CARTA ABERTA
TEMERÁRIAS INCONSISTÊNCIAS E FRAGILIDADES
JURÍDICAS DO PARECER APRESENTADO PELO RELATOR DA COMISSÃO ESPECIAL
O Estado Democrático e Constitucional de Direito não admite violações a garantias fundamentais estabelecidas nem a condução de um julgamento de exceção, consubstanciado por um processo de impeachment sem fundamento jurídico. O princípio democrático não pode, em absoluto, ser relativizado.
O requisito central
para o impeachment é a prova da existência de crime de responsabilidade, o que
não há. Além disso, os fins não
justificam os meios: mesmo no afã de se tentar provar a existência de um
crime de responsabilidade não ocorrido, o devido processo legal precisa ser
respeitado e não pode ser admitida qualquer violação ao contraditório, à ampla
defesa e à garantia de um processo hígido.
O processo de
impeachment instaurado no âmbito da Comissão Especial vem sendo conduzido de
forma temerária e deve ser anulado e rejeitado por, entre outras, as seguintes
razões:
1.
Do desrespeito aos limites da denúncia
admitida
A denúncia contra a
Presidenta da República por suposta prática de crime de responsabilidade foi
recebida pelo Presidente da Câmara dos Deputados apenas parcialmente, tendo
sido rejeitada em sua maior parte, especialmente quanto aos fatos ocorridos em
2014, ou seja, anteriores ao atual mandato presidencial. A decisão de
admissibilidade da peça acusatória estabeleceu os limites das atividades da
Comissão Especial.
A primeira
ilegalidade, nesse contexto, é a decisão do Presidente da Câmara dos Deputados
que deferiu o pedido dos denunciantes para anexar aos autos a íntegra da
colaboração (delação) premiada, celebrada entre a Procuradoria-Geral da
República e o Senador da República Delcídio do Amaral. Não há absolutamente
nenhuma relação fática ou jurídica com o objeto delimitado no procedimento
instaurado, além de também versar sobre fatos pretéritos ao
presente mandato, o que é vedado pelo art. 86, § 4º, da Constituição Federal de
1988.
O Presidente da
Câmara dos Deputados, paradoxalmente, contrariou a sua própria decisão.
Esse fato, mais do
que uma nulidade formal, contaminou debates realizados na Comissão Especial,
afastando-os dos estreitos limites definidos na decisão de admissibilidade,
provocando violação do direito de defesa da Presidenta da República.
Como se não
bastasse, é absolutamente impossível a utilização de prova emprestada de
processo judicial quando, neste, ainda não foi exercido o direito ao
contraditório. A juntada colaboração premiada nulifica o processo sob qualquer
perspectiva que se analise.
2.
Da invenção de etapas procedimentais
A despeito da
inexistência de previsão em lei ou no regramento estabelecido no processo de
impeachment do ex-Presidente Fernando Collor, que serviu de parâmetro para o
Supremo Tribunal Federal na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº
378, a Comissão Especial criou uma etapa destinada ao “esclarecimento da
denúncia”, para a qual foram convocados os próprios subscritores da peça
acusatória.
Apesar de a
denúncia ter sido recebida de forma apenas parcial, o Presidente da Comissão
Especial anunciou que os subscritores da denúncia iriam se manifestar sobre o
conteúdo integral da denúncia por
eles originalmente apresentada. Ou seja, embora o objeto do procedimento de
impeachment tenha sido rigorosamente delimitado, o Presidente da Comissão
Especial permitiu que os denunciantes se manifestassem sobre o conteúdo não
admitido da denúncia, o que efetivamente aconteceu.
A pretexto de
“esclarecer a denúncia”, os denunciantes abordaram questões totalmente
estranhas à acusação recebida, abordando fatos, inclusive, anteriores ao
exercício do mandato da Presidenta da República.
Uma denúncia cujo
conteúdo precise ser esclarecido merece ser rejeitada por inépcia. Não há
obviedade maior do que essa.
Esse procedimento
ofendeu o princípio do devido processo legal, do contraditório, da
estabilização objetiva da demanda e da possibilidade de oferta de uma defesa
que, com segurança e certeza, pudesse propiciar uma adequada apreciação do que
está sendo debatido no processo de apuração de crime de responsabilidade, de
forma que resta patente a violação ao disposto no art. 5º, LV, da Constituição
Federal, bem como na Lei nº 1.079, de 1950, e no próprio Código de Processo
Penal, a ela subsidiariamente aplicado. Finalmente, esse procedimento inventivo
contrariou a decisão proferida pelo STF na ADPF nº 378.
3.
Da ausência de intimação da acusada
Tendo sido
designada a oitiva dos denunciantes para prestar esclarecimentos sobre a
denúncia originalmente apresentada, procedimento ilegal pela própria natureza,
a Presidenta da República, na qualidade de acusada, deveria ter sido intimada
para que pudesse comparecer à sessão, diretamente ou por intermédio de seus
advogados.
Não se pode admitir
que a defesa da acusada tenha sido privada do acompanhamento da sessão que
buscou “esclarecer os fatos denunciados”. Não há como negar,
portanto, o prejuízo ao exercício do direito de defesa da Presidenta da
República no processo de apuração de crime de responsabilidade. As violações
perpetradas ofendem os princípios constitucionais do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição Federal).
O Parecer do
Relator, por sua vez, afirma que a ausência de intimação da defesa para
comparecer ao depoimento dos denunciantes “não
trouxe prejuízo”. Todavia, o prejuízo restou claramente consubstanciado na
inviabilização à defesa da possibilidade de intervir para apresentar quesitos,
esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou
afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou
censura que lhe forem feitas, direitos expressamente assegurados aos advogados
pelo Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906, de 1994).
4.
Do indeferimento de voz ao Advogado da
acusada
Na sessão em que
foi apresentado o Parecer do Relator, realizada no dia 06 de abril de 2016,
houve mais uma violação ao Estatuto da Advocacia e ao direito de defesa da
Presidenta da República.
O advogado da
Presidenta da República designado para acompanhar a sessão foi impedido de
fazer uso da palavra, negando-se vigência ao disposto no art. 7º, XI, do
Estatuto da Advocacia, sob a alegação improcedente de que não se estaria diante
de um "tribunal". Ora, de acordo com os explícitos termos do referido
dispositivo, é direito do advogado "reclamar,
verbalmente ou por escrito, perante qualquer
juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento".
5.
Da ampliação do espectro das imputações no
Parecer do Relator
O Relator, em seu
Parecer, afirma que o Presidente da Câmara dos Deputados, ao receber a
denúncia, emitiu um mero juízo “precário,
sumário e não vinculante” e que a Comissão Especial poderia analisar todo o
teor da denúncia, mesmo a parte não admitida pelo Presidente, o que é um
absurdo.
Entretanto, o
próprio Relator, apesar da premissa anunciada, manipula a informação e afirma
várias vezes que o Parecer só analisaria os pontos da denúncia admitidos pelo
Presidente.
Não é dado ao
Relator o poder de escolher arbitrariamente o que quer relatar. Por imposição
do princípio da imparcialidade e para garantir a ampla defesa, ou tinha o dever
de analisar tudo (seguindo a equivocada linha de raciocínio inicialmente
esposada pelo próprio) ou deveria se limitar ao circunscrito pela decisão que
admitiu apenas parcialmente a denúncia apresentada, abstendo-se de inserir
qualquer conteúdo estranho ao objeto do processo, notadamente o que já houvesse
sido expressamente afastado pela decisão do Presidente da Câmara dos Deputados.
No plano semântico,
da interpretação dos fatos, é admissível e perfeitamente natural que coexistam
posições divergentes. Por essa exata razão, a Constituição não outorgou o poder
de proferir a drástica decisão do afastamento de uma Presidenta da República a
um único julgador, mas, antes, exigiu a concordância de dois terços dos membros
da Câmara dos Deputados e de dois terços dos membros do Senado Federal.
Todavia, a fidedignidade no relato dos
fatos, atribuição desempenhada individualmente pelo Relator na Comissão
Especial, configura, acima de tudo, um imperativo ético.
Ao afirmar que todo
objeto da denúncia poderia ser analisado, o Parecer ofendeu, ainda, o princípio
da estabilização objetiva do processo e deixou de respeitar a delimitação dos
fatos que deveriam ser abordados pela defesa, deixando-a insegura quanto às
acusações a que deveria responder.
Contraditoriamente,
embora tenha afirmado que só analisaria o objeto das denúncias no quanto fora
recebido pela decisão do Presidente da Câmara dos Deputados, o Relator fez
inúmeras menções a fatos que não guardam nenhuma relação com a delimitação
original, conforme se verifica, exemplificativamente, nas páginas 9 a 14, 91 a 110,
118 e 127.
Também deturpou o
que deverá ser decidido pela Comissão Especial e, posteriormente, pelo Plenário
da Câmara dos Deputados, tendo em vista que abriu margem para que a decisão dos
parlamentares se lastreasse em qualquer fato ou argumento, independentemente de
comprovação. Ao assim proceder, construiu-se uma absurda possibilidade de a
Presidenta da República poder vir a ser responsabilizada por um fato que não
constou da denúncia ou da defesa, e sobre o qual, portanto, não houve qualquer
contraditório.
Outrossim, o
Parecer violou o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, na medida em que
desconsiderou totalmente que a via adequada para ampliar o objeto do processo
seria a interposição de recurso ao Plenário contra a decisão que admitiu apenas
parcialmente a denúncia, nos termos do art. 218, § 3º.
6.
Banalização do Processo de Impeachment
O Relator adota a
premissa inconstitucional de que bastariam meros indícios plausíveis da
ocorrência de ilícitos para a Câmara dos Deputados autorizar a abertura do
processo de impeachment da Presidenta da República.
Fosse essa a
intenção do constituinte, não estariam previstos na própria Constituição
rígidos requisitos para a instauração de processo contra a Presidenta da
República, que requer quórum qualificado de dois terços dos membros da Câmara
dos Deputados, tipificação em lei especial e adstrição a atos praticados na
vigência do mandato, relacionados diretamente ao exercício das suas funções.
Em verdade, o
Relatório uma vez mais manipula a informação, haja vista que na sua introdução
tece extensas - e adequadas - considerações acerca da natureza do processo de
impeachment no âmbito dos regimes presidencialistas, inclusive corroborando o
quanto exposto na defesa apresentada pela Presidenta da República, para, na
conclusão, propor um verdadeiro juízo político, sem base jurídica, acerca da
conveniência de sua permanência no mandato.
Faz-se necessário,
pois, reafirmar que no regime presidencialista adotado pela Constituição
Federal de 1988, o Parlamento não possui o poder de afastar um Presidente
legitimamente eleito por razões de conveniência política, o que somente poderia
ocorrer caso houvesse a previsão de um instituto similar à "moção de
desconfiança", própria do parlamentarismo.
Ademais, desconsiderar
essa importante distinção é transformar em letra morta também a cláusula pétrea
inserta no parágrafo único do primeiro artigo da nossa Carta Magna, que dispõe
que todo o poder emana do povo e por ele será
exercido, diretamente ou por meio de representantes eleitos, nos termos da
Constituição. O poder exercido pelos parlamentares, portanto, é delegatário da
soberania popular e se encontra estritamente delimitado pelo texto
constitucional. Não foi outorgado a nenhum parlamentar brasileiro, no momento
da sua investidura, o poder ou a legitimidade para fazer um juízo de
conveniência política, em substituição à vontade do povo expressa diretamente
nas urnas.
7.
Omissão do parecer quanto ao desvio de
finalidade do Presidente da Câmara
O Parecer foi omisso
quanto às preliminares de nulidade arguidas pela defesa da Presidenta da
República, abstendo-se de analisar as alegações, acompanhadas de robustas
evidências de conhecimento público, do desvio de finalidade que maculou de
forma insanável o ato de recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara dos
Deputados Eduardo Cunha.
Não se pode aceitar
que uma alegação tão contundente quanto a ocorrência de nulidade absolta de um
ato derivado de desvio de finalidade, posto que motivado em vingança pessoal, simplesmente
seja ignorado pela relatoria.
8.
Ausência de ilegalidade nos Decretos que
abrem créditos orçamentários na meta fiscal
O Parecer não
logrou demonstrar que a abertura dos créditos suplementares tenha efetivamente
violado as disposições normativas vigentes, sobretudo em face da interpretação
majoritária ao tempo da edição dos aludidos decretos.
Em verdade, a
abertura dos créditos suplementares ocorreu em estrita observância às regras de
regência, em especial ao art. 167, inciso V, da Constituição Federal de 1988 e
ao art. 4º da Lei nº 13.115/2005.
Ainda, a atuação da
Presidenta da República foi amparada em pareceres técnicos e jurídicos que
recomendavam a sua edição, na prática consolidada da Administração em governos
anteriores e em outros Estados da federação, bem como na jurisprudência do
Tribunal de Contas da União que vigorou até o entendimento firmado em outubro
de 2015, antes, portanto, da edição dos decretos questionados.
Tais elementos
descaracterizam, portanto, o dolo na conduta da Presidenta da República, sem o
que se afigura impossível a caracterização de crime de responsabilidade.
Ao contrário, na
tentativa falseada de apontar má-fé na atuação da Presidenta da República, o
parecer alega a existência de discussão pública acerca da regularidade dos
decretos. Admitindo-se que existiria a aludida controvérsia, é de se notar que
o próprio TCU ainda perfilhava o entendimento ostentado pelo Poder Executivo
por ocasião da edição dos decretos, ou seja, se havia discussão pública, era no
sentido de confirmar a posição adotada pelo Executivo, o que, por si só,
afastaria qualquer má-fé da Presidenta.
A conclusão do Parecer apenas seria
sustentável caso se admitisse a aviltante hipótese de retroatividade da
interpretação do Tribunal de Contas da União, adotada apenas a partir de
outubro de 2015, a fim de penalizar a Presidenta da República por agir de
acordo com práticas consolidadas por mais de 50 anos, desde a edição da Lei nº
4.320/64, e 15 anos de vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Não há que se falar em má-fé, portanto,
diante de práticas admitidas e adotadas pelo próprio órgão responsável por
atuar na fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial da União.
Com efeito, o
Parecer não logrou refutar tais questões trazidas pela defesa, não
contradizendo em nenhum momento o fato de que a partir da guinada jurisprudencial, não mais foi editado qualquer
Decreto para abertura de créditos suplementares à conta de excesso de
arrecadação ou superávit financeiro do exercício anterior.
Consta, sim, que no
relatório preliminar do Ministro Augusto Nardes acerca das Contas de 2014,
apresentado em junho de 2015, não havia
qualquer menção sobre a irregularidade desta prática. A mudança da
interpretação do TCU se deu apenas em outubro de 2015, consubstanciada no
Acórdão 2.461, posteriormente à edição dos decretos em tela, publicados em
julho e agosto de 2015.
Nesse ponto,
observa-se que o TCU havia se manifestado anteriormente sobre a legalidade e
aceito como conduta condizente com a LRF a utilização da proposta de alteração
da meta fiscal nos relatórios bimestrais. (http://portal.tcu.gov.br/tcu/paginas/contas_governo/contas_2009/Textos/CG%202009%20Relat%C3%B3rio.pdf)
Observa-se, ainda,
que o Parecer do Relator aponta a possibilidade de ao menos duas interpretações
para o caput do art. 4º da LOA, o que por si só já indica que há controvérsia
jurídica na sua interpretação. Mais curioso é notar que nenhuma das
interpretações apontadas no relatório corresponde à compreensão vigente nos
últimos 15 anos.
Oportunamente,
observa-se que o TCU já se manifestou no sentido de que ainda se encontram
pendentes de análise os Decretos de abertura de créditos suplementares ao
Orçamento Geral da União de 2015, não havendo quaisquer elementos no processo
que indiquem irregularidades praticadas no curso do atual mandato presidencial
(http://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/nota-de-esclarecimento-32.htm).
Como dito
anteriormente, fidedignidade no relato dos fatos é um imperativo ético.
Subsidiariamente,
no mérito, cumpre reafirmar a distinção conceitual, teórica e normativa, entre
gestão orçamentária e gestão financeira, que passa ao largo do Parecer
apresentado pelo Relator, o qual confunde a autorização de limites
orçamentários com o efetivo dispêndio de recursos, este sim elemento
relacionado à meta de resultado primário.
Na medida em que os
decretos de abertura de créditos orçamentários apenas ampliam a dotação
orçamentária, não promovendo dispêndio, incabível falar-se que estes por si
constituem violação da meta fiscal. Em outras palavras, tem-se que a mera
ampliação da autorização orçamentária não implica maior gasto, pois encontra-se
restringida pela limitação de empenho e movimentação financeira
(contingenciamento). Haveria violação da LOA se a abertura de crédito não
tivesse sido acompanhada de contingenciamento financeiro, o que não foi
demonstrado pela denúncia ou pelo Parecer.
9.
Ausência de conduta da Presidenta da
República no tocante às "pedaladas
fiscais"
Não há crime sem
conduta.
Verifica-se que o
Parecer do Relator não superou a falha basilar da denúncia oferecida contra a
Presidenta da República no tocante à não configuração de sua conduta no âmbito
do que foi - erroneamente - apelidado de "pedalada fiscal". Isto é, não
demonstrou, sob nenhum aspecto, qual haveria sido a ação ou omissão imputável
pessoalmente à Presidenta, diretamente orientada à violação da Lei de
Responsabilidade Fiscal, o que, demais disso, nem abstratamente configuraria
crime de responsabilidade dentro dos estritos parâmetros constitucionais e
legais.
Conforme consignado
pelo eminente criminalista Eugenio Raúl Zaffaroni, "o princípio nullum crimen sine conducta é uma garantia jurídica
elementar. Se fosse eliminado, o delito poderia ser qualquer coisa, abarcando a
possibilidade de penalizar o pensamento, a forma de ser, as características
pessoais etc". O professor prossegue pontuando que "no momento de nossa cultura isto parece
suficientemente óbvio, mas apesar disto, não faltam tentativas de suprimir ou
de obstaculizar este princípio elementar". (Zaffaroni, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro, vol. 1:
parte geral. 7ª ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 354)
De fato, os tempos
atuais exigem cada vez mais que reafirmemos e defendamos aquilo que se
acreditava ser óbvio, sobremaneira no plano da garantia dos direitos
fundamentais, da preservação dos princípios republicanos e da ordem
democrática.
Em certas situações
o óbvio precisa ser lembrado e reafirmado:
I - A democracia
permite a divergência sobre a correção das decisões políticas, mas a decisão
última sobre os erros e acertos, em um regime democrático, repousa no voto
popular;
II - Mesmo aos
parlamentares eleitos pelo povo não é dado pela Constituição o poder de excluir
o chefe do Executivo, também eleito pelo sufrágio, com base em dissensos
políticos, mas apenas na hipótese estrita e excepcional do crime de
responsabilidade, o que até agora não se provou;
III - Ainda quando
estivermos diante de uma hipótese que se enquadre à moldura típica abstrata de
um crime de responsabilidade, é indispensável que o processamento, desde o seu
início, se dê com plena observância do devido processo legal, do direito ao
contraditório e à ampla defesa e todas as garantias constitucionais do Estado
Democrático de Direito;
IV - A
fidedignidade no relato dos fatos é um imperativo ético, pois a ninguém é dado,
muito menos a um julgador, escolher arbitrariamente qual parcela da realidade
incluirá na sua narrativa, bem como quais fatos levará em consideração para
fundamentar sua decisão, passando por cima do direito ao contraditório e
obstaculizando injustificadamente o exercício da ampla defesa;
V - Não há crime de
responsabilidade sem dolo e não há dolo, nem má-fé, quando uma ação é praticada
com base em entendimentos amparados em pareceres técnicos, jurídicos, decisões
de tribunais de contas e práticas consolidadas no tempo por governos
anteriores, inclusive em outros entes da federação;
VI - Não há crime
de responsabilidade sem conduta e conduta não se pressupõe em abstrato, devendo
ser demonstrada concretamente pela acusação, pois é uma impossibilidade lógica,
fática e jurídica que alguém comprove que não praticou um ato que a própria
acusação não sabe apontar qual foi;
VII - No âmbito de
um processo que pode culminar no afastamento de uma Presidenta da República, é
medular que se promova um processo hígido e sem vícios, motivado por razões
verdadeiras, legítimas e republicanas, fundado em indícios com lastro
probatório, que respeite o contraditório e a ampla defesa em todos os momentos,
e se desenvolva conforme um rito processual regular e que garanta a segurança
jurídica. Trata-se de direito fundamental e inafastável não apenas da acusada,
mas, sim, de todo o povo brasileiro. Muito especialmente, trata-se de um dever
e um compromisso vital para com as gerações vindouras.
Brasília, 12 de
abril de 2016
MARCELLO LAVENÈRE
Ex-Presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil
CEZAR
BRITTO
Ex-Presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil
MARCELO
DA COSTA PINTO NEVES
Professor Titular de Direito Público da
Universidade de Brasília
Doutor em Direito pela Universidade de
Bremen
Pós-Doutorado na Universidade de
Frankfurt
Pós-Doutorado na London School of
Economics and Political Science
JOSÉ
GERALDO DE SOUSA JÚNIOR
Ex-Reitor da UnB
Professor de Direito da Universidade de
Brasília
Doutor em Direito pela Universidade de
Brasília
PEDRO
ESTEVAM ALVES PINTO SERRANO
Advogado
Professor de Direito Constitucional da
PUC/SP
Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP
Pós-Doutorado na Universidade de Lisboa
JULIANO
ZAIDEN BENVINDO
Professor de Direito da Universidade de
Brasília
Doutor em Direito Público pela
Universidade Humboldt de Berlim e UnB
BEATRIZ VARGAS RAMOS
Professora de Direito
Penal e Criminologia da UnB
Doutora em Direito pela Universidade de
Brasília
MENELICK DE CARVALHO NETO
Professor de
Direito da Universidade de Brasília
Doutor em Direito pela
Universidade Federal de Minas Gerais
CRISTIANO PAIXÃO
Professor de Direito da
Universidade de Brasília
Doutor em Direito
Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais