José Ricardo Alves
Após
manifestações contra a Copa das Confederações na região do Estádio Nacional na
manhã do dia 14/06/2013, o secretário de Segurança Pública do DF, diante de
jornalistas e curiosos, pronuncia: "É uma manifestação disfarçada de cunho
social, mas na verdade é baderna. Prometemos medidas duras se houver protestos
amanhã. O intuito não é coibir a democracia, mas a desordem".
Segundo
o jornal Correio Braziliense, por volta das 10h daquele dia, durante um
protesto do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) contra o dinheiro que
foi gasto na reforma do estádio, cerca de 250 manifestantes bloquearam a
passagem de carros, com pneus queimados, nos dois sentidos do Eixo Monumental,
provocando congestionamentos e “causando o caos”.
A
declaração incisiva por parte do secretário do DF desperta questionamentos, e
para podermos analisar sua fala, primeiramente, gostaria de apresentar a
síntese feita pelo jurista Roberto Lyra Filho entre duas ideologias polarizadas
do direito, o positivismo e iurisnaturalismo, resultando em uma visão dialética
social do direito.
A
primeira é vista como a ordem estabelecida, e conforme o autor, é aquela “que
se garante diretamente com normas sociais não-legisladas (o costume da classe
dominante, por exemplo) ou se articula no Estado, como órgão centralizador do
poder, através do qual aquela ordem e classe dominante passam a exprimir-se
(neste caso, ao Estado é deferido o monopólio de produzir ou controlar a
produção de normas jurídicas, mediante leis, que só reconhecem os limites por
elas mesmas estabelecidos)”. Portanto, verifica-se que o direito se resume às
leis já escritas produzidas pelo Estado, ou às normas sociais já engessadas dos
grupos “donos do poder”.
Enquanto
isso, o iurisnaturalismo apela à existência, ainda com Lyra Filho, de “certos
princípios fixos, inalteráveis, anteriores e superiores às leis e que nenhum
legislador pode modificar validamente”. Essa ideologia é profundamente ligada a
um ideal de Justiça superior, um conceito habitante de algum plano metafísico.
E que, no entanto, frouxamente atrelada ao processo histórico e movimentos
sociais, pode, quando materializada as leis, se render ao positivismo em nome
de “particularização” de “preceitos naturais”; ou ainda, “ser pouco prática
diante da oposição irresolúvel entre o ‘direito natural’ e o ‘direito
positivo’, como se fossem duas coisas separadas”.
Como
define Roberto Lyra Filho, com vistas a superar esta antítese entre as
ideologias elencadas, a síntese de que seria “a ‘essência’ do Direito, sem
partir de nuvens metafísicas” ou de alguma ordem petrificada (e caduca), é
resultante da dialética social e do processo histórico. E dentro deste, “o
aspecto jurídico representa a articulação dos princípios básicos da Justiça
Social atualizada, segundo padrões de reorganização da liberdade que se
desenvolvem nas lutas sociais do homem”. Portanto, o direito “se apresenta como
a positivação da liberdade conscientizada e conquistada nas lutas sociais e
formula os princípios supremos da Justiça Social que nelas se desvenda”.
E
em articulação com o exposto, cabe aqui frisar o ambiente sócio-político
característico da tensão inerente às lutas sociais, força motriz do direito,
que é o regime democrático. Segundo a filósofa Marilena Chauí, a democracia é
entendida como o “regime da soberania popular (do governo da maioria), porém
com pleno respeito aos direitos das minorias, com pleno respeito aos direitos
humanos”. E ainda, ela se desenvolve com a cidadania, que se define “pelos
princípios da democracia, significando necessariamente conquista e consolidação
social e política”, e que “exige instituições, mediações e comportamentos
próprios, constituindo-se na criação de espaços sociais de lutas (movimentos
sociais, sindicais e populares) e na definição de instituições permanentes para
a expressão política, como partidos, legislação e órgãos do poder público”.
Logo,
em consideração à fala do secretário de Segurança Pública, percebe-se o embate
ordem versus desordem, tão
característica da democracia, em que as manifestações sociais (“baderna” para
os positivistas) são expressões legítimas da luta social fundada na realidade
cotidiana dos cidadãos, e que faz com que se alargue a fronteira do direito na
busca da realização da Justiça Social. A repressão levada a cabo pelo Estado e
pela ordem engessada inibe a constituição de maiores liberdade e igualdade. É
preciso que elas avancem e que também sejam institucionalizadas no seio do
Estado em um movimento dialético. Oxalá, os baderneiros mudem o mundo!
(*) O texto foi apresentado na Disciplina Sociologia Jurídica, do 2º semestre do Curso de Direito da UnB (julho 2014)
Parabéns pelo Texto!!
ResponderExcluir"... O intuito não é coibir a democracia, mas a desordem"...O intuito não é promover a desordem, mas exercer a democracia. Excelente reflexão, parabéns.
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