quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Serás Libertado pelo Direito e pela Justiça


Dia Mundial Da Justiça Social – 20/02/201

Serás Libertado pelo Direito e pela Justiça

Mauro Almeida Noleto
                              José Geraldo de Sousa Junior
                              (Presidente e membro da CJP Brasília)
O título que abre este texto, extraído de Is 1,27, é também o lema da Campanha da Fraternidade deste ano de 2019, que será lançada em abril, com o tema Fraternidade e Políticas Públicas.
Coincidência providencial permite associar lema e tema da Campanha com o registro, hoje, 20 de fevereiro, do Dia Mundial da Justiça Social, data criada pela ONU – Organização das Nações Unidas em 2007 e, desde 2009, comemorada anualmente. A motivação da ONU para esse registro se deve ao objetivo de reforçar o estabelecimento e a implementação das metas propostas pela Organização na Cimeira do Desenvolvimento Social em 1995, durante a Cúpula Social de Copenhagen e na Cúpula do Milênio, dois fóruns importantes do Organismo.
Entre essas metas e ações principais delas decorrentes estão os objetivos de eliminação da pobreza, o bem estar da população e o fim de qualquer tipo de discriminação na sociedade.
Por isso, a data se constitui como uma efeméride de grande importância, pois em seu simbolismo, contribui para a adoção de iniciativas que proporcionem formas concretas de enfrentamento à pobreza, a exclusão, ao preconceito e ao desemprego.
Essas iniciativas colaboram para a promoção do desenvolvimento social dos países que compõem o plenário das Nações Unidas e têm como escopo alcançar a justiça social, no que esse valor possa traduzir-se em promoção de uma convivência pacífica e harmoniosa entre as nações, com a eliminação das barreiras do preconceito e da intolerância, seja por motivos de raça, etnia, religião, orientação sexual, idade, cultura, religião ou qualquer forma de identidade e de reconhecimento de diferenças, que hierarquizem ou descaracterizem grupos e sujeitos sociais.
A Comissão Justiça e Paz de Brasília, em seu mandato pastoral, tem estado atenta a essas convocações dos organismos internacionais no sistema mundo e, pontualmente tem formulado sua própria agenda de ações em diálogo construtivo com os temas tornados prioridade para causas de responsabilidade comum. Algumas, inclusive, também assumidas a seu modo próprio, pelo magistério e pelo protagonismo evangelizador de orientação pontifícia. Mencione-se, nesse sentido, o chamado feito pelo Papa Francisco, para a responsabilidade solidária do cuidado da casa comum, conforme a Carta Encíclica Laudato SI’ e com a causa da Justiça, erigida à condição de rosto da misericórdia, nos termos por ele postos na Misericordiae Vultus, a Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia.
Nesse diapasão é que, na programação de ações da CJP-DF, alguns desses temas têm sido tratados com a devida consideração, valendo por em relevo, dentro da programação das Conversas de Justiça e Paz, o diálogo propositivo que se realizou sobre o temas das migrações e, de modo muito pertinente à questão da Justiça Social, com os contornos do desiderato da ONU, o tema dos Objetivos do Milénio, que abordamos com a perspectiva de balanço e cumprimento pelo Brasil das metas estabelecidas pela ONU.
Nessa ordem de consideração, então, guardando proximidade com o sentido de equidade inscrito nessa modelagem reflexiva, a CJP colocou em evidência aspectos relevantes para dar conteúdo ao conceito proposto pelas Nações Unidas para realizar Justiça Social.
Com efeito, tendo presente que em 2000, a ONU – Organização das Nações Unidas, ao analisar os maiores problemas mundiais, estabeleceu 8 Objetivos do Milênio – ODM, que no Brasil são chamados de 8 Jeitos de Mudar o Mundo – que deveriam ser atingidos por todos os países até 2015. São eles:
1 – Acabar com a fome e a miséria; 2 – Oferecer educação básica de qualidade para todos; 3 – Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4 – Reduzir a mortalidade infantil; 5 – Melhorar a saúde das gestantes; 6 – Combater a Aids, a malária e outras doenças; 7 – Garantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; e 8 – Estabelecer parcerias para o desenvolvimento.
E que, a partir destes oito objetivos internacionais comuns, 18 metas e 48 indicadores foram definidos para possibilitar uma avaliação uniforme dos ODM nos níveis global, regional e nacional, a CJP pretendeu analisar  o processo de acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, conforme as  especificidades nacionais e a capacidade de cada país para monitorá-los. Após o balanço de 2015, a ONU refez a agenda compreendendo então 17 Objetivos para Transformar o Mundo, agora, sob o enquadramento do fundamento da sustentabilidade, devendo traduzir-se em ações globais, com metas para 2020, voltadas para acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar para todos, proteger o meio ambiente e enfrentar as mudanças climáticas.
Na preocupação da CJP, enquanto os ODM consistiram na estratégia de maior alcance e importância delineada pelas Nações Unidas para a promoção do desenvolvimento humano dentre seus estados membros, cumpriram, por isso, um papel fundamental na promoção da luta global contra a extrema pobreza. Por esta razão, eles podem ser entendidos, sobretudo com as novas metas, como componentes-chave do conceito de desenvolvimento humano sustentável, e podem conduzir à melhoria das condições de vida de todos os seres humanos. Por isso, a importância de discuti-los em nosso espaço de avaliação e de ação política e social, à luz de nossos compromissos solidários e fraternos com a Justiça e a Paz.
Agora que se abre  a chamada da Campanha da Fraternidade para atenção às políticas públicas, é mais uma vez o fundamento da Justiça e do Direito que vem balizar a realização concreta da possibilidade de sua realização. Providencial. Pois, o lema da Campanha: Serás Libertado pelo Direito e pela Justiça.
Se é pertinente a definição proposta no texto-base da Campanha, de que políticas públicas são ações e programas que são desenvolvidos pelo Estado para garantir e colocar em prática direitos que são previstos na Constituição Federal e em outras leis (n. 14, p. 19), não é mais possível aceitar que a questão da titularidade de direitos seja respondida abstrata e formalmente (NOLETO, Mauro Almeida. Subjetividade Jurídica: a titularidade de direitos em perspectiva emancipatória. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1998).
Em outras palavras, dizer que todos são titulares de direitos fundamentais, como declara a letra da Constituição, não quer dizer que todos exercemos efetivamente os mesmos direitos em igualdade de condições, com a mesma intensidade e simultaneamente, ou seja, nos espaços públicos – na “rua” – em que os direitos se originam, realizam ou são violados existe uma rede intrincada e assimétrica de relações; nessa rede há atritos entre valores e interesses, há conflito social, há projetos de vida diversos e às vezes antagônicos, há desigualdades econômicas, e há também identidades sociais em formação, que carregam sentidos jurídicos concretos para os direitos fundamentais.
Concretizar pois, políticas públicas e emancipar pelo direito e pela justiça, se constitui exigência inafastável valorizar a participação político-democrática, assegurar protagonismo aos sujeitos de direito, as comunidades, as organizações sociais de base, os povos, os movimentos sociais, ativando suas redes de diálogo social, de controle das políticas e do orçamento público, para que a própria política (a dimensão visível da caridade, Papa Francisco, Evangelii Gaudium, A Alegria do Evangelho, n. 205) se constitua  como um espaço de poder e opiniões, onde diferentes necessidades se enfrentem ou se unem, com visões e concepções distintas em busca do interesse comum (Texto-Base, CF, n. 17, p. 19).
Voltando ao tema que abre este texto, sobre articular Direito e Justiça e, em última análise, Emancipação, é fundamental a mediação de um jurídico instituído nas lutas sociais por reconhecimento da dignidade do humano, direito achado na rua. Em tempos de regresso democrático e constituinte, cabe designar a atenção à
chamada para que se reponha no debate acerca das reformas estruturais pelas quais passa o País, a nota do social que se vai perdendo e que acaba por retirar a dimensão ético-jurídica que deve presidir a sua orientação, ou seja, definir políticas públicas que sejam obedientes a valores. Na medida de seu potencial transformador das instituições e dos perfis de desempenho, esses valores vão permitir organizar, na sociedade e no estado, padrões de cooperação, solidariedade e participação, por meio dos quais, à lógica excludente e alienante que se sustenta no primado da acumulação, se oponha, como prioridade da ação – de governo e da sociedade – a lógica democrática que se sustenta no primado de uma equitativa distribuição.
Isso representa uma chamada para que se reponha na esteira da defesa da Constituição e da Democracia, exigências acerca das reformas estruturais pelas quais passa o debate hoje, vale dizer, repor a nota social, na sua moldura de Justiça, Direito e Emancipação que se vai perdendo e que acaba por retirar a dimensão ético-política que deve presidir a sua orientação. Cuida-se, pois, (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; VIEIRA, Renata Carolina Corrêa, Democracia e Bem Viver: Semear Vida onde só há Morte, http://www.comissaojusticaepazdf.org.br/3518-2/),
de definir políticas públicas, inclusive no que concerne à reforma do Estado e dos serviços públicos, que sejam obedientes a valores. Na medida de seu potencial transformador das instituições e dos perfis de desempenho, esses valores é que vão permitir organizar, na sociedade e no Estado, padrões de cooperação, solidariedade e participação, por meio dos quais, à lógica excludente e alienante que se sustenta no primado da acumulação monopolista, se oponha, como prioridade de ação, da sociedade e do governo, a lógica democrática que se sustenta no primado de uma equitativa distribuição, enquanto se oriente para projeções que garantam o direito à vida plena, bem vivida, vida decente.
Por Comissão Justiça e Paz

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Boaventura de Sousa Santos: "Se o Escola sem Partido tiver futuro, o Brasil não tem futuro"

Bruna Castelo Branco | Foto: Uendel Galter / Ag. A TARDE


Boaventura de Sousa Santos é um intelectual, cientista social, escritor e, sobretudo, educador português. Por isso, olha com preocupação para os caminhos que o atual Ministério da Educação (MEC) tem traçado para o Brasil. “O que é trágico nesse momento do país é que as fábricas do ódio, do medo e da mentira estão se transformando nas políticas públicas de educação”, opina ele. Mesmo que de longe, lá de Portugal, onde dirige o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e dá aula na Faculdade de Economia – que, inclusive, ajudou a fundar em 1973 – Boaventura tem um olhar especial sobre o Brasil. A tese de doutorado dele, Direito dos Oprimidos (Editora Almedina, 2014), defendida na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, é uma análise da vida na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, escrita em plena Ditadura Militar brasileira. Na época, diz ele no livro, por medo de expor aqueles que o acolheram tão bem, batizou o estudo de Pasárgada, aquele poema de Manuel Bandeira. Mesmo que, por aqui, não fosse amigo de rei algum. Hoje, além de Coimbra, ele pesquisa na  Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, e é Global Legal Scholar na Universidade de Warwick, na Inglaterra. Também dirige o projeto ALICE - Espelhos estranhos, lições imprevistas: definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências o mundo, financiado pelo Conselho Europeu de Investigação. Conversamos com ele na 11ª Bienal da União Nacional dos Estudantes, onde falou sobre o que mais gosta: educação, inclusão e justiça social. A cada passo que dava, brotavam dez estudantes que pediam uma palavra, um abraço, uma foto. Também participou de um tour na Ilha de Maré, sobre a qual, em 2018, escreveu um artigo em denúncia à poluição na área. A Muito, falou sobre o futuro da ciência, da educação e das nossas heranças coloniais. Um futuro que, esperemos, não demore de chegar.
O senhor defende em Um discurso sobre as ciências que a ciência e seus métodos  que vêm regulando a sociedade há séculos estão em crise. Por quê?
Fundamentalmente, a crise é também uma oportunidade para a ciência, e consiste basicamente na ideia de que a ciência é um conhecimento válido, mas não é o único conhecimento válido na sociedade. A ciência não pode ter a pretensão de avaliar a validade de outros conhecimentos porque há conhecimentos espirituais, populares, dos povos indígenas, das populações ribeirinhas, que têm outros critérios de validade dos seus conhecimentos. Portanto, há vários critérios de validade, e a ciência, hoje, tem que conviver com isso. Para mim, a evolução desse discurso, que já é de um livro antigo, foi tentar mostrar que o que nós precisamos no mundo e nas universidades é de uma ecologia do saber, é a convivência entre os diferentes conhecimentos, nos quais o conhecimento científico é fundamental, mas não é o único.
É isso o que o senhor quer dizer quando fala que a ciência atual é uma narrativa?
Sim, é a ideia de que não há verdade na ciência, a rigor. Se houvesse verdade, era eterna e para sempre. O que há é a busca da verdade. Nós, os  cientistas sociais, os cientistas em geral, temos essa grande missão de mostrar a verdade. Todo o nosso trabalho é um trabalho objetivo, e essa é a busca da verdade. Ser objetivo não quer dizer que sejamos neutros. Sabemos que há injustiças na sociedade, e a nossa ciência visa contribuir para a justiça social, para a democracia, para o bem-estar dos povos. Portanto, objetividade não quer dizer neutralidade.
Há como a ciência tradicional sair dessa crise ou é um processo natural e irreversível?
Não, há muitos cientistas que continuam – e também depende muito das disciplinas – a defender o que nós designamos por positivismo. E é exatamente essa ideia de que só há uma maneira correta de fazer ciência e que a ciência é o único conhecimento válido. Nem uma coisa nem outra são verdadeiras hoje, de fato. Grandes cientistas mulheres, quando as mulheres entraram na ciência, e com muita força, sobretudo nos últimos 40 anos, mostraram que havia diferentes meios de fazer ciência. Até na biologia, por exemplo, nas ciências da evolução. E, como digo, há vários conhecimentos que têm seus critérios de validade.
O projeto Escola sem Partido incentiva os alunos a gravarem os professores em sala de aula e a denunciarem caso eles comentem temas fora da ementa. É quase como uma caça às bruxas. Também propõe regular a atividade de grêmios estudantis. Para o senhor, quais os riscos para a democracia?
O Escola sem Partido é um atentado contra a democracia. É a institucionalização da censura, porque uma escola sem partido é uma escola de um partido, de um partido único, da ideia de que só há um pensamento válido, que é aquele que é difundido e defendido por aqueles que estão no poder. E, portanto, tudo aquilo que diverge desse saber e dessas ideias é considerado ideologia. Quando a gente transforma toda a diversidade de conhecimentos e opiniões em ideologia, estamos a fazer a pior das ideologias. E pensar que eles dizem que não têm ideologia, mas é a mais reacionária, mais conservadora e mais censória. Um atentado contra a democracia e obviamente contra a educação, em particular.
O Instituto Nacional de Educação de Surdos, ligado ao Ministério da Educação, retirou, sem explicação, as obras do senhor do catálogo online. O que o senhor pensa sobre isso?
Isso acontece exatamente pela dinâmica da Escola sem Partido. Meu trabalho é um trabalho crítico, é um trabalho que não agrada, naturalmente, às autoridades que estão neste momento no poder. É o mesmo que acontece com uma das maiores filósofas deste país de todos os tempos, que é a Marilena Chauí, considerada internacionalmente a melhor especialista de Espinosa, e cujas obras também são postas no index, digamos assim, quase como no tempo da Inquisição. É, fundamentalmente, destruir a diversidade de opiniões, recusar o diálogo. Eu gosto muito que haja críticas duras ao meu trabalho, que me confrontem, o que eu não quero é que proíbam que as minhas ideias circulem.
Quais seriam as consequências, no futuro, dessas denúncias na educação das próximas gerações?
Não tem futuro. Se o Escola sem Partido tiver futuro, o Brasil não tem futuro. Isto é, vai fechar-se num mundo anacrônico, num mundo de um passado que nunca existiu, mas que é considerado um passado glorioso, em que os brasileiros todos se entendiam, em que não havia violência, em que as mulheres estavam postas nos seus lugares e, portanto, eram inferiores ao homem porque são naturalmente inferiores. Os negros eram serviçais porque essa é a missão que eles devem ter. Se eles conseguissem impor essa ideologia, o Brasil não teria futuro. A minha esperança é que a Escola sem Partido será conquistada pelos estudantes, estará conquistada por todos os democratas brasileiros e nunca será posta em prática, pelo menos não nesses termos.
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A esquerda tem que fazer uma revolução nas áreas da comunicação, na forma como conversa
Boaventura de Sousa Santos
Também vivemos um momento em que figuras políticas importantes defendem a educação em casa e a educação a distância para crianças. Ou seja, crianças fora das salas de aula. O senhor acha que pode funcionar?
Há várias considerações. É evidente que, em princípio, a educação a distância foi uma grande iniciativa para fazer chegar ao processo educativo as populações remotas que não tinham a possibilidade de ter uma educação por outros meios. Então, tem o aspecto positivo. E a educação na família, obviamente que as famílias deveriam ser educativas, isto é, deveriam também contribuir para a educação dos filhos e não deixar que a escola tenha o monopólio dessa educação. Agora, quando defendem essas ideias, defendem por outras razões, e essas razões são erradas e condenáveis. A escola a distância, fundamentalmente, é a ideia de evitar o contato presencial entre o professor e o aluno, que pode ser um contato muito rico, muito enriquecedor e de diálogo. Querem criar essa distância e, além do mais, querem poupar dinheiro. É, fundamentalmente, uma questão financeira. E a questão da família é porque eles sabem que os brasileiros confiam nas suas famílias, as famílias são conservadoras e, portanto, será a grande garantia da contribuição de uma educação conservadora, capitalista, colonialista e até patriarcal, que é o objetivo deles.
Nas últimas eleições presidenciais do Brasil, surgiu uma crítica de que a esquerda parou de falar com a população. O discurso se tornou mais universitário, distante das pessoas. O senhor acha que esse distanciamento tem feito a esquerda perder a força no mundo?
Sim, eu acho que há uma contraverdade nisso, eu acho que essa crítica tem sido feita em vários países. E eu tenho dito que se cometeram muitos erros, e esses erros têm que ser analisados, tem que se fazer, por assim dizer, uma autocrítica, a própria esquerda tem que fazer uma autocrítica. Realmente, a luta institucional, sobretudo a luta partidária, muitas vezes obrigou que se perdesse o contato com as populações e com alguns anseios, como, por exemplo, a necessidade de segurança das populações periféricas, com quem é preciso se falar para podermos saber efetivamente o que elas sentem no seu cotidiano. Ora bem, são as igrejas conservadoras e reacionárias que hoje estão presentes nas periferias, e não as Comunidades Eclesiais de Base, que eram progressistas e que deixaram de estar. Os partidos de esquerda que tinham seus grupos populares de bairro, os seus círculos de cultura de que falava o Paulo Freire, também se foram perdendo. Eu acho que a esquerda tem muito que voltar a saber falar com as populações, como tem outros erros, mas é evidente também que o que se passou no Brasil não se explica apenas pelos erros da esquerda. Explica-se, sobretudo, por uma intervenção imperial muito forte dos Estados Unidos que não poderia perdurar. Queriam que os recursos naturais riquíssimos do Brasil estivessem fora do alcance das empresas multinacionais brasileiras, como era o caso do pré-sal e, portanto, não queriam de maneira nenhuma que o Brasil se tornasse uma potência internacional, como são os Estados Unidos. Então, isso também ajuda a explicar o que se passou.
Ultimamente, temos visto no Brasil uma tentativa de alguns grupos de apagar ou distorcer a história, como quando disseram, no período eleitoral, que o nazismo é uma ideologia de esquerda. A embaixada alemã precisou desmentir o boato…
Essa é uma das maiores fake news que eu conheço, dá vontade de rir, se não fosse uma tragédia. É porque é evidente que os nomes, por vezes, atraiçoam, e, como sabe, o nome do partido nazista era Nacional Socialismo. Porque, naquela altura, havia uma ameaça comunista, e essa extrema-direita que estava a girar achou que para conquistar o operariado era preciso dizer que também era socialista, mas que era nacionalista e que não tinha nada a ver com os comunistas. Agora, foi uma extrema-direita, não uma extrema-esquerda, e a prova é muito simples. Quais foram os partidos que foram proibidos e que foram, aliás, condenados, postos na prisão, torturados e eliminados os seus líderes? Todos os partidos comunistas e socialistas. Se o Nacional Socialismo, se o fascismo de Salazar, ou o de Franco, ou o de Mussolini fossem de esquerda, não tinham mandado para a prisão, para a tortura, para o exílio todos os líderes políticos de todos os partidos de esquerda. Portanto, essa é uma das fake news mais viciosas que eu tenho visto, obviamente para criar confusão e dizer que o petismo, que é um partido democrático, que nunca governou sozinho, governou sempre com a direita, também era socialista, de esquerda e uma ditadura, como o Nacional Socialismo.
Mas o senhor acha que as pessoas, com o tempo, vão realmente passar a acreditar nisso, mesmo depois de ter sido desmentido tantas vezes?
Já tem tido, obviamente, uma influência muito forte, porque tem meios de comunicação que reproduzem. A esquerda tem que fazer uma revolução nas áreas da comunicação, na forma como conversa. Ao nível de redes sociais, mas também ao nível de presença. Isso é um trabalho de educação. Por isso que as universidades, como eu dizia há pouco, e a educação, têm que ter uma luta constante contra as fábricas do ódio, do medo e da mentira. São essas três grandes fábricas que estão a produzir essa ideia de que o nacional socialismo era de esquerda.
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Estamos numa sociedade extremamente desigual, a injustiça social é enorme. Como é que isto não provoca uma revolução?
Boaventura de Sousa Santos
O senhor também fala em descolonizar a educação. Em Porto Alegre, o senhor organizou a proposta da Universidade dos Movimentos Populares, que busca justamente essa transformação nos modos de educar. O senhor pode falar sobre essa ideia de descolonizar a educação?
Descolonizar traz, basicamente, duas ideias. A primeira ideia é a de que o colonialismo não terminou com as independências, mudou de figura. Continuou o racismo, continuou a ideia de que há seres humanos que pela cor da pele são seres inferiores e devem ocupar lugares inferiores na sociedade. E a educação, durante muito tempo, compactuou com essa ideia. O contributo das populações negras ou indígenas para a história do Brasil nunca foi integrado na história. Pelo contrário, se conta a história dos vencedores, onde muitas vezes os heróis eram aqueles que tinham matado mais índios ou os que tinham escravizado mais gente. Há patrões de escravos que foram considerados heróis nacionais em vários países. Ora bem, é uma história completamente feita pelos colonizadores para benefício próprio e não para benefício da população que foi colonizada. Como é que se lutou contra isso? Lutou-se, num primeiro momento, com as ações afirmativas. Essa população que tinha sido considerada inferior também foi tirada das universidades e nunca teve acesso a elas. No Brasil, só no século 21, ou seja, muito mais de 100 anos depois da independência, é que nós vamos ter finalmente o conhecimento de que o Brasil é uma sociedade racista, e que por isso é preciso fazer ações afirmativas contra o racismo tal qual aconteceu nos Estados Unidos há mais de 50 anos. Essa foi a primeira medida. A segunda medida é que não basta integrar nas universidades jovens negros, jovens indígenas ou pobres. É fundamental também mudar os nossos planos de estudo, as nossas histórias, sobretudo. É uma história dos colonizadores, não as histórias que existiam contra o colonialismo, o capitalismo e o patriarcado. Essas são lutas que muitas vezes ficaram por contar e que são hoje contadas pelos rappers, por exemplo.
Essa educação descolonizada é algo que já estamos experimentando?
Está a se fazer lentamente. As ações afirmativas agora são alvo deste governo conservador que está no poder no Brasil. Mas é evidente que está a se fazer em todo o mundo. Na África do Sul hoje, por exemplo, há uma grande frente de luta pelas ações afirmativas e pela integração da população negra nas universidades porque, mesmo com o fim do Apartheid, continuou excluída. E também começa a voltar nas universidades europeias uma luta contra esse pensamento colonizado. Por exemplo, por que é que todos os filósofos nos departamentos de filosofia, e quiçá aqui também no Brasil, são todos homens, brancos e estão quase todos mortos? Quando há mulheres filósofas, quando há grandes filósofos negros, filósofos muçulmanos, hindus, chineses, filósofos de alto gabarito, que foram extremamente inovadores, e que não ficaram no nosso currículo. Há tanto a fazer, mas está a se fazer, normalmente por opção dos estudantes. Ainda na Inglaterra, recentemente, houve exatamente essa reação dos estudantes na Universidade de Londres. E, na segunda semana de julho, vou estar na Universidade de Bristol, na Inglaterra, exatamente para os ajudar num grande seminário que vão realizar sobre a descolonização da universidade inglesa. É um processo que está em curso.
Quais heranças coloniais o Brasil precisa criticar, a seu ver?
Eu observo duas grandes heranças coloniais. Uma é a concentração de terras, o latifúndio, que é uma herança do colonialismo. E a outra é o racismo. E, obviamente, que essas duas grandes heranças precisam ser trabalhadas. Tem que haver uma reforma agrária, uma demarcação das terras indígenas, e tem que haver uma luta constante contra o racismo institucional.
Muitos acreditam que não é possível viver em um mundo socialmente justo. O senhor concorda?
Essa visão faz parte de uma ideologia reacionária que está neste momento no mundo. Se nós virmos que os oito homens mais ricos do mundo têm tanta riqueza quanto a metade mais pobre da humanidade, ou seja, 3,5 bilhões de pessoas, estamos numa sociedade extremamente desigual, a injustiça social é enorme. Como é que isto não provoca uma revolução? É exatamente pela promoção da ideia de que o problema é na justiça, que todos queriam viver num sistema justo. Não, a justiça não é uma coisa boa, o que é bom é a injustiça. É a ideia de que não há alternativa à sociedade em que nós vivemos. É uma ideologia, sim, uma ideologia perigosa, porque se nós trabalharmos com as comunidades rurais e urbanas nas periferias, o que nós vemos? Vemos muita solidariedade, tentativa de racionar, é a ideia de uma justiça. Nas comunidades indígenas não havia pobreza. Quando havia seca, não havia bens suficientes, todos repartiam. E a abundância também se repartia. Portanto, ninguém ficava na miséria ao lado de uma pessoa muito rica. Estavam todos pobres ou estavam todos ricos. E digo mais: enquanto houver capitalismo, haverá a ideia de socialismo. Por exemplo, os indígenas na região dos Andes são hoje famosos na Bolívia e no Equador por dizerem que a sua ideia de sociedade justa não se chama socialismo, chama-se “bien vivir”, viver bem. O viver bem é viver em harmonia com os outros, com a natureza, não com produtos. É uma ideia de socialismo que vem da cosmologia indígena, e não do pensamento ocidental.
Além de cientista e intelectual, o senhor também é poeta. No poema Um Cigarro no Bradley’s o último verso diz: “Só o fim começa”. Já estamos lá?
(Risos). Não, essa última frase desse livro pode ser lida de muitas maneiras. É a ideia de que realmente não há fins, porque todo fim é sempre um começo. É a minha ideia de lutar contra o fim da história, isto que acabei de dizer, a ideia de que não há alternativa. Há alternativas, e o meu trabalho sociológico, os movimentos sociais, meu Deus, todos eles lutam por alternativas e não podem continuar a viver da forma como vivem, lutar por uma vida digna em posições indignas. Sim, o fim é o começo porque se está sempre a pensar e não há fim no fim.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

DIREITOS HUMANOS & SAÚDE MENTAL

Sérgio Pinho*


Diante deste contexto, ante esta maldita estrutura
quero clamar pelo direito de me defender da ditadura!
O regime que querem implantar no Estado brasileiro
nessa democracia fajuta submetida ao capital financeiro.
A elite que manipula a mídia, também domina a farsa política
e um sujeito desorganizado não consegue calar sua crítica.
Quando a coisa pega, se tem de achar um meio de escorregar
saltar de lado – capoeira – trabalhar pra própria renda GERAR.
Reivindicar seu direito, como na tal “Declaração”!
Ir além da dita carta e chegar a dominar os passos no chão
no lugar onde pisa, construir o rumo do melhor caminho
porque a gente vem se unindo, da esquina da rua ao ninho.

Nessa sociedade desigual é preciso que os excluídos se organizem.
Se respeitando e se colocando com os modos que vivem!
Articulando-se em Rede, com afetividade e Paciência!
Nas Iniciativas solidárias com a Força da Resistência!
Ligados nos limites comuns e pulando as cercas impostas.
Resistir àqueles que comandam serviços e dão as costas!
Resistir aos retrocessos que propagam proibições e manicômios!
Buscar libertar-se dos confortos desses acomodados demônios.
Organizar-se em coletivos pra fazer valer o poder da sua voz.
Montar estratégias precisas pra enfrentar e vencer o algoz.

SOMOS NÓS QUE CONQUISTAMOS – NA PRÁTICA – TODOS NOSSOS DIREITOS!
NÓS QUE VIVEMOS AS NECESSIDADES, ONDE TEMOS DE DAR O NOSSO JEITO!
PORTANTO, VAMOS NOS JUNTAR – NOS REUNIR – E TRAÇAR PLANOS DE LUTA!
DIREITOS HUMANOS SÃO MAIS QUE CONCEITOS – NA REAL, VÊM DA LABUTA!

*Sérgio Pinho é poeta e militante da Luta Antimanicomial.
- Este texto foi escrito e lido por Sérgio como sistematização da palestra sobre "Direitos Humanos e Inclusão Social", proferida por Ludmila Cerqueira Correia na Casa Gerar, em Salvador-BA, no dia 29 de janeiro de 2019.   

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Democracia e bem viver: semear vida onde só há mor


José Geraldo de Sousa Junior
Renata Carolina Corrêa Vieira
“¿Cómo seguir sembrando vidas donde sólo hay muerte?” Assim terminou sua fala, a Professora Catherine Walsh, em Conferência de Encerramento na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, no II Seminário de Formação Política do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Movimentos Sociais e Culturas – GPMC, em setembro de 2018, na cidade do Rio de Janeiro, cujo tema do encontro era “Pesquisar, desobedecer e agir para o bem viver”.
Militante dos direitos indígenas e autora de livros sobre educação intercultural e pedagogia decolonial, teorias construídas com forte influência de Paulo Freire, com quem trabalhou nos anos 1980, se referia às sistemáticas violações de direitos humanos que os povos indígenas e os povos tradicionais, de matriz africana ou não, continuam sofrendo na América Latina desde a primeira invasão de Cristóvão Colombo às Américas. Vítimas de genocídio e de etnocídio, com contornos de epistemicídio,  pelos grandes projetos de desenvolvimento econômico nos países chamados “periféricos”, os povos indígenas e as comunidades tradicionais seguem a luta pela sobrevivência e pela preservação do meio ambiente.
A crítica da autora norte-americana, radicada no Equador, se refere, principalmente, a países que, mesmo depois de terem consagrado, em suas Constituições, direitos como o bem-viver e o da natureza (Pacha Mama), a exemplo de Bolívia e Equador, ainda mantêm os mesmos projetos de morte, quando se trata do plano de desenvolvimento econômico. Projetos de mineração, construção de barragens e hidroelétricas, extração de madeira, extensão das fronteiras agrícolas para o monocultivo representam modelos de desenvolvimento de uma classe dominante cujo projeto de poder coincide com uma política de extermínio: o neoliberalismo.
Assistimos todos constrangidos e atônitos nesse início de 2019 às notícias sobre o rompimento da barragem de Brumadinho (MG), o número confirmado de mortos está em 65 e o de desaparecidos, 279, e crescendo, conforme matéria publicada na BBC Brasil. Ainda de luto pelo maior atentado ambiental do mundo praticado pela inação negligente de uma operação que resultou no vazamento de minério, ocorrido na região de Mariana (MG), em 2015, que gerou uma enxurrada de mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos, a morte de 19 pessoas, a destruição do modo de vida local de centenas de pessoas, a morte de um rio e incalculáveis danos para a biodiversidade local, voltamos a viver o mesmo pesadelo.
Diante de mais uma tragédia socioambiental provocada pela exploração de minério, a pergunta da conferencista volta a ecoar e reverberar: “¿Cómo seguir sembrando vidas donde sólo hay muerte?”, “¿cómo cultivar buenas semillas?”, “¿Cuáles son las semillas que debemos plantar?”Tais inquietações nos levam a um fio condutor de reflexão que perpassa pelo questionamento se é possível conciliar direitos humanos e neoliberalismo, em última instância, se é possível conciliar neoliberalismo e democracia.
Enquanto “um projecto político levado a cabo de forma consciente e sistemática pelos poderes dominantes, enquadrado e apoiado pelas grandes centrais produtoras da ideologia dominante”, a globalização neoliberal, nas palavras de Avelãs Nunes, é apoiada em aspectos não só econômicos, mas também filosóficos, ideológicos e culturais, que visam retirar a dimensão humana da vida, mercantilizá-la, transformá-la em mercadoria. A incompatibilidade entre efetivação de direitos humanos e a globalização neoliberal é tema central de análise em sua obra Neoliberalismo & Direitos Humanos.
Em entrevista concedida para o Observatório da Constituição e da Democracia (Brasília: Faculdade de Direito da UnB, C & D n. 21, abril de 2008, pp. 12-13), sobre a terceira onda da globalização (fase neoliberal), o autor afirma que para as classes dominantes, para as multinacionais e para o seu estado, pouco importa que milhões de pessoas morram de fome e de doenças provocadas pela fome. O que importa, num quadro como este, é melhorar o poder de compra dos clientes (a pequena camada de ricos) e, se possível, acrescentar mais uns quantos privilegiados a este núcleo de elite”.
Alinhado a uma política neoliberal, logo no início de seu mandato, o atual Presidente da República, fez pronunciamentos de que em seu governo haveria flexibilização das regras da mineração e do licenciamento ambiental, inclusive com possibilidade de exploração de minério dentro de terras indígenas (Disponível aquiaqui e aqui). No primeiro dia de seu mandato, a competência da Funai para demarcação de terras indígenas foi retirada, que passa a ser do Ministério da Agricultura, chefiado por uma ruralista.
São direções, atitudes e pronunciamentos que se põem a contracorrente das motivações distributivistas que, mesmo no mais exacerbado utilitarismo cuidaram de imprimir à economia um sentido político, que a insere no campo do que já foi chamado de teoria dos sentimentos morais (Adam Smith). E isso é inaceitável porque escancara um curso que busca imprimir em nosso País, aprofundando desigualdades que sacrificam o nosso povo, projetos de acumulação e de desenvolvimento entreguistas e excludentes, distanciando-se da aproximação mediada pela economia política e pela filosofia, e mais propriamente por teorias da justiça, que em países avançados, capitalistas e não capitalistas, segue uma linha civilizatória que mais se afasta das opções que mercantilizam a vida.
No que tem sido chamado de processo de desdemocratização e de desconstitucionalização que avassala o país desde 2016, como consequência de um golpe político que criou as condições para o reagrupamento dos interesses econômicos neoliberais, é preciso resistir e defender o projeto democrático-constitucional que organizou o social para vencer e superar as desigualdades.
Tudo menos o conformismo, que acentua a naturalização de condições que, longe de decorrer de um destino, está, certamente, ao alcance da capacidade humana e política de definir ações transformadoras da realidade:os fenômenos sociais são, antes e acima de tudo, produtos da prática humana, estando, pois, aptos a assumirem contornos singulares conforme a época, a sociedade e a cultura, abrindo-se a essas mudanças.
Por isso, retomando à ideia de semente e às perguntas da autora citada¿cómo cultivar buenas semillas?” e “¿Cuáles son las semillas que debemos plantar?” são as lutas que preparam o terreno para afirmar modos de vida e é essa percepção que está na raiz do conceito que o projeto social implantado pelo movimento de redemocratização, com a Constituição de 1988 fecundou. Vale dizer, conferir ao meio ambiente a condição de bem comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, da atual e das futuras gerações e salvaguardar, no interesse intergeracional, incluindo o modo de produção e de reprodução da existência social dos povos tradicionais, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, nossa referência de passado e nossa aliança ética de futuro.
Isso representa uma chamada para que se reponha na esteira da defesa da Constituição e da Democracia, exigências acerca das reformas estruturais pelas quais passa o debate hoje, vale dizer, a nota social que se vai perdendo e que acaba por retirar a dimensão ético-política que deve presidir a sua orientação. Cuida-se, pois, de definir políticas públicas, inclusive no que concerne à reforma do Estado e dos serviços públicos, que sejam obedientes a valores. Na medida de seu potencial transformador das instituições e dos perfis de desempenho, esses valores é que vão permitir organizar, na sociedade e no Estado, padrões de cooperação, solidariedade e participação, por meio dos quais, à lógica excludente e alienante que se sustenta no primado da acumulação monopolista, se oponha, como prioridade de ação, da sociedade e do governo, a lógica democrática que se sustenta no primado de uma equitativa distribuição, enquanto se oriente para projeções que garantam o direito à vida plena, bem vivida, vida decente.
José Geraldo de Sousa Junior e Renata Carolina Corrêa Vieira são pesquisadores do grupo de pesquisa O Direito Achado na Rua.