terça-feira, 8 de julho de 2014

Para Democratizar a Democracia (*)




                                              
José Geraldo de Sousa Junior, ex-Reitor da UnB (2088-2014); coordenador do projeto “O Direito Achado na Rua”
                                                       
Não surpreende a vaga de reação à edição do Decreto n. 8.243/2014, que “Institui a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS. Isso apesar de que o texto do decreto seja apenas uma diretriz que orienta a administração, realizando o que está previsto na Constituição Federal para traduzir a conquista da sociedade, no processo de transição da ditadura para a democracia, de institucionalizar um sistema de participação e de exercício direto da democracia. A partir do decreto, o que se tem é uma melhor sistematização, no âmbito do executivo, do que já vem sendo realizado de vários modos. 
Aliás, é preciso enfatizar, que não só o executivo vem cumprindo a sua responsabilidade nesse processo, considerando que as figuras colecionadas no decreto – conselhos, comissões, ouvidorias, mesas de diálogo, fóruns interconselhos, audiências públicas, consultas públicas, ambiente virtual de participação social já eram objeto de institucionalização gestora há muito tempo. Algumas formas, inclusive, também experimentadas desde muito antes da Constituição e por diferentes governos (lembremos que as experiências de estruturação de poder local foram realizadas em municipalidades geridas por diferentes partidos e historicamente documentadas, como as de Lages e Boa Esperança, nos anos 1980, e em São Paulo no governo Montoro), as práticas de orçamentos participativos celebradas nos múltiplos fóruns sociais mundiais instalados não só no Brasil e as conferências, fortes desde a década também de 1980 e convocadas estrategicamente como modo de construir políticas públicas e seus planos diretivos, mas que já foram igualmente realizadas em outras épocas. Para citar as conferências de saúde, combinando a participação de sociedade, governo e especialistas, a exemplo da 8ª conferência que desenhou todo o sistema SUS depois incluído na Constituição de 1988, tem como modelo remoto a primeira conferência instalada no governo Getúlio Vargas. O Legislativo igualmente contribuiu para a implementação do modelo participativo mantendo o sistema de audiências públicas, de comissões deliberativas incluindo as comissões de legislação participativa. O mesmo acontecendo com o Judiciário, instituindo também sistemas de audiências públicas, de amicus curiae e, finalmente, instalando o Conselho Nacional de Justiça para controle do sistema com participação da cidadania.
            O plano proposto na medida funcional é indutor e convoca para iniciativas que são muito ricas e experimentadas há muito tempo nos vários níveis da administração pública. Ele contribui para democratizar a democracia que é uma experiência política sem fim. E quem a teme? Para responder basta ver a resistência oligárquica, acostumada a subtrair do processo de elaboração legislativa o sentido de realização democrática dos direitos e assim preservar uma prática negociada de privilégios e de favores. Victor Nunes Leal mostrou esse processo muito bem em seu livro “Coronelismo, Enxada e Voto” e Raymundo Faoro em sua obra “Os Donos do Poder”. Sem a participação popular, nos modos e pelos instrumentos indicados na Constituição, a representação mantêm aquele modelo que já Getúlio Vargas denunciava com a sua frase lapidar: “para os amigos tudo, para os inimigos a lei”. Manter-se resistentes aos avanços democráticos, que inspiraram outras democracias no mundo depois da constituinte brasileira, é preservar os vícios que caracterizam esses grupos: clientelismo, nepotismo, prebentismo, filhotismo, apadrinhamento, em suma a política de favor impedindo a Política de Direitos.
Essa é a lição que nos trouxe o grande constitucionalista português J. J. Gomes Canotilho. Fazendo alusão a “O Direito Achado na Rua”, ele lembra a necessidade de o jurista se abrir a outros modos de consideração da norma do direito. Por meio do olhar atento às exigências do justo, ele precisa levar em conta as teorias da Justiça, mas também teorias da Sociedade.
(*) Texto elaborado com base em elementos desenvolvidos para entrevista concedida ao Blog Viomundo. 


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