quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

 Finalizó ciclo de seminarios de lecturas críticas “En las fronteras de la imaginación colectiva”

Actividad fue organizada por el departamento de Ciencia General del Derecho de la Escuela de Derecho.

Con una exposición y posterior diálogo en torno al libro "Derecho y emancipación" del destacado académico y autor portugués Boaventura de Sousa Santos, llevada a cabo por Natalia Coirdeiro, académica de la Universidad de Brasilia y estudiante de Magíster en Derecho Público de la misma casa de estudios, se llevó a cabo la última sesión del ciclo de seminarios de lecturas críticas “En las fronteras de la imaginación colectiva”, el cual fue organizado por el departamento de Ciencia General del Derecho de la Escuela de Derecho de la Universidad de Valparaíso.

El ciclo se inició en el mes de agosto y contó con un total de siete sesiones, en las cuales los participantes -que pasaron previamente por un proceso de inscripción- dialogaron en torno a diversos textos. El objetivo de la iniciativa fue abrir espacios de reflexión colectiva y conversación entre iguales a partir de lecturas críticas acerca del Derecho y las principales instituciones normativas de la sociedad desde una perspectiva multidisciplinar.

La jornada de cierre fue encabezada por el profesor de la Escuela de Derecho UV y coordinador de la actividad, Aldo Valle, quien presentó a la expositora Natalia Coirdeiro, oportunidad en que hizo referencia a la corriente académica a la cual pertenece la conferencista, denominada "O direito achado na rua" (“El derecho hallado en la calle”), que hunde sus raíces en el pensamiento jurídico crítico brasileño.

Además, el profesor Valle se refirió a la importancia de la obra de Boaventura de Sousa Santos y sus aportes tanto al pensamiento crítico como a la sociología jurídica.

La presentación de Natalia Coirdeiro se tituló "¿Puede el derecho ser emancipatorio?", en la que hizo referencia al segundo capítulo del libro "Derecho y emancipación" de Boaventura de Sousa Santos, autor cuya obra correspondía analizar en la última sesión del seminario.

Inició su intervención introduciendo los datos biográficos del autor y su vinculación con el pensamiento jurídico critico brasileño, como el trabajo que realizó durante su doctorado en el estudio del pluralismo jurídico de Pasargada (Río de Janeiro, Brasil).

Posteriormente abordó los principales puntos del capítulo, que van desde la crítica que las epistemologías del sur hacen a la "modernidad" del derecho y del estado hasta los fenómenos sociales que en la época contemporánea permiten pensar alternativas a dicha modernidad, en especial lo que el autor denomina el "cosmopolitismo subalterno" y la "globalización jurídica desde abajo".

Finalmente, la exposición retomó la interrogante sobre si acaso el derecho puede ser emancipatorio, cuyas reflexiones y conclusiones llevan a sostener que el derecho no es necesariamente emancipatorio per se, sino que más bien se trata de una herramienta que puede estar, por ejemplo, al servicio de movimientos sociales o políticos que buscan la emancipación, en cuyas acciones se encuentra lo emancipatorio o no. Por último, se dio paso a las palabras y comentarios de los asistentes, generándose un debate sobre los temas abordados.

Fernando Díaz, ayudante del departamento de Ciencia General del Derecho y miembro del comité organizador del ciclo, señaló que “éste se desarrolló conforme a lo esperado y planificado, cumpliendo con las fechas estipuladas desde un inicio, así como con el formato en el que cada participante pudo exponer voluntariamente en alguna sesión. El seminario resultó una gran experiencia para aprender sobre diferentes teorías y obras que nutren y enriquecen el pensamiento y la praxis jurídica, pero que muchas veces no son estudiadas o abordadas a lo largo del pregrado”.

“Finalmente, si bien la participación durante los meses fue disminuyendo, se logró conformar un buen grupo de trabajo, con el que esperamos seguir en el próximo año realizando este tipo de actividades académicas”, cerró.

Publicado miércoles 28 de diciembre de 2022

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

 

Direitos Humanos Hoje. Uma Discussão para o Presente e Para o Futuro

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

DARCY. Revista de Jornalismo Científico e Cultural da Universidade de Brasília. Nº 20 – setembro a novembro de 2018. Direitos Humanos Hoje. Uma Discussão para o Presente e Para o Futuro

 

                          

 

            Sim, eu sei que a edição da Darcy que trago para este Lido para Você é de 2018, de há quatro anos. Mas me senti motivado a revisitá-la, primeiro porque a Secretaria de Comunicação da UnB que a edita, a trouxe como referência para marcar 74 anos da Declaração de Direitos Humanos, e numa agenda de memória RELEMBRE, valeu-se desse número para marcar que no atual, permanecem as “Dificuldades e desafios no cotidiano dos brasileiros”.

            Numa matéria de Gisele Pimenta, Serena Veloso e Vanessa Vieira (09/12/2022), com o título “Desigualdades sociais são abordadas na revista Darcy 20. Conteúdo é resgatado em celebração ao 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos”.

Volto ao texto das jornalistas:

Além das dificuldades na mobilidade urbana, Viviane Queiroz enfrenta diariamente os desafios de acessibilidade sendo estudante cega na Universidade de Brasília;

Direitos para todos os humanos. É o que assegura a declaração oficializada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948. O documento, que em 2022 completa seus 74 anos, motivou a promulgação da data como Dia Internacional dos Direitos Humanos. Diante da proximidade do marco, o UnBNotícias dá visibilidade à temática a partir da publicação de duas de matérias do Dossiê do número 20, lançado em 2018, da revista Darcy, publicação de jornalismo científico e cultural da UnB.

 

Importante a Darcy ser a fonte dessa matéria da Secom da UnB em UnBNotícias. Para isso a Darcy foi criada, em minha gestão como Reitor, o seu número 1, publicado em julho/agosto de 2009. Para ser uma revista de jornalismo incumbida de divulgação científica. Uma revista feita por jornalistas para assegurar uma comunicação fluente de temas em geral sisudos elaborados por cientistas, pensadores, intelectuais.

O nome um achado. O devemos ao professor Luis Gonzaga Motta, da Faculdade de Comunicação que dirigiu a Secom na primeira metade de meu mandato e da brilhante jornalista, ex-aluna da UnB (graduação e pós-graduação) e que o sucedeu até o final do mandato (2012). Não sei se Motta se inspirou na Getúlio, da Fundação Getúlio Vargas. Creio que não. Darcy Ribeiro era e é ainda potente o suficiente para inspirar e nominar uma revista da Universidade que criou.

O certo é que guardando lugar de zelo para tudo que se publica na UnB, tenho pela Darcy um carinho incondicional. Em todas as publicações a partir da nº 1, até o final de meu mandato, cuidei e abri cada edição com uma coluna do Reitor, pessoalmente assinada.

Nesse nº 1, meu texto trouxe, a propósito da edição de lançamento, o título Porque Darcy. Lembrei que em discurso que fez no Auditório Dois Candangos, na UnB, em 16 de agosto de 1985, o fundador da UnB, antecipara o que poderia ser uma publicação como a nova Revista, o que deveria ser o espírito e a sua linha editorial: “o compromisso com o conhecimento e a disposição inquietante para divulga-lo, levando em conta que ‘toda ideia é provisória e tem de ser posta em causa. ‘Numa universidade’, ele dizia, ‘tudo é discutível’”.

Ser a Darcy “esse espaço de diálogo possível entre saberes e se fazer galeria para o livre trânsito entre conhecimentos que possam se interligar”. Os Direitos Humanos podem ser e de fato são esse carrefour que torna possível a universidade se fazer necessária e nessa medida, também emancipatória.

          

 

Em materia de fundo nea edição nº20 (2018) – Um Grito por Dignidade, Liberdade e Igualdade, os editores aceitam o meu argumento de que as declarações apenas não alcançam a escuta plena desse grito:

Correntes teóricas de vertente mais crítica ao entendimento estritamente jurídico apontam que os marcos documentais não são suficientes para explicar a complexidade dos direitos humanos. O professor José Geraldo acredita que a temática extrapola a perspectiva das garantias de proteção, porque integra um campo de disputas ideológicas com diferentes conjunturas e demandas específicas. “Os direitos humanos são as lutas pelo reconhecimento da dignidade do humano, e isso é uma construção política e histórica no social”, define.

Para compreender as duas dimensões do conceito — o que são os direitos e qual consenso se estabelece sobre a condição humana — é preciso responder a outra pergunta: direitos para quem? Ex-reitor e estudioso do direito achado na rua, o professor José Geraldo observa: “Se a princípio parece óbvio o que se entende por humano, tal reconhecimento esbarra nas contradições da história. No Brasil, a concessão de direitos limitou-se por muito tempo a determinados grupos sociais”.

A Constituição de 1824, após a proclamação da Independência, foi um exemplo dessa contradição, segundo José Geraldo. “O documento estava apoiado na tese de que todo homem nasce livre e igual em direitos. Porém, em uma sociedade escravocrata, em que o trabalho era alienado da dignidade, o escravo não era reconhecido como pessoa humana”. Analfabetos, indígenas, mulheres e outros grupos que não tinham propriedade e renda eram excluídos, ou seja, não eram vistos como “homens de bem”, para ser literal à linguagem constitucional daquela época.

Do que se trata é aferir o que dessa herança se prorroga para a contemporaneidade:

Essa herança ecoa na própria contemporaneidade, quando ainda persistem limitações para o exercício político dos direitos humanos entre segmentos sociais historicamente excluídos. Por isso, José Geraldo defende que, mais do que declarados, os direitos humanos devem ser exercidos. O caminho para isso seria aproximá-los da política e colocá-los como agenda na definição de políticas públicas. “A transformação da teoria em prática só é possível pela participação política e pela educação, com o envolvimento dos cidadãos nos processos democráticos por meio do debate e da escolha de representantes que possam direcionar as demandas sociais”, argumenta o professor de Direito.

Curioso é que os argumentos que ofereci à matéria de Darcy há quatro anos tenham sido repostos agora, por Campus Multiplataforma, um espaço de temas do Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UnB.

Na matéria 74 anos da Declaração de Direitos Humanos, preparada por Júlia Mano e Mateus Gaudêncio (https://sites.google.com/view/diadosdireitoshumanos/in%C3%ADcio?pli=1), pude contribuir para a construção da narrativa dos estudantes-jornalistas que aproveitaram no atual, alguns dos argumentos que eu havia lançado em 2018:

O professor do núcleo de práticas jurídicas da Faculdade de Direito José Geraldo de Sousa Junior disse ao Campus Multiplataforma que os pactos dos anos 1960 e documentos promulgados nos anos 1990 apresentaram alternativas à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Afirmou que os acordos tinham “novos temas e o protagonismo dos movimentos sociais e de organizações da sociedade civil”.

Já sobre os atuais desafios de respeito aos artigos do documento, o professor afirmou que as medidas estabelecidas precisam “sair do plano retórico e celebratório”.

“O pensador e político Norberto Bobbio dizia que: ‘o problema atual dos direitos humanos já não é a sua fundamentação, uma questão filosófica; mas a sua dimensão política e, em última análise jurídica. Não basta conceituá-los, é necessário exercê-los, fazê-los efetivos’”, disse Sousa Junior.

 

Penso que conseguiram captar, para além do declaratório, a dimensão instituinte do social inscrito na história para realizar concretamente os direitos humanos. Fico feliz por ter a concordância nessa caracterização de minha colega Elen Geraldes, da Faculdade de Comunicação, atualmente Coordenadora do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos e Cidadania (CEAM). É desse lugar que ela fala:

Elen Geraldes afirmou que “os direitos humanos são produto das lutas sociais”. Da mesma forma, José Geraldo de Sousa Junior disse que os movimentos “por reconhecimento e aquisições materiais permitem a humanização contínua de sujeitos, individuais e coletivos que se relacionam em uma experiência de humanização”. 

O professor também disse que “sem direitos verdadeiramente humanos a cidadania não se realiza e a dignidade do humano não se afirma plenamente”. Em locais em que não há respeito aos direitos humanos a população sofre com a “redução de dignidade que os impede se emanciparem, [são] excluídos e alienados cultural e legalmente, um estado de ‘subcidadania’, sub-humano, destituídos de direitos e de participação política”, segundo Sousa Junior

Certo que Elen Geraldes e eu próprio estamos falando desde uma perspectiva libertadora, uma plena educação para os direitos humanos, freireanamente considerada. Por isso que, por sua indicação, concorreu e foi contemplado no lançamento dos prêmios de direitos humanos (Anísio Teixeira) e de educação para os direitos humanos (Mireya Suárez), projeto coordenado pelas professoras Nair Heloisa Bicalho de Sousa (NEP/PPGDH) e Flávia Beleza (NEP) –O projeto Estudar em Paz ocorre desde 2009, com foco na mediação de conflitos, e já beneficiou mais de mil pessoas da comunidade escolar da educação básica do Distrito Federal – conforme matéria da Secom (https://www.noticias.unb.br/76-institucional/6208-unb-entrega-premio-de-direitos-humanos-a-11-projetos).

Tudo isso remete a um processo, diz Nair Heloisa Bicalho de Sousa, motivada pela leitura de Nita Freire em aludir à “pedagogia dos direitos humanos” como proposta freireana de “inserção crítica dos homens e das mulheres nas suas sociedades ao possibilitar-lhes terem voz, dizerem a sua palavra, biografarem-se (FREIRE, Ana Maria Araújo (Nita Freire). Acesso à Justiça e a Pedagogia dos Vulneráveis. In SOUSA JUNIOR, José Geraldo de GERALDES, Elen et al. Organizador. Introdução Crítica ao Direito à Comunicação e à Informação. Série O Direito Achado na Rua, vol. 8. Brasília: FAC/UnB Livros, 2017, p. 69-77), uma base consistente, apta a constituir um programa de educação em e para os direitos humanos e a orientar a “construção de saberes, práticas pedagógicas e metodologias participativas da educação em direitos humanos” (cf. Retrospectiva Histórica e Concepções da Educação em e para os Direitos Humanos. In PULINO, Lúcia Helena Zabotto et al. (Orgs). Educação em e para os Direitos Humanos. Biblioteca Educação, Diversidade Cultural e Direitos Humanos volume II. Brasília: Paralelo 15, 2016, p. 73-124), cf. http://estadodedireito.com.br/direitos-humanos-e-educacao-libertadora/.

 

 

                       

 

            Assim que, nas circunstâncias desta resenha e para contextualizar meus argumentos, recupero o completo depoimento que ofereci para a edição, a partir das questões propostas por seus repórteres, até para preservar o esforço de reflexão:

– Qual era o contexto histórico que levou à necessidade de se criar uma Declaração dos Direitos Humanos da ONU?

Término da segunda guerra mundial, um conflito que exacerbou a violência no teatro de operações, num conflito que projetou interesses vitais para a configuração de espaços territoriais para alavancar pretensões hegemônicas, mas que tinha embutida nas mobilizações projeções de concepções de mundo dissociadas do humano, sacrificadas às lógicas de acumulação: o capitalismo que sacrifica o social ao desempenho dos negócios; o socialismo de estado que subordina a subjetividade individual e os direitos fundamentais ao planejamento coletivista; o totalitarismo em suas expressões nazi-fascistas que sacrifica violentamente na opção eugênica, comunidades, povos, identidades, culturas que expressem o diferente. Em todas essas dimensões, o progresso operado pelo consumo canibalizador da natureza e o empreendimento colonizador produzindo a redução da dignidade humanas em suas incidências excludentes de classes, raças e gênero.

– Houve impactos à época em que a Declaração dos Direitos Humanos da ONU foi promulgada? Se sim, quais?

Sim. Nas mentalidades, exibindo o horror do holocausto e da descartabilidade do humano e de suas subjetividades reivindicantes contra as opressões e as espoliações, afetando o núcleo da emancipação legítima pela fome, pelo medo e as restrições às crenças e ao direito de reivindicar. As chamadas quaro liberdades fundamentais que balizaram o trabalho de preparação do documento (a Declaração), muito enriquecido pela contribuição de filósofos, entre eles Jacques Maritain e René Cassin. Fortemente liberal (as chamadas liberdades elementares) o texto, avançado, exortador, convocava ações públicas nos planos políticos, econômico, culturais, “Considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem através de um regime de direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão”. Aprovada por unanimidade, houve abstenções, de países de socialismo real, insatisfeitos por não terem as chamadas “liberdades alimentares” e os direitos de fundo econômico, político e cultural sido contemplados. Os pactos dos anos 1960 cuidaram de formular opções nesse plano e as declarações dos anos 1990 (Viena, Pequim, Cairo, Istambul, Teerã, Copenhague, Roma, Rio, Durban) trazendo novos temas (Populações, Mulheres, Moradia, Tolerância, Racismo e Xenofobia, Alimentação, Ambiente) e o protagonismo dos movimentos sociais e organizações da sociedade civil.

– Quais foram os desafios à época para a adoção da Declaração dos Direitos Humanos da ONU?

Superar os antagonismos ideológicos inscritos nos conflitos não resolvidos com o fim da guerra e que se prorrogam no que o Papa Francisco vem chamando de “terceira guerra mundial em partes…com risco de se tornar total”.

– Quais são os atuais desafios para que os artigos previstos na Declaração dos Direitos Humanos da ONU sejam respeitados?

Saírem do plano retórico e celebratório, satisfeito com a reverberação filosófica de seus enunciados, enquanto meros enunciados e se projetarem para a política que organiza planos e programas de realização concreta. Aliás, o pensador e político Norberto Bobbio dizia exatamente isso: “o problema atual dos direitos humanos já não é a sua fundamentação, uma questão filosófica; mas a sua dimensão política e, em última análise jurídica. Não basta conceituá-los, é necessário exercê-los, fazê-los efetivos”.

– Como você avalia o trabalho da comunidade internacional na promoção dos direitos humanos? E do Brasil? E da UnB?

O sistema nacional, regional e global (universal) de direitos humanos se funcionalizou por meio de órgãos (assembleias, comissões) de elaboração, monitoramento (comissariados, relatórios, com acesso de pessoas individualmente e participação da sociedade civil) e julgamento (comissões e cortes). Nesse exato momento o Brasil está sendo sabatinado sobre o cumprimento de diretrizes e violações de direitos humanos, a partir dos tratados, das convenções e de recomendações. Muito em evidência, entre outros atos as violações, principalmente praticadas ou toleradas pelo próprio governo. Relevo para a Convenção 169 da OIT, sobre Povos Indígenas e Tribais, notadamente por omissão ao cumprimento da exigência de consulta prévia, livre e informada, para atender a devida consideração seus costumes ou seu direito consuetudinário, questão que ganhou muito relevo na América Latina e também no Brasil. Depois de um período de deliberada ação política hostil a esses direitos e até genocida (conforme já consta de livros didáticos internacionais e promoções judicias nacionais e internacionais), a abertura democrática para uma nova governança pautou definitivamente o reconhecimento dos direitos ancestrais dos povos originários, seus usos e seu direito a terra, territórios e modos de existir. Na UnB a sua própria história se confunde com a o reconhecimento e a atenção aos direitos humanos. Basta ler o Relatório da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB com significativos registros. E mais ainda as iniciativas acadêmicas (disciplina Direitos Humanos e Cidadania, criada em 1986 por iniciativa do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos, também instituído em 1986); a implantação dos programas de pós-graduação (mestrado e doutorado) em direitos humanos e cidadania; as políticas de ações afirmativas adotadas pioneiramente pela UnB, legitimadas por sua autonomia universitária e homologadas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental). A UnB cuidou de criar uma Câmara de Direitos Humanos em seu Conselho Universitário e uma Secretaria de Direitos Humanos e nos próximos dias entregara aos agraciados os prêmios de direitos humanos (Prêmio Anísio Teixeira) e de educação em direitos humanos (Prêmio Mireya Suárez). O catálogo de monografias, dissertações e teses da UnB sobre o tema é um dos mais importantes repositórios do Brasil.

– Como pode ser explicado de forma simples o que são os direitos humanos?

À luz de tudo que aqui se expôs os direitos humanos não são as declarações, os monumentos ou sequer as ideias que sumariam as aquisições nesse campo, mas as lutas concretas por reconhecimento e aquisições materiais que permitem a humanização contínua de sujeitos, individuais e coletivos, que se inte-relacionam numa experiência de humanização.

– Qual a importância dos direitos humanos na vida de um cidadão?

Sem direitos verdadeiramente humanos a cidadania não se realiza e a dignidade do humano não se afirma plenamente.

– Quais são os prejuízos à vida de um indivíduo por viver em locais em que não se respeita os direitos humanos?

Sofrerem a redução de dignidade que os impede de se emanciparem, excluídos dos bens da vida, socialmente produzidos, excluídos e alienados cultural e legalmente, num estado de sub-cidadania, sub-humano, destituídos de direitos e de participação política (meras “ferramentas falantes” (estrangeiros, escravos, mulheres) como os classificava Aristoteles, sem a autonomia que constitui o “animal político”, o único que exerce funções e direitos na Pólis.

– Teria algo a mais a falar que não foi contemplado com as perguntas?

Somente na democracia, não apenas por realizar uma forma de governo, mas um projeto de sociedade, os direitos como relações podem se constituir e materializar condições de bem viver.

 

Com Antonio Escrivão Filho cuidamos de radicalizar essa passagem, da mera enunciação para uma perspectiva de realização, na direção de consumar uma compreensão dos direitos humanos como projeto de sociedade. Foi o que fizemos em livro – Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016 (ver meu Lido para Você http://estadodedireito.com.br/para-um-debate-teorico-conceitual-e-politico-sobre-os-direitos-humanos/).

Assim, cogitar da teoria e da história dos direitos humanos, especialmente, a partir do Brasil, parece algo pertinente, sobretudo desde uma aproximação que encontra, na América Latina, novos horizontes epistêmicos; no Estado, um complexo agente de garantia e, simultaneamente, de violação de direitos; e nas lutas sociais, o compromisso ético-político que põe em movimento e dá fundamento a uma sociedade livre, justa e solidária.

De um lado, recusar a abordagem linear segundo a qual os direitos humanos se manifestam por etapas, como se fossem um suceder de gerações, em espiral evolutiva,  de cujo evolver naturalizado derivassem os direitos individuais, civis e políticos, seguidos dos direitos econômicos, sociais e culturais. Em vez disso, buscar conferir os processos ou as dimensões, designadas num cotidiano de afirmação e de reconhecimento, do qual emergem de modo indivisível, interdependente e integralizados os direitos humanos, manifestados ontologicamente na realidade instituinte e deontologicamente, abrigados num plano de garantias institucionalizado.

De outra parte, rastrear a emergência dos direitos humanos como projeto de sociedade. Vale dizer, na consideração de que não se realizam enquanto expectativas de indivíduos, senão em perspectiva de coletividade, como tarefa cuja concretização se dá em ação de conjunto.

Assim sendo, partimos do debate conceitual dos direitos humanos, para esboçar o panorama do cenário internacional e de sua emergência histórica, no mundo e no Brasil. Para, desse modo, articular o seu percurso no contexto da conquista da democracia, assim designada enquanto protagonismo de movimentos sociais, ao mesmo tempo sujeitos de afirmação e de aquisição dos direitos humanos. Em relevo, pois, a historicidade latino-americana para acentuar a singularidade da questão pós-colonial forte na caracterização de um modo de desenvolvimento que abra ensejo para um constitucionalismo “Achado na Rua”. Problematiza-se, em conseqüência, os modos de conhecer e de realizar os direitos humanos, em razão das lutas para o seu reconhecimento, a partir das quais se constituem como núcleo da expansão política da justiça e condição de legitimação das formas de articulação do poder e de distribuição equitativa dos bens e valores socialmente produzidos”.

Em suma, compreender os direitos humanos dentro de “um programa que dá conteúdo ao protagonismo humanista, conquanto orienta projetos de vida e percursos emancipatórios que levam à formulação de projetos de sociedade para instaurar espaços recriados pelas lutas sociais pela dignidade”.

 

 

 

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

 

O que precisa ser novo num governo novo?

  •  em 



Estimadas e estimados leitoras e leitores, estamos a uma semana da posse do novo governo. Ainda assistimos às gestões finais para compor a governança, a definição dos ministérios e do alto escalão que a vai caracterizar.

 

Há uma atmosfera de expectativas, a rigor, de esperanças, considerando a realidade trágica vivenciada no país nos últimos seis anos, de uma administração cuja legitimidade foi todo tempo questionada e definitivamente avaliada nas eleições.

 

Acabamos de conhecer o Relatório Final do Gabinete Governamental de Transição e é dele que vem a afirmação de que “é hora de resgatar a esperança. O desejo popular expresso pelo resultado das urnaselegeu um projeto de reconstrução e transformação nacional. Nosso horizonte é a criação de um país justo, inclusivo, sustentável, criativo, democrático e soberano para todos os brasileiros e brasileiras. Trata-se de um grande desafio e uma obra de muitos, a esperança da nossa gente será o motor das mudanças que iremos realizar nos próximos anos”.

 

O Relatório, segundo seus subscritores, parece ter sido um trabalho de fôlego, para o qual contribuíram agentes públicos do aparato de Estado e contra o qual não se apresentou nenhuma objeção ou correção. Ao contrário, a PEC da Transição recentemente aprovada pelo Congresso indica que o quadro de desmantelamento das políticas públicas, principalmente as sociais, tem a prova dos nove na trágica realidade orçamentária.

 

Por isso, do Relatório sobressai a observação de que “o resultado é uma fotografia contundente da situação dos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública Federal. Ela mostra a herança socialmente perversa e politicamente antidemocrática deixada pelo governo Bolsonaro, principalmente para os mais pobres. A desconstrução institucional, o desmonte do Estado e a desorganização das políticas públicas são fenômenos profundos e generalizados, com impactos em áreas essenciais para a vida das pessoas e os rumos do País. Isso tem tido consequências graves para a saúde, a educação, a preservação ambiental, a geração de emprego e renda, e o combate à pobreza e à fome, entre outras”.

 

Para os fins desse artigo destacamos a parte do Relatório que trata da Defesa da Democracia, Reconstrução do Estado e da Soberania Centro de Governo. Com efeito, aí onde se marca o Centro, mais que nunca cabe a indagação: o que precisa ser novo num governo novo? Do estertor da barbárie e do autoritarismo que agonizam, como interditar os monstros que se esgueiram no lusco-fusco para migrar do velho governo para o novo governo?

 

O Relatório, revelando o ânimo da governança que se instala, define também a orientação que a guia: “O Centro de Governo (CdG) reúne o conjunto das unidades da Presidência que atuam na coordenação dos órgãos e entidades do Poder Executivo, direcionando as áreas setoriais para o alcance dos objetivos definidos pelo Presidente. Embora haja muita variação na organização do Centro de Governo entre os países e também ao longo da própria história da Nova República, em geral, algumas funções estão presentes nos diferentes arranjos institucionais e são fundamentais para a coerência da ação governamental. Por um lado, o Centro de Governo busca garantir a sustentação política e social para a consecução do programa governamental, realizando a coordenação política, a articulação social e a comunicação com a sociedade, além de oferecer mecanismos de transparência e responsividade. Por outro lado, o Centro de Governo precisa garantir os resultados e as entregas de bens e serviços públicos. Nesse sentido, o CdG deve ser capaz de definir prioridades, coordenar o processo de produção de políticas públicas (especialmente as prioritárias e as transversais), mediar e equacionar eventuais conflitos, acompanhar e monitorar as ações e programas de governo e oferecer suporte jurídico e político para as decisões do Presidente”.

 

Nesse Centro está a Justiça e a Segurança da Cidadania. Ponto nevrálgico que ativa o sensível dos objetivos, dos fundamentos e do método da governança. Já agora vimos o sensor ético dessa disposição ser fortemente acionado, no duplo episódio de indicação de nomes para a polícia rodoviária federal e para o sistema penitenciário. E, imediatamente, a atuação corretiva para não contaminar o projeto nos seus objetivos, fundamentos e método, com a infiltração de biografias que os afetem.

 

Tarefa delicada e que requer firmeza. Num mundo que ambiguidades não se prestem de álibi para disfarçar antagonismos radicais, vale ainda o critério proposto por Merleau-Ponty quando se trate de discernir entre discursos que só na aparência são unívocos. De fato, lembra o filósofo, “todos lutam em nome dos mesmos valores: a liberdade, a justiça. O que divide é a espécie de homens para quem se pede justiça ou liberdade, a espécie de homens com quem se entende fazer sociedade: os escravos ou os senhores”.

 

Ainda bem que há perfis forjados nessa fibra de dupla lealdade, ao projeto e à cidadania. Perfil como o do Ministro Flávio Dino que conhece bem a mais hegeliana afirmação de Gramsci de que“o velho mundo agoniza, um novo mundo tarda a nascer, e neste lusco-fusco surgem os monstros”.

 

É isso que precisa ser novo num governo novo. As eleições contribuíram para separar o joio do trigo. Agora, é separar o joio do joio e o trigo de trigo. Ainda bem que os critérios existem e são assumidos pelo novo governo, atento a sua condição de governo popular, afeito à democracia participativa e à interlocução necessária com as articulações legítimas da sociedade civil.

 

Graças ao esforço de milhões de cidadãos e cidadãs hoje rumamos a passos largos para reatar o fio de democratização momentaneamente esgarçado, por essa razão entendemos que já é hora do nosso debate transpassar as acusações ao modelo de governo autocrático, apontando agora para novos desafios e ares, portanto, pensarmos coletivamente a categoria de país em que queremos viver e, claro, qual o papel da sociedade civil nesse momento histórico. Cremos importante trabalhar esse tema por três fatores: a) situar o nosso lugar de fala frente a um governo democrático; b) demonstrar a importância da sociedade civil na afirmação do projeto democratizador; c) estabelecer o estrito e necessário vínculo entre governo popular e sociedade civil para a conquista de uma democracia participativa.

 

O primeiro ponto importa explicitar que entendemos como sociedade civil organizada:o conjunto de coletivos, movimentos e grupos, que, conscientizados, representam as históricas reinvindicações por direitos das maiorias oprimidas (ou minorias políticas), são os também chamados sujeitos coletivos de direitos, incidindo nesse conceito, as diversas organizações da sociedade civil que lutam pela defesa dos direitos humanos (é onde nossa Comissão se situa). Pois bem, entendemos que o papel da sociedade civil nesse momento histórico é o de fiel conselheiro que, à medida que tenha sua voz escutada flui na sua cotidianidade, porém, ao passo que seja calada deve gerar turbulência na maré.

 

Como representantes da voz de muitas e muitos, a sociedade civil organizada deve ter por ciência que a democratização do país passou pela luta cotidiana de cada um e cada uma cidadã que resistiu à autocracia, às tiranias, às violações aos direitos humanos, a fome e a pobreza, inclusive com muitas e muitos mártires, por violações imprescritíveis e não anistiáveis.

 

Dessa forma, que comecemos a romper com a democracia de baixa intensidade que vivemos hoje, e assim se estabeleça um verdadeiro governo popular (inclusive para que possamos chamá-lo de popular). Se faz necessário que se estabeleça um forte canal de troca de saberes entre a sociedade civil e o governo eleito, um canal de troca horizontal onde seja permitido que o fiel conselheiro de um governo popular possa trocar saberes, recomendar e desaconselhar, projetar e advertir, evitando constrangimentos e exposições desnecessárias (pois o vento há de turbilhoar).

 

Na verdade, é a efetiva troca da sociedade civil com o governo que o torna popular, de maneira a estar sempre atualizado com as novas demandas civilizatórias, e assim perceber (e receber) o clamor dos movimentos populares, permitindo que novos ares reciclem os ambientes, e, assim, antigos acertos permaneçam, eventuais equívocos sejam sanados e, principalmente, uma nova gama de possibilidades se expanda, o que só acontece com a abertura ao outro.

 

Por fim e, tão importante quanto, é fundamental que instrumentos de participação direta na tomada de decisão sejam progressivamente acrescentados à um projeto de governo que aspira a democracia de alta intensidade, de maneira a ampliar a participação dos cidadãos e cidadãs na tomada de decisão sobre as suas vidas, assim aumentando a consciência cívica da nação, consolidando a importância da democracia e a educação emancipadora. Por essa razão, as consultas públicas e referendos e, principalmente, um modelo de orçamento participativo que além de tudo estimule a conscientização cívica, tomando responsabilidade sobre o orçamento público é de especial relevância para atingir um governo popular e uma democracia participativa e de alta intensidade.

 

Esperamos que o centro de governo, mediado pela atuação de uma justiça acessível e de uma segurança cidadã – muito diferente da instrumentalidade funcional de uma justiça formal e autoreferida – se abra à rua (metafórica), reconhecendo seus espaços instituintes e a titularidade coletiva das subjetividades inscritas nos movimentos sociais que transformam a democracia de forma de governo em forma de sociedade.

 

Uma Justiça (e uma governança) que não se isole numa bolha arrogante e prepotente de dramática memória, principalmente se pensarmos em seu papel para interditar, aprisionando, um presidente (Lula) praticamente eleito. Afinal, como ilustrou Saramago (O Conto da Ilha Desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras, 2016), é necessário sair de mim e me encontrar numa outra órbita; sair de si mesmo para ver a si mesmo. Sair da ilha para ver a ilha.

 

Sair, pois, da bolha, principalmente a jurídica, das velhas hierarquias e das comendas heráldicas, que se autoconhecem (quihurlent de se trouver ensemble), para desburocratizar e despapelizaro sistema, abrindo-se à interlocução com os verdadeiros protagonistas, nos espaços sociais que reinventam, os sujeitos coletivos de direito, que pedem não só a ampliação de acesso ao sistema de justiça, mas diálogo para discutir a qual Justiça reivindicam acesso.

 

(*) Eduardo Xavier Lemos, presidente da Comissão Justiça e Paz de Brasília,  e José Geraldo de Sousa Junior, membro da Comissão Justiça e Paz de Brasília.


 

O que precisa ser novo num governo novo?

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quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

 

O que está acontecendo e o que fazer no Peru?

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Recebi de meu colega amigo e co-autor em muitas incidências editoriais o PDF de obra recém lançada – Sociologia do novo constitucionalismo latino-americano: debates e desafios contemporâneos / [Organizadores], Gustavo Menon, Maurício Palma, Douglas Zaidan. –São Paulo: Edições EACH, 2022.1 ebook ISBN 978-65-88503-38-6 (recurso eletrônico) DOI 10.11606/97865885033861 Acesso: https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/view/939/851/3088.

 

Na nota noticiosa diz Gladstone Leonel da Silva Junior: “A destituição do presidente Castillo no Peru e a crise gerada nos permite refletir sobre uma Constituição peruana que inviabiliza um governo sem maioria no Congresso. Esta conjuntura e o debate recente ressalta a importância da obra que aqui apresento: “Sociologia do Novo Constitucionalismo Latino-americano”, organizada pelos professores @douglaszaidan , Gustavo Menon e Maurício Palma e publicada pelo Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina da USP. Tive a satisfação de escrever com o grande parceiro e professor @josegeraldosousajr , o artigo que abre essa obra e traz reflexões realizadas há alguns anos cujo título é: CONSTITUCIONALISMO ACHADO NA RUA A PARTIR DA AMÉRICA LATINA: ELEMENTOS INICIAIS. Existem vários outros artigos importantes e consistentes ao debate proposto. O acesso ao livro é integral e gratuito, disponível no link na Bio nos stories”.

 

Gladstone vai ao ponto em sua nota. Em toda a América Latina vivemos tempos interpelantes, tensos, no embate entre o horizonte histórico de descolonização e as recrudescências autoritárias do processo capitalista de acumulação, que em sua exacerbação neoliberal, fomenta a emergência de radicalismos políticos ao extremo da direita ideológica.

 

No Brasil, felizmente, e em método democrático movido pelo sufrágio, estamos agora na transição para o resgate da democracia e dos direitos humanos ao impulso utópico da emancipação. Na Argentina, que mais cedo encaminhou-se para esse movimento, há ainda sobressaltos e a vice-presidenta Cristina Kirchner acaba de ser sentenciada com o acréscimo de “inabilitação perpétua” de seus direitos políticos, em outra extravagância do lawfare, que embora desmascarado em sua ocorrência no Brasil para impedir o Presidente Lula de participar de eleições, ainda produz consequências graves.

 

Gladstone anota o que se passa nesse instante no Peru. Ainda que a comunicação corporativa e muitos analistas, entre eles progressistas, convirjam para uma interpretação que desabona Castillo, caracterizando-o como protagonista de um auto-golpe, na América Latina há vozes que identificam mais um movimento da direita para arrancar da governança um dirigente de extração popular. A acadêmica peruana, quéchua, Shyrley Peña (aliás, minha orientanda no doutoramento em Direitos Humanos e Cidadania da UnB), considera ter havido uma ação destituinte contra a esquerda latinoamerica (https://youtu.be/nVmqTUDURFM). “Pedro Castillo foi vítima de um contra-golpe da extrema-direita, ela afirma em depoimento apara o canal Expresso 61.

 

Nesse mesmo diapasão a manifestação do presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador que vê na crise política do Peru “los intereses de las élites económicas y políticas” que, desde el inicio del Gobierno de Pedro Castillo, han mantenido “un ambiente de confrontación y hostilidad” en su contra” (https://elpais.com/mexico/2022-12-07/lopez-obrador-achaca-la-crisis-en-peru-a-los-intereses-de-las-elites-economicas-y-politicas.html).

 

Assim que, pondo sob suspeição uma difundida convergência de posicionamentos que se associaram para afastar o presidente, numa orquestração de hostilidades que nunca disfarçou a rejeição das elites de la Costa, contra a gente de la Selva y de la Sierra (campesinos e indígenas), já começam a crescer las protestas en Perú que piden disolver el Congreso y liberar a Pedro Castillo (https://actualidad.rt.com/actualidad/451329-crecen-protestas-peru-piden-disolver-congreso-liberar-castillo): “Los seguidores de Castillo demandan que lo liberen y lo restituyen en la Presidencia, que Dina Boluarte salga de la jefatura de Estado tras su designación como mandataria por el Parlamento, que el Congreso sea disuelto, que se convoque a una Asamblea Nacional Constituyente para reformar el país y se realicen elecciones generales”.

 

As Rondas Campesinas, a mais autônoma e representativa organização de base popular, pela voz do presidente da CUNARC-Perú Santos Saavedra Vasquez, também pedem Assembleia Constituinte Plurinacional.

 

Nesta semana, com o País já bem convulsionado e com um acumulado de mortes não só pela repressão policial mas decorrentes de ações de paramilitares organizados pelas articulações de extrema-direita com o apoio de fujimoristas, o Congresso aprovou a antecipação das eleições segundo a proposta do executivo, para abril de 2024, não tendo sido aprovada a consulta para uma Assembleia Constituinte. No entanto, eles afirmam que isso lhes dá tempo para continuar a debater outras reformas, incluindo o Referendo para uma Assembleia Constituinte, que pede a população. De sua parte, os partidos querem aproveitar para acrescentar reformas para seus próprios interesses, como aumentar o número de congressistas, bicameralidade, renovação por terços, reeleição de congressistas, etc. As organizações de povos esperam que a sua proposta de participação seja também incluída.

 

O comentário é de minha cara amiga Raquel Yrigoyen Fajardo, diretora do IIDS – Instituto Internacional de Derecho y Sociedad (www.derechoysociedad.org), a mais engajada instituição de sociedade civil que assessora os povos originários no Perú. O IIDS acaba de publicar, com o apoio de todas as entidades organizativas desses povos, uma “Agenda de los Pueblos para el Bicentenário”. É de Raquel que retiro o título desse artigo: “Qué está pasando en el Perú?

 

Ainda nesta semana Raquel esteve em Brasília participando de um círculo de reflexões sobre os direitos dos povos indígenas e quilombolas, e os desafios da descolonização, no Bicentenário da sua independência, em Simpósio organizado pela OIT e o Ministério Público do Trabalho.

 

Tive o privilégio de ouvir dessa acadêmica e militante, consultora da OEA e das Nações Unidas, que acaba de ser convidada pelo Papa Francisco para um colóquio sobre paz e justiça, uma completa e precisa avaliação sobre o que está se passando no Perú, algo que interessa a toda a Região. E como síntese, algumas proposições

 

Me diz Raquel. O que está acontecendo e o que fazer no Peru? Nesta hora no Peru, é necessária uma reflexão-ação participativa sobre vários assuntos prioritários como estes:

 

1) sobre o tema imediato da violência:

 

– ao Estado, exigimos que cesse a violência e proíba o uso de armas letais; que investigue e sancione responsáveis e instaure o diálogo;

 

– à sociedade, pedimos-lhe: solidariedade imediata com familiares de mortos, feridos; aconselhamento a detidos e acolhimento-apoio a organizações sociais e indígenas em mobilização pacífica;

 

2) Sobre a crise do executivo e a rejeição do Congresso:

 

– encontrar saídas legais já para as eleições gerais, onde as organizações de povos possam participar e os seus direitos sejam garantidos; isto requer acordos políticos e modificações legais e uma disposição final transitória da Constituição. titulação que o habilite.

 

– Vale lembrar que existe, por exemplo, o Art. 191 da Constituição que garante a participação mínima de género bem como de povos originários, CC e CN nos governos regionais e locais, e não foi aplicado, e o Art. 6 b da Convenção 16. 9 da OIT exige a participação dos povos em todas as instâncias eletivas e administrativas susceptíveis de os afetar, mas nunca foi implementada! ,

 

Sobre este tema, urge o apoio da academia, para formular as saídas legais para estas exigências políticas;

 

3) sobre a nova Constituição:

 

É necessária a convocação de um referendo para consultar por uma Assembleia Constituinte Paritária e com a participação de organizações de povos indígenas ou originários e afroperuanos e organizações sociais.

 

– Isso poderia ser feito através de uma disposição final transitória da Constituição, o que requer a aprovação da lei pelo Congresso e um referendo, que pode ser convocado no mais curto prazo possível, para que as eleições gerais sejam e aproveite para esta consulta.

 

Aqui também urge o apoio da Academia e das organizações irmãs de outros países para considerar as melhores experiências da região.

 

4) Concertar uma agenda mínima de transição. – Enquanto a agenda consensual estiver sendo executada, promover um acordo de paz e adotar medidas que viabilizem essa participação e direitos.

 

– que seja acordado que nenhum ator político (executivo ou congresso) tome decisões que comprometam o futuro do país, como aprovar a prorrogação de concessões mineiras ou petrolíferas por mais 20-30 anos, etc.; que não se aproveite estas reformas constitucionais para “colar” outras já rejeitadas pela população e que exigem ser matéria da discussão constituinte (como a bicameralidade ou a reeleição de congressistas; outras medidas ou reformas que generalizam Eren mais indignação social.

 

Convidamos a continuar procurando saídas! E agora que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos anuncia a sua visita ao Peru, esperamos que desta vez sim, se reúna com as organizações de povos e não apenas com as organizações que o Estado lhe encaminha.

 

 

 

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)


José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.

 

Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.

 

Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).