quarta-feira, 9 de abril de 2025

 

Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição

Por: José Geraldo de Sousa Junior (*) – Jornal Brasil Popular/DF

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Em coletiva de imprensa realizada nesta segunda (07/04) no Rio de Janeiro, o Relator Especial para a Promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não repetição, Bernard Duhaime, declarou que o Brasil deve abordar plenamente as violações da ditadura para garantir, de fato, os direitos humanos e a democracia (v. o texto em https://brasil.un.org/sites/default/files/2025-04/Preliminary%20observations%20Brazil%20FINAL_PORT_1.pdf).

Essa declaração foi feita durante a conclusão de sua visita oficial de 9 dias ao Brasil.  O objetivo da visita foi avaliar as medidas nas áreas de verdade, justiça, reparação, memorialização e garantias de não repetição adotadas pelas autoridades no Brasil para enfrentar as graves violações de direitos humanos cometidas pelo Estado durante a ditadura militar (1964-1985).

O relator sugeriu que o Brasil revisite a lei de anistia em 2025 para garantir sua compatibilidade com as normas internacionais de direitos humanos. “Há vários problemas em relação à compatibilidade da Lei de Anistia com a legislação internacional de direitos humanos. Então, acho que, em 2025, seria importante revisitar esse assunto para garantir que a lei esteja de acordo com a lei internacional de direitos humanos”, afirmou. Duhaime também alertou sobre a continuidade de violações de direitos humanos no Brasil, como abusos policiais e execuções extrajudiciais. “A ausência de consequências legais para abusos passados ​​reforçou uma cultura de impunidade e estabeleceu condições para repetição”, disse. Além disso, expressou preocupação com a falta de preservação da memória de locais históricos ligados a abusos.

O Relatório final da visita deverá ser apresentado no segundo semestre (setembro), mas o Relator ofereceu “Observações Preliminares da Visita”, cujo teor pode ser obtido na página das Nações Unidas no Brasil. Apesar de preliminares as “observações” são bem casuísticas e dão conta de um esforço de busca de “uma visão ampla das várias iniciativas tomadas, identificar boas práticas, lacunas e deficiências e formular recomendações a esse respeito”. Nelas ele dá conta das muitas reuniões, visitas, inspeções e diálogos que entreteve, com autoridades e representantes de órgãos governamentais e articulações da sociedade civil, traçando um panorama bem completo, concluindo com uma afirmação de que para reverter o caminho de afastamento em vários pontos, dos pilares que formam os fundamentos da Justiça de Transição –  Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição –  “o Brasil deve urgentemente implementar e ampliar as medidas de justiça de transição propostas no relatório final da Comissão Nacional da Verdade. No meu relatório ao Conselho de Direitos Humanos em setembro de 2025” – disse ele – “fornecerei um roteiro para a adoção de um processo abrangente de justiça de transição com recomendações específicas dirigidas às autoridades nos níveis federal, estadual e local, bem como à sociedade civil. Conto com a disposição dessas entidades e com o apoio da sociedade civil e da comunidade internacional presente no país para apoiar sua implementação na prevenção de novas violências e ataques à democracia, aos direitos fundamentais e ao Estado de Direito”.

O Relator também esteve na UnB durante a sua visita, participando de evento alusivo aos fundamentos que balizam o fio condutor de suas observações. Ele participou da SEMANA DO NUNCA MAIS, promovida (31/03 e 01 a 04/04/2025) pelo Grupo de Pesquisa Justiça de Transição, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, sob a coordenação da Prof.ª Dra. Eneá de Stutz e Almeida (membra e ex-Presidente da Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos), em parceria com a Faculdade de Direito da UnB, o Programa de Pós-Graduação em Direito da UnB e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), sob o tema “Democracia e Justiça de Transição” (https://justicadetransicao.org/semana-do-nunca-mais-2025/). Ele esteve na mesa de abertura, juntamente com a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, presidenta do Superior Tribunal Militar, cujo tema foi, exatamente, “40 Anos de Reconstrução Democrática: Pendências, Riscos e Garantias de Não repetição”.

Para o Relator, apesar de importantes esforços para realizar os fundamentos de Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição, é preocupante constatar tergiversações e sobretudo, diz ele, “a falta de memorialização em inúmeros municípios e estados, apesar da existência de políticas federais nesse sentido. Da mesma forma, observo com grande preocupação a falta de preservação e memorialização de locais onde ocorreram graves violações dos direitos humanos, como o DOI-CODI (Departamento de Operações de Informações – Centro de Defesa Interna) em São Paulo e no Rio de Janeiro, o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) no Rio de Janeiro, e a Casa da Morte (em Petrópolis), que atualmente são administradas pela polícia ou pelas forças armadas, e estão abandonadas em condições terríveis, ou de propriedade privada. Endosso integralmente as demandas da sociedade civil para que essas instalações sejam preservadas e estabelecidas como locais de memória, sob a jurisdição de autoridades civis. Observo também com preocupação os atos de negacionismo de violações passadas e a glorificação da ditadura realizada durante o governo anterior. Reconheço as medidas existentes para memorializar a ditadura e apelo às autoridades federais, estaduais e municipais para garantir que a memorialização de violações de direitos humanos passadas seja adequada e suficientemente implementada, e que o negacionismo e a glorificação de violações passadas sejam abordados por meio de políticas públicas abrangentes. Apelo ainda às autoridades competentes para que garantam que os locais de violações de direitos humanos no passado, incluindo os acima mencionados, sejam adequadamente preservados, convertidos em locais de memória e colocados sob jurisdição civil”.

Por isso quero por em relevo a inciativa de desapropriação do imóvel conhecido como “Casa da Morte”, em Petrópolis, Rio de Janeiro, como passo para a criação de um memorial que preserve a memória crítica do que foi a ditadura militar. O imóvel foi um centro clandestino de tortura e assassinato de presos políticos durante o período e denunciado por vítimas do regime. Em 2018, o imóvel foi tombado pelo patrimônio histórico, mas o proprietário recorreu na Justiça e conseguiu derrubar a decisão. Em janeiro de 2019, a Prefeitura de Petrópolis publicou um decreto que declara a casa de utilidade pública para fins de desapropriação.

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) atuou em conjunto com instituições fluminenses para viabilizar a desapropriação. O processo de desapropriação da “Casa da Morte”, avançou significativamente nos últimos meses. Em dezembro de 2024, a Prefeitura de Petrópolis, com recursos de R$ 1,4 milhão fornecidos pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), realizou o depósito em juízo para efetivar a desapropriação do imóvel. Este montante é destinado a sua aquisição, visando transformá-lo no Memorial de Liberdade, Verdade e Justiça.​ Esta ação representa um avanço significativo na preservação da história e na promoção dos direitos humanos, transformando um local de repressão em um espaço de memória e educação para as futuras gerações.

Eu tive a oportunidade de me manifestar sobre esse tema depois de que o assunto me foi colocado por Hamilton Pereira (Pedro Tierra) assessor no Ministério dos Direitos Humanos. Até cheguei a esboçar uma nota a que dei o título de “Casa da Morte: Desapropriação para Marca de Memória e Resgate da Verdade”.

Em síntese eu disse que minha nota técnica remetia à proposição de diretriz política visando à “desapropriação do imóvel residencial conhecido como Casa da Morte, localizada no município de Petrópolis, no Rio de Janeiro, em razão dos acontecimentos políticos ali ocorridos nos anos 1970 durante a ditadura militar”, apoiando-se “em argumentos aglutinados em duas camadas: a primeira condizente com a relevância histórica que motiva o pedido de desapropriação e a segunda, de ordem prática, que orienta as possibilidades que podem ser acionadas para a adoção de medidas que viabilizem o pleito”.

A proposição se fundamenta em duplo pressuposto. De um lado, com documentação consistente procedente de fontes seguras, indica “a relevância do local”, para o que agrega “o reconhecimento público em muitos níveis também reforçado pela posição contundente” de apoiadores da causa, incluindo a manifestação de parlamentares; o “reconhecimento público em nível nacional, estadual e municipal/local em relação ao histórico da Casa”, firmados por organizações e institucionalidades credíveis. De outro lado, fortes comprovações, lastreadas em depoimentos e sindicâncias “que atribuem lastro ao funcionamento clandestino e repressivo da Casa da Morte”.

            Ainda no que “diz respeito sobre a relevância da Casa da Morte como espaço a obter reconhecimento oficial de Estado”, ressaltam-se entre os pontos que reiteram a base orientadora deste processo, “os entendimentos defendidos no âmbito da Comissão Nacional da Verdade, sobretudo a partir de seu Relatório Final de 2014: 111. A Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), foi um dos principais centros clandestinos utilizados pelo regime militar para a prática de graves violações de direitos humanos: detenção ilegal e arbitrária, tortura, execução e desaparecimento forçado (BRASIL. CNV, 2014, p. 532)”.

            Sob essa perspectiva, aliás, destaca a proposição: “O Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, em 2014, expediu uma série de recomendações que deveriam ser tomadas pelos três poderes que constituem o Estado brasileiro como um roteiro para o fortalecimento da democracia, rompimento com o passado de violações e como medidas de não-repetição. Nesse ínterim, é a recomendação de número 28, que estipula a preservação da memória de graves violações de direitos humanos, que abrange o que diz respeito a possíveis espaços de memória ao estabelecer que: Devem ser adotadas medidas para preservação da memória das graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado pela CNV e, principalmente, da memória de todas as pessoas que foram vítimas dessas violações. Essas medidas devem ter por objetivo, entre outros: a) preservar, restaurar e promover o tombamento ou a criação de marcas de memória em imóveis urbanos ou rurais onde ocorreram graves violações de direitos humanos (BRASIL. CNV, 2014, p. 974)”.

Acresça-se, tendo por referência o Relatório da Comissão Nacional da Verdade, de 10 de dezembro de 2014 (http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/), que a facticidade caracterizada relativamente à Casa da Morte, circunscreve-se ao fundamento, também posto nas conclusões do Relatório (28), de exigência de “preservação da memória das graves violações de direitos humanos”, devendo (48) “ser adotadas medidas para preservação da memória das graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado pela CNV e, principalmente, da memória de todas as pessoas que foram vítimas dessas violações”.

Essas medidas – recortam as conclusões – devem ter por objetivo, entre outros:

a) preservar, restaurar e promover o tombamento ou a criação de marcas de memória em imóveis urbanos ou rurais onde ocorreram graves violações de direitos humanos;

b) instituir e instalar, em Brasília, um Museu da Memória.

No mesmo sentido, recomendação 49: “Com a mesma finalidade de preservação da memória, a CNV propõe a revogação de medidas que, durante o período da ditadura militar, objetivaram homenagear autores das graves violações de direitos humanos. Entre outras, devem ser adotadas medidas visando:

a) cassar as honrarias que tenham sido concedidas a agentes públicos ou particulares associados a esse quadro de graves violações, como ocorreu com muitos dos agraciados com a Medalha do Pacificador;

b) promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações”.

Esses são fundamentos que se inscrevem nos enunciados cogentes que formam os conceitos designativos da justiça de transição, forjados nos pressupostos éticos de memória e verdade, necessários a constituir, o que já denominei “hiato de credibilidade para fazer possível a verdade na política, como base de confiança entre governo e cidadãos” (cf. SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Memória e Verdade: os Mortos do Araguaia. In SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Ideias para a Cidadania e para a Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008, p. 31-32); e, nesse passo, “completar a transição, abrindo-se à experiência plena da democracia, da justiça e da paz” (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Memória e Verdade como Direitos Humanos. In SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Op. cit., p. 99-100).

Nos elementos constitutivos desses fundamentos, referidos à justiça de transição, remeto aos estudos desenvolvidos em profundidade na obra O direito achado na rua : introdução crítica à justiça de transição na América Latina / José Geraldo de Sousa Junior, José Carlos Moreira da Silva Filho, Cristiano Paixão, Lívia Gimenes Dias da Fonseca, Talita Tatiana Dias Rampin. 1. ed. – Brasília, DF: UnB, 2015. – (O direito achado na rua, v. 7).

Nesse aspecto um relevo para meu texto, em co-autoria com Nair Heloisa Bicalho de Sousa: Justiça de Transição: Direito à memória e à verdade  (p. 23-31):

Quarenta e seis anos depois da edição da lei que estabeleceu a anistia no País, seguindo o que também ocorria em outros países do chamado Cone Sul que vivenciaram a exacerbação repressora em um mesmo período, avoluma-se o movimento muito consistente para rever o vício da autoanista inscrito no modelo comum da conjuntura de violência institucional que liberou o ciclo de violência política.

Essa disposição não tem a intenção de reduzir o alcance próprio das leis de anistia, cujo significado político é, historicamente, reconhecido e bem definido em um horizonte de reconciliação nacional, mediante o fundamento de revelação da verdade, mas de expurgar – na melhor direção do princípio de inviolabilidade das normas impimperativas do Direito Internacional dos Direitos Humanos (jus cogens) – elementos que lhe são incompatíveis, entre eles os que expressam razoavelmente a condição de crimes contra a humanidade.

Contudo, arquivos da repressão ainda permanecem restritos à sociedade civil, em parte por se manterem deliberadamente ocultados e em parte por apresentarem objeção sonegadora de agentes ainda resistentes e insubordinados ao comando legal e das autoridades constituídas. Isso retrata, de certa maneira, uma tendência a deixar no esquecimento os fatos reveladores das práticas políticas do regime autoritário. Vê-se, assim, com Pollack (POLLACK , Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 19 8 9), que memória e esquecimento são eixos fundamentais da esfera do poder, disputando o modo como a memória coletiva constrói-se em cada sociedade.

Do que se extrai que a democratização da memória permite a uma sociedade apropriar- se de seu p assado para escolher melhor os passos a serem dados no presente. Povo sem memória torna-se incapaz de julgar seus governantes e perde força para construir uma sociedade pautada nos interesses da maioria. Daí, a importância de garantir que a memória coletiva de nosso País possa conter todos os fatos políticos essenciais, de modo a possibilitar uma interpretação histórica pautada nas memórias subterrâneas dos dominados que se opõe à versão oficial das classes dominantes.

Resolução da OEA de 2006 reconhece a importância do direito à verdade para pôr fim à impunidade e para proteger os direitos humanos. A resolução traduz a ideia de que são necessários não só dar resposta às expectativas de familiares de pessoas torturadas e mortas nos anos da ditadura (sem que, em muitos casos, sequer os corpos tenham sido localizados), mas também poder recuperar arquivos ainda em mãos de órgãos de segurança e de repressão de modo a elucidar casos de desaparecimentos e a identificar situações e agentes que tenham dado causa a violações.

Recupero, nesse sentido, do livro em referência (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. O direito achado na rua : introdução crítica à justiça de transição na América Latina / José Geraldo de Sousa Junior, José Carlos Moreira da Silva Filho, Cristiano Paixão, Lívia Gimenes Dias da Fonseca, Talita Tatiana Dias Rampin. 1. ed. – Brasília, DF: UnB, 2015. – (O direito achado na rua, v. 7), o artigo  Rede Latino-Americana de Justiça Transicional: Objetivos e Perspectivas para a Promoção da Justiça de Transição na América Latina  (p. 264-269). Este artigo traz a autoria de Carol Proner (Professora de Direito Internacional da UFRJ; Doutora em Direito Internacional pela Universidade Pablo de Olavide, Sevilha (2005); Codiretora do Programa Máster Oficial da União Europeia, Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo – Universidade Pablo de Olavide/Universidad Internacional da Andaluzia, Espanha; Conselheira da Comissão Nacional da Anistia – Brasil; Membro do Tribunal Internacional para Justiça Restaurativa de El Salvador; Membro da Secretaria Executiva da Rede Latino-Americana de Justiça Transicional).

Se se puder resumir esse texto, ele alude ao empenho da “Rede Latino-Americana de Justiça Transicional (RLAJT), concebida como espaço capaz de reunir, de retroalimentar e de permitir o apoio mútuo das instâncias e de projetos regionais involucrados na prática ativa de Justiça de Transição. A RLAJT tem como objetivos principais facilitar e promover a comunicação e a troca de conhecimentos no campo da Justiça de Transição na América Latina”.

Tomando em causa o que recorta a autora (Carol Proner) no texto, “as experiências latino-americanas no tema da Justiça transicional costumam ser estudadas por especialistas pela frequência e pela qualidade em matéria de julgamentos por violações contra os direitos humanos e pelo expressivo desenvolvimento jurisprudencial e teórico nacional e supranacional”.

O fundamental é abrir-se, não só aos estudos, mas às ações políticas concretas que trazem “consequências nos campos cultural e político e gerando reação de disputa social pela busca da realização dos direitos da transição: direito à memória e à verdade, direito à reparação e direito à justiça”. Do que se trata, é propor e realizar “alternativas de superação criativas e adaptadas aos processos de (re)democratização em andamento, alternativas que avançam e retrocedem de acordo com as disputas que se impõem em cada sociedade”.

Esse o alcance da proposição em curso, sem objeções do proprietário ou da edilidade, sobre poder ultimar a desapropriação, mobilizados os recursos financeiros que atendam as exigências constitucionais e legais para que a afetação da propriedade se complete, em face da função e política de sua nova utilidade social, “frente ao fato, o caminho que se apresenta possível guarda relação com a possível destinação do imóvel para gestão e administração”, conforme a finalidade que o ato venha a atribuir, nos termos da proposição.

Por fim, quero dizer, retomando argumentos que já trouxe em várias ocasiões aqui neste espaço da Coluna O Direito Achado na Rua (por último e com remissões conforme https://brasilpopular.com/julgar-crimes-contra-o-estado-de-direito-credencia-o-stf-como-garante-da-democracia/), que a visita de monitoramento do Relator acontece num momento de grande mobilização provocada por grupos que nos últimos anos afrontaram gravemente o sistema democrático, chegando ao limite de tentativa de um golpe de estado, muitos deles já sentenciados como fautores desses atentados. A visita se faz no momento em que o Supremo Tribunal Federal aceita denúncia contra o próprio ex-Presidente da República e contra réus com ele associados para a prática desses crimes caracterizados e que, como manobra de evasão, buscam se acoitar na pretensão inaplicável de anistia, antes auto-anistia, escapismo repudiado pelo direito internacional dos direitos humanos (https://brasilpopular.com/autoanistia-uma-violencia-inconstitucional-e-inconvencionaldo-delinquente-a-fim-gerar-sua-impunidade/).

(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)

segunda-feira, 7 de abril de 2025

 

Abril Indígena

Por: Ana Paula Daltoé Inglês Barbalho [1] e José Geraldo de Sousa Junior [2] – Jornal Brasil Popular/DF

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Abril é considerado o mês dos Povos Indígenas. O Dia dos Povos Indígenas é celebrado em 19 de abril e é uma data de homenagem e reconhecimento à diversidade cultural dos povos originários do Brasil. 

O objetivo da data é valorizar a diversidade cultural, combater preconceitos e promover políticas públicas relacionadas aos ovos originários. A data tem origem no Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, realizado em 1940 no México.

A data de 19 de abril foi escolhida porque foi o dia em que, em 1940, os povos indígenas participaram do Primeiro Congresso Indigenista Interamericano. A celebração do Dia dos Povos Indígenas busca conscientizar sobre a origem da nação brasileira e busca contribuir para a disseminação e preservação da cultura e da história dos povos indígenas. [3]

Os povos indígenas são parte importante da formação da cultura brasileira, influenciando a alimentação, a língua, os costumes e a contribuição genética do povo brasileiro. [3]

Divulgação do Diálogos de Justiça e Paz de abril de 2025

O Abril Indígena inspirou o Diálogos de Justiça e Paz deste mês, que será no Centro Cultural de Brasília, na 601 norte, dia 07 de abril, segunda-feira, às 19h. O tema é a importância dos saberes originários contra a emergência climática. O tema desse Diálogos se inspira nas comemorações do Dia dos Povos Indígenas e traz um debate fundamental com o tema: “O futuro não está à venda: Os saberes originários contra a emergência climática”. São convidados Kleber Xukuru, Presidente da Associação da Comunidade Indígena Xukuru – ACIX e Gerente de Proteção e Defesa Civil de Pesqueira (PE), e Marcivania Sateré-Mawé, Coordenadora da Coordenação de Povos Indígenas de Manaus e Entornos – COPIME. O Diálogos tem mediação de Luiz Felipe Lacerda, Secretário-Executivo do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA. Será um evento em modalidade híbrida, com atividade presencial no Centro Cultural de Brasília – SGAN 601 Norte e com transmissão ao vivo pelo YouTube nos canais @OLMAObservatorio e @CJPBrasília. O evento possui entrada gratuita e espera a todos com um lanche da tarde, servido 30 minutos antes do início das atividades.

A mudança da valorização dos povos indígenas é resultado da contínua articulação e luta dos indígenas brasileiros. Também pode ser concebida como reflexo da transformação progressiva da percepção da sociedade brasileira e promove reflexões sobre a importância dos povos indígenas, amplia a pressão sobre os governantes para que os direitos indígenas sejam respeitados e busca combater a discriminação imposta à população indígena.

A Constituição Federal de 1988 foi o principal marco da mudança de postura do Estado brasileiro no tratamento dado aos povos originários. Houve uma importante mudança de perspectiva jurídica, que passou a reconhecer e garantir direitos e impulsionou a demarcação de terras indígenas. O território é o foco da existência, da cosmovisão indígena. Reconhecer o direito ao território, protege a cultura, o modo de vida e garante a subsistência dos povos indígenas. [4]

A luta dos povos indígenas ocorre desde os primeiros momentos da colonização europeia. O reconhecimento recente de direitos garantidos pela Constituição certamente contribuiu para mudar as formas de ameaça e as características da luta indígena.

Anteriormente, a data do Dia dos Povos Indígenas era conhecida como “Dia do índio”. A nomenclatura foi modificada para refletir com mais seriedade e amplitude a importância dos Povos originários, que são múltiplos, diversos e riquíssimos culturalmente. A Lei 14.402/2022, promulgada em 8 de julho de 2022, instituiu o Dia dos Povos Indígenas e revogou o Decreto-Lei nº 5.540, de 2 de junho de 1943, que reconhecia o “Dia do índio”. [3, 5]

A lei foi proposta pela então deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), atualmente presidente da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, por meio do Projeto de Lei 5466/19, aprovado pela Câmara dos Deputados em 2021 e pelo Senado em maio de 2022.

O então presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente a proposta. Posteriormente, em sessão conjunta do Congresso Nacional, os parlamentares derrubaram o veto e a lei entrou em vigor em junho de 2022.

A proposta de renomear a data é ressaltar, de forma simbólica, o valor dos povos indígenas para a sociedade brasileira. “O propósito é reconhecer o direito desses povos de, mantendo e fortalecendo suas identidades, línguas e religiões, assumir tanto o controle de suas próprias instituições e formas de vida quanto de seu desenvolvimento econômico”, afirmou a então deputada Joenia quando o texto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. [5]

Joênia Wapichana foi a primeira mulher indígena a exercer a advocacia no Brasil, a primeira mulher indígena a eleger-se deputada federal, no pleito de 2018. É também a primeira mulher indígena a comandar a presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Joenia ficou conhecida por sua atuação na demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol e como a primeira presidente da Comissão de Direitos dos Povos indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), criada em 2013. [6]

Com a eleição do presidente Lula, a visibilidade e o reconhecimento dos povos indígenas foram ampliados. As lutas de resistência durante o governo anterior foram substituídas por espaço formal no governo, criação de um ministério dedicado aos povos indígenas e ampliação das demarcações das terras indígenas.

Na sexta-feira, 04/04/2025, Lula condecorou o Cacique Raoni Metuktire com a mais alta condecoração da diplomacia brasileira, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito, por sua atuação e trajetória política em prol da defesa do meio ambiente e dos direitos indígenas. A solenidade ocorreu na Aldeia Piaraçu, localizada na Terra Indígena Capoto-Jarina, em São José do Xingu, Mato Grosso, e contou com a presença da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. A celebração, ocorrida na bacia do Xingu, fez parte do processo de diálogo com lideranças sobre a demarcação da Terra Indígena Kapôt Nhinore.

A luta do Cacique Raoni remonta aos anos 1960, sendo amplamente reconhecida internacionalmente. O Cacique Raoni é um símbolo da luta indígena e da articulação global para defender os direitos indígenas e a proteção do meio ambiente.  [7]

O Ministério dos Povos Indígenas é um ministério do Poder Executivo federal estruturado no terceiro mandato do presidente Lula (2023- atual) em resposta às reivindicações históricas do movimento indígena, sendo o primeiro ministério criado dedicado aos povos originários.

A ministra é a ativista Sônia Guajajara, indígena brasileira filiada ao Partido Socialismo e Liberdade. As competências do Ministério dos Povos Indígenas incluem garantir aos indígenas acesso à educação e saúde, incentivar e dar meios para a demarcação das terras indígenas e combater o genocídio das populações indígenas.[8]

Entre seus objetivos, a revogação das medidas estabelecidas no Governo Bolsonaro relativas à demarcação e o uso dos territórios indígenas. [9]

O Brasil possui agora 445 Terras Indígenas tradicionalmente ocupadas homologadas, que abrangem um território de 107.449.595 hectares. Somam-se a esse número, 15 Terras Indígenas demarcadas pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI).

Ainda existem outras 261 áreas tradicionalmente ocupadas que seguem aguardando o andamento de seus processos demarcatórios: são 151 em estudo e outras seis áreas com Portarias de Restrição de Uso para proteção de povos indígenas isolados, 36 identificadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e 68 terras já declaradas pelo Ministério da Justiça à espera do decreto homologatório. A esse números, somam-se ainda 48 Reservas Indígenas regularizadas e 10 áreas dominiais e, por fim, 20 áreas reservadas em processo de regularização. [9, 10, 11]
As terras indígenas reconhecidas durante o terceiro mandato de Lula foram as seguintes:

⦁ Aldeia Velha (BA);
⦁ Acapuri de Cima (AM);
⦁ Arara do Rio Amônia (AC);
⦁ Avá-Canoeiro (GO);
⦁ Cacique Fontoura (MT);
⦁ Kariri-Xocó (AL);
⦁ Rio dos Índios (RS);
⦁ Rio Gregório (AC);
⦁ Tremembé da Barra do Mundaú (CE);
⦁ Uneiuxi (AM);
⦁ Potiguara de Monte-Mor, do povo potiguara, na Paraíba;
⦁ Morro dos Cavalos, dos povos Guarani Ñandeva e Guarani Mbya;
⦁ Toldo Imbu, do povo Kaingang, estas últimas ambas em Santa Catarina. [9, 10, 11]

A média de tempo que as três últimas TI homologadas levaram para concluírem seu processo homologatório foi de 31 anos, o que demonstra que há ainda um longo caminho a ser trilhado no direito ao reconhecimento efetivo dos territórios indígenas. [9, 10, 11]

As terras indígenas são reconhecidas pela preservação da vegetação nativa. O relatório do MapBiomas sobre terras indígenas, publicado em 2023, informou que as terras indígenas ocupavam 13,9% do território brasileiro, naquele momento, e perfaziam 115,3 milhões de hectares de vegetação nativa, correspondendo a 20,4% da vegetação nativa no Brasil em 2021.

Segundo dados do relatório, a perda de vegetação nativa no Brasil nos últimos 30 anos (1991-2021) foi de 65 milhões de hectares. Apenas 0,6 milhão de hectares desmatados recai sobre as terras indígenas, o que equivale a menos de 1% de toda a perda de vegetação nativa nos últimos 30 anos. Quando comparados às áreas privadas, a perda de vegetação nativa chega a 44,8 milhões de hectares, aproximadamente 69,3% do total desmatado, se concentra em áreas privadas [12;13]. Nesse sentido, as terras indígenas atuam como efetiva resistência às mudanças climáticas, mantendo a floresta em pé e garantindo a existência dos povos indígenas.

O Abril Indígena também é o marco do Acampamento Terra Livre, acampamento de mobilização dos povos indígenas brasileiros, que ocorre desde 2004 em Brasília, usualmente na Esplanada dos Ministérios, trazendo visibilidade às lutas indígenas. Em 2025, o 21º Acampamento Terra Livre ocorrerá entre os dias 7 e 11 de abril, na Funarte, próximo à Torre de TV em Brasília [14].

O Acampamento Terra Livre é organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib e suas sete organizações regionais de base: Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa. Segundo a Apib, são esperados entre 6 e 8 mil indígenas de mais de 200 povos para a mobilização.

A Apib divulgou a programação em seu website, https://apiboficial.org/atl-2025/, e a mobilização de 2025 está estruturada em cinco eixos:

⦁ Apib Somos Todos Nós,
⦁ Resistência e Conquista
⦁ Desconstitucionalização de Direitos
⦁ Fortalecendo a Democracia
⦁ Em Defesa do Futuro – A Resposta Somos Nós

O tema principal do ATL 2025 – “APIB Somos Todos Nós: Em Defesa da Constituição e da Vida” – destaca o empenho dos povos indígenas na garantia dos seus direitos previstos na Constituição Federal, além de celebrar a união e a resistência da Apib, que completa 20 anos de luta e conquistas.

A plenária principal do ATL tratará de temas fundamentais como conflitos em territórios indígenas, criação da Comissão Nacional da Verdade Indígena, a Câmara de Conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), a transição energética justa e a resistência LGBTQIA+ indígena.

Nos dias 8 e 10 de abril, os povos indígenas marcharão pelas ruas da capital federal nos atos “Apib Somos Todos Nós: Nosso Futuro Não Está à Venda” e “A Resposta Somos Nós”. Além disso, serão lançados um documentário sobre os 20 anos da Apib e a Comissão Internacional Indígena para a COP30. Confira a programação no site do ATL 2025.

Serviço:

Diálogos de Justiça e Paz – edição de abril de 2025 – “O futuro não está à venda: Os saberes originários contra a emergência climática”

Onde? Centro Cultural de Brasília, na 601 norte
Quando? 07 de abril, segunda-feira
Que horas? Às 19h
Convidados:

  • Kleber Xukuru, Presidente da Associação da Comunidade Indígena Xukuru (ACIX) e Gerente de Proteção e Defesa Civil de Pesqueira (PE), e
  • Marcivania Sateré-Mawé, Coordenadora da Coordenação de Povos Indígenas de Manaus e Entornos (COPIME)
    Mediação de Luiz Felipe Lacerda, Secretário-Executivo do OLMA.
    Transmissão ao vivo pelo YouTube nos canais @OLMAObservatorio e @CJPBrasília.

Acampamento Terra Livre 2025 – “APIB Somos Todos Nós: Em Defesa da Constituição e da Vida”

Onde? Espaço Funarte, Brasília
Quando? 07 a 11 de abril de 2025
Programação disponível em https://apiboficial.org/atl-2025/

[1] Ouvidora Pública do Serviço Florestal Brasileiro, advogada e bióloga pela Universidade de Brasília, Presidente da Comissão Justiça e Paz de Brasília.
[2] Jurista, Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB), fundador e coordenador do grupo de pesquisa “O Direito Achado na Rua”. Foi reitor da UnB (2008/2012), membro da Comissão Justiça e Paz de Brasília

Referências bibliográficas

[3] https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/dia-dos-povos-indigenas-funai-celebra-novo-nome-da-data-e-promove-acao-de-fortalecimento-da-politica-indigena#:~:text=A%20mudan%C3%A7a%2C%20aprovada%20pelo%20Congresso%20em%202022%2C,pois%20o%20termo%20%E2%80%9C%C3%ADndio%E2%80%9D%20tem%20conota%C3%A7%C3%A3o%20pejorativa.
[4] Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Rio de Janeiro – FEDESP; Fórum Justiça; Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP; Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (org.). A Questão do Direito Indígena no Brasil Face ao Mundo. 1. ed. Brasília: IPDMS, 19 mar. 2024. Disponível em: https://forumjustica.com.br/biblioteca/a-questao-do-direito-indigena-no-brasil-face-ao-mundo/. Acesso em: 6 abr. 2025. ISBN 978-65-991210-2-9.
[5] https://www.camara.leg.br/noticias/896465-nova-lei-denomina-o-19-de-abril-como-dia-dos-povos-indigenas-em-substituicao-a-dia-do-indio/
[6] https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%AAnia_Wapichana
[7] https://www.gov.br/povosindigenas/pt-br/assuntos/noticias/2025/04/lula-condecora-cacique-raoni-com-a-mais-alta-honraria-do-estado-brasileiro
[8] https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B4nia_Guajajara
[9] Ministério dos Povos Indígenas https://pt.wikipedia.org/wiki/Minist%C3%A9rio_dos_Povos_Ind%C3%ADgenas#:~:text=O%20Minist%C3%A9rio%20dos%20Povos%20Ind%C3%ADgenas,combater%20o%20genoc%C3%ADdio%20deste%20povo.
[10] https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/governo-federal-homologa-tres-terras-indigenas-saiba-quais-são
[11] https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/04/28/lula-demarca-terras-indigenas-em-seis-estados-veja-detalhes-das-areas.ghtml
[12] https://brasil.mapbiomas.org/2023/05/03/documento-sobre-terras-indigenas-no-brasil-e-atualizado/
[13] https://www.gov.br/povosindigenas/pt-br/assuntos/noticias/2024/08/terras-indigenas-sao-as-areas-mais-preservadas-do-brasil
[14] https://apiboficial.org/atl-2025/