quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Foi bonita a festa, pá: a atualidade do microcosmo comunista* (Cartas do Mondego)

Ludmila Cerqueira Correia**
Elaine Santos***

Coimbra, 09 de setembro de 2015.

Era uma festa, um festival europeu, mas carregado de simbolismo com potencialidades revolucionárias. É a festa do internacionalismo de uma Europa que goteja crise por todos os lados ao mesmo tempo em que se observa a América Latina tomada pela volta do conservadorismo odioso, onde as pessoas são hostilizadas nas ruas até mesmo por trajar vermelho. É o que tem ocorrido no Brasil desde 2013, tendo se acentuado nos últimos meses, quando pessoas que vestem roupas vermelhas, sem qualquer pretensão política, são agredidas.
A Festa do Avante!, organizada pelo Partido Comunista Português (PCP)****, chega à sua 39ª edição, com a participação de mais de oito mil pessoas, durante três dias (04 a 06/09/2015), na Quinta da Atalaia. É um festival com música, teatro, cinema, debates políticos com os dirigentes do PCP, palestras, comidas, artesanatos, feiras de livros e discos, esportes, além de atividades infantis específicas. A festa ganha dimensão internacionalista quando abre espaço para os partidos à esquerda de todo o mundo, os quais divulgam e compartilham suas lutas, ideias e críticas. Isso reverbera inclusive nas contradições do próprio festival, que abriu espaço para movimentos de esquerda bastante criticados em seus países de origem.
Mais que um local de encontros, a festa é também um momento de denúncia das políticas de direita contrárias às aspirações dos trabalhadores, o que ficou muito claro nos discursos dos dirigentes do PCP no comício ali realizado no último dia, referenciando as eleições legislativas portuguesas que ocorrerão em outubro próximo. Apesar do acirramento eleitoral, toda a gente também comemora, canta, dança e, assim, renova as energias fraternas de uma torrente humana composta por várias gerações que ocupam a Quinta da Atalaia: intelectuais, trabalhadores, estudantes, militantes, movimentos sociais, amigos, jovens, crianças que reafirmam a atualidade das ideias transformadoras.
Um dos tons mais marcantes da festa foi a presença de gerações de uma mesma família, que além de valorizar as lutas e conquistas, contribui para transformar a história da juventude europeia no contexto da atual crise. Significa dizer que não somos um “sujeito” reconhecido apenas como um nome próprio, isolados, mas sim reconhecidos pela nossa “trajetória”, que carrega também os deslocamentos dentro de um espaço social (determinado pelo capital). Por isso é urgente entender as condições objetivas em que essa história de lutas se desenrolou – em Portugal ou em qualquer país – e a partir disso, pensar na sua superação. 
Para nós, a vida científica está além da academia e precisamos de reflexividade crítica para entender isto. É a escola do realismo social que nos ensina, na qual todos os conflitos se fazem presentes na luta por sobrevivência; é assim que nos fazemos humanos e humanizamos, com um furor obcecado por uma mudança, uma centelha de vida. 

* Parafraseando a canção Tanto Mar, de Chico Buarque, que participou da Festa do Avante! em 1980.

** Ludmila Cerqueira Correia é doutoranda em Direito, Estado e Constituição no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, integrante do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, bolsista CAPES em estágio doutoral no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, professora do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba e Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania (Centro de Referência em Direitos Humanos da UFPB).

*** Elaine Santos é socióloga, doutoranda no Programa Direito, Justiça e Cidadania no século XXI do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e professora da rede pública estadual de São Paulo.

**** Ver: <http://www.festadoavante.pcp.pt/2015/inicio>


Esta carta traz a valiosa contribuição da companheira Elaine Santos, que tem compartilhado ideias, lutas e sonhos na jornada Conimbricense. E, como não podia deixar de ser, estávamos juntas na Festa do Avante! 








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