segunda-feira, 20 de outubro de 2025

                     Homenagem ao Professor Doutor José Geraldo de Sousa Junior

Neste dia dos professores e professoras, celebramos com profunda admiração e gratidão a trajetória do Professor Doutor José Geraldo de Sousa Junior, jurista, intelectual público, defensor dos direitos humanos e educador comprometido com a transformação social por meio do Direito. Para mim, que fui sua orientanda no Doutorado e parceira em alguns projetos, ele será sempre o querido Zé, que, há 40 anos, se dedica à docência na Universidade de Brasília.

O conheci em Brasília, ainda estudante de Direito, durante o XXI Encontro Nacional de Estudantes de Direito realizado em 2000. Recordo-me da sua alegria e do acolhimento caloroso com que recebia estudantes de todo o Brasil, entusiasmados em conhecer o timoneiro de O Direito Achado na Rua, projeto que já se espalhava pelas faculdades de Direito do país por meio de suas publicações. Vale destacar o emblemático volume 1 da Série, intitulado Introdução ao Direito Crítico, bem como o vídeo homônimo O Direito Achado na Rua, produzido em 1993 pelo Centro de Produção Cultural e Educativa da UnB, os quais tiveram ampla circulação e foram fundamentais na formação de advogadas e advogados populares, estudantes, professoras e militantes pelo país afora.

Nascido no Rio de Janeiro, José Geraldo também viveu por dez anos em Natal, onde passou grande parte da sua infância e da adolescência, guardando boas recordações desse pedaço do Nordeste, que continua a visitar com frequência.

Graduado e doutor pela Universidade de Brasília (UnB), instituição à qual dedicou grande parte de sua vida acadêmica, José Geraldo construiu uma carreira marcada pela coerência ética, pela defesa intransigente dos direitos humanos e pelo compromisso com uma universidade democrática, crítica e socialmente referenciada. Foi Reitor da UnB entre 2008 e 2012, período em que se destacou pela valorização da autonomia universitária, pela ampliação das políticas de inclusão e pelo incentivo à participação estudantil e comunitária nos rumos da instituição.

Professor titular da Faculdade de Direito da UnB e também professor Emérito da mesma universidade, coordenou o projeto O Direito Achado na Rua, marco na produção teórica e política sobre o papel emancipatório do Direito na sociedade brasileira. Esse projeto, nascido do diálogo com os movimentos sociais e com a experiência da extensão universitária, consolidou uma perspectiva inovadora, que entende o Direito não apenas como norma, mas como instrumento de luta e reconhecimento da cidadania desde os espaços populares a partir dos grupos subalternizados.

Ao longo de sua trajetória, José Geraldo também atuou em importantes frentes institucionais e de formulação de políticas públicas, contribuindo para o fortalecimento da justiça social, da democracia participativa e dos direitos fundamentais. Sua produção intelectual é vastíssima, sempre orientada por uma visão humanista e crítica, que une a reflexão teórica à ação política.

Mais recentemente, em 2023, viralizou nas redes virtuais, com “categoria acadêmica”, como qualificaram os canais de comunicação progressistas, durante a sua explanação na CPI sobre o MST, na qual defendeu a reforma agrária como processo fundamental de democratização da sociedade brasileira. Como afirmou José Geraldo, o “MST é conflito, mas é também projeto. Nesse projeto, não é só a reforma agrária que está em causa, por ser – e é – uma das principais formas de emancipação do povo trabalhador, mas é também a democratização do acesso à terra, da produção econômica e ecologicamente sustentável no campo. É assegurar soberania alimentar e assegurar acesso igual, na mediação de uma constitucionalidade que acolhe porque emancipa e dá status de dignidade participativa a todos e todas no contexto legítimo da participação democrática no espaço público da cidadania.”.

Mais do que um mestre, José Geraldo é um formador de gerações. Seu exemplo inspira estudantes, professoras, pesquisadoras, extensionistas e militantes que acreditam em um Direito comprometido com a liberdade, a dignidade e a justiça.

Neste 15 de outubro, celebramos não apenas o professor, mas o educador que faz da docência um ato de resistência e de esperança. José Geraldo de Sousa Junior é, para a universidade, para a UFPB, para a advocacia popular e para o país, uma referência ética e intelectual de imenso valor.

Com gratidão e reverência, reconhecemos sua contribuição à educação, à ciência e à construção de um Brasil mais justo e solidário.

Feliz Dia do Professor, Zé!

E contigo cantamos: “Porque o que se leva dessa vida, coração, é o amor que a gente tem pra dar”... (trecho da música Bate Coração, dos compositores paraibanos Antônio Barros e Cecéu).

João Pessoa-PB, 15 de outubro de 2025.

Ludmila Cerqueira Correia

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

 

XII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico: “Justiça Socioterritorial: redistribuição, reparação e reconhecimento”

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

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De 21 a 23 de outubro de 2025, Brasília será palco do XII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico (CBDU), principal encontro nacional dedicado ao debate sobre o direito à cidade, a justiça socioterritorial e as transformações urbanas no Brasil contemporâneo.

Com o tema “Justiça Socioterritorial: redistribuição, reparação e reconhecimento”, o Congresso é promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU) em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e ocorrerá de forma híbrida, com programação majoritariamente presencial na Faculdade de Direito da UnB.

Desde sua primeira edição, em 2001, o CBDU se consolidou como o principal espaço de formulação crítica e intercâmbio entre profissionais, acadêmicos, estudantes, gestores públicos e movimentos sociais em torno das políticas urbanas e do direito à cidade. A cada edição, o evento reflete as transformações sociais e institucionais do país e os desafios enfrentados na construção de uma política urbana democrática, inclusiva e emancipadora.

Após mais de duas décadas, o Congresso retorna com a afirmação de que “ainda estamos aqui”, expressão que marca o espírito de resistência e continuidade de uma trajetória comprometida com a justiça urbana e os direitos territoriais.

O XII CBDU, um congresso em diálogo com o presente, acontece em um contexto decisivo, às vésperas da COP30 e da 6ª Conferência Nacional das Cidades, e busca articular reflexão e ação diante dos impasses urbanos e ambientais que marcam o Brasil e o mundo. Os debates irão abordar temas como racismo ambiental, justiça climática, reforma urbana, direito à moradia, mobilidade, regularização fundiária, igualdade racial e de gênero, participação social e enfrentamento ao autoritarismo.

Entre os convidados confirmados estão Ermínia Maricato, José Eduardo Cardozo, Cláudio Ari Mello, José Geraldo de Sousa Junior, Betânia Alfonsin, Rachel Germano, Luana Alves, Mônica Oliveira e diversos pesquisadores, ativistas e gestores públicos de todo o país.

Ao longo dos três dias, a programação plural e integrada, combina painéis, grupos de trabalho, oficinas, lançamentos de livros, atividades culturais e assembleia do IBDU, ocupando diferentes espaços da Universidade de Brasília.

Os Grupos Temáticos (GTs) receberão apresentações de pesquisas e experiências sobre conflitos fundiários, urbanização, interdependência de lutas e resistência cultural nos territórios populares, reafirmando o compromisso do evento com a diversidade de vozes e perspectivas.

O painel de abertura, no dia 21, discutirá “Direito Urbanístico: justiça socioterritorial e os desafios do nosso tempo”.

Nos dias seguintes, temas como “Justiça redistributiva e os 25 anos do Estatuto da Cidade”, “Reconhecimento e justiça socioterritorial” e “Justiça Climática e racismo ambiental” darão o tom dos debates. O encerramento trará a mesa “Ainda Estamos Aqui: Direito Urbanístico e Enfrentamento ao Autoritarismo nas Instituições e Territórios”, reunindo grandes nomes do campo urbanístico e dos direitos humanos.

Realizado em um cenário de reconstrução institucional e retomada das políticas urbanas, o Congresso reafirma a urgência de uma justiça socioterritorial que una redistribuição, reparação e reconhecimento, princípios indissociáveis para pensar as cidades brasileiras de forma justa e democrática. Por isso se constitui um espaço de resistência e reconstrução.

“Num país mais urbano do que nunca, feito de favelas, grotas, vilas, ocupações e tantos outros territórios populares, o CBDU reafirma o compromisso com a construção de cidades justas. Sempre estivemos, ainda estamos e continuaremos aqui”, destaca o texto de apresentação do Congresso.

Chamo a atenção para a realização no programa do Congresso da Oficina O Direito Achado na Rua e a resistência da Vila Telebrasília. Essa oficina dialoga com GT 06 – Participação Social, Autoritarismo e Disputas pelo Direito à Cidade no contexto do neoliberalismo e com o GT 07 – Direito à Cidade, Cultura e Memória: Reparação e Reconhecimento na Política Urbana Contemporânea – a Cidade como um Bem Comum, bem como com o tema central do CBDU, Justiça Socioterritorial: Redistribuição, Reparação e Reconhecimento, na medida que se propõe a trazer um espaço de encontro, escuta e formação entre organizações da sociedade civil, movimento de juristas, pesquisadores, lideranças comunitárias e moradores da Vila Telebrasília, apoiando a resistência da comunidade pela memória e permanência no território, articulando com a luta por direitos humanos e efetivação de direitos sociais a partir das bases teóricas dO Direito Achado na Rua.

Não se trata apenas de um evento programático mas a Oficina se reveste de grande relevância, potencial de aprendizagem e desenvolvimento de habilidades notadamente para os participantes, entre eles estudantes. Diante da necessidade de fortalecimento das resistências territoriais ante o avanço da especulação imobiliária, a oficina itinerante a Vila Telebrasília revela o potencial da organização coletiva na luta pela memória e permanência, como exemplo na articulação e mobilização pela moradia. A oficina será dividida em dois momentos, funcionando como uma roda de conversa: no primeiro, será feita uma rápida exposição pelos convidados sobre O Direito Achado na Rua e a resistência dos moradores da Vila Telebrasília às ameaças de retirada da comunidade da proximidade do lago Paranoá. Depois ocorrerá uma discussão, com a abertura de fala para perguntas e comentários dos participantes sobre os temas abordados.

Mas a visita a Vila Telebrasília, no ambiente do Congresso, representa também a recuperação de um encontro criativo e educador entre uma comunidade que foi protagonista no processo de realização do Plano Orientador da cidade, do discurso de cidadania, para afirmar o sentido histórico da inserção no Plano, enquanto concepção não só só de beleza e funcionalidade – os conceitos de urbs e de civitas enunciados pelo urbanista, mas também o de polis, que só o social organizado pode realizar. “Aqui tem História” anuncia o outdoor visível à entrada da Vila, na avenida das Nações, às margens do Lago Paranoá.

Sobre a ligação orgânica entre os pesquisadores do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, o IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico remeto a https://estadodedireito.com.br/introducao-critica-ao-direito-urbanistico/ bem assim a vários trabalhos (teses, dissertações e monografias) do repositório de teses e dissertações da UnB.

Sobre a bela história da luta da Comunidade da Vila Telebrasília, anoto o meu artigo Brasília, Capital da Cidadania (Revista Humanidades nº 56, dezembro de 2009, Editora UnB BrasíliaCidadePensamento. Também ao livro que organizei com Alexandre Bernardino Costa, hoje Diretor da Faculdade de Direito, anfitrião do XII Congresso: Direito à memória e à moradia: realização de direitos humanos pelo protagonismo social da Comuniade do Acampamento da Telebrasília. Brasília: UnB/Faculdade de Direito/Ministério da Justiça/Secretaria de Direitos Humanos, 1998.

Ver, ainda na Revista do Sindjus – Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no DF. Ano XVII – nº 55. Fevereiro de 2009, a edição temática Vila Telebrasília. A Conquista da Cidadania, nessa edição a mayéria de fundo O Direito de Ter Direitos, com relatos dos protagonistas do processo de luta da comunidade e o meu artigo na minha Coluna de Opinião, página 4, o artigo Vila Telebrasília. A Escala Humana da Capital. Ver, especialmente no Jornal Brasil Popular, na minha Coluna O Direito Achado na Rua, o meu artigo: https://brasilpopular.com/vila-telebrasilia-aqui-tem-historia/.

Foto Revista Sindjus 

                                                                

Serviço

Evento: XII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico (CBDU)

Tema: Justiça Socioterritorial: redistribuição, reparação e reconhecimento

Data: 21, 22 e 23 de outubro de 2025

Local: Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF

Formato: Híbrido (presencial e online)

Realização: Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU) e Universidade de Brasília (UnB)

Inscrições e programação: www.ibdu.org.br

Contato para imprensa: rb.gro.udbi@otatnoc | (81) 99731-5219

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

 Homenagem ao Professor Doutor José Geraldo de Sousa Junior 

Neste dia dos professores e professoras, celebramos com profunda admiração e gratidão a trajetória do Professor Doutor José Geraldo de Sousa Junior, jurista, intelectual público, defensor dos direitos humanos e educador comprometido com a transformação social por meio do Direito. Para mim, que fui sua orientanda no Doutorado e parceira em alguns projetos, ele será sempre o querido Zé, que, há 40 anos, se dedica à docência na Universidade de Brasília. O conheci em Brasília, ainda estudante de Direito, durante o XXI Encontro Nacional de Estudantes de Direito realizado em 2000. Recordo-me da sua alegria e do acolhimento caloroso com que recebia estudantes de todo o Brasil, entusiasmados em conhecer o timoneiro de O Direito Achado na Rua, projeto que já se espalhava pelas faculdades de Direito do país por meio de suas publicações. Vale destacar o emblemático volume 1 da Série, intitulado Introdução ao Direito Crítico, bem como o vídeo homônimo O Direito Achado na Rua, produzido em 1993 pelo Centro de Produção Cultural e Educativa da UnB, os quais tiveram ampla circulação e foram fundamentais na formação de advogadas e advogados populares, estudantes, professoras e militantes pelo país afora. Nascido no Rio de Janeiro, José Geraldo também viveu por dez anos em Natal, onde passou grande parte da sua infância e da adolescência, guardando boas recordações desse pedaço do Nordeste, que continua a visitar com frequência. Graduado e doutor pela Universidade de Brasília (UnB), instituição à qual dedicou grande parte de sua vida acadêmica, José Geraldo construiu uma carreira marcada pela coerência ética, pela defesa intransigente dos direitos humanos e pelo compromisso com uma universidade democrática, crítica e socialmente referenciada. Foi Reitor da UnB entre 2008 e 2012, período em que se destacou pela valorização da autonomia universitária, pela ampliação das políticas de inclusão e pelo incentivo à participação estudantil e comunitária nos rumos da instituição. Professor titular da Faculdade de Direito da UnB e também professor Emérito da mesma universidade, coordenou o projeto O Direito Achado na Rua, marco na produção teórica e política sobre o papel emancipatório do Direito na sociedade brasileira. Esse projeto, nascido do diálogo com os movimentos sociais e com a experiência da extensão universitária, consolidou uma perspectiva inovadora, que entende o Direito não apenas como norma, mas como instrumento de luta e reconhecimento da cidadania desde os espaços populares a partir dos grupos subalternizados. Ao longo de sua trajetória, José Geraldo também atuou em importantes frentes institucionais e de formulação de políticas públicas, contribuindo para o fortalecimento da justiça social, da democracia participativa e dos direitos fundamentais. Sua produção intelectual é vastíssima, sempre orientada por uma visão humanista e crítica, que une a reflexão teórica à ação política. Mais recentemente, em 2023, viralizou nas redes virtuais, com “categoria acadêmica”, como qualificaram os canais de comunicação progressistas, durante a sua explanação na CPI sobre o MST, na qual defendeu a reforma agrária como processo fundamental de democratização da sociedade brasileira. Como afirmou José Geraldo, o “MST é conflito, mas é também projeto. Nesse projeto, não é só a reforma agrária que está em causa, por ser – e é – uma das principais formas de emancipação do povo trabalhador, mas é também a democratização do acesso à terra, da produção econômica e ecologicamente sustentável no campo. É assegurar soberania alimentar e assegurar acesso igual, na mediação de uma constitucionalidade que acolhe porque emancipa e dá status de dignidade participativa a todos e todas no contexto legítimo da participação democrática no espaço público da cidadania.”. Mais do que um mestre, José Geraldo é um formador de gerações. Seu exemplo inspira estudantes, professoras, pesquisadoras, extensionistas e militantes que acreditam em um Direito comprometido com a liberdade, a dignidade e a justiça. Neste 15 de outubro, celebramos não apenas o professor, mas o educador que faz da docência um ato de resistência e de esperança. José Geraldo de Sousa Junior é, para a universidade, para a UFPB, para a advocacia popular e para o país, uma referência ética e intelectual de imenso valor. Com gratidão e reverência, reconhecemos sua contribuição à educação, à ciência e à construção de um Brasil mais justo e solidário. Feliz Dia do Professor, Zé! E contigo cantamos: “Porque o que se leva dessa vida, coração, é o amor que a gente tem pra dar”... (trecho da música Bate Coração, dos compositores paraibanos Antônio Barros e Cecéu). João Pessoa-PB, 15 de outubro de 2025. Ludmila Cerqueira Correia

domingo, 12 de outubro de 2025

 

A defesa da soberania e as emergências do nosso tempo

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

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Entre os dias 8, 9 e 10 de outubro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em parceria com o Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), realizou o Encontro Nacional de Democratização do Acesso à Justiça. O evento aconteceu na sede do MJSP, em Brasília e teve como objetivo construir uma agenda nacional voltada à ampliação do acesso à justiça, por meio do diálogo qualificado entre os diversos atores envolvidos na formulação e implementação de políticas públicas.

O encontro promoveu a troca de experiências e a identificação de demandas comuns, além de ouvir diferentes segmentos sociais. Além disso, buscou qualificar o debate institucional e impulsionar mudanças no modelo de justiça, visando à construção de políticas públicas mais inclusivas, adaptadas às realidades locais e comprometidas com a garantia de direitos e da cidadania.

A iniciativa foi da Secretaria de Acesso à Justiça (Saju), do MJSP, numa concepção de sua equipe liderada pela Secretária Sheyla de Carvalho visando fortalecer a articulação entre o Sistema de Justiça, o Executivo Federal, o Legislativo, a advocacia, as universidades, os movimentos sociais e as organizações da sociedade civil.

A programação contou com painéis expositivos e mesas de debate sobre temas da soberania e as emergências do nosso tempo como empoderamento jurídico comunitário, justiça socioambiental e direitos territoriais.

O painel que abriu o evento teve como tema “O acesso à justiça como pilar da democracia”, seguido do painel “Movimentos sociais como vetores da democratização da justiça” e do painel “O sistema de justiça frente às novas formas de organização do trabalho: desafios, limites e possibilidades”.

Além de lançamento do livro “Democracia, Sistema de Justiça e Luta dos Povos”, do Observatório Justiça e Democracia da ABJD, livro que tive a satisfação de prefaciar, o Seminário foi ocasião para o lançamento da Escola Nacional de Acesso à Justiça (Enaju) — plataforma on-line e gratuita que irá ofertar capacitações para democratizar o conhecimento sobre o sistema de justiça, fortalecer a cidadania e ampliar os instrumentos de acesso à justiça para populações historicamente vulnerabilizadas.

Iniciativa da Secretaria Nacional de Acesso à Justiça (Saju), a Escola também é um mecanismo de ampliação de saberes entre operadores da Justiça, promovendo um constante intercâmbio digital entre aqueles que atuam com a prática jurídica e as comunidades, grupos e sociedades que pretendem melhor atender os cidadãos.

A primeira capacitação, o Curso Aberto de Acesso à Justiça, já está disponível. São sete módulos estruturados em aulas expositivas de 30 minutos, ministradas por especialistas reconhecidos em suas áreas de atuação. Cada módulo é acompanhado de materiais pedagógicos complementares, como cartilhas, textos de apoio e indicações de leitura, ampliando as possibilidades de aprofundamento dos participantes. O curso pode ser acompanhado pelo enlace https://sajuenaju.mj.gov.br/.

Com uma participação muito ativa de pesquisadores do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, da UnB (Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPQ), aliás, uma concepção e prática claramente discerníveis na formulação temática do Seminário, participei da sessão de encerramento (mesa de debate). Coordenada pela Secretária Sheyla de Carvalho, foram debatedores e debatedoras, o advogado popular Ney Strozake (MST/ABJD), a professora Gisele Cittadino (Grupo Prerrogativas/ABJD), o professor Thiago Amparo (FGV) e a jurista Angelita da Rosa, Secretária-Executiva Adjunta do Ministério da Justiça. O tema da mesa, exatamente, o que dá título a este artigo: A Defesa da Soberania e as Emergências do Nosso Tempo.

Claro que eu já esboçara antes o roteiro de mina exposição, orientada pela aplicação de conceitos e de categorias que derivam do acervo conceitual do Direito Internacional que eu sabia, atravessaria as manifestações de meus colegas de mesa. Mas me senti provocado a inserir um nariz de cera em meu rascunho, instigado por duas notícias do dia (10/10). A primeira, a admoestação do Presidente Trump, insatisfeito por não ter sido galardoado com o Nobel da Paz 2025 (“Nobody knows more about […] than me”), muito provavelmente auto-distinguindo-se por forçar o fim de um conflito (Gaza) que muito contribuiu para se instalar, agudizar-se e agora para aproveitar-se da geopolítica de reconstrução.

A segunda notícia, alusiva à insegurança alimentar no Brasil que recuou em 2024, com a proporção de domicílios nessa condição caindo de 27,6% para 24,2%, em comparação a 2023. Os dados, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 10/10, mostram que, em números absolutos, o total de lares com restrição de alimentos diminuiu de 21,1 milhões para 18,9 milhões. Isso representa que 2,2 milhões de domicílios saíram da situação de insegurança alimentar no período.

As duas notícias me instigaram a conduzir minha exposição na Mesa, recuperando, por sua alta importância não só conjuntural mas paradigmática, os principais elementos relacionados à soberania, no discurso do Presidente Lula na abertura da 80ª Assembleia da ONU.

Sob o enfoque da Soberania como questão inegociável –  “nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis”, a afirmação do Presidente está ligada à ideia de que o país será “nação independente” e “povo livre de qualquer tipo de tutela”, principalmente quando se armam para afrontá-lo sanções unilaterais e intervenções externas: “sanções arbitrárias e unilaterais”, que se tornam assim instrumentos que ferem a soberania dos Estados.

Assim que, no plano externo e no plano interno, a chave de compreensão da Soberania, deve ser a do “Multilateralismo vs. desordem internacional”, condição para que a Soberania possa ser plenamente defendida num mundo plural em que as regras internacionais e o direito sejam respeitados. Para o Presidente Lula há “desordem internacional, quando marcada por concessões à política do poder, atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais”.

Na minha análise do pronunciamento do Presidente Lula, ao acicate do meu nariz de cera, deduz-se uma necessária ligação entre soberania, democracia e justiça social, de modo que a soberania não seja apenas autonomia política do Estado, mas a capacidade de garantir direitos básicos (saúde, educação, moradia etc.), reduzir desigualdades, proteger democracia, gênero, infância, migrantes — tudo isso como parte integrante de uma soberania digna. A fome, a desigualdade social e a pobreza são ameaças concretas à democracia e, portanto, à plenitude da soberania nacional.

Ainda que Soberania, no Direito Internacional clássico, continue a se conceituar como o poder jurídico supremo do Estado de autodeterminar-se e governar-se livremente, no interior e no exterior, em igualdade com os demais Estados, sem submissão a qualquer autoridade superior, no Direito Internacional contemporâneo o conceito clássico foi relativizado. Com efeito, a noção de soberania, originalmente pensada no Direito Internacional como independência dos Estados, ganhou novos usos substantivos no plano interno dos países, especialmente a partir da segunda metade do século XX, quando começou a se associar à autodeterminação dos povos, à cidadania ativa e à efetividade dos direitos fundamentais e dos direitos humanos.

No caso do Brasil, essa ampliação é particularmente expressiva porque o país articula o conceito clássico de soberania (autonomia nacional) com políticas públicas que buscam garantir a soberania popular e material, isto é, a capacidade concreta de o povo decidir seu destino.

Basta ver os principais usos e políticas associadas à soberania no plano interno brasileiro, anotando-se a forma de soberania popular constitucional e política (art. 1º, parágrafo único, da CF/88). Ela se expressa quando se criam e se fortalecem conselhos e conferências nacionais (como os de saúde, educação, direitos humanos, meio ambiente, cidades, povos indígenas etc), expressão da soberania participativa, uma marca das gestões democráticas pós-1988.

A Soberania dita alimentar e nutricional, conceito consolidado no Brasil com a Lei nº 11.346/2006 (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN), que instituiu o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), é entendida como o direito dos povos de definir suas próprias políticas agrícolas e alimentares, priorizando a produção local e sustentável, e garantindo o acesso universal à comida saudável, alimentação e nutrição como direitos humanos.

Soberania energética e tecnológica que se refere à autonomia nacional para produzir, administrar e usar recursos energéticos e tecnológicos. Aqui, soberania se expressa como autonomia estratégica, reduzindo dependências externas e fortalecendo o controle social sobre recursos naturais.

Soberania ambiental e climática. Inspirada na Declaração do Rio (1992), que reconhece o “direito soberano dos Estados de explorar seus recursos naturais conforme suas políticas ambientais”, ela se realiza mesmo quando o país se integra a compromissos ambientais globais (como o Acordo de Paris), mantendo autonomia na formulação de metas nacionais (NDCs).

Soberania sanitária e científica, fortemente evidenciada durante a pandemia de Covid-19, quando realizá-la envolveu a capacidade nacional de produzir vacinas, medicamentos e insumos estratégicos, além de decidir sobre políticas públicas de saúde sem submissão a interesses privados internacionais, muitas vezes interpostos de modo necropolítico, negacionista, impondo à vida uma subjugação sobredeterminada pela economia e os negócios. E Viva ao SUS.

Soberania territorial e defesa nacional, sempre no sentido de que seu alcance é alusivo ao controle do território e à capacidade de defesa, sem aviltar-se jamais, tergiversando do indicativo constitucional (o nefasto impulso autoritário de exceder o art. 142), porque o que incumbe às Forças Armadas é a defesa da soberania, e não a proteção a projetos de poder.

Soberania cultural e comunicacional, relacionada ao direito de o país preservar, produzir e difundir sua cultura e informação sem dominação externa, o que inclui a defesa da diversidade cultural, o fortalecimento da produção audiovisual, editorial e educacional nacionais e, com forte emergência contemporânea, a adoção de políticas legislativas, judiciais e governamentais de regulação da mídia e de plataformas digitais.

Forte no pronunciamento do Presidente Lula, a afirmação de que a internet não pode ser uma ‘terra sem lei’, cabendo ao poder público proteger os mais vulneráveis: “Regular não é restringir a liberdade de expressão. É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual”. Para mais, ver https://brasilpopular.com/contra-a-truculencia-unilateralista-no-global-e-os-silverios-dos-reis-no-local-preservar-a-soberania-nacional-e-a-opcao-multilateral/; e no Correio Braziliense, o meu artigo: https://www.correiobraziliense.com.br/direito-e-justica/2025/07/7207540-revogacao-de-vistos-medida-arbitraria-e-falaciosa.html.

Em síntese interpretativa do discurso do presidente Lula, que procurei por em relevo, é que ele desloca a soberania da sua dimensão clássica (territorial e estatal) para uma dimensão social e popular.  Soberania como poder de um povo decidir sobre seu destino com liberdade, justiça e dignidade, dentro e fora de seu território. O resultado é uma “soberania democrática”, que rejeita tutelas externas; protege direitos internos; busca parcerias internacionais baseadas na igualdade e não na subordinação. Minha homenagem ao querido embaixador Alessandro Candeas que organizou na Cisjordânia, a repatriação dos brasileiros confinados em Gaza no início dos bombardeios (https://www.publico.pt/2025/08/30/publico-brasil/entrevista/embaixador-conta-livro-experiencia-resgatar-brasileiros-faixa-gaza-2145501).

Uma Soberania que não seja sufocada com a paz dos cemitérios” (Conforme o Dom Carlos, Infante de Espanha de Friedrich Schiller escrito em 1787, dramatizando o conflito entre Dom Carlos, filho do rei Filipe II da Espanha, e o Marquês de Posa, em torno da liberdade, da tirania e da paz imposta pelo poder real: “Sire, esta é a paz dos cemitérios.”). Por isso a firme reprimenda do Presdente Lula: “Ali (em Gaza) também estão sepultados o Direito Internacional Humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente”.

Uma Soberania, em suma, que nos mova na consciência filosófica, sociológica, política, teológica, jurídica, mas radicalmente ética de que – disse o Presidente Lula, “A única guerra de que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza.”

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)