EXCELENTÍSSIMO(A)
SENHOR(A) JUIZ(A) DA 22ª VARA DA JUSTIÇA FEDERAL - SEÇÃO JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA
- DF
Processo
n.º 49035-89.2013.4.01.3400
HEITOR CLARO DA SILVA e TATIANA BERIOSKA POIATO VIEIRA, ambos
já qualificados nos autos do processo em epígrafe que contra si é movido pela Fundação Universidade de Brasília,
também qualificada nos autos, vêm, por seus advogados infrafirmados, apresentar
CONTESTAÇÃO nos termos seguintes:
1. DAS PRELIMINARES - DA
INÉPCIA DA INICIAL E DA CARÊNCIA DA AÇÃO
Com
base nos termos do art. 295, I, II, III, V e parágrafo único, I, II e III
argumentos acima, é possível perceber que a inicial é inepta e a ação promovida
carente. Ou seja, sem contar com a violação aos propósitos decorrentes da
constitucionalização do processo, quais sejam, realizar direitos fundamentais,
falta interesse de agir, há partes ilegítimas, o procedimento escolhido pela
suposta Autora não corresponde à natureza da causa nem pode ser adequado, há
falta de causa de pedir, da narração dos fatos não decorre logicamente a
conclusão, o pedido é juridicamente impossível, devendo ser extinto o processo de acordo com o disposto no art. 267
CPC. Tudo de acordo com o que se vê adiante.
a)
DAS
FUNÇÕES E PRINCÍPIOS DO PROCESSO
Ao se
autonomizar do direito material, o exercício do direito de ação passou a se dar
como chave de acesso à pretensão indicada pelo autor. Ou seja, para ser capaz,
efetivamente, de garantir o acesso justo e a justiça do seu resultado, o
processo é dotado de regras que devem ser seguidas por todas as pessoas que
pretendam promover o direito de ação e pelos agentes do Poder em que este toma
impulso.
Não
cumprindo estas regras, que instituem também condições da ação previamente
estabelecidas, ou desrespeitando as circunstâncias de promoção que devem ser
conhecidas por todos, de modo a não haver de imediato desequilíbrio na
disposição estatal sobre o direito dos cidadãos e das cidadãs, o processo deve
ser extinto, conforme menciona o art. 267 do Código de Processo Civil.
Essa é
uma maneira de ser o “jogo” conhecido por todas as pessoas, com efeito, produza
isonomia para as partes e impeça o favorecimento de certas pessoas por meio de
mudanças de regras ao sabor dos protagonistas do processo. Todos estão
adstritos a isto, seja o magistrado ou magistrada que preside o feito, sejam as
partes, que nele devem atuar com boa-fé, respeitando o direito e contribuindo
para a manutenção da relação jurídico-processual.
Fazendo
uma analogia com a chave e com a fechadura, o processo é uma chave de acesso
para o provimento de direitos. Se a chave não é adequada para abrir uma
fechadura, não pode ser esta a que se configura como necessária para dar acesso
ao local pretendido ou a certo bem que se encontra separado do pretendente por
uma porta fechada. Admitir a abertura da porta sem a chave correta é mesmo
admitir como possível violar os códigos estabelecidos para a relação entre a
chave e a fechadura. É como usar um grampo de cabelos para abrir um cadeado,
admitindo que este meio seja um meio possível para dar acesso a espaço
pretendido ou a bem que esteja separado de quem supostamente tenha direito de
acessá-lo.
Isto
porque, como linguagem por meio do qual se comunicam as partes entre si e com o
órgão julgador, o processo é como uma gramática que define os parâmetros sob
que se estabelecem as circunstâncias de disposição linguístico-comunicativa.
Uma vez que suas regras deixam de ser observadas, não apenas a gramática foi
desprestigiada. Foi rompido o elo ou o meio comum padrão que, independentemente
da vontade pessoal dos litigantes ou de quem julga, deve se impor como caminho
inevitável de encontro, como marco de comunicação conhecido, propagado e
realizado por todos os protagonistas do processo. A adaptação de mecanismos,
portanto, para fins distintos daqueles originalmente previstos, apenas
excepcionalmente se justifica. Exatamente isso que se percebe em Direito Processual Civil
para o rito. Este tem uma forma própria, sendo as mudanças rituais possíveis somente
quando expressamente autorizados pelo Código de Processo Civil.
Após a
Constituição de 1988, sobretudo, pela interpretação reiterada que vem sendo
dada pela doutrina e pelos Tribunais Superiores quanto à constitucionalização
do Processo Civil, este deve estar imediata e inescusavelmente ligado à realização
de direitos fundamentais.
Com
isso, muda-se igualmente a concepção de processo e de ação naquilo que se
interpreta como seu princípio basilar e inextrincável, o Princípio do Devido
Processo Legal. Para ser efetivo e realizar o desiderato constitucional, o
processo é legal quando é legítimo, isto é, quando se relaciona com o princípio
da efetividade dos direitos fundamentais; quando se torna meio de realização de
direitos fundamentais.
Nesse
sentido, processo efetivo é processo devido e processo devido é aquele que
cumpre as regras processuais previamente estabelecidas para fazer cumprir os
direitos fundamentais: dá-se em face de pessoa certa; admite as condições para
o contraditório e a ampla defesa; é público; tem todos os seus agentes
submetidos à Constituição ou à legalidade em geral. Tudo baseado em
um critério material de validade: realizar direitos fundamentais.
Conforme
anuncia Fredie Didier Jr., “o processo deve estar adequado à tutela efetiva dos
direitos fundamentais (dimensão subjetiva do devido processo legal) e, além
disso, ele próprio deve ser estruturado de acordo com os direitos fundamentais
(dimensão objetiva do devido processo legal)”. Isto porque, “as normas que
consagram direitos fundamentais têm aplicação imediata (art. 5º, § 1º,
Constituição Federal de 1988), obrigando o legislador a criar normas
processuais em conformidade com elas e, ainda, adequadas à tutela das situações
jurídicas ativas (principalmente os direitos fundamentais).”
Continua
Fredie Didier Jr: “Sucede que as normas relativas a direitos fundamentais
também obrigam o magistrado, que deverá proceder ao controle de
constitucionalidade difuso das normas processuais quando, em um caso concreto,
perceber que uma delas viola a pauta normativa constitucional. Daí surge o princípio
da adequação judicial das normas processuais, que está intimamente relacionado
ao controle de constitucionalidade das leis no momento da aplicação (controle
incidental e concreto) e à teoria dos princípios e dos direitos fundamentais,
que pregam a eficácia imediata e direta dessas normas. (...) Encaradas as
normas constitucionais processuais como garantidoras de verdadeiros direitos
fundamentais processuais, e tendo em vista a dimensão objetiva já mencionada,
tiram-se as seguintes consequências: a) o magistrado deve interpretar esses
direitos como se interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a
dar-lhes o máximo de eficácia; b) o magistrado poderá afastar, aplicado o
princípio da proporcionalidade, qualquer regra que se coloque como obstáculo
irrazoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental; c) o
magistrado deve levar em consideração, “na realização de um direito
fundamental, eventuais restrições a este impostas pelo respeito a outros
direitos fundamentais.” (Curso de Direito Processual Civil. Vol 1, p. 210-211).
No caso
em tela, o que se observa é que o processo configurado para movimentar Ação de
Reintegração de Posse, fundada em direito real, de acordo com as classificações
previstas no art. 94 CPC, está sendo utilizado para impedir o exercício do
direito à educação superior que tem como um de seus elementos a participação, a
organização em Centros e Diretórios Acadêmicos e a utilização do espaço
universitário para a propagação de ideias e, pela via transversal, a realização
dos direitos fundamentais de manifestação, de organização, de associação
política para fins pacíficos. Não pode o Judiciário e/ou o processo ser meio de
violação de direitos. Ao contrário, nos termos da Constituição e do Código de
Processo Civil, a razão de ser do processo é sempre a de realizar direitos
fundamentais.
Portanto,
deve ser extinta a presente ação por descumprir os propósitos constitucionais
do processo, depreendidos do art. 5º da CF/1988.
b) DA FALTA DE INTERESSE DE AGIR
Para
ser devido e efetivo, o processo deve reunir como condição maior do interesse
de agir, que é considerada por Fredie Didier como condição da ação
rigorosamente considerada, tendo em vista que a legitimidade ad causam e a possibilidade jurídica do
pedido são nuances daquela (Curso de Direito Processual Civil. Vol 1, p.
210-211), a adequação da ação à necessidade de existência da demanda judicial e
à adequação dos pedidos ao rito em que se processa com vistas a atender o
pedido atendido sem que haja desrespeito a direitos fundamentais.
Especificamente
sobre a falta de interesse de agir, é importante perceber que o interesse
processual não se configura somente pela necessidade de ir a juízo, mas também pela
utilidade do provimento que se deseja, de acordo com o que o autor da ação
apresenta, para corrigir o que se aponta como indevido. Se pelas condições da
parte, esta deveria invocar o direito utilizando um instrumento e opta por
outro, que não lhe oferece a possibilidade de aceder ao que alega ter direito,
não terá preenchido a condição da ação de indicar interesse processual, devendo
a autoridade judiciária extinguir o processo sem julgamento do mérito.
Pois,
para se configurar o interesse de agir é preciso preencher o duplo requisito da
utilidade ou necessidade e adequação. No
caso em tela, a suposta Autora, para reaver sala (BT – 260 do Instituto Central
de Ciências) sobre a qual expressamente afirma na folha 04 dos autos ter
propriedade, promove equivocamente Ação de Reintegração de Posse, inadequada
para defender a propriedade. Para este objetivo, o rito correto seria o rito
ordinário da Ação Reivindicatória, ainda sim, se existisse no direito
brasileiro o conceito de propriedade ou posse pública.
Nos
termos da Constituição (art. 20), são bens públicos que, por estarem sob outro
regime e outra natureza jurídica, não podem ser usucapidos (arts. 83, § 3º, e
102 CF/1988). Se não podem ser usucapidos, não podem ser passíveis de domínio
privado ou do animus que só sobre a
propriedade e/ou a posse privadas pode ser expressado em determinadas
circunstâncias, efetivamente distintas da ocupação de sala de uma universidade
pública por um Centro Acadêmico ou de uma reitoria por estudantes desta mesma
universidade que desejam protestar contra aspectos incongruentes da política educacional.
No primeiro caso (ocupação da
sala BT-260), a vontade é de fazer valer o caráter público do espaço acadêmico,
de realizar esse espaço com atividades que se integram ao fazer universitário.
No segundo caso (ocupação da sala do gabinete do reitor), a vontade é de
protestar, de exigir direitos. Em nenhuma circunstância, há o elemento
caracterizador da posse como expressão da propriedade, isto é, a ocupação com a
vontade de se apropriar para fazer valer o interesse privado manifestado pelo
uso, gozo e fruição, bem assim, de dispor livremente do bem.
Reunindo
estas circunstâncias ao fato de que o art. 295, V, do Código de Processo Civil
considera inepta a inicial quando o tipo de procedimento escolhido pelo autor
não corresponde à natureza da causa e não pode ser adequado de oficio pelo
juízo, é possível se perceber que a
Ação intentada é carente de interesse de agir por incompatibilidade de rito e
impossibilidade de adequação para atender à pretensão da suposta Autora nos
termos do Código de Processo Civil. Pois, embora não se considere haver posse
ou propriedade pública e, por conseguinte, seja impossível alegar a propriedade
ou a posse pública, também não se pode alegar a propriedade em ação que visa à
defesa da posse, conforme expressamente o Código de Processo Civil dispõe em
seu art. 923.
Por se
tratar o debate de propriedade dependente de uma ação ordinária de cunho
reivindicatório e o debate de posse restrito ao âmbito das ações possessórias,
de procedimento especial, o que se tem é uma incompatibilidade insanável de
ritos, que foi violada pela suposta Autora. Portanto, os pedidos da suposta
Autora não podem ser atendidos por deixar de atender a regra cogente de Direito
Processual Civil no que concerne ao instrumento de defesa do que se alega como
direito de propriedade alegado pela suposta Autora. O instrumento indicado não
pode ser utilizado para o processamento do feito, devendo imediatamente ser
extinto.
Este
instrumento se torna ainda mais inadequado quando se percebe que admite duas
circunstâncias que, por sua vez, geram duas causas de pedir distintas e também
dois pedidos diversos, impossíveis de serem promovidos no mesmo feito. Explicam
os Réus.
Quando
da interposição da presente Ação de Reintegração de Posse, o que se alega é a
ocupação de uma sala, cujo fim seria a instalação de um Centro Acadêmico. O
pedido especificamente dirigido ao Juízo era o de desocupar a sala do Centro
Acadêmico de Assistência Estudantil para “devolvê-la” à UnB e, por conseguinte,
ao Instituto de Física. Essas circunstâncias são distintas daquelas que
motivaram o novo pedido feito ao Juízo para desocupação da Reitoria da
Universidade.
Se
antes o motivo imediato para a ocupação da sala BT-260 era fazer cumprir normas
internas e leis que garantem o direito de os Centros e Diretórios Acadêmicos
terem suas sedes dentro das Universidades, agora, com a ocupação da Reitoria o
motivo imediato era o protesto pela atitude ilegal da suposta Autora. A
intenção desta última ação era afirmar ao Reitor o descontentamento pelo trato
do espaço universitário como coisa privada, por sua atuação em descompasso com
o interesse público ao fazer a Ação de Reintegração de Posse contra um Centro
Acadêmico. Frise-se, a ocupação de Reitoria nem é produzida pelo mesmo grupo
que ocupava a sala BT-260. Vários estudantes que não estavam na ocupação
anterior se dirigiram à Reitoria, enquanto muitos que estavam na sala BT-260
preferiram evitar participar da ocupação da Reitoria, sendo impossível falar em
identidade de partes e causa de pedir.
Em
outras palavras, diante do pedido posterior à citação dos Réus, fundado em
circunstâncias fáticas diversas das que motivaram o pedido inicial, o que se vê
é uma nova causa de pedir e um novo pedido, que extrapola o objeto da ação. Na
prática, a suposta Autora ajuizou uma ação nova, com objeto novo, mas
utilizando-se de uma peça incidental do interior de uma ação de reintegração de
posse já existente (que, observando bem, já tivera seu mérito decidido na
decisão preliminar), além de emendar a inicial após citação dos réus, o que é
expressamente defeso à luz da legislação processual pátria, o que será melhor
argumentado a seguir.
Além
disso, não poderia a suposta Autora ampliar indevidamente o escopo da Ação de
Reintegração de Posse anteriormente promovida por não haver identidade de
partes e de causas de pedir. A única solução possível seria promover uma nova
ação. Uma demanda não pode expressar
ao mesmo tempo duas causas de pedir distintas, que se tornam incompatíveis
entre si por suas causas geradoras e que permitem indevidamente atribuir
responsabilidades a pessoas quem nem estiveram no local, como é o caso dos Réus
Heitor e Tatiana. Estes não participaram da ocupação da Reitoria e, em seu
nome, não se poderia promover a intimação das partes envolvidas nesta, que, em
lugar de se integrar a uma nova demanda, amplia a primeira.
Existe
interesse de agir quando a providência jurisdicional invocada é cabível à
situação concreta da lide, de modo que o pedido apresentado ao juiz traduza
formulação útil, no sentido de adequado, à satisfação do interesse contrariado,
não atendido. Interesse de agir significa existência de pretensão objetivamente
razoável, uma vez que a pretensão ajuizada deve ter fundamento razoável e ser
viável. Se o meio e a forma processual adotados são inadequadas, a decisão que
porventura seja proferida nesse feito, também será, porque não será útil para
atender aos propósitos que o instrumento indica como possíveis resultados de
sua invocação.
Evidente, não há necessidade de se movimentar a máquina
judicial para desocupar uma sala que está sendo utilizada por estudantes, que,
juntamente com professores e servidores técnico-administrativos, integram a
comunidade acadêmica e contribuem para a realização da condição de ser da
própria Instituição Pública de Ensino Superior, conforme se verá adiante, na
direção do que afirmam as normas internas da Universidade de Brasília e outras
Leis, que permitem que Centros e Diretórios Acadêmicos se instalem no espaço da
Universidade.
A ação de Reintegração de Posse não é útil ou necessária para
suprir uma deficiência de gestão quanto à distribuição adequada das salas da
universidade tão necessárias às atividades todas promovidas pelos integrantes
da comunidade acadêmica. Professores, servidores técnico-administrativos e
estudantes têm todos o direito de usufruir destes espaços pedagógicos e fazer
deles seu lugar de formação por meio da convivência, do estudo, do encontro de
saberes e da organização política para defender ideias, promover debates sobre
escolhas administrativas da universidade e sua adequação às funções
filosóficas, jurídicas, pedagógicas e políticas da universidade. São também
estes lugares, juntamente com outros, em caso de desvio por parte da
administração universitária, que propiciam a mobilização da comunidade
acadêmica para o debate sobre os rumos da instituição de ensino superior, o
debate de ideias, para manter a comunidade alerta e organizar as pessoas para
reivindicar direitos.
Ainda que os Réus que aqui se pronunciam não tenham
participado da ocupação da Reitoria, é importante frisar que a Ação de
Reintegração de Posse não é útil, por que não adequada, para confrontar o
direito de manifestação, bem assim, para que, com a ampliação indevida do
escopo inicial da demanda, negue a própria Ação. Isto porque, se a demanda, tal
qual exposta no início, tinha o condão de impor aos Réus, conhecidos ou não, que
deixassem um local específico, a sala BT-260, que deveria ser a sede da
AMCEU/CASSIS, com a ampliação da demanda por motivos diversos dos que ensejaram
a ocupação anterior, o que se tem não é apenas a mudança do objeto da demanda,
para que se cesse a manifestação política na Reitoria, mas uma transformação da
própria natureza da demanda com um pedido de tutela inibitória que impede que
os estudantes possam ter sua sede em qualquer outro espaço da universidade. Ou
seja, sob o rótulo Ação de Reintegração de Posse, a suposta Autora faz uma
confusão jurídica que não pode ser suprida, ainda que se procurem abstrair os
acontecimentos para anular as diferenças de causas de pedir, com efeito, se
configure a necessidade de outra demanda para o pleito do novo pedido.
A Ação de Reintegração de Posse, igualmente, não é útil ou
necessária a um propósito que parece estar presente no seu contexto de
promoção, a defesa do interesse público secundário, ou seja, aquele que, embora
seja pessoal do administrador, aparece travestido como o próprio interesse
público, valendo-se dos meios e condições especiais de proteção concedidas ao
Poder Público.
Sobre a distinção entre interesse público primário e
secundário, Celso Antônio Bandeira de Melo, em seu Curso de Direito
Administrativo, aponta o interesse secundário como aquele que representa o
interesse próprio do administrador ou do Estado enquanto outra pessoa qualquer,
independente dos interesses públicos primários, do que a lei indica como
interesses da coletividade, que é “a observância da ordem jurídica estabelecida
a título de bem curar o interesse de todos” (p. 72).
Complementa Bandeira de Mello:
Por isso os interesses secundários
não são atendíveis senão quando coincidem com interesses primários, únicos que
podem ser perseguidos por quem axiomaticamente os encarna e representa.
Percebe-se, pois, que a Administração não pode proceder com a mesma
desenvoltura e liberdade com que agem os particulares, ocupados na defesa das
próprias conveniências, sob pena de trair sua missão própria e sua própria
razão de existir. (...) as prerrogativas inerentes à supremacia do interesse
público sobre o interesse privado só podem ser manejadas legitimamente para o
alcance de interesses públicos; não para satisfazer apenas interesses ou
conveniências tão-só do aparelho estatal, e muito menos dos agentes
governamentais (p. 73).
É do interesse da coletividade, ao contrário, enquanto
comunidade acadêmica e da própria universidade, porque ínsita ao seu desempenho
ordinário de atividades e das funções públicas que carrega consigo, ver-se a
distribuição de salas para o desempenho de todas as atividades legítimas e
reconhecidas em lei, como o direito de se organizar para defender a
universidade e reivindicar direitos frente ao administrador da entidade
pública. Isso não pode ser atacado nem pela via transversa, que é o que
representa a Ação de Reintegração de Posse.
Principalmente, após já estar expressado, por diversos meios,
matérias jornalísticas no portal da UnB, Circular n.º 7/DAC, de 07 de abril de
2011, que garante espaço para a AMCEU/CASSIS no Instituto Central de Ciências,
Resolução nº 06/2008, do Conselho de Administração, que prevê consulta à
AMCEU/CASSIS sobre questões de residência universitária, sem falar em
disposições legais, o interesse público e as escolhas administrativas quanto ao
modo de tratamento do espaço da universidade para os Centros e Diretórios
Acadêmicos.
Não pode o reitor, em direta afronta às normas internas e aos
princípios públicos que regem o funcionamento de uma universidade, usar uma
Ação de Reintegração de Posse para impor sua vontade pessoal quanto ao uso do
espaço acadêmico e afastar da gestão o dever de discutir e realizar as normas
de distribuição de salas constituídas pela própria universidade. Da mesma
forma, por não ser útil e necessário ao propósito apontado pelo administrador,
nos termos já demonstrados quanto à falta de interesse de agir, não poderia este
Juízo ter recebido a inicial e deferir uma liminar de reintegração de posse que
não existe de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, que não serve ao
que pretende a reitoria, supostamente encarnando em si os interesses da
Fundação Universidade de Brasília para violar direitos, não só dos estudantes,
como de toda a comunidade acadêmica.
Na pior das hipóteses, essa desocupação poderia ser
conseguida administrativamente por meio de negociação, apontando-se outro local
para sediar a AMCEU/CASSIS, que está sob amparo da Lei 7.395/1985 (art. 4º) e
do Estatuto da Juventude (Lei 12.852/2013 – art. 5º, parágrafo único, art. 12),
que asseguram aos estudantes de nível superior o direito de se organizarem por
meio de Centros e Diretórios Acadêmicos, com o devido respeito e incentivo por
parte das Instituições de Ensino a sua autonomia, organização e participação.
Afinal, qual a necessidade de uma ação judicial que busca
reaver um bem público que nunca foi tomado de quem lhe pertence?
Por
outro lado, se é um dever do Poder Público incentivar a livre associação dos
jovens; se é um dever do Poder Público garantir a participação efetiva dos
jovens nas instâncias deliberativas das universidades; se é um dever das
universidades formular e implantar medidas de democratização do acesso e
permanência, inclusive programas de assistência estudantil, ação afirmativa e
inclusão social, não é direito se organizar no espaço da universidade para
pleitear que estas obrigações sejam cumpridas? Não é criando associações que se
enraízam e legitimam na universidade que isso pode ser feito?
Evidente
que sim! É ínsito a tudo isso o dever da Administração da Universidade se
organizar para melhor atender aos anseios de distribuição de salas para os
estudantes e para toda a comunidade acadêmica. Essa obrigação não deve e não
pode ser atacada por uma Ação de Reintegração de Posse, sobretudo quando estas
disposições legais já estão regulamentadas por instrumentos normativos internos
da Universidade e estes impõem à Instituição de Ensino a obrigação de garantir
às organizações estudantis o seu direito de ter uma sede e de ocupar o espaço
da universidade.
Mesmo
mantendo-se na sala, por disposição constitucional e legal, esta sempre e
inevitavelmente integrará o bem público, nunca deixará de ser da UnB. Por isso
igualmente a suposta Autora não demonstra necessidade/utilidade para o seu
pedido de Reintegração de Posse de uma sala que nunca foi nem será perdida pela
universidade, como não demonstra a utilidade da ampliação da Ação de
Reintegração de Posse desta sala para a Reitoria e para impedir que o Centro
Acadêmico possa ter sua sede na UnB, sem que isso prejudique ou crie
responsabilidades para partes que não se confundem nos dois pedidos realizados
no âmbito da Ação em curso.
c) DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
Quanto
à impossibilidade jurídica do pedido, pode-se afirmar que esta se dá pela
ausência de esbulho, da inadequação da via eleita pela Autora para proteger
supostamente seu direito de propriedade.
Os Centros Acadêmicos são órgãos representativos do corpo
discente da Universidade, que buscam articular os interesses dos estudantes e
promover sua participação nos espaços institucionais. Dessa forma, atuam como
instrumentos para atender às finalidades de inserção cidadã da Universidade. A Lei n. 7.395/1985 assegura, em seu art. 4º, o
direito das estudantes de organização em Centros Acadêmicos
como entidade representativa, e é nesse sentido que a AMCEU/CASSIS
se faz reconhecida como entidade estudantil devidamente legitimada pela FUB e
pelos estudantes enquanto instância de defesa dos interesses de estudantes de
baixa renda.
Tentando
fazer valer seus direitos assegurados pelo Programa Nacional de Assistência
Estudantil – PNAES, instituído pelo Decreto 7.234/2010, estudantes organizados por
meio da AMCEU/CASSIS, após inúmeras promessas infrutíferas por melhoras da
Reitoria da Universidade de Brasília, decidiram ocupar o espaço da sala BT-260.
Para tanto, foi feita uma avaliação da adequação do local, conforme será
explicado adiante.
A ocupação
se mostrou uma medida necessária e proporcional para a concentração dos
estudantes e para sua organização. Não há animus
domini por parte dos integrantes da AMCEU/CASSIS, que não desejam ocupar o
espaço para, como donos, fazer dele um lugar seu, com exclusividade e
disposição próprias dos institutos da posse e da propriedade privadas.
Tampouco
houve, em qualquer momento, a intenção por parte da AMCEU/CASSIS de exercer
detenção sobre bem publico. Trata-se aqui do direito de ocupar o espaço
acadêmico para realizar nele o desiderato da universidade, além do livre
exercício de manifestação da indignação dos estudantes ante a conduta omissa da
reitoria quanto à realização das normas de ocupação de salas da universidade
para o desempenho das atividades próprias do mundo acadêmico.
Evidente,
quando se faz isso, em nenhum momento, a sala deixa de ser bem público
vinculado a Universidade de Brasília. Apenas, como aconteceu com quase todos
dos 52 (cinquenta e dois Centros Acadêmicos), toma uma destinação, igualmente,
pública, consoante com o que dizem as Leis 7.395/1985 (art. 4º) e 12.852/2013
(art. 5º, parágrafo único, art. 12), bem como o Decreto 7.234/2010, que
estabelece à Política Nacional de Assistência Estudantil.
Não se
trata, portanto, de esbulho, como alega a suposta Autora, pois a comunidade
acadêmica e a FUB não se veem privadas da sala BT-260. Ao contrário, o que se
vê é que o espaço foi democratizado e a atuação dos estudantes reafirma o
interesse público e o caráter de instituição pública da UnB.
Se os
estudantes ocupam uma sala para dar a ela destinação de interesse da
coletividade universitária, em consonância com os dispositivos e instrumentos
legais citados, não há que se falar em prejuízo à comunidade acadêmica (fl. 04)
e muito menos em estarmos diante de um “problema institucional” (fl. 04).
Especialmente porque a sala sempre e inevitavelmente integrará o bem
público. Nunca deixará de ser da UnB.
Como observa com muita lucidez Ricardo Antonio Arcoverde
Credie ("As ações de manutenção e imissão de posse", RePro n° 22, p.
62), "em muitos casos, pode ocorrer que a turbação ou esbulho
inexistam". É precisamente o caso dos autos, maxime se levarmos em
consideração que a ocupação da sala BT-260 é uma forma de fazer cumprir a
função pública do espaço acadêmico e a ocupação da Reitoria que, embora não
seja promovida pelos Réus, tem a finalidade de exercer pressão social e dar
visibilidade à luta pelo cumprimento aos princípios constitucionais que regem o
direito à educação (acesso e permanência). Tudo na conformidade do que, brilhantemente,
já percebera o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, do E. Superior Tribunal de
Justiça, em voto proferido no julgamento do HC n° 4399-SP, 96/0008845-4, 6a
Turma, unân., j. 12.3.96, ao afastar o cometimento de esbulho em caso
semelhante ao ventilado nos autos:
"Invoque-se a Constituição da
República, especificamente o Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira -
cujo Capítulo II registra como programa a ser cumprido a - Reforma Agrária
(art. 184 usque 191). Evidente, essa norma tem destinatário. E como
destinatário, titular do direito (pelo menos - interesse) à concretizacão da
mencionada reforma. A demora (justificada, ou injustificada) da implantacão
gera reações, nem sempre cativas à extensão da norma jurídica. A conduta do
agente do esbulho possessório é substancialmente distinta da conduta da pessoa
com interesse na reforma agrária. (...) No
esbulho possessório, o agente dolosamente, investe contra a propriedade alheia,
a fim de usufruir um de seus atributos (uso). Ou alterar os limites do domínio
para enriquecimento sem justa causa. No caso dos autos, ao contrário, diviso
pressão social para concretização de um direito (pelo menos - interesse). No
primeiro caso, o contraste de legalidade compreende aspectos material e formal.
No segundo, substancialmente, não há ilícito algum. Formalmente, e só
nesse nível, poder-se-á debater o modus faciendi" [sem grifos no
original].
A
analogia das situações é evidente, pois a AMCEU/CASSIS, com a ocupação da Sala
BT-260 e, depois da primeira decisão liminar de reintegração de posse, com a
ocupação da Reitoria por estudantes diversos da UnB, não necessariamente
ligados à AMCEU/CASSIS, apenas se busca que a reitoria da Universidade faça
valer os direitos dos estudantes à assistência estudantil, moradia e saúde,
direitos estes garantidos pela PNAES, inexistindo, evidentemente, animus domini dos estudantes em relação
aos locais ocupados. Não há qualquer relação entre as ocupações e o objeto da
ação de reintegração de posse, que é o meio adequado para reverter o esbulho
possessório, a imersão clandestina e violenta na posse com intenção de
tornar-se dono e utilizá-la com fins privados, particulares.
De modo semelhante, decidiu o eminente Juiz da 8ª Vara
Federal de Minas Gerais em ação de reintegração de posse proposta pelo DNER
contra um grupo de trabalhadores rurais sem terra:
"... quando a lei regula as ações possessórias,
mandando defenestrar os invasores ( arts. 920 e segts. do CPC), ela - COMO TODA
LEI - tem em mira o homem comum, o cidadão médio, que, no caso, tendo outras
opções de vida e de moradia diante de si, prefere assenhorar-se do que não é
dele, por esperteza, conveniência, ou qualquer outro motivo que mereça a
censura da lei e, sobretudo, repugne a consciência e o sentido do justo que os
seres da mesma espécie possuem. Mas este não é o caso no presente processo. Não
estamos diante de pessoas comuns, que tivessem recebido do Poder Público
razoáveis oportunidades de trabalho e de sobrevivência dignas (v. fotografias).
Não. Os "invasores" (propositadamente entre aspas) definitivamente
não são pessoas comuns, como não são milhares de outras que "habitam"
as pontes, viadutos e até redes de esgoto de nossas cidades. São párias da
sociedade (hoje chamados de excluídos, ontem de descamisados), resultado do
perverso modelo econômico adotado pelo país. Contra este exército de excluídos,
o Estado (aqui através do DNER) não pode exigir a rigorosa aplicação da lei (
no caso, reintegração de posse), enquanto ele próprio - o Estado não se desincumbir,
pelo menos razoavelmente, da tarefa que lhe reservou a Lei Maior. Ou seja,
enquanto não construir - ou pelo menos esboçar - "uma sociedade livre,
justa e solidária" (CF, art. 3º, I ), erradicando " a pobreza e a
marginalização" (nº III), promovendo "a dignidade da pessoa
humana" (art. 1º, III ), assegurando "a todos existência digna,
conforme os ditames da Justiça Social " (art. 170), emprestando à
propriedade sua " função social " ( art. 5º, XXIII, e 170, III), dando
à família, base da sociedade, "especial proteção" (art. 226), e
colocando a criança e o adolescente " a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, maldade e opressão"
(art. 227), enquanto não fizer isso, elevando os marginalizados à condição de
cidadãos comuns, pessoas normais, aptas a exercerem sua cidadania, o Estado não
tem autoridade para deles exigir - diretamente ou pelo braço da Justiça - o
reto cumprimento da lei."
Demonstrada a ausência de esbulho, juntamente
com as expressas disposições de lei, o que se percebe é que a Autora promove
ação cujo pedido é juridicamente impossível, como é igualmente carecedora de
interesse de agir.
Pode-se
mesmo falar de falta de causa de pedir, porque não há como se deduzir uma
relação entre o direito substancial e o processo, porque a ordem jurídica nega
que os fatos como alegados e pelo meio utilizado pela suposta Autora possam
gerar direitos.
Ante este impasse, a reintegração de posse também
se mostra uma medida desnecessária e inadequada. O direito substancial invocado
pela suposta Autora não pode ser protegido pelo meio utilizado e o meio
utilizado não é adequado para atender a pretensão indicada pela suposta Autora.
Não há nos fatos, tal como alegado, a demonstração de uma relação jurídica que
permita o resultado esperado. Fala-se em esbulho, quando, em verdade, a sala
nunca deixou de ser da Universidade. Portanto, não há possibilidade de se
formar uma relação jurídica entre a universidade e os supostos réus que permita
a ação de reintegração de posse. Fala-se em esbulho, no caso da ocupação da
Reitoria, que seria merecedora de uma nova ação, quando o que se tinha era uma
manifestação política que não foi promovida pelos mesmos Réus.
Como dito acima, só o fato de a Autora alegar a
propriedade e requerer uma medida possessória, por si só, já seria suficiente
para que este Juízo indeferisse a inicial. Para a defesa da propriedade, o rito correto seria o rito
ordinário da Ação Reivindicatória, ainda sim, se existisse no direito
brasileiro o conceito de propriedade ou posse pública, não o rito especial da
Ação de Reintegração de Posse, que discute o instituto da posse.
O que
se percebe na ação é uma incompatibilidade insanável de ritos, que só pode ser
sanada com a extinção do feito.
Mais
uma vez, embora não tenham os Réus Heitor e Tatiana participado da ocupação da
Reitoria, também há inadequação do rito pela opção em opor uma ação própria
para a defesa de direito real com o intuito de impedir ou limitar o exercício
de direito pessoal, que é o direito de manifestação e de reivindicação. Após a
Constituição de 1988, sobretudo, pela interpretação reiterada que vem sendo
dada pela doutrina e pelos Tribunais quanto à constitucionalização do Processo
Civil, este deve estar imediata e inescusavelmente ligado à realização de
direitos fundamentais, tais como o direito de manifestação, o direito de
organização, ambos ínsitos ao direito ao acesso e permanência no ensino
superior. Não pode haver o contrário, a interposição de Ação para impedir a
realização de direitos fundamentais.
d) DA AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM
Pode-se
dizer que a Ação de Reintegração de Posse e seu posterior pedido de aditamento
são promovidos por pessoa inexistente, a Fundação Universidade de Brasília.
A
transformação de Universidades Públicas em Fundações se deu a partir da Reforma
Administrativa de 1967, como forma de constituir a progressiva desobrigação do
Estado em relação ao financiamento da Educação, embora mantivesse para o chefe
do Executivo Federal o direito de nomear dirigentes sem consulta à comunidade
universitária.
As
Fundações, diferentemente das Autarquias, possuem “autonomia” na obtenção de
recursos próprios pela prestação de serviços remunerados por parte das
universidades, bem assim, autonomia na organização e ordenação de gastos,
semelhante ao que fazem as empresas privadas. Portanto, submetidas ao direito
privado, poderiam as Fundações decidir sobre os recursos, mesmo, incrementar
sua folha de pagamento e/ou ter sua própria política salarial; contratar
“livremente” seus professores e técnicos, diferente das Autarquias que deveriam
seguir um padrão administrativo-financeiro.
Esta
estratégia, que foi utilizada lenta e progressivamente pelos governos militares
para transformar as Autarquias universitárias em Fundações, atenderia
perfeitamente aos ditames da “Universidade-empresa”, propostos pela Reforma
Administrativa de 1967, que depois foi incorporada às universidades pela
Reforma do Ensino Superior de 1968.
Era uma
forma de centralização de poder com desobrigação de dever. Era uma forma de
gradativamente fazer a universidade brasileira perder o seu caráter público
colocando-se a serviço do interesse econômico privado, assumindo feições que
combinassem melhor com esse propósito. Por exemplo, ao obter financiamento
externo, deveria fazer integrar-se à sua administração um conselho de curadores
formado por empresas financiadoras que deveriam fiscalizar o uso dos recursos
segundo os interesses privados.
Como
afirma Celso Antônio Bandeira de Mello:
O que se passou no Direito brasileiro é
que foram criadas inúmeras pessoas designadas como “fundações”, com atribuições
nitidamente públicas, e que, sob este aspecto, em nada se distinguiam das
autarquias. O regime delas estaria inevitavelmente atrelando-as às limitações e
controles próprios das pessoas de Direito Público. Entretanto, foram batizadas
de pessoas de Direito Privado apenas para se evadirem destes controles
moralizadores ou, então, para permitir que seus agentes acumulassem cargos e
empregos, o que lhes seria vedado se fossem reconhecidas como pessoas de
Direito Público. (Curso de Direito Administrativo, 25 ed., p 183-184).
Com o
RE 101.126/RIO DE JANEIRO, relatado
pelo Min. Moreira Alves e julgado em 24 de outubro de 1984 pelo Pleno do
Supremo Tribunal Federal, não existem Fundações-Universidades. As universidades
foram re-autarquizadas, dada a impropriedade em se falar em fundação de direito
público (toda fundação é forma civil, isto é, de direito privado).
O mesmo foi reafirmado com o REsp
204.822/Rio de Janeiro, relatado pela Min. Maria Thereza de Assis Moura e
julgado em 26 de junho de 2007.
Em
síntese, se as Fundações-Universidades foram abolidas, se estas simplesmente
não existem, não poderia a Fundação Universidade de Brasília atuar como Autora
da presente Ação de Reintegração de Posse. Isto é, há uma flagrante
ilegitimidade ativa, configurada não apenas pela participação de pessoa
jurídica de direito privado, em tese, defendendo interesses que não lhe são
próprios, mas porque esta pessoa jurídica já não mais existe por força de
decisões do STF e do STJ, as quais interpretam a Constituição e outras normas
do ordenamento jurídico brasileiro.
Por mais este motivo, deve ser
extinta a presente Ação.
e) DA AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM
A
suposta Autora optou por situar no polo passivo do feito, além dos estudantes
Heitor Claro da Silva e Tatiana Berioska Poiato Vieira, a figura genérica de
“DEMAIS OCUPANTES”, designação comumente usada por Autores que querem se
esquivar de identificar todos os sujeitos, que segundo o próprio relato,
deveriam integrar o polo passivo da Ação. Isso, mesmo sendo uma condição
fundamental segundo a Teoria Geral do Processo e disposições expressas no art.
282, II, CPC, identificar e individualizar as partes envolvidas em um litígio.
Enquanto pertinência subjetiva da demanda, a legitimidade não
pode ser
genérica
ou incerta para não haver prejuízo a quem deva efetivamente ser alcançado e
deva se defender, no caso do polo passivo. Sabe-se
que a citação é elemento indispensável de toda a demanda e, para que se efetue,
o réu há de ser individualizado.
É
sabido que há entendimento já sedimentado do E. Superior Tribunal de Justiça –
STJ, de que em casos envolvendo ocupação de
propriedade por grande número de pessoas, é até possível compreender que não se
faça a identificação e a qualificação de todos os evolvidos para que se dê
efetivamente a citação de cada um dos réus individualmente. Isto porque, em
geral, tal entendimento é aplicado a ações em que se alega esbulho possessório
como prática de uma quantidade incerta e incomensurável de agentes.
Não é o caso da situação exposta na presente ação. A ocupação da sala BT-260 é feita por
estudantes matriculados na Instituição e em quantidade, segundo o que indica a
Autora na fl. 04 da inicial, de 15 (quinze) estudantes, o que demonstra ser
perfeitamente possível sua identificação e individuação no polo passivo. Ou
seja, não se tratam de sujeitos estranhos e incertos para a Autora, que detém
documentos e tem feito reuniões frequentes com os ocupantes. Portanto, neste
caso, seria uma obrigação inescusável da suposta Autora a devida
individualização e qualificação das partes a figurarem no polo passivo para que
tivessem o direito de exercício ao legítimo direito de defesa e à garantia de
um processo devido.
Principalmente para, como ocorre a partir do segundo pedido
liminar feito pela suposta Autora no processo, não sejam os Réus nomeados e
individuados tidos como responsáveis por atos que não deram causa.
Frise-se, a ocupação da Reitoria é fato diverso da ocupação
da sala BT-260. Distingue-se em seus motivos e em seus agentes, condições se
obscurecem ante a falta de nomeação e a abstração dos fatos geradores de tais
movimentos, induzindo este Juízo a agir contra os Réus da primeira ação
judicial como se estes se confundissem com o polo passivo da segunda ação,
inserida equivocadamente na primeira.
O fato é que, frise-se, além de não haver identidades de
objetos nos dois pedidos realizados no bojo da presente Ação de Reintegração de
Posse, também não há identidade partes. Os agentes da ocupação da Reitoria não
se confundem com os 15 (quinze) estudantes que, segundo a suposta Autora,
ocupavam a sala BT-260. São estudantes diversos que promoveram a ocupação da
Reitoria em protesto por algo que só havia acontecido na UnB durante a ditadura
militar, a saber, a colocação da polícia no Campus Darcy Ribeiro, em meio a
outra atitude não mesmo desrespeitosa a toda a comunidade universitária
constituída pela Ação de Reintegração de Posse contra um Centro Acadêmico
formado pelos estudantes mais economicamente vulneráveis da Universidade.
Não
custa repetir, além de não poder a suposta Autora ampliar indevidamente o
escopo da Ação de Reintegração de Posse anteriormente promovida com uma nova
causa de pedir, não poderia furtar-se da responsabilidade de individuar os
ocupantes de um e outro espaço utilizando tão-somente o rótulo “DEMAIS
OCUPANTES”, constante da peça inicial, para configurar em face de quem se
dirigia a Ação de Reintegração de Posse.
Com
esse mecanismo ilegal, ampliou o polo passivo da demanda confundindo o Juízo
quanto aos responsáveis por uma e outra ocupação e gerou a possibilidade de indevidamente
atribuir responsabilidades a pessoas quem nem estiveram no local, como é o caso
dos Réus Heitor e Tatiana. Estes não participaram da ocupação da Reitoria e, em
seu nome, não se poderia promover a intimação das partes envolvidas nesta
última, que era uma nova ocupação, com novos e distintos participantes.
Da
mesma forma, não poderiam estes responder por uma multa a ser aplicada em caso
de desrespeito à ordem judicial. A uma, por serem hipossuficientes mantidos por
políticas de assistência estudantil da Universidade e não terem recursos
financeiros para dispor de um valor como este sem comprometer a própria
sobrevivência e o exercício do seu direito à educação; a duas, por não
participarem e não terem relação imediata com a ocupação da Reitoria.
Se não
tem como saber quem são os responsáveis por uma e outra ocupação, correndo-se o
risco de imputar aos únicos dois estudantes mencionados na Ação, que não
estavam na ocupação da Reitoria, responsabilidades indevidas ensejadas por
situação que não deram causa, não é possível que o presente feito prossiga,
sobre pena de ferir de morte o Direito Processual Civil brasileiro.
Individuar os
Réus é uma condição necessária para o estabelecimento da relação processual.
Estando esta obrigação processual descumprida, este Juízo está diante de uma
nulidade insanável conforme o art. 282, II, do diploma processual civil. Isto
é, sendo impossível a participação de sujeitos genéricos no processo,
especialmente, nas circunstâncias específicas do caso concreto, há que se
extinguir o presente feito por falta de legitimidade passiva ad causam dos “DEMAIS OCUPANTES”, assim
genericamente dispostos na inicial.
f)
DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
DE LIMINAR
Observado o pedido promovido pela suposta
Autora, é possível afirmar que lhe cabe comprovar a existência de esbulho, bem
assim, a fumaça do bom direito e o perigo da demora, que devam funcionar como
elementos fundamentais para o convencimento do magistrado na concessão de
liminares. Pois, o pleito de urgência deve estar embasado em requisitos
essenciais informadores das medidas de urgência.
Em nenhum momento, porém, a suposta Autora
versou sobre a fumaça do bom direito e tampouco sobre haver fundado receio de
dano irreparável. Aliás, nesse sentido, se limita a observar que não é
admissível que os estudantes permaneçam na sala BT-260 ou, posteriormente, no
Gabinete do Reitor, sob alegações inverídicas e sem fundamento. Quanto à sala
BT-260, de que atrapalham a monitoria de Física ou as medições do laboratório
de nanoteconologia ou, ainda, que fazem suas necessidades fisiológicas no
local. Quanto à reitoria, sem apresentar especificamente a nuances de seu
fundado receio, que, “no espaço
ocupado pelos estudantes, há obras de artes e documentos importantes que estão
ameaçados pela presença dos invasores” (fl. 78).
Entretanto,
observa-se que não há, de forma alguma, fundado receio de dano irreparável que
justifique a Ação de Reintegração de Posse e a Ação dentro da Ação. Ainda que
não necessariamente promovida pela AMCEU/CASSIS, especificamente sobre a ocupação da Reitoria,
uma vez que a desocupação da Sala BT-260 já está plenamente demonstrada como
arbitrária, realiza-se de forma ordenada, com intuito exclusivo de denunciar atitudes
anti-democráticas da gestão universitária, sem ter gerado, em absoluto, nenhum
dano ao patrimônio da universidade e tendo os estudantes envolvidos se
comprometido a não provocar qualquer prejuízo às obras, documentos e bens
presentes no local ocupado.
Ainda,
ironicamente, após a reintegração de posse da sala BT-260, este local,
reivindicado pela Autora em razão da sua extrema importância por ser onde se
realizam as monitorias de Física, está, desde então, trancado com cadeados
soldados.
Onde
está o cumprimento da função e do interesse público tão ventilados pela autora
para lograr a reintegração de posse da sala? Por que, se esta sala é tão
indispensável e fundamental para a monitoria de Física, está trancada com
cadeados soldados, como comprova fotos em anexo, tiradas no dia 26/09/13?
Ou seja, a liminar foi pleiteada com a
simples alegação, infundada, de que poderia haver ao dano ao patrimônio da
Autora, sem apresentar provas cabais. Todos os documentos, obras de arte e bens
sitos no local na ocupação foram preservados e tratados com a devida reverência
ao patrimônio público. É um pedido manifestamente ilegal, pois carente de
qualquer fundamentação jurídica que justifique a concessão da liminar, e afeta
com sua ilegalidade a decisão proferida.
g)
DA IMPOSSIBILIDADE DE ADITAMENTO DA INICIAL
QUANDO JÁ HOUVE CITAÇÃO DOS RÉUS.
Este Juízo da 22ª Vara Federal recebeu a petição interposta pela suposta
Autora no dia 18 de setembro como emenda à inicial da Ação de Reintegração de
Posse (fl. 78). Ocorre que os Réus se apresentaram em juízo no dia 13 de
setembro, a fim de requerer a reconsideração da decisão proferida em sede
liminar pelo mesmo Juízo, conforme faz prova o protocolo anexo, suprindo,
assim, a falta de citação, consoante a dicção do §1º
do artigo 214 do código de Processo Civil, in verbis:
Art. 214. Para a validade do processo
é indispensável a citação inicial do réu.
§ 1o O comparecimento espontâneo do
réu supre, entretanto, a falta de citação.
Art. 264. Feita a citação, é defeso
ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu,
mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.
Feita a citação, a lei processual, em seu artigo 264, veda a modificação
do pedido ou da causa de pedir sem o consentimento do Réu, em observância ao
principio da estabilização da demanda. É sua redação:
Art. 264. Feita a citação, é defeso
ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu,
mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.
Portanto, no caso em
apreciação, a suposta Autora não poderia ter aditado a inicial, modificando seu
pedido, em virtude de expressa vedação legal, uma vez que, quando do protocolo
da referida petição, ocorrido em 18 de setembro, a oportunidade de aditamento
já estava preclusa, não podendo o MM. Juiz apreciar pedido de reintegração de
posse do “imóvel sito no Prédio da Reitoria do Campus da UnB, Gabinete do
Reitor – Asa Norte, Brasília – DF” (sic, fl.
81), já que o pedido aventado na inicial dizia respeito tão somente à sala
BT-260.
É
cediça a jurisprudência no sentido de vedar decisões com o referido teor, por
se tratar de julgado extra petita. Nesse
sentido, confira-se:
CIVIL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA.
REGRESSO DO FIADOR. PEDIDO FORMULADO APÓS A CITAÇÃO DO RÉU. ARTS. 264 E 321 DO
CPC. SENTENÇA EXTRA PETITA. FIANÇA. ART. 831, DO CCB. TERMO INICIAL. JUROS DE
MORA. ART. 833, DO CCB. CORREÇÃO MONETÁRIA. DEVIDA DESDE A DATA DO DESEMBOLSO.
A lei processual, no art. 264 do CPC, enuncia que, feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.
Embora seja o réu revel no processo, a teor do art. 321, do CPC, não pode o autor alterar o pedido, ou causa de pedir, após o momento da citação.
A lei processual, no art. 264 do CPC, enuncia que, feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.
Embora seja o réu revel no processo, a teor do art. 321, do CPC, não pode o autor alterar o pedido, ou causa de pedir, após o momento da citação.
(...)
Recurso conhecido e parcialmente provido. (Acórdão
n.666258, 20110810055836APC, Relator: ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, 6ª
Turma Cível, Data de Julgamento: 03/04/2013, Publicado no DJE: 09/04/2013.
Pág.: 185) (grifo nosso).
Com isso, é devido eliminar do feito o segundo pedido de Reintegração de
Posse, bem como anular todas as suas possíveis consequências, de modo que não
alcancem aos Réus nominados e/ou os inominados.
2. DO MÉRITO
a) DOS FATOS ALEGADOS NA INCIAL DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE DA SALA BT-260
A presente Ação de Reintegração de Posse nº
0049035-89.2013.4.01.3400/SJDF movida pela Fundação Universidade de Brasília
tem como pretensão a imediata retirada de estudantes integrantes de Programas
de Assistência Estudantil da UnB de sala que ocupam para o desempenho de
atividades próprias da comunidade acadêmica.
É uma Ação equivocada, principalmente, por deixar
de considerar que a ocupação de salas por estudantes para a constituição de
seus Centros Acadêmicos, além de estar legitimada por lei, regulamentada pelas
normas e compromissos acadêmicos, também faz parte da dinâmica interna de
organização de uma Universidade. Ou seja, integra a disposição do espaço para
atividades que se desenvolvem pelos estudantes, professores e servidores
técnico-administrativos universitários e que esta distribuição do espaço
universitário é de atribuição exclusiva da gestão da universidade nos estritos
termos do que informa o interesse público. Não se confunde com o interesse
pessoal do administrador porque realiza as disposições normativas em que o
interesse público se expressa.
Está-se diante de uma das situações que
corriqueiramente ocorrem na universidade para que esta se reafirme enquanto
espaço de construção de pensamento e de liberdade, mas sua gestão opta por ir
ao Poder Judiciário, negando o direito de os estudantes exercerem suas
atividades de organização e de reivindicação, inclusive previstas em lei (Lei
7.395/1985, Lei 12.852/2013) e em normas internas (circular n.º 07/2011 e
outras conforme se pode observar nas matérias publicadas no portal da UnB),
certamente, ou a gestão é incapaz de gerir o espaço acadêmico ou se mostra
intencionada a não cumprir a lei porque esta fere os seus interesses privados. Mais
ainda, porque a lei, juntamente com a Constituição, impõe outra perspectiva de
universidade, pública por natureza, que está à disposição para que a comunidade
acadêmica possa exercer sua liberdade de criação.
É igualmente por isso que, em lugar de debater o
espaço ocupado em si, sua conveniência ou a possibilidade de alternativas, a suposta
Autora, certamente devido à confusão equivocada que faz de si com um ente
privado, trata a ocupação, que é corriqueira dentro da dinâmica acadêmica, como
um ato que viola o que chama de “propriedade” da universidade e recorre ao
Judiciário se valendo de alegações infundadas e inverídicas que contaminam toda
ação e confundem este Juízo.
Só esse fato de a suposta Autora alegar a
propriedade e requerer uma medida possessória, por si só, já seria suficiente
para que a Ação nem fosse recebida, menos ainda deferida uma decisão liminar.
Porém, outros argumentos precisam ser observados para que se tenha a certeza de
que, além de ser carente, a Ação de Reintegração de Posse promovida não pode
prosperar também quanto ao mérito, sendo também impossível de se manter a
decisão liminar que tacitamente acolhe a demanda e determina a reintegração de
posse.
É um equívoco igualmente basear-se, como dito, em
fatos inverídicos, alguns mesmo absurdos.
O que se pode afirmar é apenas que a ocupação
legítima do espaço acadêmico se deu por estudantes que dependem da Assistência
Estudantil e que estão há dois anos, após terem sido retirados em 2011 da Casa
do Estudante Universitário (CEU) para que esta fosse reformada, sem local para
sediar a sua Associação. Esta, chamada de Associação de Moradores da Casa do
Estudante (AMCEU), que tem assento no Conselho de Administração da UnB e é
reconhecida pelas normas internas da Universidade, está sendo reestruturada
como Centro de Assistência Estudantil (CASSIS) para que possa se ocupar de
todas as vertentes de assistência previstas no Decreto 7.234/2010 (Política
Nacional de Assistência Estudantil – PNAES).
Foi com o intuito de reestabelecer o espaço de sua
organização, bem assim, garantir o seu direito à educação nos termos previstos
na Constituição Federal de 1988, no PNAES, nas Leis 7.395/1985, Lei
12.852/2013, nas normas internas da UnB, mas, sobretudo, para reivindicar
direitos que vêm sendo sistematicamente violados pela gestão atual da
Universidade de Brasília, que os estudantes da Assistência Estudantil ocuparam
a sala BT-260. Ou seja, foi por interesse público e para reafirmar o caráter
público da universidade. Foi para realizar os princípios ínsitos aos bens
públicos, principalmente aqueles que estão à disposição das universidades de
modo que estas realizem o seu caráter de público lugar de produção de
conhecimento, outrossim, de realização das liberdades, incluindo-se as liberdades
políticas e de organização para a defesa de ideias e da democracia, sendo
incabível pensar-se em posse de bem público ou afronta à propriedade de bem
público.
Até porque, se não há confusão com o uso privado
próprio daqueles institutos, não se pode igualmente lançar mão de expedientes
ínsitos ao direito privado para defesa dos bens públicos, muito menos dos
espaços acadêmicos de uma universidade, que cumprem sua razão de ser ao serem
ocupados, utilizados e vivenciados pela comunidade acadêmica.
É por isso que, quando se discute a legitimidade da
“posse” de um imóvel público, é preciso perguntar ao que ele serve, quais são
os princípios que regem as atividades que nele se realizam, quais os seus
propósitos e quais os propósitos de quem o ocupa.
Quando a suposta Autora alega ser “proprietária” da
sala BT-260 e pede a sua reintegração na posse do que chamou de seu imóvel (fl.
04), além de, efetivamente, negar os princípios que regem a universidade, o
modo de construção do conhecimento e a dinâmica democrática interna de uma
instituição como a universidade, dá demonstração de que quer desnaturar o
espaço acadêmico em uma lógica plena de interesses que não necessariamente são
públicos. Pior é que, de igual modo, a decisão a quo admite os seus argumentos para assimilar a negação do
interesse público e os princípios regentes da universidade enquanto instituição
que serve à sociedade; uma instituição que tem caráter público.
Diante dessa demonstração de que a preocupação não
era eminentemente com a coletividade, seria de bom alvitre que este Juízo
refutasse o argumento de que havia um projeto de monitoria sendo realizado na
sala em questão ou de que havia um laboratório de nanotecnologia sendo afetado
pela trepidação supostamente causada pelos ocupantes.
Mais ainda porque, quando os estudantes procuraram
um lugar que pudesse sediar suas atividades, estes verificaram previamente qual
das salas do ICC não dispunha de afazeres acadêmicos. A despeito de estar
localizada no térreo do ICC-Central, a referida sala não indicava, como não
indica até agora, após o despejo indevido (vide fotos em anexo) qualquer
atividade que pudesse ou possa ser prejudicada. Ao contrário, teria uma função
pública com a sede da AMCEU/CASSIS, cujas ações são importantes para dinâmica e
são reconhecidas pelas normas internas da Universidade.
Sobre os argumentos indicados a este Juízo acerca
do laboratório de nanotecnologia que estaria sendo prejudicado pela trepidação
provocada pelos ocupantes, é importante perceber que se trata de uma inverdade.
Primeiro, porque a sala ocupada NÃO fica acima do laboratório de nanotecnologia
(vide fotos já anexadas aos autos por ocasião do pedido de reconsideração e em
anexo a esta peça). O que fica acima do referido laboratório é o próprio
Instituto de Física, com suas salas e repartições funcionais. Se há trepidações
que supostamente prejudicam as pesquisas, estas são produzidas por aquele
Instituto.
Segundo, considerando o lugar onde está situado, se
há trepidações, estas certamente não são ocasionadas pelos ocupantes da sala
BT-260. Aliás, se a presença de estudantes de baixa renda na sala que a Autora
deseja ver reintegrada provoca isso, a presença de estudantes para a suposta
monitoria de física para 3.500 (três mil e quinhentos) pessoas também deveria
provocar.
Terceiro, por estar em um local de passagem, com
corredores situados acima e ao lado; por estar especialmente próximo a uma
escada cujos degraus, de tipo aéreo, que, sem qualquer viga de sustentação que
os ligue, são presos à parede e provocam vibração; por estar em um corredor com
dezenas de máquinas de grande porte ligadas dia e noite, entre estas um
transformador localizado em frente, que também emite um campo eletromagnético
capaz de influenciar nas medições, se há trepidação, esta pode ser causada por
quaisquer destes elementos.
Ainda em relação às alegações da suposta Autora que
ensejaram a decisão em debate, quando se acredita que o pior já havia sido
dito, verifica-se que a reitoria não encontra limites de racionalidade para o
que apresenta judicialmente. Para desqualificar uma ocupação legítima do espaço
acadêmico, que se dá exatamente pela incapacidade da gestão em distribuir salas
de modo que os integrantes da comunidade universitária desenvolvam suas
atividades cotidianas, incluindo-se sua organização em Centros Acadêmicos,
a suposta Autora não se acanha em faltar com a verdade, alegando que os
ocupantes da sala fazem suas necessidades fisiológicas no local (fl. 05).
Qualquer pessoa entenderia que essas palavras
beiram o absurdo, senão o preconceito e, até mesmo, racismo, em relação a
estudantes que dependem de assistência estudantil, entre estes cotistas raciais,
da Universidade de Brasília. Especialmente porque é o local próximo de uma
dezena de banheiros. A não ser que esta universidade esteja mantendo os
ocupantes em cárcere privado. Neste caso, fazer as necessidades fisiológicas no
local seria não apenas possível como também necessário.
Se há alguém dormindo na sala em contenda, é para
assegurar o êxito da ação de reivindicação política, por conseguinte, para que
a UnB reconheça o direito de a AMCEU/CASSIS, como organização estudantil,
inclusive com assento no Conselho de Administração da Universidade, ter um
lugar para o desempenho de suas atividades dentro do espaço acadêmico. Frise-se, nenhum dos ocupantes ou das
ocupantes deseja morar ou fazer da sala um local seu.
Ao contrário, por meio do espaço, o que se pretende
é dar visibilidades aos problemas da Política de Assistência Estudantil,
apontar as principais necessidades de estudantes que dela dependem para
seguirem seus estudos e reivindicar a moradia estudantil. Esta, infelizmente,
tem sido promovida de forma limitada e com o favorecimento ao mercado
imobiliário de Brasília desde que se iniciou a reforma da Casa do Estudante Universitário
em 2011.
De qualquer maneira, é sabido por todos que nem
mesmo os animais realizam suas necessidades fisiológicas no local em que dormem
e que, um ser humano que está em processo de reivindicação por direitos tem
consciência suficiente para cuidar do espaço em que atua, sobretudo se precisa
permanecer nele por mais tempo.
O fato é que a atual gestão da UnB, que, com
indicações de conservadorismo exacerbado, falta com respeito a direitos dos
estudantes e de demais integrantes da comunidade acadêmica, não tolera ter que
realizar uma Política de Assistência Estudantil. Não tolera ter que desempenhar
recursos, mesmo que estes tenham origem direta do orçamento da União, para que
seja assegurado o direito à educação para estudantes com situação financeira
menos favorecida, em lugar de direcioná-los para outras atividades mais
próximas da forma de pensar a universidade que a atual gestão propaga, como uma
barreira aos mais pobres e um favorecimento aos interesses econômicos privados.
Um dos indícios de que isso é verdade é que, neste
momento, também está acontecendo uma ocupação de uma sala por estudantes de
medicina que querem instalar a nova sede de seu Centro Acadêmico. Em nenhum
momento, a universidade falou em reintegração de posse.
Também estão presentes no espaço público entidades
que promovem atividades eminentemente privadas com fins de lucro e estas, além
de não ressarcirem a Instituição pelo uso, tratam o espaço ocupado como se
fosse exclusivo (alugam a terceiros, promovem eventos pagos, etc.). Nem por
isso a gestão da universidade, que viola normas de direito público e decisões
reiteradas do Tribunal de Contas, especialmente o Acórdão TCU 2.731, falou em
Reintegrar a Posse.
Embora seja legítima a ocupação dos estudantes de
medicina, por que o trato é diferenciado com estudantes que dependem da Assistência
Estudantil e querem reorganizar a sua associação com vistas a terem seus
direitos assegurados e uma universidade cumprindo a sua função pública de
garantir o direito de acesso e permanência ao estudante de baixa renda? Por que
a universidade desrespeita um acordo de distribuição de uma sala no Instituto
Central de Ciências (“Minhocão”) previsto na Circular n.º 7, de 07 de abril de
2011? Será que estes estudantes estão sendo vítimas de preconceito e, sendo
grande parte deles de negros, de racismo?
É possível que sim, principalmente porque quase
todos, senão todos dos mais de 50 (cinquenta) Centros Acadêmicos existentes na
universidade obtiveram suas salas para o desempenho de suas atividades por
ocupação. Nunca, com exceção dos tempos da ditadura militar, houve pedido de
reintegração de posse para evitar que estas organizações estudantis ocupassem o
espaço acadêmico. Porque este deve estar livre. Em uma universidade, essa
liberdade se exerce ou precisa se exercer em toda a sua plenitude. A produção
de ideias depende de organização, de irreverência, de contato com a realidade,
por conseguinte, com a política, interna e externa ao campus.
Se a democracia depende de liberdade de associação,
de manifestação, de pensamento e de expressão do pensamento, na universidade,
esses princípios que também estão positivados na Constituição Federal vigente
no País, não são menos importantes. Uma formação democrática e cidadã depende
da capacidade e da possibilidade de organização de estudantes, professores e
servidor técnico-administrativos. Depende dos processos de reivindicação, da
participação nas instâncias de deliberação e, isso, está intimamente
relacionado com a capacidade de reunir, de dialogar com os pares sobre os rumos
da universidade. Está intimamente ligado à ocupação dos espaços acadêmicos com
ideias que se expressam por meio de organizações estudantis, que, por sua vez,
se enraízam no espaço físico da universidade, podendo ter dentro desta, o seu próprio
espaço físico de referência.
Portanto, baseada em alegações inverídicas, a manutenção da presente
Ação admite como possível uma reintegração de posse contra integrantes da
comunidade acadêmica da UnB que apenas reafirmam o caráter público da Universidade
e de suas instalações. Pior, abre um precedente grave porque indica ser
possível a intervenção judicial em um tema, qual seja, a distribuição do espaço
acadêmico, compete exclusivamente à universidade e à comunidade acadêmica
administrar.
Se a gestão não se sente capaz de fazer isso, ainda
assim, não é o Judiciário que deve fazê-lo, porque existem normas, compromissos
e expressões normativas da escolha administrativa que devem servir de base para
a decisão que o reitor está obrigado a tomar. Não pode é, por interesses não
propriamente públicos, esquivar-se de cumprir essas normas e valer-se de uma
ação de Reintegração de Posse para tanto.
É evidente que a presença da
AMCEU/CASSIS no local não provoca prejuízos à UnB. Pelo contrário, reafirma a
Universidade enquanto tal. Neste sentido, o que se tem é uma ação carente de
condições essenciais que, com efeito, contamina com suas ilegalidades e
nulidades a decisão que acolhe os argumentos de uma inicial inepta e determina
a Reintegração de Posse.
b) DA OCUPAÇÃO DA REITORIA E DO EXERCÍCIO DO
DIREITO DE MANIFESTAÇÃO
Embora não tenha relação direta com a ocupação da Sala
BT-260, seja no que concerne aos motivos e aos agentes, a ocupação à reitoria
foi organizada espontaneamente por estudantes diversos da Universidade de
Brasília para cobrar do Reitor uma posição devida quanto à polícia no campus
por ocasião de uma indevida e anti-democrática Ação de Reintegração de Posse,
bem assim, para que a UnB se abstenha de tratar as demandas de política de
assistência estudantil que viabilize a permanência de pessoas em situação de
vulnerabilidade socioeconômica como um caso de polícia. Ou seja, a segunda
ocupação tem como objetivo garantir o direito constitucional à educação dentro
de um espaço eminentemente público e democrático.
A ocupação em questão tratava-se, pois, de uma manifestação
pacífica de estudantes que não necessariamente se confundiam com aqueles que
estavam na Sala BT-260, com o intuito de pressionar a administração da
Universidade para reafirmar o caráter público da UnB, com efeito, para que
fossem atendidas pautas relevantes para a comunidade acadêmica.
Este é um método legítimo de manifestação dos movimentos
estudantis, e é incabível a um Estado que se diz Democrático e de Direito
cercear o direito coletivo de se organizar para reivindicar direitos. O modelo
de Estado adotado pela Constituição Federal exige uma participação ativa de
seus cidadãos nos seus diversos espaços de poder, inclusive dentro de suas
autarquias.
O Brasil ainda luta contra as consequências do passado
autoritário, e os brasileiros ainda sofrem com a dificuldade de atingirem uma
cidadania ativa. E quando os cidadãos e cidadãs têm ensaiado qualquer tentativa
de efetiva participação, os debates públicos sobre condições dignas de vida e sobre
direitos têm prontamente abafados com uso do aparelho repressivo do Estado.
Aprendi
em 1964, que o mundo dos homens se divide em dois: o Reino da Liberdade e o
Reino da Opressão. E ainda: poucos são os homens que compartilham do Reino da
Liberdade enquanto o Reino da Opressão é densamente povoado. E mais: que os
homens que vivem subjugados no Reino da Opressão, quando politizados,
organizam-se e lutam para destruir as cadeias que os deixam submetidos.
Convivi com homens, em 1964, que tinham os olhos postos no Reino da Liberdade, não somente porque a prisão política lhes tirara o direito constitucional de ir e vir. Eles sabiam – e com eles eu aprendi – que a questão da liberdade é muito mais complexa.
Claro: no cotidiano de um tempo que parece parado, as grades que nos roubam a paisagem e a convivência dos entes queridos são intoleráveis. Claro: ali a tortura se conjuga com o medo porque não podemos saber, antecipadamente, quais são os próprios limites – afinal somos humanos. Claro: é inadmissível aceitar a legitimidade do carcereiro. Assim a prisão política fascista é o ilógico, o antinatural, as violências física e mental instaladas, irredutíveis. (Moacyr de Góes, in: GALVÃO, Mailde Pinto. 1964: Aconteceu em Abril. 2.ed. Natal: EDUFRN, 2004).
Convivi com homens, em 1964, que tinham os olhos postos no Reino da Liberdade, não somente porque a prisão política lhes tirara o direito constitucional de ir e vir. Eles sabiam – e com eles eu aprendi – que a questão da liberdade é muito mais complexa.
Claro: no cotidiano de um tempo que parece parado, as grades que nos roubam a paisagem e a convivência dos entes queridos são intoleráveis. Claro: ali a tortura se conjuga com o medo porque não podemos saber, antecipadamente, quais são os próprios limites – afinal somos humanos. Claro: é inadmissível aceitar a legitimidade do carcereiro. Assim a prisão política fascista é o ilógico, o antinatural, as violências física e mental instaladas, irredutíveis. (Moacyr de Góes, in: GALVÃO, Mailde Pinto. 1964: Aconteceu em Abril. 2.ed. Natal: EDUFRN, 2004).
A ocupação enquanto expressão
do direito de manifestação, protegido pela Constituição Federal em seu art. 5º,
XVI, acolhe plenamente a maneira pacífica que os manifestantes escolheram para
expressar suas ideias.
É
exatamente nos espaços comuns, de livre acesso (e mantidos enquanto tais, como
no caso em baila) que configuram, primordialmente, o lugar do exercício da
participação, da discussão, sobretudo quando se trata de questões coletivas e
do interesse de toda a universidade. Não há falar em restrição não só à liberdade
de reunião, mas, e em consequência, à liberdade de manifestação, a não ser em um Estado de Exceção.
Ademais, o direito de ir, vir e permanecer, assegurado pelo art. 5º, XV, CF, também torna patente que não há qualquer
ofensa ao ordenamento jurídico pelos manifestantes. Ora, a Universidade de Brasília é bem público de
uso comum da comunidade acadêmica e de qualquer brasileiro. Como se pode
falar, então, em ocupação irregular, em distorção do uso do espaço, quando tal
espaço, mais do que nunca, está sendo utilizado de maneira aberta e pública por
estudantes da própria Universidade?
Não
reside qualquer vício jurídico na manifestação. De forma descabida,
a suposta parte Autora (e a decisão das fls 78 a 81) defende, como
argumento para exigir a desocupação, que não se admite o exercício do direito
constitucional de liberdade de expressão e de manifestação de forma a causar
prejuízos ao patrimônio público e à coletividade.
Ora, a
manifestação é declaradamente pacífica e não causou nenhum dano. Não há qualquer
fundamento, tampouco comprovação desse receio. Pelo contrário, a política repressiva
e contra o interesse público promovida pela atual gestão da UnB é que vem
causando danos à coletividade.
O bem é
de uso comum da comunidade acadêmica e de toda a sociedade, como se sabe. No
entanto, mesmo que se tratasse de bem de uso especial – e trazemos isto à baila
apenas para enriquecer o debate e a compreensão acerca da questão -, haveria
que se enfrentar uma profunda discussão acerca do significado de atos reivindicatórios
perante bens desta natureza. Veja, por exemplo, a ponderada e correta decisão a
seguir colacionada:
Trata-se de
pedido de Reintegração de Posse promovida pela Câmara de Vereadores de São Luís
contra os réus acima identificados (...) sob a alegação de que no início da
tarde do dia 23 de julho de 2013, houve a invasão do prédio sede do Poder
Legislativo Municipal por mais de cem pessoas, as quais promoveram grande
tumulto e ocuparam seu plenário, (...) dentre as reivindicações, estão as
seguintes: Iniciativa de lei de passe livre para estudantes; passagens no valor
de R$ 1,90 (um real e noventa centavos), dado que houve recente isenção dos
impostos PIS e COFINS; informações sobre cálculos da tarifa de ônibus com base
na lei de acesso à informação; aumento da frota dos ônibus da UFMA e da UEMA;
aumento das principais frotas de ônibus desta cidade; abertura de contas das
empresas de transporte público e resolução concreta dos problemas da Vila
Apaco, dentre outros. Ao final, a autora pediu a desocupação imediata do prédio
com auxilio da força policial. (...) No entanto, há que se fazer a
distinção entre invasão, alegada pela autora, e as ocupações perpetradas pela
população pelo país afora nos últimos dias, não só em virtude do animus de
permanência e da situação de violência geralmente ocorrida no primeiro caso,
como também, respeitante a intencionalidade, observando-se que estamos tratando
de significados no campo social. Segundo relata a própria autora, as pessoas
que se encontram no interior da Câmara Municipal estão reivindicando pretensos
direitos que acreditam ser delas e da sociedade, o que se constitui um
movimento de interface objetivando serem ouvidos e atendidos em direitos afetos
à sociedade. E, salvo melhor juízo, procuraram o local e a instituição
adequados para ouvir os reclamos dos munícipes, tendo em vista que os
vereadores são os mais próximos e legítimos representantes dos cidadãos diante
dos demais Poderes, e os legitimados e responsáveis pela edição de leis capazes
de atender aos anseios sociais. A inicial não relata violências físicas ou ao
patrimônio municipal, apenas manifestação pacífica e palavras de ordem como
"dali não sairão até que sejam atendidas todas suas reivindicações".
Diante desse quadro, parece-me que o caso é de ocupação. E o movimento é
político, de pressão social do legítimo patrão dos políticos: a população e a
sociedade, as quais, por força da Constituição Federal, têm legítimos direitos
de manifestação e exigência de compromisso social, de ética, moralidade e probidade,
de respeito e eficiência, de publicidade e prestação de contas, dentre outros,
o que, infelizmente, a população não está conseguindo vislumbrar na classe
política, isso tudo sem negar-lhe a importância para o estado democrático de
direito. Neste caso, deve-se ter cuidado com a judicialização da política e com
as consequências dos atos judiciais relativamente ao resultado dos anseios da
sociedade, devendo-se escolher o caminho primoroso da negociação, do equilíbrio
e do respeito mútuo entre os interesses dos mandantes, dos mandatários e da
sociedade, sem esquecer que as instituições devem ser
preservadas, visto serem donatárias da ordem social. Por todas essas razões e
antes de manifestação sobre a liminar requerida, reputo de suma importância a
realização de inspeção judicial no âmbito da Câmara Municipal de São Luis, de
modo a se ter a certeza de que o patrimônio público não sofreu agressão e nesta
situação se manterá, para o que designo o dia 30 de julho de 2013, às 11:00
horas. Designo também, audiência de tentativa de conciliação para o mesmo dia
às 15:30 horas, na sala de audiência desta Vara, devendo participar os
representantes da Câmara Municipal e dos movimentos indicados, inclusive as
pessoas nomeadas no relatório. (Carlos Henrique Rodrigues Veloso. Juiz da
2ª Vara da Fazenda Pública. Poder Judiciário do Estado do Maranhão.
AÇÃO ORDINÁRIA. Processo : 34079/2013 31190-71.2013.8.10.0001 Autor : Câmara
Municipal de São Luís Procurador: Dr. Ítalo Gomes Azevedo Réus : Movimentos
Passe Livre, Acorda Maranhão, Vem Pra Rua e Moradores da Vila Apaco.).
Mesmo nesse caso, assim, há que
enfrentar a importante discussão acerca do significado da manifestação, que
diverge profundamente de uma invasão com fins de apropriação permanente do bem
público e, por isso, deve ser tratada de forma diferenciada também pelo mundo
jurídico. No caso em tela, não há animus
domini, a questão nada tem a ver com direito de posse, tampouco de
propriedade, mas sim do direito à manifestação e reunião, cuja ocupação é tão-somente
uma forma de expressão.
Além disso,
não se pode, em nenhum caso, conceber que a via jurisdicional funcione como
rota de fuga de gestores que venham a esquivar-se de sua missão precípua, qual
seja: servir à universidade e a ela, efetivamente, prestar contas.
Ora, vive-se
um importante momento no país, no qual amplas camadas da população reconhecem a
necessidade de reivindicar seus direitos, historicamente vilipendiados. É
preciso reconhecer, neste despertar, importante fator progressista, um
verdadeiro sinal de desenvolvimento da consciência coletiva rumo a uma
sociedade mais próspera e justa, em conformidade com os ditames constitucionais
ou, em verdade, o próprio espírito da avançada Constituição Federal de 1988.
Afinal, está
ou não suficientemente claro que os gestores e governantes precisam aprender o
verdadeiro sentido do processo democrático? Se, de maneira lícita, pacífica e
culturalmente rica, a população aponta a necessidade de tal aprendizado, isto é
sem dúvida, fator de engrandecimento da comunidade acadêmica da UnB.
c)
DA
AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA ÁREA CUJA REINTEGRAÇÃO DE POSSE SE PLEITEIA
A suposta parte Autora atravessou pedido de emenda à
inicial, desrespeitando regras processuais básicas e a garantia do direito ao
contraditório e ampla defesa, pois amplia o pedido após os réus já terem sido
citados.
Como se não bastasse, a suposta Autora requer: “a
vedação de não ocupação de qualquer a sala do Campus Darcy Ribeiro, sob pena de
aplicação de multa a ser fixada por Vossa Excelência” (fl. 75).
Consta da decisão eu deferiu o pedido liminar que “É evidente a necessidade de que se impeça
novo esbulho em qualquer dependência
da universidade”. O julgado não apenas reintegra o Agravado na
posse da sala do Gabinete do Reitor, mas também determina aos Requeridos “que se abstenham de ocupar outras dependências da UnB”.
Com isso, incorre-se na impropriedade de não demonstrar identificação e
delimitação precisas das localidades objetos do feito em tela.
Data maxima
venia, como pode o douto Magistrado deferir uma liminar em Ação de
Reintegração de Posse que não só se antecipa à ocorrência de eventual ocupação,
mas também tem como objeto uma área imprecisa, referindo-se a uma localidade de
patente inexatidão que carece de clara e necessária individualização?
Sobre o tema, a doutrina ensina que:
“Quanto
à individuação da coisa possuída, trata-se de imposição categórica derivada da
natureza da ação possessória. (...) Assim como não se pode reivindicar área
imprecisa de imóvel, também não de
admite pretender alguém reintegração ou
manutenção de posse sobre
local não identificado com precisão. Mesmo porque, o mandado possessório
(objetivo final da ação) seria inexeqüível se a sentença acolhesse pretensão
relativa a gleba sem divisas exatas e definidas.” (grifo nosso) [1]
Veja-se, portanto, que a individualização das áreas de que se deseja a
reintegração de posse é requisito essencial da ação possessória, sendo que seu
descumprimento enseja, inclusive, a extinção do processo sem julgamento do
mérito. Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial, in verbis:
REINTEGRAÇÃO DE POSSE -
DESCRIÇÃO INDIVIDUALIZADA DA ÁREA - NECESSIDADE.
Não estando, regular e devidamente, descrita a área ocupada e objeto de reintegração de posse, o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito. (TJMG; Apelação Cível nº 000.168.327-5/00, 5ª Câmara Cível, Contagem, Rel. Des. Hugo Bengtsson. j. 24.02.2000). CD ROM IURIS PLENUN, v. I, Ed. 66, Jul/Ago 2002.)
Não estando, regular e devidamente, descrita a área ocupada e objeto de reintegração de posse, o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito. (TJMG; Apelação Cível nº 000.168.327-5/00, 5ª Câmara Cível, Contagem, Rel. Des. Hugo Bengtsson. j. 24.02.2000). CD ROM IURIS PLENUN, v. I, Ed. 66, Jul/Ago 2002.)
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. NECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DO
BEM E PRECISA CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA ESBULHADA. CARÊNCIA DA AÇÃO. FIXAÇÃO DOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE ACORDO COM O ESTABELECIDO NO § 4º DO ART. 20 DO
C.P.C. 1- É requisito das ações
possessórias a individualização do bem imóvel e a precisa caracterização da
área esbulhada. (TJMG; Apelação Cível 1.0074.02.008317-1/001, Rel.
Des.(a) Pedro Bernardes, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/05/2006, publicação
da súmula em 24/06/2006.)
O pedido da suposta Autora ultrapassa o escopo e o
objeto da ação de reintegração de posse. A Autora requer a “não ocupação de
qualquer outra sala do campus...”. Ora, tal pedido materializa uma imposição
negativa, que deve ser intentada por meio de uma nova ação, de obrigação de não
fazer, já que o ato foge do objeto de Ação Reintegração de Posse.
O pedido da Autora é equivocado processualmente e
ilegal, uma vez que não respeita requisito básico da ação de reintegração de
posse que é a delimitação do local a ser reintegrado e interpõe, assim, pedido
genérico, incerto e indeterminado, cujo deferimento, nos termos em que foi
elaborado, é uma afronta à legalidade e ao sistema processual pátrio.
O pedido
liminar já foi deferido nesse sentido, em manifesta afronta às regras
processuais, não se pode manter tal decisão em sede de sentença, sob pena de se
abrir um grave precedente para que futuras ações de reintegração de posse se
dêem sem o menor cuidado da parte autora com a delimitação da área a ser
reintegrada.
Além disso,
deferindo-se tal pedido, a AMCEU/CASSIS se vê impedida, previamente, de se
manifestar contra qualquer possível descumprimento do acordo realizado com a
reitoria, que resultou na sua desocupação. A abrangência da decisão liminar
inclui “qualquer dependência da UnB”. Portanto, para além das salas de aula,
objeto do pedido da Autora, abrange corredores, gramados, ou seja, qualquer
espaço de uma universidade que é pública e onde as pessoas têm o direito de
transitar, se manifestar e ocupar seus espaços livremente.
A manutenção da decisão liminar (fls. 78/81) em sede
de sentença põe em grave risco o direito constitucional de manifestação dos
estudantes, proibindo que “ocupem” os espaços da universidade, sem se definir
ao certo o que se inclui nesse conceito de “ocupação” e compreendendo que uma
ocupação para reivindicar direitos e reafirmar o espaço e o interesse públicos,
ainda que nada tenha a ver com posse privada, seja guerreada com ação de
reintegração de posse.
A
inviabilização da “ocupação”, entendida genericamente, como descrita no pedido
da Autora, representa uma afronta aos fins últimos da universidade, que requer
que seu ambiente seja ocupado para que faça cumprir o próprio direito à
educação, para além do direito de manifestação.
Como se pode pretender que os estudantes sejam
proibidos de, ocupando-as, apoderarem-se das dependências de uma universidade
quando é essa ocupação, cotidiana e habitual, imprescindível para a efetivação
dos propósitos acadêmicos – educativos e políticos?
Além do
mais, há prévio pedido de aplicação de multa (também deferido em sede liminar)
contra os estudantes que porventura ocuparem qualquer dependência da UnB. Ora,
já há uma insegurança jurídica patente nesse pedido e na decisão liminar a
respeito da abrangência do termo “ocupar” e, como se não bastasse isso, os
estudantes vinculados ao CASSIS são beneficiários dos programas de assistência
estudantil da UnB, e comprovadamente vulneráveis economicamente. São estudantes
de baixa renda, que se vincularam ao CASSIS justamente porque não conseguem
arcar com os custos de moradia, alimentação, compra de material didático e
todos os gastos que cursar uma faculdade exige e que não têm condição alguma de
arcar com uma multa num valor altíssimo como esse e que, além do mais, recairia
sobre Heitor e Tatiana, os únicos que foram mencionados nominalmente pela
Autora, mas que sequer participaram da ocupação da reitoria, como já
demonstrado supra.
Por
fim, o deferimento desse pedido genérico, no mérito, como já o foi feito em
apreciação da liminar, pode levar ao absurdo de fazer com que os estudantes, ao
se reunirem em qualquer outra dependência, seja o jardim, os corredores ou os
bancos externos da referida universidade, que tem áreas para além de quatro campi,
sejam impedidos de se manter no local, afetando frontalmente diversos direitos,
como o de reunião. Isso torna explícito quão abrangentes e genéricos são os
efeitos do deferimento desse pedido.
d) DA POLÍTICA DA REITORIA DENOMINADA “OCUPE A
UNB E DA OCUPAÇÃO COMO “ULTIMA RATIO”
A
presente ocupação da sede do Gabinete do Reitor da UnB, ao contrário do que se
possa entender, não se trata de
“exercício arbitrário das próprias razões”. Na verdade, independente dos Réus
nominados da presente Ação, a decisão deliberada de ocupar o espaço da
Administração deu-se exatamente por esta não possibilitar qualquer avanço
concreto no processo democrático de negociação, optando pela Ação de
Reintegração de Posse e pela colocação da força policial no campus, tal como na ditadura militar.
Isto porque, esta atitude é uma demonstração de recusa ao exercício do
princípio constitucional que dá à Universidade a autonomia de gerir sua própria
dinâmica, na qual também se insere sua política acadêmica de relações entre os
segmentos que a compõem.
Cabe
salientar que a medida discutida não foi tomada pelos estudantes que dela
lançaram mão sem a devida ponderação de necessidade, adequação e
proporcionalidade. Nesse sentido, segundo Alexy, no sopesamento de diferentes
princípios a serem levados em conta para uma decisão, há que se utilizar de um
meio que seja adequado (adequação), ao mesmo que tempo que seja o meio menos
gravoso possível (necessidade)[2]
para alcançar determinado objetivo.
Estranha
tal tipo de postura quando a própria Universidade possui uma interessante
política que incentiva a organização estudantil e permite que cada entidade
acadêmica exerça sua autonomia política, inclusive, concedendo-lhe o direito de
ocupar espaços físicos em todos os campi
a fins de instalação de suas sedes, conforme consta no projeto chamado “Ocupe a
UnB” (reportagens em anexo). Principalmente, quando o objetivo de tal política
é justamente mostrar que a Universidade não deve restringir a liberdade de
organização política e de manifestação do pensamento, pois esta é uma de suas
principais funções. Ocupá-la para a produção do saber, da cultura, para a
prática de atividades lúdicas sempre foi perquirido por toda a comunidade
acadêmica.
Não se
pode olvidar, aliás, que a busca por intervenção à força de agentes externos à
Universidade, remonta a um triste período da história, no qual a própria UnB
sofreu absurda ocupação pelas tropas militares durante o regime de exceção por
mais de uma vez, com o intuito de, justamente, proibir a livre manifestação do
pensamento e da organização política. Qualquer solução que atravesse o diálogo
entre os setores envolvidos não é saudável para uma Instituição que teve seu
caráter dilapidado por uma política deliberada de cerceamento das liberdades
democráticas e não é facilmente tolerado pela comunidade acadêmica, por isso, a
ocupação da Reitoria.
Além
disso, conforme já se ressaltou, não é novidade o uso por parte dos segmentos
acadêmicos, seja estudantil, seja docente, seja técnico-administrativo, do
instrumento de ocupação da sede do Gabinete do Reitor da UnB. Salutar rememorar
que por intermédio deste expediente, jamais arbitrário se usado de forma
correta e como ultima ratio, que
dirigentes acusados por improbidade administrativa renunciaram ao cargo que
ocupavam, sendo possível proteger a UnB de gestores que colocaram o seu
interesse acima do interesse público.
III
– DO PEDIDO
Ante o
exposto, requerem os Réus:
Sobre a
Ação de Reintegração de Posse da Sala BT-260,
a)
PRELIMINARMENTE, que seja considerada carente a
presente Ação de Reintegração de Posse por falta de interesse de agir,
impossibilidade jurídica do pedido e falta de legitimidade das partes, bem
assim, que seja extinta sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI
combinado com os arts. 282, 295, todos do CPC, e anulados todos os efeitos das
decisões liminares proferidas;
b)
Caso sejam julgadas improcedentes as preliminares
alegadas pelos Réus, que reconsidere a primeira decisão liminar proferida, uma
vez que a suposta Autora não demonstrou os requisitos para a concessão de
medidas de urgência, quais sejam a fumaça do bom direito e o perigo da demora;
c)
Caso sejam julgadas improcedentes as
preliminares alegadas pelos Réus, que, no MÉRITO, seja julgada improcedente a
presente Ação de Reintegração de Posse da Sala BT-260 e, ao final, todos os
efeitos das decisões de urgência sejam eliminados, uma vez que os fatos
alegados na inicial são inverídicos e não atua o Centro Acadêmico contra o
interesse público da Universidade, ao contrário, reafirma o seu caráter público
e a ocupação de espaços dentro da Universidade é um direito instituído por lei;
Uma vez que se trata de Ação
dentro de outra Ação, sobre a Ação de Reintegração de Posse do Gabinete do
Reitor, requer:
d)
Em caso de julgamento improcedente das
preliminares alegadas em sede de Contestação, que, PRELIMINARMENTE, ou seja,
antes de analisar o mérito do aditamento promovido pela suposta Autora, que este
seja desconsiderado e retirado dos autos, uma vez que os Réus, ao peticionarem
no processo no dia 13 de setembro de 2013, já tinham sido citados antes mesmo
do novo pedido, ocorrido no dia 18 de setembro de 2013, tudo nos termos do art.
294 CPC;
e)
Caso sejam mantidos os pedidos ventilados por
ocasião do aditamento, que sejam julgados improcedentes por não guardarem qualquer
relação com a causa de pedir e com as partes nominadas na inicial da presente
Ação de Reintegração de Posse, bem como por toda argumentação supra;
f)
Em caso de julgamento improcedente das
preliminares alegadas em sede de Contestação e de ser acolhido o aditamento, que
seja, ao menos, reconsiderada a nova decisão liminar, tornando sem efeito
multas, obrigações de fazer e não fazer determinadas, uma vez que não está
demonstrada a fumaça do bom direito e o fundado receio da demora, sob pena de
nulidade processual grave;
Quanto a ambas as Ações, em caso de ser
mantida a Ação de Reintegração de Posse como uma grande ação em que possam
caber mais de uma causa de pedir e partes que não possuem identidade entre si:
g)
Que, ao final, seja julgada a Ação de
Reintegração de Posse improcedente em todos os seus termos, sendo anulados
todos os seus efeitos, incluindo-se aqueles produzidos por decisões liminares;
h)
Que seja concedido o benefício da justiça
gratuita, uma vez que são hipossuficientes integrantes de Programas de
Assistência Estudantil da UnB, como a suposta Autora mesmo reconhece na
inicial;
i)
Que seja condenada a suposta Autora em verbas de
sucumbência e honorários advocatícios;
j)
Que sejam julgados procedentes todos os pedidos
dispostos em sede de Contestação.
Protestam
provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos,
principalmente pelos documentos já acostados aos autos quando do pedido de
reconsideração, por novos documentos que vão acostados à presente peça e pela
prova testemunhal.
São os
termos em que pede e esperam deferimento.
Brasília
(DF), 30 de setembro de 2013.
__________________________________
KAROLINE FERREIRA MARTINS
OAB/MG
141.900
______________________________
ÉRIKA LULA DE MEDEIROS
OAB/DF 38.307
__________________________________________
JONATA CARVALHO GALVÃO DA SILVA
OAB/DF 40.699
______________________________________________
JÚLIO CÉSAR DONISETE SANTOS DE SOUZA
OAB/MG 124.405
___________________________________
JOSÉ HUMBERTO DE GÓES JUNIOR
OAB-SE
3.144
_________________________________
BRUNA DE FREITAS DO AMARAL
OAB/SP
339.012
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