Dia Mundial Da Justiça Social – 20/02/201
Serás Libertado pelo Direito e pela Justiça
Mauro Almeida Noleto
José Geraldo de Sousa Junior
(Presidente e membro da CJP Brasília)
O título que abre este texto, extraído de Is 1,27, é também o lema da Campanha da Fraternidade deste ano de 2019, que será lançada em abril, com o tema Fraternidade e Políticas Públicas.
Coincidência providencial permite associar lema e tema da Campanha com o registro, hoje, 20 de fevereiro, do Dia Mundial da Justiça Social, data criada pela ONU – Organização das Nações Unidas em 2007 e, desde 2009, comemorada anualmente. A motivação da ONU para esse registro se deve ao objetivo de reforçar o estabelecimento e a implementação das metas propostas pela Organização na Cimeira do Desenvolvimento Social em 1995, durante a Cúpula Social de Copenhagen e na Cúpula do Milênio, dois fóruns importantes do Organismo.
Entre essas metas e ações principais delas decorrentes estão os objetivos de eliminação da pobreza, o bem estar da população e o fim de qualquer tipo de discriminação na sociedade.
Por isso, a data se constitui como uma efeméride de grande importância, pois em seu simbolismo, contribui para a adoção de iniciativas que proporcionem formas concretas de enfrentamento à pobreza, a exclusão, ao preconceito e ao desemprego.
Essas iniciativas colaboram para a promoção do desenvolvimento social dos países que compõem o plenário das Nações Unidas e têm como escopo alcançar a justiça social, no que esse valor possa traduzir-se em promoção de uma convivência pacífica e harmoniosa entre as nações, com a eliminação das barreiras do preconceito e da intolerância, seja por motivos de raça, etnia, religião, orientação sexual, idade, cultura, religião ou qualquer forma de identidade e de reconhecimento de diferenças, que hierarquizem ou descaracterizem grupos e sujeitos sociais.
A Comissão Justiça e Paz de Brasília, em seu mandato pastoral, tem estado atenta a essas convocações dos organismos internacionais no sistema mundo e, pontualmente tem formulado sua própria agenda de ações em diálogo construtivo com os temas tornados prioridade para causas de responsabilidade comum. Algumas, inclusive, também assumidas a seu modo próprio, pelo magistério e pelo protagonismo evangelizador de orientação pontifícia. Mencione-se, nesse sentido, o chamado feito pelo Papa Francisco, para a responsabilidade solidária do cuidado da casa comum, conforme a Carta Encíclica Laudato SI’ e com a causa da Justiça, erigida à condição de rosto da misericórdia, nos termos por ele postos na Misericordiae Vultus, a Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia.
Nesse diapasão é que, na programação de ações da CJP-DF, alguns desses temas têm sido tratados com a devida consideração, valendo por em relevo, dentro da programação das Conversas de Justiça e Paz, o diálogo propositivo que se realizou sobre o temas das migrações e, de modo muito pertinente à questão da Justiça Social, com os contornos do desiderato da ONU, o tema dos Objetivos do Milénio, que abordamos com a perspectiva de balanço e cumprimento pelo Brasil das metas estabelecidas pela ONU.
Nessa ordem de consideração, então, guardando proximidade com o sentido de equidade inscrito nessa modelagem reflexiva, a CJP colocou em evidência aspectos relevantes para dar conteúdo ao conceito proposto pelas Nações Unidas para realizar Justiça Social.
Com efeito, tendo presente que em 2000, a ONU – Organização das Nações Unidas, ao analisar os maiores problemas mundiais, estabeleceu 8 Objetivos do Milênio – ODM, que no Brasil são chamados de 8 Jeitos de Mudar o Mundo – que deveriam ser atingidos por todos os países até 2015. São eles:
1 – Acabar com a fome e a miséria; 2 – Oferecer educação básica de qualidade para todos; 3 – Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4 – Reduzir a mortalidade infantil; 5 – Melhorar a saúde das gestantes; 6 – Combater a Aids, a malária e outras doenças; 7 – Garantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; e 8 – Estabelecer parcerias para o desenvolvimento.
E que, a partir destes oito objetivos internacionais comuns, 18 metas e 48 indicadores foram definidos para possibilitar uma avaliação uniforme dos ODM nos níveis global, regional e nacional, a CJP pretendeu analisar o processo de acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, conforme as especificidades nacionais e a capacidade de cada país para monitorá-los. Após o balanço de 2015, a ONU refez a agenda compreendendo então 17 Objetivos para Transformar o Mundo, agora, sob o enquadramento do fundamento da sustentabilidade, devendo traduzir-se em ações globais, com metas para 2020, voltadas para acabar com a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar para todos, proteger o meio ambiente e enfrentar as mudanças climáticas.
Na preocupação da CJP, enquanto os ODM consistiram na estratégia de maior alcance e importância delineada pelas Nações Unidas para a promoção do desenvolvimento humano dentre seus estados membros, cumpriram, por isso, um papel fundamental na promoção da luta global contra a extrema pobreza. Por esta razão, eles podem ser entendidos, sobretudo com as novas metas, como componentes-chave do conceito de desenvolvimento humano sustentável, e podem conduzir à melhoria das condições de vida de todos os seres humanos. Por isso, a importância de discuti-los em nosso espaço de avaliação e de ação política e social, à luz de nossos compromissos solidários e fraternos com a Justiça e a Paz.
Agora que se abre a chamada da Campanha da Fraternidade para atenção às políticas públicas, é mais uma vez o fundamento da Justiça e do Direito que vem balizar a realização concreta da possibilidade de sua realização. Providencial. Pois, o lema da Campanha: Serás Libertado pelo Direito e pela Justiça.
Se é pertinente a definição proposta no texto-base da Campanha, de que políticas públicas são ações e programas que são desenvolvidos pelo Estado para garantir e colocar em prática direitos que são previstos na Constituição Federal e em outras leis (n. 14, p. 19), não é mais possível aceitar que a questão da titularidade de direitos seja respondida abstrata e formalmente (NOLETO, Mauro Almeida. Subjetividade Jurídica: a titularidade de direitos em perspectiva emancipatória. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1998).
Em outras palavras, dizer que todos são titulares de direitos fundamentais, como declara a letra da Constituição, não quer dizer que todos exercemos efetivamente os mesmos direitos em igualdade de condições, com a mesma intensidade e simultaneamente, ou seja, nos espaços públicos – na “rua” – em que os direitos se originam, realizam ou são violados existe uma rede intrincada e assimétrica de relações; nessa rede há atritos entre valores e interesses, há conflito social, há projetos de vida diversos e às vezes antagônicos, há desigualdades econômicas, e há também identidades sociais em formação, que carregam sentidos jurídicos concretos para os direitos fundamentais.
Concretizar pois, políticas públicas e emancipar pelo direito e pela justiça, se constitui exigência inafastável valorizar a participação político-democrática, assegurar protagonismo aos sujeitos de direito, as comunidades, as organizações sociais de base, os povos, os movimentos sociais, ativando suas redes de diálogo social, de controle das políticas e do orçamento público, para que a própria política (a dimensão visível da caridade, Papa Francisco, Evangelii Gaudium, A Alegria do Evangelho, n. 205) se constitua como um espaço de poder e opiniões, onde diferentes necessidades se enfrentem ou se unem, com visões e concepções distintas em busca do interesse comum (Texto-Base, CF, n. 17, p. 19).
Voltando ao tema que abre este texto, sobre articular Direito e Justiça e, em última análise, Emancipação, é fundamental a mediação de um jurídico instituído nas lutas sociais por reconhecimento da dignidade do humano, direito achado na rua. Em tempos de regresso democrático e constituinte, cabe designar a atenção à
chamada para que se reponha no debate acerca das reformas estruturais pelas quais passa o País, a nota do social que se vai perdendo e que acaba por retirar a dimensão ético-jurídica que deve presidir a sua orientação, ou seja, definir políticas públicas que sejam obedientes a valores. Na medida de seu potencial transformador das instituições e dos perfis de desempenho, esses valores vão permitir organizar, na sociedade e no estado, padrões de cooperação, solidariedade e participação, por meio dos quais, à lógica excludente e alienante que se sustenta no primado da acumulação, se oponha, como prioridade da ação – de governo e da sociedade – a lógica democrática que se sustenta no primado de uma equitativa distribuição.
Isso representa uma chamada para que se reponha na esteira da defesa da Constituição e da Democracia, exigências acerca das reformas estruturais pelas quais passa o debate hoje, vale dizer, repor a nota social, na sua moldura de Justiça, Direito e Emancipação que se vai perdendo e que acaba por retirar a dimensão ético-política que deve presidir a sua orientação. Cuida-se, pois, (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; VIEIRA, Renata Carolina Corrêa, Democracia e Bem Viver: Semear Vida onde só há Morte, http://www.comissaojusticaepazdf.org.br/3518-2/),
de definir políticas públicas, inclusive no que concerne à reforma do Estado e dos serviços públicos, que sejam obedientes a valores. Na medida de seu potencial transformador das instituições e dos perfis de desempenho, esses valores é que vão permitir organizar, na sociedade e no Estado, padrões de cooperação, solidariedade e participação, por meio dos quais, à lógica excludente e alienante que se sustenta no primado da acumulação monopolista, se oponha, como prioridade de ação, da sociedade e do governo, a lógica democrática que se sustenta no primado de uma equitativa distribuição, enquanto se oriente para projeções que garantam o direito à vida plena, bem vivida, vida decente.
Por Comissão Justiça e Paz