segunda-feira, 26 de maio de 2014

A Rua da Reivindicação Social: Movimentos Sociais e Segurança na Democracia.

Em mais uma roda de Conversa a Comissão de Justiça e Paz traz para diálogo e reflexão com as pastorais, movimentos e serviços da Arquidiocese, mas também com a sociedade brasiliense, um tema de profundo interesse e importância atuais: A Rua da Reivindicação Social: Movimentos Sociais e Segurança na Democracia.
Em recente audiência na qual foi recebida pelo Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, a CJP levou ao Secretário a preocupação com a necessidade de preservar os direitos fundamentais e de cidadania nos espaços públicos de Brasília, notadamente em vista das manifestações que são previstas no período de realização da Copa do Mundo, motivadas por uma ampla agenda de reivindicações de direitos políticos e sociais. Para a CJP, o principal fundamento do sistema de segurança na democracia é o de garantir o direito constitucional de reunião e de manifestação, especialmente em face de sobreposição de eventuais protocolos para a realização de grandes eventos (“lei da copa”).
Para animar essa conversa a CJP convidou os seguintes especialistas: Profª. Drª. Beatriz Vargas Ramos, da Faculdade de Direito da UnB e membro da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade daquela Universidade; Antonio Sergio Escrivão Filho, advogado da RENAP – Rede Nacional de Advogados Populares e Arthur Trindade, professor do Instituto de Ciências Sociais, Vice-Coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da UnB.
As Conversas de Justiça e Paz acontecem toda primeira segunda-feira de cada mês, no Auditório Dom José Freire Falcão, Cúria Metropolitana de Brasília, Esplanada dos Ministérios, junto à Catedral, às 19h. Desta vez, o encontro será no dia 02 de junho próximo.






domingo, 18 de maio de 2014

4ª Carta sobre ensino superior, de Tampere, Finlândia: Cooperação internacional e o direito à diversidade cultural



Layla Jorge Teixeira Cesar (*)

A internacionalização do ensino superior não é um fenômeno recente. O intercâmbio cultural entre universidades e sistemas é potencialmente benéfico e sempre existiu. Nas últimas décadas, todavia, este processo foi catalisado pela consolidação de uma “sociedade do conhecimento”, que se expressa na transição do modo de produção da economia para valorização da inovação tecnológica e de bens simbólicos.
São caraterísticas desse processo de globalização pela sociedade do conhecimento: a expansão do setor terciário, um regime de crescimento econômico dependente de patentes, e a demanda por alta qualificação profissional para atender à complexificação do mercado de trabalho. A educação superior, neste contexto, se torna um foco central de investimento, o que parcialmente explica a crescente importância das universidades no mundo contemporâneo.
No que toca especialmente ao ensino superior, os efeitos deste processo podem ser identificados na integração da pesquisa à agenda das universidades, no uso do inglês como língua franca para comunicação científica, no crescente mercado editorial acadêmico em nível internacional, na ampliação do mercado de trabalho para pesquisadores(as) e docentes, e no uso de tecnologias de informação para difusão de conhecimento em plataformas online (Altbach & Knight, 2007)
Esta nova ênfase da internacionalização num contexto de globalização carrega a ameaça de que o processo de integração econômica implique na organização dos distintos sistemas de ensino superior em uma rede altamente hierarquizada, como se expressa atualmente nos rankings internacionais de avaliação do ensino superior. A distribuição de recursos financeiros, prestígio e legitimidade para definição da validade do conhecimento científico produzido numa instituição estariam condicionados a esta estratificação.
Como consequência, as agendas de políticas educacionais de quaisquer sistemas deixariam de priorizar sua conexão com demandas locais para focar na formação de blocos regionais e internacionais que permitiriam a expansão do mercado de ensino superior.
Evidentemente, este processo pode trazer benefícios secundários para aqueles sistemas que estão na base da estratificação. É preciso atentar, todavia, para a permanente tensão entre globalização e anulação ou neutralização das expressões políticas e culturais que não condigam com os interesses dominantes na estrutura de divisão internacional do trabalho intelectual em que nos encontramos.
Além do grau de desenvolvimento econômico e financeiro, há outros fatores que constituem esta tensão entre internacionalização e preservação das formas culturais locais. A dimensão da população, seu idioma, e o grau de consolidação do mercado editorial local, por exemplo, são elementos centrais a este cenário.
A Finlândia é um caso interessante para observar a complexidade do fenômeno de internacionalização do ensino superior, que sempre se apresenta em duas vias.
Por um lado, é a diversidade cultural interna à Finlândia que sofre os efeitos da internacionalização sobre o uso da língua. O idioma finlandês não possui paralelo em outras partes do mundo, e seu uso é praticamente restrito à população nacional. Os pouco mais de 5 milhões de habitantes finlandeses não constituem uma comunidade científica ou mercado editorial grandes o suficiente para opôr resistência ao movimento de anglofonização da academia. A internacionalização do ensino superior finlandês, portanto, é atingida com muita força pela harmonização do inglês como língua franca, e existe uma preocupação em relação ao desaparecimento do idioma finlandês do seu próprio mercado editorial científico. As consequências deste processo se referem não apenas à natureza linguística, já que um universo de significados possíveis se perde com o encerramento do pensamento científico em um idioma, como também de ordem democrática, já que se diminui a acessibilidade do conteúdo publicado, isolando a população local do acesso à produção científica que se dá a partir das universidades, majoritariamente financiadas pelo investimento público.
Por outro lado, é a Finlândia que atua promovendo correntes de internacionalização quando propõe programas de cooperação internacional com países “subdesenvolvidos” ou “em desenvolvimento” (o que quer que signifiquem estes termos em sentido prático). A ideia por trás deste processo é que, em relação a países com nível de desenvolvimento econômico elevado, não seria necessário agir em torno à promoção da internacionalização. Esta seria garantida espontaneamente pela conurbação dos sistemas em expansão. Com relação aos países menos desenvolvidos, cujos sistemas de ensino superior não tenham ainda grande projeção, seria necessário criar vias artificiais de cooperação, para acelerar sua internacionalização e “ajudá-los a atender suas crescentes demandas por educação”.
Foi com base neste raciocínio que o governo finlandês propôs o projeto Norte-Sul-Sul, inscrito no capítulo “Responsabilidade global” do programa federal de estratégias de internacionalização para o ensino superior.
A ideia central do projeto Norte-Sul-Sul é oferecer recursos para que departamentos ou outras unidades ligadas à instituições de ensino superior na Finlândia promovam intercâmbio de professores e estudantes e organizem cursos intensivos nos países do “Sul” com que estabeleçam parceria. O programa existe há mais de uma década e conta atualmente com iniciativas na Etiópia, Quênia, Moçambique, Nepal, Tanzânia, Vietnã e Zâmbia.
O objetivo declarado no projeto é a capacitação da população local para o desenvolvimento político e econômico de suas comunidades, com mecanismos especiais de prevenção da evasão de cérebros. Não debate, todavia, outros possíveis efeitos da cooperação, como a homogeneização dos currículos e a redução da diversidade institucional nos países onde atua.
Considerando a importância fundamental da internacionalização para a ampliação de quaisquer sistemas de ensino superior, a questão que nos resta é: como organizar formas de cooperação internacional que minimizem ou que não incorram em perdas para a diversidade cultural? Que sejam politicamente equilibradas em termos das contribuições simbólicas de cada uma das partes, independentemente de seu nível de desenvolvimento econômico?
Um indicador possível para responder a este desafio é atentar para o grau de emancipação produzido por uma dada iniciativa. Se esta acelera a criação de uma classe local de educadores – como pretende o programa finlandês Norte-Sul-Sul –, então se está cooperando para construção de capacidades ligadas à cultura local. Caso contrário, se uma dada iniciativa retarda a criação de uma classe local de educadores, então se está operando a manutenção da dependência destes sistemas. Esta relação também está condicionada à dimensão dos acordos: quando organizados de maneira pontual, entre instituições, mais facilmente serão revisados e equilibrados do quando organizados em bloco, onde as necessidades específicas se perdem.
Um exemplo de cooperação internacional potencialmente danosa é o número crescente de filiais de grandes universidades ao redor do mundo, condição viabilizada pela Organização Mundial do Comércio desde o final dos anos 90, quando esta reconheceu o ensino superior como mercadoria comercializável e passível de responder às mesmas regras que quaisquer outras commodities. Quanto mais uma universidade estrangeira que se estabeleça em um território veja os habitantes locais como consumidores, menos se interessará em promover a sua emancipação e formar educadores que pudessem organizar seu próprio sistema, uma vez que seu foco será a manutenção de uma reserva de mercado.
É possível estender esta lógica para compreender também como se dão estas relações de tensão em nível local, quando identificamos as próprias universidades como veículos de socialização. Se não desejamos que as universidades exerçam uma função colonizatória, contribuindo para a manutenção da estratificação social e de um regime de dominação intelectual pelas elites, é preciso que estas criem condições para acelerar a democratização do acesso à informação e emancipar a população como produtora de conhecimento – o que se organiza através das cotas, por exemplo, mas também através do reconhecimento de saberes não acadêmicos em seu seio.

Layla Jorge Teixeira Cesar, mestre em Sociologia pela UnB, foi assessora do Reitor José Geraldo de Sousa Junior, no período de seu mandato na UnB (2008-2012). Participa atualmente do programa MARIHE - Mestrado em Pesquisa, Inovação e Gestão de Ensino Superior, uma ação do consórcio entre universidades na Àustria, Finlândia, Espanha, China e Alemanha. Faz parte da rede Diálogos Lyrianos – O Direito Achado na Rua

Referências:
Altbach, Philip & Knight, Jane. (2007). The Internationalization of Higher Education: Motivations and Realities. Journal of Studies in International Education. 2007, 11: 290.




sexta-feira, 16 de maio de 2014

VICTOR NUNES LEAL, NO ANO DE SEU CENTENÁRIO, UM NOME PARA CONFERIR ALTITUDE AO EDIFÍCIO QUE ABRIGA A FACULDADE DE DIREITO DA UnB





 Ilmo. Sr.
Professor George Bandeira Galindo
MD Diretor da Faculdade de Direito da UnB


No último dia 30, o Supremo Tribunal Federal aprovou a colocação do busto de Victor Nunes Leal na sala própria da mais alta Corte de Justiça de nosso País. Uma justa e corretíssima homenagem a uma das mais proeminentes figuras públicas do Brasil, advogado, jurista, sociólogo, político, escritor, professor, foi Ministro naquele Tribunal, não obstante a maneira brutal, em tempos de obscurantismo, como foi interrompida a sua judicatura no STF.
Nascido em 11 de novembro de 1914, este é, portanto, o ano do seu centenário e, certamente, essa é a razão que motiva a decisão de tão eloqüente celebração. De algum modo, reconhecimento e desagravo.
Cumpre o seu dever o Supremo em honrar aquele que foi um de seus mais destacados membros, suficientemente profícuo para inscrever na história substantiva de nosso tribunal constitucional, no curto tempo em que nele teve assento (de 1960 até 16 de janeiro de 1969, quando foi afastado por força do Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968), um legado no qual se inclui, além de votos magistrais, a criação e o primeiro procedimento de institucionalização das denominadas súmulas da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Tal é a estirpe de juiz que encontra em Victor Nunes Leal, o seu mais bem desenhado modelo.
Com efeito, já o disse em outro lugar (Floriano Cavalcanti de Albuquerque, um Juiz à Frente de seu Tempo, in  Albuquerque, Marco Aurélio da Câmara Cavalcanti de, Desembargador Floriano Cavalcanti de Albuquerque e sua brilhante trajetória de vida, Infinitaimagem, Natal, 2013), texto célebre de Anatole France, Prêmio Nobel de Literatura de 1921, um dos fundadores da Liga dos Direitos do Homem, notável escritor que tratou frequentemente o tema da justiça e da condição do jurista, traduz bem e com notável antecipação, questões sérias que se colocam ainda hoje como desafios à magistratura. O texto se intitula Os Íntegros Juízes e nele o escritor procura transmitir a impressão retida da observação de um quadro de Mabuse (Jan Gossaert), talvez a mesma que se possa perceber na pintura de van Eyck (o Políptico de Gantes), em que são figurados também os juízes íntegros, tal como são conhecidos.
 De sua observação, diz Anatole, pode-se concluir ter o mestre dado aos dois juízes o mesmo ar grave de doçura e de serenidade. Mas, vistos os detalhes que caracterizam um e outro, pode-se ver que eles, no entanto, são diferentes, na índole e na doutrina. Um traz na mão um papel e aponta o texto com o dedo; o outro ergue a mão com mais benevolência do que autoridade, como que a liberar um pensamento prudente e sutil. São íntegros os dois, conclui o escritor, mas é visível que o primeiro se apega à letra, o segundo ao espírito.
Em outro texto sobre este tema (A Lei é Morta o Juiz é Vivo), alinha parêmias do célebre magistrado Magnaud erigido, na doutrina e na literatura (Victor Hugo, em Os Miseráveis), em expressão de aplicação equitativa do Direito, com a fórmula, ensina Carlos Maximiliano, “decidir como o bom juiz Magnaud”. Seu ponto de partida é trazer a Justiça para o social, de modo a permitir um processo de aplicação que leve a ultrapassar as condições limitadoras de seu momento de produção: “Enquanto a sociedade for fundada na injustiça, as leis terão por função defender e sustentar a injustiça”.
Por isso o chamamento que faz Anatole France ao juiz vivo para se posicionar ativamente em face da lei morta: “A bem dizer, eu não teria muito receio das más leis, se elas fossem aplicadas por bons juízes. Dizem que a lei é inflexível. Não creio. Não há texto que não se deixe solicitar. A lei é morta. O magistrado é vivo; é uma grande vantagem que leva sobre ela. Infelizmente não faz uso disso com freqüência. Via de regra, faz-se mais morto, mais frio, mais insensível do que o próprio texto que aplica. Não é humano: é implacável. O espírito de casta sufoca nele toda simpatia humana. E vejam que só estou falando dos magistrados honestos”.
Daí a necessidade de os juízes se darem conta, como mostra Bistra Apostolova (Perfil e habilidades do jurista: razão e sensibilidade, Notícia do Direito Brasileiro, nº 5, Faculdade de Direito da UnB, Brasília), de que prefigurar o sentido dos conflitos é a tarefa que lhes cabe e que mediá-los requer compreender o significado que eles alcançam em seu próprio tempo. Como disposição e como atitude, sem o desespero aniquilador que Tolstoi impõe ao juiz de sua narrativa (A morte de Ivan Ilich), para abrir-lhe a consciência que desnuda a sua trajetória profissional, social e familiar como “monstruosa mentira camuflando vida e morte”.
No plano das habilidades, que é o que remete mais imediatamente à constituição de perfis profissionais, a alusão a uma justiça poética quer mais designar a categoria subjetividade, como própria ao afazer do jurista para interpretar criativamente e com imaginação as relações do homem com o mundo e com o outro. É com este sentido que Martha Nussbaun fala em poesia e imaginação (Justicia Poética. La Imaginación Literaria y La Vida Publica, Editorial Andrés Bello, Barcelona/Buenos Aires/México D.F./Santiago do Chile), ou seja, para caracterizá-las como “ingrediente indispensável ao pensamento público, com condição de criar hábitos mentais que contribuam para a efetivação da igualdade social”.
É essa estirpe de juízes que, no Supremo Tribunal Federal - Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva - souberam exercitar a compreensão plena do ato de julgar, rejeitando a falsa oposição entre o político e o jurídico, ao entendimento de que, para se realizar, “a justiça não deve encontrar o empecilho da lei”. Provedores de uma justiça poética esses juízes, lembra Josaphat Marinho em discurso de homenagem a Víctor Nunes Leal na UnB, citando Aliomar Baleeiro, levam a jurisprudência do Supremo a andar pelas ruas porque, “quando anda pelas ruas, colhe melhor a vida nos seus contrastes e se prolonga pela clarividência da observação reduzida a aresto”.
Não são de agora, todavia, as citações de reconhecimento às notáveis contribuições de Victor Nunes e, em seu centenário, iremos assistir muitas outras homenagens que advogados, sociólogos e escritores irão lhe prestar. Nesse campo, não deixará de luzir o relevo que ganhará a sua notável tese de concurso sobre a formação do município brasileiro, que mereceu de Antonio Cândido a distinção de constituir-se um dos 10 livros que ele selecionou para bem conhecer o Brasil. Para Cândido (Prefácio em Coronelismo, Enxada e Voto): “Da Proclamação da República até 1930 nas zonas adiantadas, e praticamente até hoje em algumas mais distantes, reinou a oligarquia dos proprietários rurais, assentada sobre a manipulação da política municipal de acordo com as diretrizes de um governo feito para atender aos seus interesses. A velha hipertrofia da ordem privada, de origem colonial, pesava sobre a esfera do interesse coletivo, definindo uma sociedade de privilégio e favor que tinha expressão nítida na atuação dos chefes políticos locais, os “coronéis”. Um livro que se recomenda por estudar esse estado de coisas (inclusive analisando o lado positivo da atuação dos líderes municipais, à luz do que era possível no estado do país) é Coronelismo, enxada e voto (1949), de Vitor Nunes Leal, análise e interpretação muito segura dos mecanismos políticos da chamada República Velha (1889-1930)”. 
Penso, Senhor Diretor, que não pode faltar nas homenagens que se multiplicarão, a Universidade de Brasília e a nossa Faculdade de Direito. A UnB, sobretudo, teve em Victor Nunes, não apenas um de seus mais brilhantes professores, mas um protagonista que se mostrou imprescindível no convencimento do Presidente Juscelino para a criação da própria universidade. Roberto A. Salmeron em seu livro A Universidade Interrompida: Brasília 1964-1965 (Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1ª edição, 1999; 2ª edição, comemorativa do cinqüentenário da universidade, 2012) faz a crônica desse protagonismo, exercido na condição de Chefe da Casa Civil da Presidência da República. Mas essa participação ganha mais intensidade na própria narrativa de Victor Nunes lançada em seu discurso de retribuição à homenagem que a universidade lhe prestou em 1984 ao lhe conferir o título de Professor Emérito.
A passagem está publicada em opúsculo editado pela UnB por ocasião da efeméride, reunindo as atas, os memoriais, os discursos e os atos constitutivos da alta distinção estatutária (cuja cópia anexo) e é pertinente recolher o episódio descrito pelo personagem que o protagonizou: “Minha vinculação a esta Universidade data de antes de sua fundação, quando Darcy Ribeiro, convidado por Cyro dos Anjos, que era Subchefe da Casa Civil, se empenhava de corpo e alma naquela cruzada. Israel Pinheiro, presidente da Companhia Urbanizadora da Nova Capital, receiava os possíveis tumultos de uma universidade funcionando em Brasília, e Juscelino hesitava, embora ela estivesse prevista no plano de Lúcio Costa. Oswaldo Trigueiro, grande conhecedor de História, em almoço comigo e Cyro dos Anjos, lembrou um episódio que poderia influir no espírito do Presidente, o do epitáfio de Thomas Jefferson, por ele mesmo escrito. No seu breve texto, o grande estadista omitiu ter sido Secretário de Estado e Presidente de seu país, fazendo constar somente que havia fundado a Universidade de Virgínia, além de ter escrito a declaração da independência dos Estados Unidos e a lei de liberdade religiosa do seu Estado. Fui incumbido de levar esse estímulo ao Presidente Juscelino. Cyro dos Anjos já relembrou o fato em depoimento substancioso, de valor histórico, que prestou na Câmara dos Deputados, em 7 de março de 1968. E o Professor José Francisco Paes Landim o trouxe, no ano passado, ao conhecimento do Conselho Universitário. Mas Cyro – fiel à sua vocação literária – acrescentou que o Presidente, ao ouvir o recado de Oswaldo Trigueiro, ‘deu um salto na cadeira’. Na realidade, ele ouviu com muito interesse e compostura e comentou: - ‘Será que o Clóvis (referia-se ao Ministro da Educação) pode ter esse projeto concluído antes da mudança da capital?’. Estávamos por volta de outubro de 1959. Respondi que, autorizado por Cyro dos Anjos, tudo já tinha sido feito por Darcy Ribeiro, juntamente com um grupo muito competente de professores e cientistas. E assim a mensagem que acompanhou o projeto da Universidade de Brasília foi assinada pelo Presidente Juscelino na nova capital, no dia da sua inauguração, 21 de abril de 1960”.
A outorga do título de Professor Emérito representa, sem dúvida, uma distinção condigna do justo reconhecimento a tão relevante contribuição. Mas cabe, ainda, a meu ver, à Faculdade de Direito da UnB prestar o devido tributo aquele que foi um de seus docentes mais brilhantes, seja como professor das cadeiras de Introdução à Ciência Política e de Direito Constitucional, seja como coordenador do Curso-Tronco de Direito, Economia e Administração, embrião da atual Faculdade de Direito.
Considero, assim, Senhor Diretor, que neste momento ainda celebratório do jubileu da universidade e de nossa Faculdade, portanto, em seu momento de mais completa consolidação, no qual ela assume a titularidade exclusiva do edifício que lhe serve de sede, que esse prédio possa ser nomeado “Faculdade de Direito da UnB – Edifício Victor Nunes Leal”.
Ao tempo em que exerci o reitorado em nossa universidade (2008-2012), muito por estímulo do alcance simbólico do momento jubileu, procurei imprimir no imaginário universitário marcas de memória com a designação atribuída a muitas obras inauguradas nesse período (conforme o livro que organizei Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 2012). Desse modo é que atribui os nomes de Luiz Fernando Gouvea Laboriau, Eudoro de Sousa, Honestino Guimarães, Ieda Santos Delgado, Paulo de Tarso Celestino, professores e estudantes cujas vidas se entrelaçam com a história da universidade e do próprio Darcy Ribeiro ao Memorial que foi a ele edificado no campus.
É com esse intuito de ressignificar a memória de tão formidável contribuição à história da UnB e de sua Faculdade de Direito que proponho Senhor Diretor, por seu intermédio, levar ao Conselho da Faculdade a presente moção para que, ao ensejo do centenário de Victor Nunes Leal, aprove a egrégia congregação de nossa Faculdade, atribuir ao prédio que a abriga o nome de Victor Nunes Leal, levando-se, posteriormente, este pleito, uma vez aprovado, ao Magnífico Reitor da Universidade de Brasília, com o fim de produzir-se o ato próprio e respectivos totens e placas designativos.
Brasília, 09 de maio de 2014


Professor José Geraldo de Sousa Junior

quarta-feira, 7 de maio de 2014

NOTA PÚBLICA – JULGAMENTO DO DESAFORAMENTO DO CASO MANOEL MATTOS


Recife, João Pessoa, Rio de Janeiro e São Paulo, 06 de maio de 2014

Em 24 de janeiro de 2009, o defensor de Direitos Humanos Manoel Mattos foi barbaramente assassinado na cidade de Pitimbu, Estado da Paraíba, sua história de luta e compromisso com a democracia é um exemplo de como ainda é preciso lutar pelo aperfeiçoamento das instituições, do sistema de justiça e da proteção aos/as defensores/as de Direitos Humanos.
A situação fática e o contexto do Caso Manoel Mattos apontam a grave violação de direitos humanos que caracterizou o crime não apenas individual e visível, mas coletiva e invisível em face dos mais de 200 casos reportados na região pelo advogado e Promotora de Justiça Rosemary Souto Maior (PE).
 Desta forma, uma ampla mobilização da sociedade civil organizada desde 2009 se estabeleceu, seja através de Organizações não governamentais (Dignitatis, Justiça Global, IPEJUC, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e outras), Redes de advocacia popular e acesso à Justiça (RENAP e Articulação JusDh), Articulações de Direitos Humanos (MNDH), Movimentos Sociais, intelectuais, juristas, militantes, Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Partidos Políticos, Articulações Internacionais (Bar Association Colaboration, Anistia Internacional e Front Line Defenders) e a Ordem dos(as) Advogados(as) Federal e do Estado de Pernambuco, assim como, Procuradoria Geral da República, Ministério Público Federal (Paraíba e Pernambuco), familiares (mãe de Manoel Mattos, Nair Ávalia), amigos(as) e parceiros de caminhada cotidiana de Manoel Mattos, conseguiram a primeira federalização das investigações e do julgamento junto ao STJ em 2010.
Entre os anos de 2010 e 2013 sempre foram acompanhados, a cada instante, as mobilizações interinstitucionais, campanhas nas redes sociais, eventos acadêmicos e políticos, assim como o processamento dos trâmites administrativos, procedimentais, processuais, recursais e a sentença de pronúncia que estabeleceu a realização da sessão do Júri popular na Justiça Federal do Estado da Paraíba para 19 de novembro de 2013 (adiado por falta de quórum para estabelecer o corpo de sentença) e remarcado para o dia 05 de dezembro de 2013 (adiado em face de liminar do Tribunal Regional Federal da 5ª Região).
Esse adiamento acolheu os pedidos de desaforamento da Assistência de acusação bem como do Ministério Público Federal que acompanham o processamento dos acusados de executar o advogado e defensor de direitos humanos Manoel Mattos.
O pedido foi formulado com fundamento legal no art. 427 do Código de Processo Penal, que permite, dentre outras hipóteses, o desaforamento da sessão do Tribunal do Júri para outra comarca em casos de interesse da ordem pública ou quando houver dúvida sobre a imparcialidade do Júri.
Tal pedido conjunto se deu pela constatação de fortes indícios de que caso o julgamento venha a ocorrer no Estado da Paraíba, possa trazer prejuízos ao bom e correto trâmite processual e, sobretudo, a dificuldade de garantir um procedimento imparcial e seguro em virtude da situação dos jurados, dos familiares da vítima e das testemunhas.
No dia 04 de dezembro de 2013, a Desembargadora Relatora da 3ª Turma, concedeu o pedido de liminar suspendendo a seção do júri, requisitando informações ao juiz da 2ª Vara Federal da Paraíba e posterior manifestação dos réus e interessados.
Após todos os atos inerentes ao procedimento terem sido amplamente garantidos, a Desembargadora Relatora incluiu na pauta de julgamento da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região do próximo dia 08 de maio de 2014, o pedido de desaforamento.
O julgamento que ocorrerá no dia 08 de maio é mais uma etapa na luta por justiça, e as entidades de direitos humanos envolvidas no acompanhamento do caso esperam que a medida seja autorizada para bem resguardar as tantas vidas que estão direta e indiretamente envolvidas nesse processo, realizando o julgamento no Estado de Pernambuco (Recife). Corroborando a tese apresentada pelo Ministério Público Federal nos autos, a assistência de acusação irá promover a entrega de memoriais aos desembargadores do TRF, bem como, a sustentação oral.
Por fim, compreende-se que o deslocamento de competência (IDC – também chamado Federalização), fruto da Emenda Constitucional 45/2004 tem contribuído para apontar novas dimensões para que o sentimento de justiça seja pleno e consiga, como exemplo, dar conta à sociedade de uma situação de morte anunciada, visto que, tais contextos ainda fazem parte do cotidiano de uma centena de defensores/as de direitos humanos em todo o Brasil que continuam a lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.

Assinam: 
DIGNITATIS – ASSESSORIA TÉCNICA POPULAR
JUSTIÇA GLOBAL
 REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS
 
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