas “convenciones de derechos
humanos”, entre cuyos objetivos fundamentales estaba el de actualizar la propia
Declaración Universal a los nuevos problemas que estaban surgiendo: medio
ambiente, vivienda, desarrollo, población, emisión de gases tóxicos, derechos
de las mujeres y de las comunidades indígenas... En tales convenciones se puso
de manifiesto, desde el principio, que no había una sola concepción acerca de
“las formas de gozar” de un medio ambiente adecuado, de evitar los desastres de
un aumento excesivo de la población o de cómo solucionar el déficit de vivienda
para los miles de millones de personas que sobreviven casi a la intemperie
(FLORES, 2005c, p.186).
Essa compreensão de que os direitos humanos
estão postos e já estancados em tratados e convenções, é uma especial
preocupação da teoria critica, pois assim sendo, não há mais o que se avançar.
Não obstante, leva a uma ideia de que não são necessários novos direitos,
tampouco não ocorre um questionamento e uma reflexão acerca daquilo que já foi
positivado.
Segue o raciocínio questionando os jusfilósofos que pensam a teoria
tradicional de direitos humanos:
Se
tiene la certidumbre de que lo pensado va a llegar a tener realidad, pues
previamente a la reflexión se han construido las condiciones que facilitarán la
implementación de las ideas. Este conjunto de certezas hace que en tales tipos
de culturas se tienda a la reducción de todo a lo Uno, a la Unidad, y, por consiguiente,
a ala (Uni)versalidad, expansión global de “una sola versión” del ser que
precisamente coincide con la que ha conseguido construir las condiciones de su
“globalización”. En tales “Ideologías-Mundo” se tiende a buscar “mitos
fundacionales” que aporten legitimad histórico/legendaria al ser
(uni)versizable. Se habla, pues, de padres/fundadores, “padres de alguna
constitución”, “autores de libros sagrados”, “profetas”, etc., que ya llevaban
consigo la semilla de todo lo que iba ocurrir “después”. Mitos que, desde esos
orígenes fundacionales condicionan toda posibilidad de futuro al sustentar ese
ser actual en una teleología ineluctable en la que a historia terminara
(FLORES, 2005a, p.24-25).
É claro que se mistura aqui a crítica à
compreensão positivista de direitos, a qual é combatida ao longo do trabalho
por inúmeras teorias. No entanto, aqui é uma das principais conexões da teoria
crítica dos direitos humanos com as demais teorias estudadas.
Essa
abstração é especial preocupação da teoria de Herrera Flores, pois não se pode
entender direito alienado da condição social e, principalmente, dos sujeitos
que se encontram por trás das normas, e princípios elencados em cada tratado
assinado. O autor tem especial preocupação com essa alienação, perpetuada por
uma visão iluminada, ilustrada, perfeccionista, que esquece o real, o dia a dia
que se passa nas ruas espalhadas pelo mundo.
Denuncia o autor, ainda, a compreensão desses
juristas iluminados acerca de toda teoria ou pensamento que refute a
característica universalista:
O son
derechos universales o no son derechos humanos. Alternativa falaz que ignora u
oculta que los derechos surgieron en y para un contexto de relaciones
determinado y preciso y, que junto a ellos, existen múltiples y diferentes
“caminos de dignidad”. Lo que ocurre es que desde la Ilustración la pretensión
de universalidad es la única forma a partir de la cual se manifiesta la Razón.
Así, al igual que la Razón (ilustrada) tiene que ser universal o deja de ser Razón para pasar a
ser “sinrazón”, los derechos humanos o son universales o se trataría de otra
cosa, pero nunca de derechos humanos. Razón que se despliega, como por arte de
magia, desde las formas cognitivas y sociales surgidas en lo que desde el siglo XVI en adelante se
llamaría Occidente. Sea por los motivos que sean —económicos, geoestratégicos,
reaccionarios o revolucionarios— es la Razón (occidental), no las costumbres ni
los modos de lucha por la dignidad de los diferentes pueblos, la que concibe
los derechos humanos como un ejemplo más de la universalidad de su naturaleza.
No hay otra opción “racional”. Todo lo que no coincida con la medida universal
de la “Razón”, pasará de inmediato a ocupar un lugar en el' vasto campo de lo
irracional y de lo bárbaro (FLORES, 2005c, p.216-217).
Outro ponto fundamental, levantando por Herrera
Flores, é o das consequências que a concepção universalista traz para a
compreensão do ser humano. A partir desse pensamento descontextualizado e
abstrato, acaba por compreenderem-se os seres humanos como meros coadjuvantes
no processo histórico. Os indivíduos são dotados de direitos a partir de um
“processo mágico”:
Demarca-se ainda, outra consequência desses
direitos que se apresentam sem um contexto humano, estes acabam, pois, gerando
uma construção de entendimento do ser humano alienado do aspecto de convívio
social, de aglutinação, de convivência, compreendendo este como ser isolado,
individualizado:
Essa tendência individualista, estimulada
atualmente, gera significativos impactos na forma de relação homem versus homem
e homem versus mundo. O individualismo acaba com o centro de convivência e a
possibilidade de construção coletiva de novas alternativas para solução dos
problemas globais, inclusive, é claro, no que tange aos direitos humanos.
Por fim,
no que se trata ainda da crítica ao universalismo, o autor adentra em duas
figuras teóricas que apresenta para definir o universalismo que critica, além
de uma ideia nova apresentada por ele, o universalismo a posteriori.
É importante salientar que o autor espanhol em
nenhum momento, ao refutar o universalismo por si só, mas sim propõe uma teoria
relativista de direitos, que geraria um particularismo que seria incompatível
com uma perspectiva global de direitos, refuta, então, o universalismo que se coloque
sem contexto, assim define:
No se
trata de subsumir las situaciones en la universalidad a priori de derechos
humanos, sino de invertir la premisa, componer la potencia de las situaciones
para llegar a aspectos comunes y generalizables en materia de derechos. Para lo
cual, hace un paradigma sociopraxico de los derechos humanos, construido desde
una reflexión inflexiva – es decir, que suponga un cambio de rumbo teórico y
práctico real – de los mismos, donde el aporte de unas prácticas y unos conocimientos
jurídicos críticos siguen siendo fundamentales (FLORES, 2005b, p.22-23).
Os argumentos que definem esse universalismo a
priori foram desenvolvidos ao longo desse estudo. Apresentamos aqui apenas o
conceito dado pelo autor para aquele universalismo que combate.
Tem-se claro, assim, que o relativismo não é
proposição de Herrera Flores e, em razão disso, apresenta-se outro conceito com
que o autor nos brinda, que é o do universalismo a posteriori, qual seja, o de
afirmar que os direitos humanos têm uma potencialidade universal, que devem
atingir a todos os seres, porém desde que seja feito após uma contextualização.
Nesse sentido, explicita:
Falamos de um universalismo que
não se imponha, de um modo ou outro, à existência e à convivência, mas sim que descubra
no transcorrer da convivência interpessoal e intercultural Se a universalidade
não se impuser, a diferença não se inibe. Sai à luz. Encontramo-nos com o outro
e os outros com suas pretensões de reconhecimento e de respeito. Nesse processo
- que denominamos "multiculturalismo critico ou de resistência" -, ao
mesmo tempo em que rechaçamos os essencialismos universalistas e
particularistas damos forma ao único essencialismo válido para uma visão
complexa do real: aquele que cria condições para o desenvolvimento das
potencialidades humanas, de um poder constituinte difuso quecomponha não de
imposições ou exclusões, mas sim de generalidade compartilhadas às quais
chegamos, não das quais partimos (FLORES, 2009, p.164).
Com essa afirmativa, e concluindo com a
perspectiva multicultural, podemos passar para outro ponto de fundamental
importância no presente estudo, o qual se trata da questão da postura do
direito e sua abstração. Obviamente que essa classificação aqui apresentada não
está, e nem poderia estar, desconectada dos demais pontos apresentados
anteriormente.
1.2 Repulsa a Abstração
É importante mencionar a especial preocupação de
Herrera Flores com a abstração que a teoria tradicional tem no que tange aos
direitos humanos. Considerando que estes direitos são positivados com base em
cidadãos hipotéticos e alienados de um mundo contextualizado.
Esse posicionamento racionalizado e iluminado,
já criticado no presente trabalho, quando se apresentou outras teorias críticas
do direito, acaba por retirar a pessoalidade do cidadão de direitos que se
encontra por trás das normas jurídicas.
Assim, o autor desenvolve:
Se
opone a todo humanismo abstracto que proponga una idea de la condición humana
como algo eterno y uniforme que se va desplegando por si misma – o apoyada por alguna “racionalidad
privilegiada y universal” – a lo largo de los siglos; una condición humana
sustentada en la triplo garantía moral (un bien absoluto), metafísica (un
espacio transcendental ajena a cualquier acción humana) y a-histórica (postulando
un fundamento originario y un telos intocables por la capacidad humana de
transformación de sus entornos de relaciones) (FLORES, 2005a, p.26).
Essa preocupação com os direitos humanos,
compreendidos alienados da realidade em que os seres humanos convivem, dão
ideia de que eles caem prontos do céu, ou que mentes brilhantes podem
detectá-los pelo mero juízo intelectual, pela razão iluminada do criador da
norma, é reiterado combate da teoria crítica dos direitos humanos.
O autor
avança a crítica:
La
modernidad occidental capitalista nos ha propuesto tantas y tantas utopías
irrealizables, tantos y tantos proyectos aplazados sine die, que se ha
convertido en un reto lograr creer en este mundo, el mundo real en que vivimos
y en que sufrimos la indignación ante las injusticias y opresiones que en él se
dan. Si no creemos que el mundo está fuera de nosotros, llegaremos a la
conclusión de que con sólo pensarlo lo dominaremos. Al aceptar el núcleo de la
filosofía occidental hegemónica, que parte de la base de que somos capaces de
darle “forma a priori” al mundo antes de experimentarlo, no tardaremos
mucho tiempo en caer en los formalismos
e iusnaturalismos que, interiorizando el mundo y prestándoles una forma previa
a priori, nos conducen a la pasividad y a la espera que los problemas se
solucionen por sí mismos (FLORES, 2005c, p.210-211).
Dessa forma, o autor apresenta uma crítica e
porque não, já uma ideia da proposição que estar por vir, o da necessidade de
contextualização desses direitos. Assim, descreve o caminho que uma norma de
direito percorre para se tornar positivada.
Denuncia o autor, portanto, o que está por trás
das normas jurídicas dos direitos humanos tradicionalmente pensados, ou seja, o
fato de elas explicitarem o pensamento de uma ideologia dominante que tem em
todas as suas atuações (dentre elas a elaboração de normas) clara expressão de
seus ideais e valores:
E óbvio que essas formas não são
neutras nem assépticas. Os sistemas de valores dominantes e os processos de
divisão do fazer humano (que colocam indivíduos e grupos em situações de
desigualdade em relação a tais acessos) impõem "condições" às normas
jurídicas, sacralizando ou deslegitimando as posições que uns e outros ocupam
nos sistemas sociais (FLORES, 2009, p.24).
Por fim, e não menos importante, passar-se-á a
compreensão de Joaquín Herrera, quando combate essa abstração, mencionando a
importância de contextualizar os direitos humanos com a realidade social. Assim, ensina:
El
optimismo crítico, la consciencia de la potencia humana y el impulso a la lucha
son elementos fundamentales para acercarnos a los derechos humanos como
productos culturales. No estamos ante fatalidades universalistas, ni ante
entidades “naturales” e inamovibles. Estamos, mas bien, ante lo que debería ser
nuestro deseo; un mundo en el que las necesidades y expectativas de las
mayorías no se van como carencias de un obyecto, sino como expresión de luchas
contra los procesos de división social, sexual, étnica y territorial del hacer
humano que instituyen un acceso jerarquizado y desigual a los bienes necesarios
para una vida digna (FLORES, 2005b, p.37).
Considera-se, assim, importante adentrar já no
pensamento que posteriormente se desenvolverá no trabalho: a ideia dos direitos
humanos como produtos culturais, como conquistas históricas, os quais advêm das
lutas sociais e a das reivindicações dos sujeitos de direito.
Iniciar-se-á a análise de importante ponto da
teoria crítica dos direitos humanos, qual seja, a compreensão de que os
direitos humanos devem ser definidos a partir do entendimento destes como
produtos culturais, direitos humanos: são as lutas sociais que impulsionam a
criação de novas teorias e, inclusive, as normas jurídicas internacionais que vão
mudando de rumo;
O autor entende os direitos humanos a partir da
constituição dos mesmos decorrentes de processos históricos, conquistas e lutas
por dignidade, bens e direitos.
É valido ressaltar que, por obviedade, os
transcendentalismos e abstrações são deixados a parte, dessa forma, há de se
compreender os direitos humanos com base nas aspirações e valores que constam
no momento da reivindicação e afirmação dos mesmos. É, pois, através da
contextualização histórica do social que conseguimos apreender a essência do
direito conquistado.
Assim, Joaquín Herrera especifica as dimensões
que tem que ser levadas em conta para atingir essa compreensão dos direitos
humanos:
Nosotros
entendemos los derechos humanos como los procesos y dinámicas sociales, política,
económicas y culturales que se desarrollan históricamente estrecha relación con
la aparición y expansión del modo de producción y de relaciones sociales
capitalistas. De ahí la impresión que se tiene acerca de sus orígenes
occidentales y las dificultades que se encuentran otras formas de vida, no
dominadas de un modo tan absoluto por el capitalismo y sus correspondientes
formas de poder, para aceptar la categoría de derechos humanos (FLORES, 2005b,
p.18).
Relevante
ater-se à dimensão social, política, econômica e cultural daqueles que
reivindicam bens para viver com dignidade. É no contexto social, na luta
cotidiana por condições mais justas e igualitárias de acesso a bens, que se dá
a transformação social.
O contexto social se expressa através de manifestações
culturais, entende-se cultura como:
As formas da cultura, das quais os
direitos humanos são uma parte imprescindível neste início de século, são
sempre híbridas, mescladas e impuras. Não há formas culturais puras e neutras,
ainda que essa seja a tendência ideológica de grande parte da investigação
social. Nossas produções culturais e, em consequência, aquelas com transcendência
jurídica e política são ficções culturais que aplicamos ao processo.de
construção social da realidade (FLORES, 2009, p.50).
Herrera Flores trabalha, então, com a impureza,
com a preocupação com as formas culturais que resultarão em direito, desde que
pensadas conforme seu contexto de criação, envolvendo os valores e as
ideologias que os impulsionam, oriundas do contexto histórico que as
originaram.
Pode se falar que a DIGNIDADE é o eixo
fundamental dos direitos humanos pela compreensão da teoria crítica. Nesse
sentido, a busca pela dignidade decorreria do acesso aos bens, e o processo de
busca pelos bens seria, então, o contexto para o surgimento do direito humano.
Acerca da diferenciação de direitos e bens,
explicita:
Por isso, nós não começamos pelos
"direitos", mas sim pelos " bens" exigíveis para se viver
com dignidade: expressão, convicção religiosa, educação, moradia, trabalho,
meio ambiente, cidadania, alimentação sadia, tempo para o lazer e formação,
patrimônio histórlco-artístico, etc. Prestemos muita atenção, estamos diante de
bens que satisfazem necessidades, e não de um modo "a priori" perante
direitos. Os direitos virão depois das lutas pelo acesso aos bens (FLORES, 2009, p.34).
Faz-se necessário compreender o que o autor entende por cultura e processos
culturais, denunciando aqui a ideia de que o mundo já está constituído e não em
frequente mutação, conforme sua compreensão.
É importante reafirmar que a teoria crítica dos
direitos humanos parte da premissa que o homem é sujeito transformador e
criador do mundo, através de sua existência, ele altera o status e afirma uma
nova realidade. Ele constitui seu próprio mundo a partir de sua ação:
En
esta interrelación tensa y conflictiva entre acciones (sociales, económicas,
políticas o artísticas) y las producciones culturales (es decir, los resultados
de dichas acciones: teorías sociales, económicas, formas de organización
institucional o formas artísticas), es donde surgen los valores y donde se
establecen las jerarquías entre tales valores. Es decir, es donde se produce lo
que llamamos “nuestra realidad”. Lo real es aquello que no es cultura, porque
si confundimos ambas instancias caeremos en la tentación de pensar el mundo
como si estuviera constituido1 únicamente por teorías y símbolos. Y
esto no es así: la realidad es algo más que la cultura, aunque, como animales
culturales que somos, siempre y en todo momento estaremos intentan reconducir
dicha realidad a los valores (productos de la tensión entre acciones y
producciones) que aceptamos como los más adecuados para “normativizar” el
entorno en que vivimos. Los valores no son más ni menos que los productos de estas
relaciones tensas entre la propia praxis humana y los productos culturales que
la simbolizan y “condicionan” (FLORES, 2005c, p.196).
Logo, seriam os produtos culturais resultados
das ações sociais, econômicas, políticas ou artísticas, realizadas pelos homens
com o fim de alterar sua condição no mundo, clamando por novos “bens”, tendo
por objetivo final o alcance da condição digna no mais diverso alcance que
possa significar a ideia de dignidade.
Nesse mesmo sentido, o autor melhor explicita a
questão da dignidade:
Desse modo, os direitos humanos
seriam os resultados sempre provisórios das lutas sociais pela dignidade.
Entenda-se por dignidade não o simples acesso aos bens, mas que tal acesso seja
igualitário e não esteja hierarquizado "a priori" por processos de
divisão do fazer que coloquem alguns, na hora de ter acesso aos bens, em
posições privilegiadas, e outros em situação de opressão e subordinação. Mas,
cuidado! Falar de dignidade humana não implica fazê-lo a partir de um conceito
ideal ou abstrato. A dignidade é um fim material. Trata-se de um objetivo que
se concretiza no acesso igualitário e generalizado aos bens que fazem com que a
vida seja "digna" de ser vivida
(FLORES, 2009, p.37).
Neste momento, Joaquín Herrera apresenta outro
marco importante desta teoria, que é a necessidade de analisar a questão das
divisões sociais, tendo especial cuidado com os processos de opressão e
subordinação.
Além disso, já define claramente o que entende
por dignidade: o acesso igualitário e universal aos bens que fazem com que a
vida seja digna de ser vivida.
Denota-se, mais uma vez, a especial preocupação
que tem esta teoria, com a ideia de neutralidade, abstração, preocupando-se
claramente com o contexto e com os axiomas para compreender o fim que o direito
visa ou visou atingir.
Avança, ainda, na questão:
Nada,
ni la justicia, ni la dignidad, y mucho menos los derechos humanos, proceden de
esencias inmutables o metafísicas que se
sitúen más allá de la acción humana por construir espacios donde i
desarrollar las luchas por la dignidad humana. Por mucho que se hable de derechos que las personas tienen por
el mero hecho de ser seres humanos, es
decir, de esencias anteriores o previas a las practicas sociales de
construcción de relaciones sociales, políticas o jurídicas, inevitablemente
tendremos que descifrar el contexto representado simbólicamente, se convierte
en un producto cultural (FLORES, 2005a,
p.121-122).
Essa forma de entendimento possibilita avançar
na reflexão teórica acerca das teorias tradicionais e, é claro, das normativas
internacionais, demarcadas por um cenário histórico e político à época dos
fatos. Faz-se necessário, portanto, partir desse entorno para compreender os
direitos que surgem posteriormente.
Portanto, há de se ter claro que aqui não se
trata de uma teoria meramente definidora de categorias de direito, partindo do
racionalismo neutro, compreendendo tais direitos de forma impessoal.
Pelo contrário, a teoria crítica dos direitos
humanos define claramente o seu papel de compreensão de direitos humanos com o
fim de que o status moderno racionalista e neutro seja colocado de lado, pois
foi este modelo ideológico que contribuiu para as desigualdades sociais que
tanto afligem os humanos e, por consequência, negou acesso dos mesmos aos seus
direitos básicos.
Assim, é essencial estudar as pretensões da
teoria crítica dos direitos humanos, a noção de que eles não advêm de causas
superiores, tampouco são oriundos da neutralidade, da razão iluminada ou de
pretensões abstratas baseadas em seres humanos hipotéticos, mas acima de tudo
decorrentes de um homem engajado em seu contexto social, inconformado, buscando
respostas às suas inquietações e problemas.
Na sequência, traz-se outra crítica fundamental
a fim de entender tal teoria, que é a da contraposição ao sistema capitalista,
que gera desigualdades e exclusões.
Dessa forma, apresentar-se-ão três passos para
entender os direitos humanos como processos culturais: o primeiro é um pré-conceito
acerca das condições desiguais geradas pelo capitalismo, que anteriormente
definimos como opressões e subordinações, resultante da divisão social
existente.
Na questão da desigualdade, Herrera Flores desenvolve:
Veamos
el ejemplo, tan importante para una teoría crítica de los derechos, de la
dialéctica entre igualdad-desigualdad. Las desigualdades de ingreso, de
riqueza o de posición social con respecto a la satisfacción de necesidades
básicas o a la distribución y consumo de bienes esenciales para la
supervivencia, constituyen un hecho consultable desde muy antiguo, tanto en el
interior de un mismo país, como a escala global. (FLORES, 2005a, p.127-128).
Analisar-se-á, então, em um primeiro quesito, o
fator do antagonismo, da reação a esses processos de exclusão. Nesse sentido, o
autor fala de processos históricos dinâmicos e dos processos sociais e
jurídicos, ou seja, da constante transmutação desses conforme as eras.
Posteriormente, afirma que para que um direito
humano surja, é necessário ser impulsionado por um espaço de luta, em um
processo de contraposição ao dominante e de afirmação perante algo que lhe é
negado.
E então toca a questão da dignidade, como
pretensão desse oprimido, o qual foi negado à condição de dignidade, ou seja, a
condição de acesso igualitário aos bens.
Nessa mesma lógica, Herrera Flores explicita a
questão do por que dessa construção acerca dos direitos como processos de luta:
Se afirmamos que os direitos
"são" processos de luta pelo acesso aos bens porque vivemos imersos
em processos hierárquicos e desiguais que facilitam ou impedem sua obtenção, a
pergunta é: quais são os objetivos de tais lutas e dinâmicas sociais? Entramos
no para quê dos direitos. Lutamos pela obtenção dos bens única e exclusivamente
para sobreviver sejam quais forem às condições dessa sobrevivência? Ou, então, lutamos
pela criação de condições materiais concretas que nos permitam uma satisfação
"digna" dos mesmos (FLORES, 2009,
p.36).
Parece muito relevante essa afirmativa dos
direitos como lutas pelo acesso a condições, às quais permitam a sensação de
dignidade e vão ao encontro com as demais teorias estudadas, bem como da
proposição de direito analisada.
Inegável, pois, que a divisão social existente,
negando acesso igualitário a bens e serviços, aflora a necessidade de lutar. As
categorias excluídas do processo, inconformadas com o posto, lutam por
transformações. Externam sua inconformidade e, em decorrência, mudam a
realidade.
Em outro momento, o autor caracteriza quem são
esses sujeitos e explicita melhor o que entende pelo processo de luta dos
grupos sociais organizados:
Y,
finalmente (contextualizada) ya que no podemos entender los derechos sin verlos
como parte de la lucha de grupos sociales empeñados en promover la emancipación
humana por encima de las cadenas con las que se sigue encontrando la humanidad
en la mayor parte de nuestro planeta. Los derechos humanos no sólo se logran en
el marco de las normas jurídicas que propician su reconocimiento, sino también,
y de un modo muy especial, en las prácticas sociales de ONGs, de Asociaciones, Movimientos Sociales, de Partidos Políticos,
de Iniciativas Ciudadanas y reivindicaciones de grupos, sean minoritarios
(indígenas) e no (mujeres) que de un modo u otro han quedado tradicionalmente
marginados del proceso de positivación y reconocimiento institucional de sus
expectativa.(FLORES, 2000, p.46).
É importante esse caráter de concretude e de
vivacidade que o autor ressalta, trazendo novamente a ideia de que o homem não
pode ser pensado somente por seu lado bom, pelo seu dever ser, tendo, então,
que partir da análise dele como efetivamente é humano em toda completude de seu
ser.
Parece que aqui é uma problemática de todo o
direito e não única e exclusiva dos direitos humanos. Essa ideia do legislador
ou do cientista do direito de que os seres humanos são hipotéticos e que tendem
a responder conforme sempre o mais ponderado.
É preciso quebrar a falsa imagem que os homens
têm de si mesmos, e admitir as próprias impurezas, sob pena de viver sob
constante culpa e fadados a jamais resolver as relações sociais, bem como criar
e crer em um direito completamente deslocado da realidade social.
Esse caráter de interação do homem com o mundo é
essencial para entendimento dos fenômenos que geram direitos. Trata-se de uma
preocupação contínua e efusiva da presente teoria. Na busca de transformação da
realidade posta, tornando-se protagonista e gente no contexto. O homem
impulsiona o surgimento de uma nova realidade.
Assim, Joaquín Herrera explicita os perigos da
abstração na análise do direito:
Pesquisar e exercer os direitos
humanos a partir das categorias de espaço/ação, pluralidade e tempo exige uma
metodologia holística e sobretudo relacional. Cada direito, cada interpretação
e cada prática social que esteja relacionada com os direitos não deve ser
considerada como resultado casual ou acidental do trabalho de indivíduos o
grupos isolados, mas parte de um processo amplo de relações sociais, políticas,
teóricas e produtivas. Isso não significa que toda vez que analisarmos um
direito, uma interpretação ou uma ação política a ele dirigida tenhamos de
conhecer todas as suas relações, tanto internas quanto externas. Isso
conduziria a um efeito paralisante da análise. Em outras palavras, um processo
singular somente pode ser entendido completamente nos termos do conjunto social
de que faz parte. Uma concepção isolada de um fenômeno só nos conduzirá a
mal-entendidos e a uma redução de sua complexidade (FLORES, 2009, p.92).
Faz-se necessário que se mencione o efeito
contrário, apresentado pelo autor na sentença acima, o de não se perder na
análise dos contextos e de deixar de lado a aplicação.
Tem-se, pois, de ter cuidado para não cair na
prolixidade da análise, sem sair do lugar e sem tomar as decisões necessárias
para a efetividade dos direitos que estamos por aplicar.
Partir-se-á, então, para outro ponto de análise,
ou seja, da forma como se percebe o que são os processos culturais, para que
fique claro o entendimento da presente teoria. É claro que não se encontra
alienado dos demais contextos estudados.
Desse modo, aos poucos, vai ficando claro como
se dá a formação desse direito humano como produto cultural, a partir da
atuação dos homens no mundo e da reação dos mesmos com sua realidade.
É necessário entender que a luta teórica permite
que as práticas sociais sejam abertas à ampliação de conceitos e bens, ou seja,
que elas não estanquem a criação de direitos como a teoria tradicional
trabalha.
Na sequência, o autor espanhol:
Estamos, pois, diante de um
critério formal que reclama conteúdo ao longo processo de construção de condições
sociais, económicas, políticas e culturais que nos permitam lutar contra os
processos que nos impedem de acessar igualitariamente aos bens materiais e
imateriais. Devemos, portanto, nos armar com conceitos e formal de práticas que
tendam a conquistar a maior quantidade possível de "espaços sociais"
de democracia; espaços onde os grupos e os indivíduos encontrem possibilidades
de formação e de tomada de consciência para combater a totalidade de um sistema
caracterizado pela reificação, formalismo e fragmentação. Espaços onde
comecemos a distinguir e a clarificar as relações que se dão entre a liberdade
e a igualdade, entre as desigualdades e as múltiplas e refinadas formas de
exploração social que impedem o desdobramento das duas faces que compõem o critério
de "riqueza humana" (FLORES, 2009,
p.194).
Diante disso, fica caracterizado que os direitos
humanos, nessa concepção libertária da teoria crítica dos direitos humanos, em
vez de estancar em normas com definição genérica, compreendem os conceitos como
abertos, especialmente no que tange à dignidade.
Portanto, esse processo de busca pela vida digna
vai permitir um amplo ramo de ações e reivindicações que se alteram conforme a
história e a civilização, permitindo que o centro dos direitos humanos, o homem,
seja a força motriz da criação jurídica.
Trata-se de uma visão bem distinta do que pensa
a teoria positivista tradicional, que encontra, então, no processo de
positivação do direito, o fim pelo qual o direito se exprime, além do objetivo
o qual ele tem de atingir.
A compreensão crítica, pelo contrário, vai
procurar uma nova forma de compreensão do que são os direitos humanos, tendo
por centro essas lutas históricas.
Faz-se necessário a compreensão de que o homem se encontra inserido no
contexto econômico e político capitalista, determinante nos processos de efetivação de direitos
humanos.
Fica clara a necessidade da atenção a esses
processos de dominação que dificultam o acesso aos bens claramente deflagrados
por uma forma econômica e política de pensar o mundo, que gira em torno do
lucro máximo e concentrado no indivíduo, ignorando o social/ coletivo.
Somente analisando contexto de relações, as
razões políticas, sociais e econômicas que cercam o surgimento do direito, é
que se pode compreender a sua efetivação ou não.
A teoria crítica dos
direitos humanos procura conceitos e estratégias teóricas que permitam a
constante mutação do direito, para que os homens possam, conforme sua
necessidade, procurar e reivindicar cada vez mais direitos. Na visão da teoria
crítica o homem é considerado agente criador do direito e não mero destinatário
2. O
papel da Ciência do Direito
2.1
Crítica à Teoria Tradicional de Direitos Humanos
A questão que
Joaquín Herrera apresenta é um fato já trabalhado neste artigo: o fator da
descontextualização que a teoria tradicional dos direitos humanos realiza:
Por infelicidade, essa
contextualização dos direitos não é algo que predomine nas análises e
convenções internacionais a eles dirigidas. O contexto dos direitos não é
visível. Cada dia se celebram mais e mais reuniões e se leem mais e mais
argumentos que proclamam - formalista, especializada e
"essencialisticamente" - o êxito do sistema, seu caráter único e
imodificável. Estamos como aquele marinheiro escocês que, depois de haver
tomado muitas canecas de cervejas, buscava sua carteira sob a luz do único
poste que iluminava a calçada. Nesse momento, aproxima-se outro marinheiro,
menos afetado pela mistura de uísque e cerveja, e pergunta o que ele faz ali e
o que está procurando. O nosso marinheiro beberrão diz que busca a sua
carteira. O outro olha a seu redor e não conseguindo vê-la por lado nenhum lhe
diz que ali não há carteira alguma. Isso já sabia o nosso personagem. Ele tinha
esquecido sua carteira na mesa da taverna onde alguém já a tinha
"encontrado", sem dúvida. O nosso marinheiro, apesar das nuvens
etílicas, sabia com toda certeza que sua carteira não estaria ali, mas também
sabia que era o único lugar iluminado em muitos quilômetros (FLORES, 2009, p.53).
Esse tradicional exemplo que o autor espanhol,
em inúmeras obras apresenta, não poderia passar despercebido na presente
pesquisa, pois é, talvez, a melhor forma de entender a teoria tradicional.
O exemplo demonstra a figura dos juristas que
procuram, através da exaustiva positivação, garantir e ampliar direitos
humanos. Ao longo da crítica de Herrera Flores, percebe-se que sem os
contextos, sem observar as lutas sociais e as condições que giram em torno
desse direito, de nada adianta mais regras formais positivadas em tratados
internacionais ou mesmo em normas estatais.
Não se trata de uma crítica que se apresente
somente à categoria de direitos humanos, é, pois, o mesmo questionamento que se
faz a teoria positivista do direito como um todo. Qual seja: do excesso de formalismo
e legalismo, mas também da ausência de realidade e de preocupação com os
indivíduos que se encontram por trás das normas jurídicas.
O autor avança em seu embate a esse apego
legalista:
Para a reflexão teórica dominante,
os direitos "são" os direitos; quer dizer, os direitos humanos se
satisfazem tendo direitos. Os direitos, então, não seriam mais que uma
plataforma para se obter mais direitos. Nessa perspectiva tradicional, a ideia
do "quê" são os direitos se reduz à extensão e à generalização dos direitos.
A ideia que inunda todo o discursotradicional reside na seguinte fórmula: o
conteúdo básico dos direitos do "direito a ter direitos". Quantos
direitos! E os bens que tais direitos devem garantir? E as condições materiais
para exigi-los ou colocá-los em prática? E as lutas sociais que devem ser
colocadas em prática para poder garantir um acesso mais justo a uma vida digna?
(FLORES, 2009, p.33).
Crê-se que essa é uma crítica chave para
compreender o problema do positivismo sem efetividade, o qual foi apresentado
ao longo da modernidade. Pensar no excesso de normas de direito promulgadas
sejam elas criadas por acordos internacionais, sejam criadas pelo processo
legislativo de cada país, um gigantesco número de leis, artigos e regras, nas
quais nada mais se tem do que abstração e distanciamento da realidade humana.
É necessário que essa lógica de que direitos são
garantidos pelo simples fato de serem positivados, seja quebrada, partindo para
uma compreensão distintaa qual leve em conta o processo de surgimento, o
contexto econômico e social, bem como as necessidades clamadas pelo povo que
vive essas normas.
Percebe-se, aqui, a necessidade de ter
consciência sobre a análise jurídica e dos valores que norteiam o pensamento
hegemônico de mundo. Afinal é a essa menor importância dada ao social que vai
influenciar as estratégicas políticas econômicas de respeito e efetivação de
direitos humanos.
Outra crítica de fundamental
importância no que tange ao papel da ciência do direito, é a concepção e
Norberto Bobbio, considerado pelo autor um pensador da teoria tradicional de
direitos humanos. Em seu livro, a Era
dos Direitos, esse jurista italiano define classes de direitos por meio de
gerações.
Explicita Norberto Bobbio:
Mais uma prova, se isso ainda
fosse necessário, de que os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando
devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre homem – que acompanhar inevitavelmente o
progresso técnico, isto é, progresso da
capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas
ameaças á liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas
indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do
poder; remédios que são providenciados
através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor. Ás
primeiras, correspondem os direitos de liberdade, ou um não-agir do Estado; aos
segundos, os direitos sociais, ou uma ação positiva do Estado...
... Os Direitos de terceira
geração, como o de viver num ambiente não poluído, não poderiam ter sido sequer
imaginados quando foram propostos os de segunda geração, do mesmo modo como
estes últimos (por exemplo, o direito á instrução ou á assistência) não eram
sequer concebíveis quando foram promulgadas as primeiras declarações
setecentistas. Essas exigências nascem somente quando nascem determinados
carecimentos (BOBBIO, 2004, p. 26).
Para a teoria critica dos direitos, essa
classificação ou subdivisão é irreal e perigosa. Primeiro, porque cria uma
hierarquia de direitos, depois porque desvincula uma categoria das outras. Não
há como se falar de direitos humanos separados um dos outros, em verdade, são
todos concomitantes e inter-relacionados.
Nesse sentido, Joaquín Herrera:
Partimos da premissa, veremos com
mais atenção ao longo de todas estas páginas, de que já não podemos falar de
duas classes de direitos humanos: os individuais (liberdades públicas) e os
sociais, econômicos e culturais. Só há uma classe de direitos para todas e
todos: os direitos humanos. A liberdade e a igualdade são as duas faces da
mesma moeda. Uma sem a outra nada são. Sem condições que as coloquem em prática
(políticas de igualdade, que se concretizam nos Direitos Sociais, Econômicos e
Culturais), as liberdades individuais (quer dizer, os Direitos Civis e
Políticos) e os direitos sociais não terão espaço em nosso mundo (FLORES, 2009, p.74).
É um ponto forte que Joaquín levanta durante
todo seu trabalho intelectual, distanciando sua teoria das proposições de
Bobbio. As premissas da teoria crítica são de ferrenha contraposição a essa
forma abstraída e neutra de pensar o direito, classificando-o, alienando-o,
retirando o contexto de valores que dão base ao surgimento e a efetivação dos
direitos.
No entanto, é importante salientar que em
diversos momentos de sua obra o autor jamais desconsidera a importância das
conquistas positivistas e inclusive das lutas dos pensadores hegemônicos. O que
Herrera Flores propõe é uma mudança e um avanço, mas sem perder as conquistas.
Diante disso, o autor explica:
Nosso objetivo não é rechaçar de
plano o conjunto de boas intenções dos que lutam pelos direitos seguindo as
pautas da teoria jurídica tradicional. Como veremos mais adiante, a luta
jurídica é muito importante para uma efetiva implementação dos direitos. Nada
se encontra mais distante de nossos propósitos que o desprezo às lutas
jurídicas. O que rechaçamos são as pretensões intelectuais que se apresentam
como "neutras" em relação às condições reais nas quais as pessoas
vivem. Se não temos em conta em nossas análises tais condições materiais, os
direitos aparecem como "ideais abstratos" universais que emanaram de
algum céu estrelado que paira transcendentalmente sobre nós (FLORES, 2009, p.37).
Nessa sentença, fica explícito que o autor
propõe uma nova forma de pensar, porém não rechaça de pleno o processo de
positivação, posição entendida como comum no debate das demais teorias
estudadas ao longo do estudo.
Não cabe, assim, romper com os direitos
positivados, mas sim não aceitar que sejam positivados de forma neutra e
abstrata, baseada em valores transcendentais de uma mente iluminada e racional,
ou mais, ter claro os motivos e as lutas que advieram do clamor de direitos,
que influenciaram sua positivação.
Assim, fechando as críticas à concepção tradicional
de direitos, serão analisadas as limitações do direito como ciência, e uma
dessas é o que tange à questão da efetivação. Partir-se-á, assim, para
apreciação desta e das demais limitações.
2.2Os limites da ciência do direito
Passar-se-á a estudar algumas noções, as quais o
autor situa como limites da ciência do direito no que tange à prática e
garantia de direitos humanos, definindo alguns marcos. Posteriormente serão analisadas essas
proposições.
Nesse contexto, a primeira questão que Joaquín vai
apresentar refere-se à questão de que os direitos encontram-se postos como
reflexo da vontade das forças hegemônicas, e essa seria a primeira amarra do
direito:
Os direitos humanos podem se
converter em uma pauta jurídica, ética e social que sirva de guia para a
construção dessa nova racionalidade. Mas, para tanto, devemos libertá-los da
jaula de ferro na qual foram encerrados pela ideologia de mercado e sua
legitimação jurídica formalista e abstrata.
Apesar da enorme importância das
normas que buscam garantir a efetividade dos direitos no âmbito internacional,
os direitos não podem reduzir-se às normas. Tal redução supõe, em primeiro
lugar, uma falsa concepção da natureza do jurídico e, em segundo lugar, uma
tautologia lógica de graves consequências sociais, econômicas, culturais e
políticas (FLORES, 2009, p.23).
Aqui, tem-se, por base, a primeira das críticas
e limitações, portanto, deve-se ter atenção com a abstração e excessivo
formalismo das normas de direito postas por essa ideologia dominante, que
assegura direitos formais, porém pouco importa que esses direitos se tornem
reais.
Como mencionado anteriormente, o autor não
refuta totalmente pactos e convenções, leis e demais conquistas jurídicas
positivadas, tampouco propõe um marco zero onde se esqueça totalmente os ganhos
logrados por outros teóricos que
procuraram defender os direitos humanos, trata-se, pois, de uma nova ótica, de
uma transformação e de um avanço.
Herrera Flores, aqui, propõe uma teoria de
direito que parta da compreensão da limitação desse direito positivo, que
entenda que as normas jurídicas por si só não efetivam direitos humanos. Aliás,
o processo de positivação é apenas uma das etapas que devemos nos ater e nos
preocupar.
Não nos cansamos de repetir: uma
norma não descreve nem cria nada por si só. As normas estão inseridas em
sistemas de valores em processos sociais de divisão do trabalho humano a partir
dos quais se institui uma forma de acesso aos bens e não outra. Estamos diante
de meios, de instrumentos que prescrevem comportamentos, impõem deveres e
compromissos individuais ou coletivos, sempre Interpretados a partir de um
sistema axiológico e econômico dominante (FLORES,
2009, p.46).
Compreende-se, portanto, que o primeiro passo
para se libertar das amarras da teoria tradicional do direito é entendê-la por
ser constituída de axiomas e valores e, em razão disto, tem amarras e
envolvimentos com o poder que vige.
Somente percebendo e analisando esses axiomas é
que se pode libertar e partir para uma concepção libertária e emancipadora, que
garanta e efetive direitos humanos.
Para livrar-se dessas amarras, define o autor:
A força do direito manifesta-se
basicamente na possibilidade de fugir das próprias construções impostas pela
forma dominante de considerar o labor jurídico, com o objetivo de criar novas
formas de garantir os resultados das lutas sociais. Na medida em que vamos nos
transformando em críticos do formalismo, que somente vê o direito em si próprio
(sem contato com os contextos nos quais vivemos), cada vez nos conformaremos
menos com análises de pura lógica jurídica e atenderemos mais a exigências
normativas externas que se apoiem em definições revisáveis do que se entende
por bem comum. Consultem-se, como informação acrescentada, as reflexões sobre
como administrar os bens comuns da humanidade (FLORES,
2009, p.65).
Dessa forma, compreendendo o entorno que parte
para o primeiro passo da afirmação de um novo pensamento jurídico, fugindo das
tradicionais amarras e limitações impostas pela própria teoria dominante.
Negar-se
a isso, é cair no mesmo jogo de não efetivação de direitos que se tem até os
dias de hoje. A compreensão de que o direito é neutro e não representa vontades
acaba por manter distância dos processos de efetivação.
Outro item que Herrera Flores critica refere-se
ao posicionamento tradicional, compreendendo esses direitos como postos e
efetivados pela mera positivação é que acabam gerando um comodismo.
Dessa forma, explicita:
Esses fatos - tanto os positivos
como os negativos - nos obrigam a tomar uma posição científica neles baseada:
toda pretensão de objetividade e neutralidade no estudo e na prática dos
direitos humanos é parte desse olhar indiferente que constitui, nas palavras de
Eduardo Galeano, o mito irresponsável dos privilegiados, especialmente porque
toda análise que se pretende absolutamente neutra e objetiva vem a ser sinônimo
de especialização e formalização. Tanto uma como outra nos induzem à
passividade. Se tudo está tão bem "formalizado" e é tão coerente,
pois que atuem os especialistas! Essas perspectivas tendem a ver o objeto de
investigação - em nosso caso, os direitos humanos - como se fosse algo
"autônomo" (sem contato com as realidades "reais" nas quais
vivemos), "neutro" (são direitos de toda a humanidade e, portanto, em
seus fundamentos e conceitos não entram as diferentes e desiguais condições nas
quais se vive) e, por último, "conseguido" de uma vez por todas
(então, para que lutar por algo que já se tem?) (FLORES,
2009, p.50).
É essencial compreender o direito que se fundamenta
por um posicionamento demarcado por lutas e conquistas históricas, motivadas e
baseadas em valores que envolvam a própria luta.
2.3
Uma nova Compreensão de Direito
Traduzir a
ciência do direito como neutra, sem influência de axiomas, culturas, valores, é
ruim tanto para o entendimento do próprio direito, como para a aplicação do
mesmo. Assim explica:
O direito não é, consequentemente,
uma técnica neutra que funciona por si mesma. Tampouco é o único instrumento ou
meio que pode ser utilizado para a legitimação ou transformação das relações
sociais dominantes. O "direito" dos direitos humanos é, portanto, um
meio - uma técnica -, entre muitos outros, na hora de garantir o resultado das
lutas e interesses sociais e, como tal, não pode se afastar das ideologias e
das expectativas dos que controlam seu funcionamento tanto no âmbito nacional
como no âmbito internacional. Certamente, cabe um uso alternativo do jurídico
que o interprete ou o aplique em função dos interesses e expectativas das
maiorias sociais. Contudo, tal uso dever ser impulsionado tanto de baixo -
desde os movimentos sociais, Ong's, sindicatos - como de cima - como os
partidos políticos. Então, são as ações sociais "de baixo" as que
podem nos situar no caminho para a emancipação em relação aos valores e aos
processos de divisão do fazer humano hegemônico. O direito não vai surgir, nem
funcionar, por si só. (FLORES, 2009, p.24).
Esse tensionamento dos movimentos sociais, do
sujeito coletivo de direito, é fundamental para que o direito efetivamente se
coloque como uma ciência efetiva. Não podendo esta alienar-se das
reivindicações sociais, pelo contrário, deve refletir e afirmar as aspirações
dos sujeitos que vivem as normas.
Portanto, ao aplicador do direito, ao
intérprete, ao jurista, é necessário que esteja sempre atento aos processos
sociais e aos acontecimentos que acontecem na rua e na vida cotidiana dos
cidadãos.
Fica bem clara a postura de que o cientista do
direito deve ter perante a formação dessa ciência. Direitos são as lutas e processos
de reivindicação por uma vida digna, pela ascensão aos mais diversos bens, os
quais constituem a dignidade humana.
Não se pode compreender os direitos como postos
e estanques, nem se fechar em um entendimento de dignidade que freie o
reconhecimento jurídico dos processos de luta por bens. Pelo contrário, deve-se
expandir a vista para cada vez mais abrir o leque, prestigiando, dessa forma,
um número cada vez maior de reivindicações sociais.
Parece claro que os direitos não cairão do céu,
mas tampouco é isso que a teoria crítica dos direitos humanos e as demais
teorias críticas procuram. Ao buscar outros óculos para enxergar esse mundo
jurídico nada mais se faz do que procurar novas soluções para problemas que já
constatados há muito tempo.
Assim explica as razões e o objetivo que
incentiva a teoria:
Por tais razões, o objeto de uma
teoria crítica e contextualizada pressupõe "recuperar este mundo
mostrando-o tal qual ele é": quer dizer, um mundo em que a fonte da minha
liberdade seja entendida como a fonte da liberdade dos demais. Deduz-se que a
"tarefa" básica de uma teoria comprometida com os direitos é criar as
condições teóricas e práticas para afirmar a liberdade como uma atividade
criadora, que não se limite a produzir sua própria lei, mas que seja
constitutiva do seu objeto', em outros termos, do mundo em que vivemos. A
teoria nos revela o mundo e o propõe como uma tarefa contínua de transformação
do próprio mundo. Nisso reside a densidade da nossa liberdade: quanto mais
desenvolvemos as nossas capacidades criativas e transformadoras, mais livres
seremos (FLORES, 2009, p.111).
O autor explicita o que entende por razão de sua
teoria, ou seja, criar condições para que os direitos humanos sejam efetivados,
para que as lutas anteriormente explicitadas sejam garantidas e que não se fale
mais em direitos abstratos e longínquos, distantes e irreais.
Assim sendo, traz-se um pensamento especial do
autor espanhol, por tratar-se de um jurista que sempre batalhou por uma postura
positiva, mesmo com as negatividades que o contexto dos direitos humanos se
apresenta no mundo. Essa aspiração
sentimental da paixão é uma síntese que resume não necessariamente as
proposições teóricas, mas sim a característica pessoal do pensador espanhol,
uma eterna paixão pelo direito.
Considerações
Finais
A análise teve por base eixos teóricos que o autor
Herrera Flores tomou ao longo de sua caminhada intelectual desenvolvendo os
preceitos que fundamentam a teoria crítica dos direitos humanos.
Procura-se ao longo deste trabalho, dividir tal obra
em marcos próprios, criados a partir de pontos de destaque detectados pelo
estudo feito, a partir de diversificado material reunido.
Fundamental faz-se delimitar o alcance de que tal
teoria dá á expressão crítica, ou o sentido que o autor espanhol condiciona
para tal expressão, descobre-se que a critica que é apresentada por Herrera
Flores não consistirá na ideia de destruir, desmanchar, fragmentar, inutilizar
os processos de luta realizados anteriormente no que tange os direitos humanos.
A pretensão da teoria critica dos direitos humanos é
avançar em cima de garantias e desenvolver-se em cima das conquistas históricas
obtidas ao longo da humanidade, reafirmando os pontos positivos, porém
estabelecendo-se em uma postura marginal ou periférica que permita retirar o
olhar cego e acrítico, descontextualizado, que as conquistas formalmente
realizadas posteriormente as lutas acabaram gerando.
No avançar dos estudos considerou-se o embate a
postura universalista que segundo o autor, a teoria tradicional de direitos
humanos vem a estabelecer, postura essa que configura os direitos humanos como
“universais a priori” formais, abstratos e descontextualizados.
A crítica passa pela ideia de que desconectados de um
contexto cultural, onde sejam observados os aspectos diários, o cotidiano, as
particularidades, a vivência, as minúcias, práticas, não se pode falar em
direitos humanos globais, mas sim em uma ilusão, uma falácia.
Essa preocupação com a abstração, com o distanciamento
dos direitos humanos da vida real e do cotidiano é traço marcante, permanente
desta teoria, para Herrera Flores não existem direitos humanos desconectados
dos processos de luta que os fizeram surgir, bem como dos agentes criadores e
reivindicadores, atuantes, que respiram e vivem esses direitos.
Avança-se então para um ponto marcante da obra que é a
afirmação de que direitos humanos são produtos culturais, ou seja, que estes
são frutos de processos de cultura. Nesse sentido, demonstra-se que tais
direitos só surgem a partir de processos históricos, lutas sociais,
reivindicações, conquistas e que por produto dessas manifestações eles vêm a
afirmarem-se em tratados, convenções, leis, etc.
Assim sendo, o processo de positivação dos direitos
humanos é posterior e surgirá graças a processos históricos, às lutas e
conquistas sociais que deram origem ao conteúdo da norma que em momento
seguinte veio a dar figura a tal positivação, e isso jamais deve ser esquecido
ou negado.
Os processos culturais, segundo o autor, seriam os
processos sociais que o ser humano realiza com o fim de atingir o acesso aos
bens, o acesso a tais bens, seria o que ele coloca como o eixo de dignidade.
Como bem expressamos anteriormente, a dignidade seria
o ponto teórico principal da teoria crítica dos direitos humanos. A busca pela
dignidade decorreria do acesso aos bens, e o processo de busca pelos bens
seria, então, o contexto para o surgimento dos direito humanos.
Na sequencia do estudo, deflagra-se o papel da ciência
do direito, detectando adiferenciação da teoria critica dos direitos humanos
frente à teoria tradicional, uma caracterização de até onde a teoriajurídica
pode salvaguardar direitos humanos e por fim o que denominamos de uma nova
compreensão de direito.
No que toca a crítica à teoria tradicional, o foco se
dá no apego legalista, positivista que considera que uma vez positivados os
direitos humanos em tratados, convenções e legislações, se tem garantidos vez
por todos esses direitos. Não obstante, ainda critica que essa tendência
legalista fecha o rol de direitos humanos aos tratados universais e globais,
vez que estanca os direitos humanos nos artigos fechados que os pactos
convencionaram, quando na verdade o autor propõe que a positivação é um momento
posterior à reivindicação social, e dessa forma inúmeros direitos humanos podem
encontrarem-se nas ruas ainda não positivados pelos tratados.
Ainda em matéria de critica, Herrera Flores é
materialmente contrario a teoria geracional de direitos humanos, pois considera
que as gerações de direitos trazem degrau de evolução e hierarquia, o que na
verdade não existe, são direitos humanos iguais e interdependentes,
interconectados e interligados. Não há que se falar em gerações, vez que não
pode existir um direito de primeira geração individual, sem a efetivação e garantia
de um direito coletivo, de segunda geração, bem como sua conexão com a garantia
e proteção de um direito tido como de terceira geração, como o meio ambiente.
No que tange as limitações da ciência do direito, a
teoria critica propõe em vez de um fechamento, uma abertura. O jurista ao
constatar que a positivação dos direitos humanos é apenas uma etapa de
formalização dos processos de luta e que não garante a efetivação desses mesmos
direitos, deve então alicerçar-se de outras ciências, outros meios e outros
processos para que se possa garanti-los.
A estratégia do jurista defensor dos direitos humanos
é utilizando-se da estrutura normativa, conhecendo o contexto cultural,
histórico e os processos que tencionam a formação e efetivação desses direitos,
interagir com os diversos meios para lutar pela efetivação dos direitos
positivados.
E por fim em uma síntese da visão de direito que tal
teoria prega, é de que este esteja conectado as praticas sociais, as tensões
que fazem surgir direitos, lutas por dignidade, processos que afirmam e criam
direitos humanos.
Esse potencial libertador que os sujeitos sociais
reivindicam, deve ser aclamado pelo direito, absorvido e impulsionado, é essa a
visão teórica proposta pela teoria critica de direitos humanos, um direito que
mostre o mundo como ele é, conectado as práticas cotidianas e menos agarrado às
formalidades e positivações, mas sim preocupado com as efetivações, com os
processos de luta, com as vivências e processos culturais que reivindicam,
constituem e efetivam verdadeiramente os direitos humanos.
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[1] Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília,
Especialista em Ciências Penais pela PUC-RS, Advogado e Professor
Universitário; é autor do livro O Pluralismo Jurídico na Omissão Estatal. O direito achado no cárcere (Núria Fabris Editor, Porto Alegre, 2014); participa do coletivo Diálogos Lyrianos (O Direito Achado na Rua)
(*) Este artigo foi originalmente publicado na Revista Crítica do Direito (ISSN 2236-5141), edição virtual, n. 3, v. 58.
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