terça-feira, 22 de setembro de 2015

AMAGIS ENTREVISTA PROFESSOR DA UNB JOSÉ GERALDO DE SOUZA JUNIOR

Jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e cidadania, José Geraldo de Sousa Junior é um dos autores e coordenador do projeto “Direito Achado na Rua”, grupo de pesquisa em série registrado no CNPq com mais de 45 pesquisadores envolvidos e seis volumes publicados. Mestre e Doutor em Direito, o professor da Faculdade de Direito (Graduação e Pós-Graduação) da UNB fala à Revista Tribuna Judiciária sobre Democracia, Justiça Social, Políticas Afirmativas, dentre outros temas.
Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro Universidade - foi reitor (2008 a 2012) e diretor do Programa de Mestrado em Direitos Humanos e Cidadania. É membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais, da Comissão de Educação Jurídica do Conselho Federal da OAB e da Comissão Justiça e Paz, da Arquidiocese de Brasília. Entre vários livros organizados, é autor de Para uma Crítica da Eficácia do Direito; Ideias para a Cidadania e para a Justiça; e Direito Como Liberdade - O Direito Achado na Rua.
1) Qual o papel da Justiça na consolidação e fortalecimento da Democracia?
Dr. José Geraldo: A Democracia, tenho sustentado, é um sistema de construção permanente de direitos, direitos que se expressam por meio do processo legislativo regular, mas também, diretamente, como impulso do protagonismos dos sujeitos sociais, na medida em que já se inscrevem nas práticas sociais, ou seja, nas sociabilidades sempre em processo. Não por acaso, a Constituição Federal aponta para essa realidade, lembrando que o elenco de direitos nela contidos, não exclui outros direitos, que derivem do regime que organiza a política na sociedade, o que significa referir-se à democracia como experiência de criação contínua de direitos e ainda aos princípios que a constituição adota, por exemplo o de reconhecimento aos direitos humanos, outra matriz pré-legislativa para a emergência do jurídico em processo de positivação. Daí a importância do Judiciário, como mediador para esse processo de reconhecimento das novas sociabilidades, da mediação política para a emergência de direitos e para o reconhecimento de novos direitos. Claro que para tal, ou seja, para a realização de uma sociedade democrática, é necessário igualmente, um Judiciário também democrático, apto a compreender a direção emancipatória dos processos sociais em permanente transformação.
2) Tradicionalmente, existe a postura de que o Juiz “só fala nos autos”. Nos dias de hoje, o magistrado deve manter este distanciamento ou é desejável uma postura mais engajada com a sociedade e os problemas que a cercam?
Dr. José Geraldo: A figura do Juiz “boca da lei”, da metáfora esquemática de Montesquieu é, na verdade, uma caricatura, nunca efetivamente encontrada na realidade. Esse alheamento, útil para acomodar posicionamentos sociais resistentes, é que tem imobilizado os juízes em relação ao pleno cumprimento de sua função social que não pode ser isolada do mundo. Os pressupostos de neutralidade e objetividade que são próprios ao afazer técnico, tal como pensava Max Weber, podem ser obtidos com as salvaguardas da racionalidade epistemológica. Não impedem o juiz de ter presença ativa no mundo, “fora dos autos”. Essa questão sequer é nova. O juiz assume sim uma missão e nela incorpora a dimensão orgânica que institucionaliza a sua judicatura. Ele o faz, hoje é sabido e aceito, no plano coletivo quando se associa para ampliar a sua participação política. Atualmente, os juízes assumem essa expressão politizada de seu agir coletivo, mas nem sempre foi assim e há registros dramáticos para confinar em sofrimento percursos impulsionados por compromissos de classe. Nesse terreno valho-me do aprendizado afetivo com meu avô o Desembargador Floriano Cavalcanti de Albuquerque que muito contribuiu para abrir sendas pioneiras. Em discurso pronunciado em 1954, na sede do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, do qual foi Presidente, em solenidade de fundação da Associação dos Magistrados Brasileiros no Rio Grande do Norte, da qual foi o primeiro presidente (O Juiz e a importância de sua missão), ele faz algumas antecipações importantes. Depois de estabelecer a relação entre o agir insular , fragmentário e aritmético do juiz que caracteriza a soma quantitativa de seu esforço para determinar o quadro de suas necessidades e de mostrar a exigência de cooperação para assim articular o prestígio qualitativo do agir enquanto classe, ele elabora um dos mais bem definidos esboços do que pode ser definido como perfil de um magistrado: “Judex, é como os latinos intitulavam a autoridade encarregada de aplicar as Leis. Dizer o Direito, é a sua significação etimológica – Jus discere. Equivale a prestar Justiça, desde que esta é a sua finalidade. O Juiz não é o ‘ente inanimado’, a que aludia Montesquieu, e sim, o ‘oráculo vivo’, como lhe chamava Blakstone. É figura dinâmica e não estática. A sua cultura tem que ser universal, para que dele não se chasqueie, como Lutero, ‘Pobre coisa o juiz que só é jurista!’, ou se reduza a nada, como D’Holbach, ‘Quem só o direito estuda, não sabe direito’. Vê-se que de nós, cuja ‘honrosa e difícil condição é poder tudo para a justiça e nada poder para nós mesmos’, na bela frase de D’Aguesseau, muito se exige e pouco se nos dá. Conhecimentos gerais e especializados, a par de qualidade excepcionais de inteligência, de caráter e moralidade – são os requisitos e predicados ordinários do Juiz. É que somos, na expressão de Carlos Maximiliano, ‘um sociólogo em ação, um moralista em exercício’”.
Vale também recordar Anatole France, que ainda acrescentava a essas qualidades próprias do bom juiz, certamente inspirando-se no Presidente Magnaud (que a literatura consagrou como ideal-tipo de judicatura, referido na hermenêutica como um modo de interpretar: “o bom juiz Magnaud”), a combinação entre o espírito filosófico e a simples bondade (A Lei é morta o juiz é vivo). Algo que permita o salto humanizador que o exalte para além daquele lugar automático que já no século XIV mereceu a reprimenda de Bartolo de Sassoferrato (“I meri leggisti sono puri asini”). Um lugar veementemente recusado por Floriano Cavalcanti (O Juiz e a importância de sua missão): “Assim apercebido, estará a altura do seu nobre ofício, capaz de exercer a função de criador do Direito e humanizador da Lei, dando movimento aos textos imotos dos Códigos, adaptando os velhos preceitos às novas condições sociais. Nesse trabalho reajustativo torna-se ele o artífice da formação e do aprimoramento da norma jurídica, plasticizando-a ou suprindo as suas deficiências e omissões, ou fazendo sentir ao legislativo a necessidade de sua revisão ou reforma. Dessa maneira, o Juiz faz com que o Direito, estratificado na Lei, não se fossilize, e evolva como um organismo vivo. E os julgados proferidos em Tribunal (Jurisprudência), além de fontes documentárias da evolução jurídica, são preciosos repositórios para o estudo da Sociedade, pelos flagrantes das épocas em que foram pronunciados”.
É claro que num tempo de informação espetacularizada, a performace pública do Juiz deve pautar-se na prudência, no decoro e na consciência dos efeitos onfluentes de suas opiniões e posicionamentos. Assistimos isso de modo ilustrativo na recente sabatina que se impôs ao Professor Luiz Fachin, quando da deliberação no Senado – com impressionante engajamento dos meios de comunicação e das redes sociais – relativa a sua indicação para o Supremo tribunal Federal.
3) O senhor trabalha com a concepção de “direito achado na rua”. Como essa dimensão social do direito pode dialogar com a Justiça formal?
Dr. José Geraldo: "O Direito Achado na Rua", expressão criada por Roberto Lyra Filho, designa uma linha de pesquisa e um curso organizado na Universidade de Brasília, para capacitar assessorias jurídicas de movimentos sociais e busca ser a expressão do processo que reconhece na atuação jurídica dos novos sujeitos coletivos e das experiências por eles desenvolvidas de criação de direito, a possibilidade de 1) determinar o espaço político no qual se desenvolvem as práticas sociais que enunciam direitos ainda que contra legem; 2) definir a natureza jurídica do sujeito coletivo capaz de elaborar um projeto político de transformação social e elaborar a sua representação teórica como sujeito coletivo de direito; 3) enquadrar os dados derivados destas práticas sociais criadoras de direitos e estabelecer novas categorias jurídicas.
Esses temas acabam interpelando a institucionalidade acerca do papel e das funções de juízes e do Judiciário. Em Seminário que ajudei a organizar a pedido da CNBB por ocasião do início dos debates sobre a Reforma do Judiciário e que antecede a Emenda 45, ele foi abordado , sendo posteriormente, lançado em livro em livro (Sousa Junior, José Geraldo de et all orgs. Ética, Justiça e Direito. Reflexões sobre a reforma do Judiciário. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1ª. edição, 1996), mostrando que as profundas alterações que se dão na sociedade e nos valores que estruturam as bases éticas das instituições, afetam igualmente o Judiciário e os juízes, postos diante da necessidade de compreender essas mudanças. O claro esgotamento do modelo ideológico da cultura legalista da formação dos juristas e da função adjudicatória que lhe é conseqüência, caracterizando o agir dos magistrados, quando já entre eles se assiste um franco questionamento ao papel e à função social que exercitam, e que não poucas vezes tem empurrado seus principais órgãos e operadores à inusitada situação identificada pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos, segundo a qual, “faz-se da lei uma promessa vazia”.
Elas também interpelam os agentes públicos responsáveis pela formulação de políticas públicas legislativas, funcionais e judiciárias, na medida da oferta de análises críticas às modernizações meramente funcionais do aparato, sem levar em conta novas subjetividades sociais que abrem perspectivas para outros modos de considerar o próprio Direito ou a estabelecer soluções não judiciais e até mesmo comunitárias para conhecer, mediar e resolver conflitos.
Um pouco desse processo pode ser demonstrado nos estudos que compõem a série Pensando o Direito que a Secretaria de Assuntos Legislativos, do Ministério da Justiça promoveu em seus editais dirigidos aos grupos universitários de pesquisa. Num desses trabalhos, (Observatório do Judiciário, Série Pensando o Direito, UnB/UFRJ, PNUD/Secretaria de Assuntos Legislativos/Ministério da Justiça, Brasília, nº 15/2009), foi possível estabelecer pesquisa com assessorias jurídicas de movimentos sociais e extrair de suas observações, a visão negativa dos modelos adjudicatórios do sistema legal e judiciário, presos às normas constituídas como unidade de análise das relações de conflito e incapazes de realizar até mesmo as promessas constitucionais de realização da Justiça, entre outros fatores, pela “resistência a trabalhar com o direito da rua”, pela “baixa sensibilidade para as demandas da comunidade”, pelos “limites culturais para a percepção de sujeitos e demandas inscritas nos conflitos sociais”, pela manutenção de “corpo com formação técnica desvinculada das experiências do mundo da vida”, pela “postura institucional burocrática” e pela “pouca permeabilidade ao controle social”.
Em contrapartida, pediam esses prestamistas de uma Justiça atualizada e modernizada para além do simplesmente funcional-burocrático-legal: “respeito às temporalidades democráticas”, “fortalecimento comunitário”, “educação em Direitos Humanos”, “uso dos meios de comunicação”, “conscientização e sensibilização” e, em síntese, “reconhecimento e acreditamento do protagonismo das experiências de mediação social realizadas fora das instâncias estatais”. Remeto ao texto do relatório publicado no volume indicado, especialmente, as ementas explicativas das categorias acima destacadas, conforme as páginas 22, 23, 26 e 27.
A institucionalização, no âmbito da Secretaria de Reforma do Judiciário, de um Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça (CEJUS) e, sobretudo, de uma proposta de Diálogo sobre Justiça, do qual a Revista “Diálogos sobre Justiça” é a tribuna mais eloqüente, levou ao aprofundamento dessas diretrizes e logrou criar um repositório de estudos muito relevantes que mais evidenciaram a pertinência da formulação de alternatividades.
Ponho em relevo, entre outros trabalhos, o “Estudo sobre Soluções Alternativas para Conflitos Fundiários Agrários e Tradicionais”, intitulado “Casos Emblemáticos e Experiências de Mediação. Análise para uma cultura institucional de soluções alternativas de conflitos fundiários rurais”, (Pesquisa elaborada em parceria estabelecida em acordo de cooperação internacional por meio de carta de acordo firmado entre a Secretaria de Reforma do Judiciário, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a organização Terra de Direitos – Projeto BRA/05/036 -, SRJ/MJ, Brasília, 2013). E o faço para registrar entre as suas conclusões, aquela que reforça a busca de alternativas estruturantes. Com efeito, dizem os autores (pág. 123): “Diante do cenário da tendência à judicialização dos conflitos fundiários rurais, em oposição à perspectiva de bloqueio do Poder Judiciário no que diz respeito à solução adequada destes conflitos, este manual busca contribuir para a produção de um efeito de desbloqueio institucional do Poder Judiciário, na medida do incentivo à incorporação de procedimentos dialógicos e manejo de instrumentos extra ou não estritamente judiciais à sua cultura judicial e institucional, quando se encontra diante de um conflito rural judicializado”.
4) O Judiciário pode ser um agente de Justiça Social? De que forma?
Dr. José Geraldo: Com certeza, tal como destaquei nas perguntas anteriores e desde que a institucionalidade de seus agentes – juízes e serventuários – permita a recuperação, no dizer de J. J. Gomes Canotilho, de um "impulso dialógico e crítico que hoje é fornecido pelas teorias políticas da justiça e pelas teorias críticas da sociedade", que vai permitir, num apelo à ampliação das possibilidades de compreensão e de explicação dos problemas fundamentais do direito "o olhar vigilante das exigências do direito justo e amparadas num sistema de domínio político-democrático materialmente legitimado” para abrir-se a “outros modos de compreender as regras jurídicas", e que incluam, diz ele, “as propostas de entendimento do direito como prática social e os compromissos com formas alternativas do direito oficial como a do chamado direito achado na rua", compreendendo nesta última expressão, acrescenta, um "importante movimento teórico-prático centrado no Brasil" ( Teoria da Constituição e do Direito Constitucional, Porto: Almedina, 1998).
Mas para isso, trata-se de designar uma estirpe de juízes que, na sua judicatura provincial – Floriano Cavalcanti de Albuquerque; ou no Supremo Tribunal Federal - Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva, entre eles – saibam exercitar a compreensão plena do ato de julgar, rejeitando a falsa oposição entre o político e o jurídico, pela mediação dos direitos humanos e ao entendimento de que, para se realizar, “a justiça não deve encontrar o empecilho da lei”. Provedores de uma justiça poética é esta estirpe de juízes que, lembra Josaphat Marinho em discurso de homenagem a Víctor Nunes Leal na UnB, citando Aliomar Baleeiro, leva a jurisprudência do Supremo a andar pelas ruas porque, “quando anda pelas ruas, colhe melhor a vida nos seus contrastes e se prolonga pela clarividência da observação reduzida a aresto”.
5) Existem várias PECs em tramitação com o objetivo de mudar a forma de indicação dos ministros do STF? Qual o modelo o senhor acha mais democrático e adequado à realidade brasileira?
Dr. José Geraldo: Um modelo que conceba o STF como uma Corte Constitucional, de extração polític-jurídica, com o exercício de funções por meio de mandato e por prazo certo.
6) O ingresso de magistrados pelo quinto constitucional e sua posterior condução a cortes superiores – STJ e STF - pode se tornar um fator de desequilíbrio de forças representativas? (Uma vez que contabiliza-se o ingresso de um magistrado, quando na verdade este membro antes era da cota da advocacia ou MP)
Dr. José Geraldo: Penso que o modelo precisa ser refinado para, mantida a referência saudável ao quinto constitucional, não venha a ocorrer o desequilíbrio mencionado.
7) O acesso à Justiça avançou bastante com a instituição dos Juizados Especiais no Brasil. Essas medidas são suficientes? O que ainda pode ser feito?
Dr. José Geraldo: A criação dos Juizados Especiais e a própria Reforma do Judiciário, são importantes na medida em que atingem o núcleo central, funcional, organizativo do sistema de justiça como estrutura de poder, mas tem o limite evidente de estar longe de acolher o sentido de participação e controle social sobre o poder e de abrir-se a outros modos de consideração do jurídico, conforme já salientei. Até porque, sociologicamente, há um limite para o acesso quando a nossa institucionalidade, à qual não escapa o Judiciário, ainda carrega resquícios de nossa herança colonial. Há ranços patrimonialistas, sexistas, patriarcalistas, no sistema judicial, abrindo ensejo para fluir visões que criminalizam os sujeitos sociais e aqueles inscritos nos movimentos sociais. É preciso aprofundar o debate sobre o acesso á justiça e sobre manter uma condição permanente de reforma do judiciário, em diálogo com os movimentos sociais, e, neste sentido, construindo com eles espaços de articulação das grandes pautas que envolvem a democratização da justiça.
8) Qual é a sua opinião sobre as políticas afirmativas?
Dr. José Geraldo: São uma afirmação da equidade condizente com a busca de realização do princípio da equidade e da categoria esquecida do tríduo revolucionário: a fraternidade. Enquanto presentes essas condições, que hierarquizam e e descaracterizam identidades, elas se fazem necessárias. Defendi a sua adoção na universidade no meu reitorado e continuo defendendo nas situações tópicas (pós-graduação, descentralização territorial do campus) enquanto anoto os bons resultados alcançados, para a integração social e para o desenvolvimento econômico, político e social do país.
9) Embora tenha conquistado seu espaço no mercado e na sociedade em geral, a mulher do dias atuais ainda sofre com atitudes muitas vezes oriundas do preconceito de gênero, com casos relatados até mesmo nos Tribunais. Como o senhor analisa esse quadro?
Dr. José Geraldo: A participação política e social da mulher é uma medida de qualificação do desenvolvimento social de um país. No Brasil, as lutas feministas têm sido responsáveis pelo alargamento da qualificação democrática de nossa sociedade e para o estabelecimento de uma cultura de direitos. O trabalho é imenso e tanto maior porque os preconceitos (também pré-conceitos), difundidos no plano cultural, são os obstáculos mais difíceis. A começar pela língua que carrega, como lembrava Roland Barthes, sentidos quase fascistas. Do que não escapa sequer o vernáculo, a partir dos valores dicionarizados: “homem público” é político; “mulher pública” é prostituta; “homem honesto” é o que administra de forma proba a economia; “mulher honesta” é a virtuosa; tudo isso se transferindo para a linguagem do direito e para a definição dos tipos jurídicos. Pense-se a luta para desconstituir do tipo penal “rapto”, o núcleo presumido da “honestidade”. A que levar a sério a questão feminina na sociedade se pretendemos realmente democratizar e instituir a cultura do direito em nosso país.
10) As alterações na organização do trabalho e as mudanças ocorridas ao nível da estrutura empresarial aumentam os riscos para os trabalhadores. Com efeito, a percepção das incapacidades e limitações para terminar uma tarefa dentro de determinado prazo gera um ambiente de stress e conduz a um fraco desempenho profissional, aumentando as probabilidades de erro e conseqüentemente de ocorrência de acidentes de trabalho (LIMA, 2005). Como o senhor vê a precarização das relações de trabalho, cada vez mais evidentes no mundo globalizado?
Dr. José Geraldo: O trabalho é, antropologicamente, o fundamento da civilização e base da instituição do núcleo de comunidade do qual deriva todo o social (Dos atos dos Apóstolos ao Manifesto Comunista, o roteiro da dignidade que funda os direitos das pessoas está nesse princípio: “de cada um conforme o seu trabalho, a cada um conforme a sua necessidade”. Numa sociedade assim, todo direito é, antes de tudo, direito do trabalho, digno, decente, expandido, humanizador.

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