segunda-feira, 30 de setembro de 2013

CONTESTAÇÃO PREPARADA PELA AJUP ROBERTO LYRA FILHO NA AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM OCUPAÇÃO DE SALA E DA REITORIA DA UnB



EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) DA 22ª VARA DA JUSTIÇA FEDERAL - SEÇÃO JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA - DF







Processo n.º 49035-89.2013.4.01.3400

HEITOR CLARO DA SILVA e TATIANA BERIOSKA POIATO VIEIRA, ambos já qualificados nos autos do processo em epígrafe que contra si é movido pela Fundação Universidade de Brasília, também qualificada nos autos, vêm, por seus advogados infrafirmados, apresentar CONTESTAÇÃO nos termos seguintes:

        
1.      DAS PRELIMINARES - DA INÉPCIA DA INICIAL E DA CARÊNCIA DA AÇÃO

Com base nos termos do art. 295, I, II, III, V e parágrafo único, I, II e III argumentos acima, é possível perceber que a inicial é inepta e a ação promovida carente. Ou seja, sem contar com a violação aos propósitos decorrentes da constitucionalização do processo, quais sejam, realizar direitos fundamentais, falta interesse de agir, há partes ilegítimas, o procedimento escolhido pela suposta Autora não corresponde à natureza da causa nem pode ser adequado, há falta de causa de pedir, da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão, o pedido é juridicamente impossível, devendo ser extinto o processo de acordo com o disposto no art. 267 CPC. Tudo de acordo com o que se vê adiante.


a)      DAS FUNÇÕES E PRINCÍPIOS DO PROCESSO

Ao se autonomizar do direito material, o exercício do direito de ação passou a se dar como chave de acesso à pretensão indicada pelo autor. Ou seja, para ser capaz, efetivamente, de garantir o acesso justo e a justiça do seu resultado, o processo é dotado de regras que devem ser seguidas por todas as pessoas que pretendam promover o direito de ação e pelos agentes do Poder em que este toma impulso.
Não cumprindo estas regras, que instituem também condições da ação previamente estabelecidas, ou desrespeitando as circunstâncias de promoção que devem ser conhecidas por todos, de modo a não haver de imediato desequilíbrio na disposição estatal sobre o direito dos cidadãos e das cidadãs, o processo deve ser extinto, conforme menciona o art. 267 do Código de Processo Civil.
Essa é uma maneira de ser o “jogo” conhecido por todas as pessoas, com efeito, produza isonomia para as partes e impeça o favorecimento de certas pessoas por meio de mudanças de regras ao sabor dos protagonistas do processo. Todos estão adstritos a isto, seja o magistrado ou magistrada que preside o feito, sejam as partes, que nele devem atuar com boa-fé, respeitando o direito e contribuindo para a manutenção da relação jurídico-processual.
Fazendo uma analogia com a chave e com a fechadura, o processo é uma chave de acesso para o provimento de direitos. Se a chave não é adequada para abrir uma fechadura, não pode ser esta a que se configura como necessária para dar acesso ao local pretendido ou a certo bem que se encontra separado do pretendente por uma porta fechada. Admitir a abertura da porta sem a chave correta é mesmo admitir como possível violar os códigos estabelecidos para a relação entre a chave e a fechadura. É como usar um grampo de cabelos para abrir um cadeado, admitindo que este meio seja um meio possível para dar acesso a espaço pretendido ou a bem que esteja separado de quem supostamente tenha direito de acessá-lo.
Isto porque, como linguagem por meio do qual se comunicam as partes entre si e com o órgão julgador, o processo é como uma gramática que define os parâmetros sob que se estabelecem as circunstâncias de disposição linguístico-comunicativa. Uma vez que suas regras deixam de ser observadas, não apenas a gramática foi desprestigiada. Foi rompido o elo ou o meio comum padrão que, independentemente da vontade pessoal dos litigantes ou de quem julga, deve se impor como caminho inevitável de encontro, como marco de comunicação conhecido, propagado e realizado por todos os protagonistas do processo. A adaptação de mecanismos, portanto, para fins distintos daqueles originalmente previstos, apenas excepcionalmente se justifica. Exatamente isso que se percebe em Direito Processual Civil para o rito. Este tem uma forma própria, sendo as mudanças rituais possíveis somente quando expressamente autorizados pelo Código de Processo Civil.
Após a Constituição de 1988, sobretudo, pela interpretação reiterada que vem sendo dada pela doutrina e pelos Tribunais Superiores quanto à constitucionalização do Processo Civil, este deve estar imediata e inescusavelmente ligado à realização de direitos fundamentais.
Com isso, muda-se igualmente a concepção de processo e de ação naquilo que se interpreta como seu princípio basilar e inextrincável, o Princípio do Devido Processo Legal. Para ser efetivo e realizar o desiderato constitucional, o processo é legal quando é legítimo, isto é, quando se relaciona com o princípio da efetividade dos direitos fundamentais; quando se torna meio de realização de direitos fundamentais.
Nesse sentido, processo efetivo é processo devido e processo devido é aquele que cumpre as regras processuais previamente estabelecidas para fazer cumprir os direitos fundamentais: dá-se em face de pessoa certa; admite as condições para o contraditório e a ampla defesa; é público; tem todos os seus agentes submetidos à Constituição ou à legalidade em geral. Tudo baseado em um critério material de validade: realizar direitos fundamentais.
Conforme anuncia Fredie Didier Jr., “o processo deve estar adequado à tutela efetiva dos direitos fundamentais (dimensão subjetiva do devido processo legal) e, além disso, ele próprio deve ser estruturado de acordo com os direitos fundamentais (dimensão objetiva do devido processo legal)”. Isto porque, “as normas que consagram direitos fundamentais têm aplicação imediata (art. 5º, § 1º, Constituição Federal de 1988), obrigando o legislador a criar normas processuais em conformidade com elas e, ainda, adequadas à tutela das situações jurídicas ativas (principalmente os direitos fundamentais).”
Continua Fredie Didier Jr: “Sucede que as normas relativas a direitos fundamentais também obrigam o magistrado, que deverá proceder ao controle de constitucionalidade difuso das normas processuais quando, em um caso concreto, perceber que uma delas viola a pauta normativa constitucional. Daí surge o princípio da adequação judicial das normas processuais, que está intimamente relacionado ao controle de constitucionalidade das leis no momento da aplicação (controle incidental e concreto) e à teoria dos princípios e dos direitos fundamentais, que pregam a eficácia imediata e direta dessas normas. (...) Encaradas as normas constitucionais processuais como garantidoras de verdadeiros direitos fundamentais processuais, e tendo em vista a dimensão objetiva já mencionada, tiram-se as seguintes consequências: a) o magistrado deve interpretar esses direitos como se interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a dar-lhes o máximo de eficácia; b) o magistrado poderá afastar, aplicado o princípio da proporcionalidade, qualquer regra que se coloque como obstáculo irrazoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental; c) o magistrado deve levar em consideração, “na realização de um direito fundamental, eventuais restrições a este impostas pelo respeito a outros direitos fundamentais.” (Curso de Direito Processual Civil. Vol 1, p. 210-211).
No caso em tela, o que se observa é que o processo configurado para movimentar Ação de Reintegração de Posse, fundada em direito real, de acordo com as classificações previstas no art. 94 CPC, está sendo utilizado para impedir o exercício do direito à educação superior que tem como um de seus elementos a participação, a organização em Centros e Diretórios Acadêmicos e a utilização do espaço universitário para a propagação de ideias e, pela via transversal, a realização dos direitos fundamentais de manifestação, de organização, de associação política para fins pacíficos. Não pode o Judiciário e/ou o processo ser meio de violação de direitos. Ao contrário, nos termos da Constituição e do Código de Processo Civil, a razão de ser do processo é sempre a de realizar direitos fundamentais.
Portanto, deve ser extinta a presente ação por descumprir os propósitos constitucionais do processo, depreendidos do art. 5º da CF/1988.

b)     DA FALTA DE INTERESSE DE AGIR

Para ser devido e efetivo, o processo deve reunir como condição maior do interesse de agir, que é considerada por Fredie Didier como condição da ação rigorosamente considerada, tendo em vista que a legitimidade ad causam e a possibilidade jurídica do pedido são nuances daquela (Curso de Direito Processual Civil. Vol 1, p. 210-211), a adequação da ação à necessidade de existência da demanda judicial e à adequação dos pedidos ao rito em que se processa com vistas a atender o pedido atendido sem que haja desrespeito a direitos fundamentais.
Especificamente sobre a falta de interesse de agir, é importante perceber que o interesse processual não se configura somente pela necessidade de ir a juízo, mas também pela utilidade do provimento que se deseja, de acordo com o que o autor da ação apresenta, para corrigir o que se aponta como indevido. Se pelas condições da parte, esta deveria invocar o direito utilizando um instrumento e opta por outro, que não lhe oferece a possibilidade de aceder ao que alega ter direito, não terá preenchido a condição da ação de indicar interesse processual, devendo a autoridade judiciária extinguir o processo sem julgamento do mérito.
Pois, para se configurar o interesse de agir é preciso preencher o duplo requisito da utilidade ou necessidade e adequação.  No caso em tela, a suposta Autora, para reaver sala (BT – 260 do Instituto Central de Ciências) sobre a qual expressamente afirma na folha 04 dos autos ter propriedade, promove equivocamente Ação de Reintegração de Posse, inadequada para defender a propriedade. Para este objetivo, o rito correto seria o rito ordinário da Ação Reivindicatória, ainda sim, se existisse no direito brasileiro o conceito de propriedade ou posse pública.
Nos termos da Constituição (art. 20), são bens públicos que, por estarem sob outro regime e outra natureza jurídica, não podem ser usucapidos (arts. 83, § 3º, e 102 CF/1988). Se não podem ser usucapidos, não podem ser passíveis de domínio privado ou do animus que só sobre a propriedade e/ou a posse privadas pode ser expressado em determinadas circunstâncias, efetivamente distintas da ocupação de sala de uma universidade pública por um Centro Acadêmico ou de uma reitoria por estudantes desta mesma universidade que desejam protestar contra aspectos incongruentes da política educacional.
No primeiro caso (ocupação da sala BT-260), a vontade é de fazer valer o caráter público do espaço acadêmico, de realizar esse espaço com atividades que se integram ao fazer universitário. No segundo caso (ocupação da sala do gabinete do reitor), a vontade é de protestar, de exigir direitos. Em nenhuma circunstância, há o elemento caracterizador da posse como expressão da propriedade, isto é, a ocupação com a vontade de se apropriar para fazer valer o interesse privado manifestado pelo uso, gozo e fruição, bem assim, de dispor livremente do bem.
Reunindo estas circunstâncias ao fato de que o art. 295, V, do Código de Processo Civil considera inepta a inicial quando o tipo de procedimento escolhido pelo autor não corresponde à natureza da causa e não pode ser adequado de oficio pelo juízo, é possível se perceber que a Ação intentada é carente de interesse de agir por incompatibilidade de rito e impossibilidade de adequação para atender à pretensão da suposta Autora nos termos do Código de Processo Civil. Pois, embora não se considere haver posse ou propriedade pública e, por conseguinte, seja impossível alegar a propriedade ou a posse pública, também não se pode alegar a propriedade em ação que visa à defesa da posse, conforme expressamente o Código de Processo Civil dispõe em seu art. 923.
Por se tratar o debate de propriedade dependente de uma ação ordinária de cunho reivindicatório e o debate de posse restrito ao âmbito das ações possessórias, de procedimento especial, o que se tem é uma incompatibilidade insanável de ritos, que foi violada pela suposta Autora. Portanto, os pedidos da suposta Autora não podem ser atendidos por deixar de atender a regra cogente de Direito Processual Civil no que concerne ao instrumento de defesa do que se alega como direito de propriedade alegado pela suposta Autora. O instrumento indicado não pode ser utilizado para o processamento do feito, devendo imediatamente ser extinto.
Este instrumento se torna ainda mais inadequado quando se percebe que admite duas circunstâncias que, por sua vez, geram duas causas de pedir distintas e também dois pedidos diversos, impossíveis de serem promovidos no mesmo feito. Explicam os Réus.
Quando da interposição da presente Ação de Reintegração de Posse, o que se alega é a ocupação de uma sala, cujo fim seria a instalação de um Centro Acadêmico. O pedido especificamente dirigido ao Juízo era o de desocupar a sala do Centro Acadêmico de Assistência Estudantil para “devolvê-la” à UnB e, por conseguinte, ao Instituto de Física. Essas circunstâncias são distintas daquelas que motivaram o novo pedido feito ao Juízo para desocupação da Reitoria da Universidade.
Se antes o motivo imediato para a ocupação da sala BT-260 era fazer cumprir normas internas e leis que garantem o direito de os Centros e Diretórios Acadêmicos terem suas sedes dentro das Universidades, agora, com a ocupação da Reitoria o motivo imediato era o protesto pela atitude ilegal da suposta Autora. A intenção desta última ação era afirmar ao Reitor o descontentamento pelo trato do espaço universitário como coisa privada, por sua atuação em descompasso com o interesse público ao fazer a Ação de Reintegração de Posse contra um Centro Acadêmico. Frise-se, a ocupação de Reitoria nem é produzida pelo mesmo grupo que ocupava a sala BT-260. Vários estudantes que não estavam na ocupação anterior se dirigiram à Reitoria, enquanto muitos que estavam na sala BT-260 preferiram evitar participar da ocupação da Reitoria, sendo impossível falar em identidade de partes e causa de pedir.
Em outras palavras, diante do pedido posterior à citação dos Réus, fundado em circunstâncias fáticas diversas das que motivaram o pedido inicial, o que se vê é uma nova causa de pedir e um novo pedido, que extrapola o objeto da ação. Na prática, a suposta Autora ajuizou uma ação nova, com objeto novo, mas utilizando-se de uma peça incidental do interior de uma ação de reintegração de posse já existente (que, observando bem, já tivera seu mérito decidido na decisão preliminar), além de emendar a inicial após citação dos réus, o que é expressamente defeso à luz da legislação processual pátria, o que será melhor argumentado a seguir.  
Além disso, não poderia a suposta Autora ampliar indevidamente o escopo da Ação de Reintegração de Posse anteriormente promovida por não haver identidade de partes e de causas de pedir. A única solução possível seria promover uma nova ação. Uma demanda não pode expressar ao mesmo tempo duas causas de pedir distintas, que se tornam incompatíveis entre si por suas causas geradoras e que permitem indevidamente atribuir responsabilidades a pessoas quem nem estiveram no local, como é o caso dos Réus Heitor e Tatiana. Estes não participaram da ocupação da Reitoria e, em seu nome, não se poderia promover a intimação das partes envolvidas nesta, que, em lugar de se integrar a uma nova demanda, amplia a primeira.
Existe interesse de agir quando a providência jurisdicional invocada é cabível à situação concreta da lide, de modo que o pedido apresentado ao juiz traduza formulação útil, no sentido de adequado, à satisfação do interesse contrariado, não atendido. Interesse de agir significa existência de pretensão objetivamente razoável, uma vez que a pretensão ajuizada deve ter fundamento razoável e ser viável. Se o meio e a forma processual adotados são inadequadas, a decisão que porventura seja proferida nesse feito, também será, porque não será útil para atender aos propósitos que o instrumento indica como possíveis resultados de sua invocação.
Evidente, não há necessidade de se movimentar a máquina judicial para desocupar uma sala que está sendo utilizada por estudantes, que, juntamente com professores e servidores técnico-administrativos, integram a comunidade acadêmica e contribuem para a realização da condição de ser da própria Instituição Pública de Ensino Superior, conforme se verá adiante, na direção do que afirmam as normas internas da Universidade de Brasília e outras Leis, que permitem que Centros e Diretórios Acadêmicos se instalem no espaço da Universidade.
A ação de Reintegração de Posse não é útil ou necessária para suprir uma deficiência de gestão quanto à distribuição adequada das salas da universidade tão necessárias às atividades todas promovidas pelos integrantes da comunidade acadêmica. Professores, servidores técnico-administrativos e estudantes têm todos o direito de usufruir destes espaços pedagógicos e fazer deles seu lugar de formação por meio da convivência, do estudo, do encontro de saberes e da organização política para defender ideias, promover debates sobre escolhas administrativas da universidade e sua adequação às funções filosóficas, jurídicas, pedagógicas e políticas da universidade. São também estes lugares, juntamente com outros, em caso de desvio por parte da administração universitária, que propiciam a mobilização da comunidade acadêmica para o debate sobre os rumos da instituição de ensino superior, o debate de ideias, para manter a comunidade alerta e organizar as pessoas para reivindicar direitos.
Ainda que os Réus que aqui se pronunciam não tenham participado da ocupação da Reitoria, é importante frisar que a Ação de Reintegração de Posse não é útil, por que não adequada, para confrontar o direito de manifestação, bem assim, para que, com a ampliação indevida do escopo inicial da demanda, negue a própria Ação. Isto porque, se a demanda, tal qual exposta no início, tinha o condão de impor aos Réus, conhecidos ou não, que deixassem um local específico, a sala BT-260, que deveria ser a sede da AMCEU/CASSIS, com a ampliação da demanda por motivos diversos dos que ensejaram a ocupação anterior, o que se tem não é apenas a mudança do objeto da demanda, para que se cesse a manifestação política na Reitoria, mas uma transformação da própria natureza da demanda com um pedido de tutela inibitória que impede que os estudantes possam ter sua sede em qualquer outro espaço da universidade. Ou seja, sob o rótulo Ação de Reintegração de Posse, a suposta Autora faz uma confusão jurídica que não pode ser suprida, ainda que se procurem abstrair os acontecimentos para anular as diferenças de causas de pedir, com efeito, se configure a necessidade de outra demanda para o pleito do novo pedido.
A Ação de Reintegração de Posse, igualmente, não é útil ou necessária a um propósito que parece estar presente no seu contexto de promoção, a defesa do interesse público secundário, ou seja, aquele que, embora seja pessoal do administrador, aparece travestido como o próprio interesse público, valendo-se dos meios e condições especiais de proteção concedidas ao Poder Público.
Sobre a distinção entre interesse público primário e secundário, Celso Antônio Bandeira de Melo, em seu Curso de Direito Administrativo, aponta o interesse secundário como aquele que representa o interesse próprio do administrador ou do Estado enquanto outra pessoa qualquer, independente dos interesses públicos primários, do que a lei indica como interesses da coletividade, que é “a observância da ordem jurídica estabelecida a título de bem curar o interesse de todos” (p. 72).
Complementa Bandeira de Mello:

Por isso os interesses secundários não são atendíveis senão quando coincidem com interesses primários, únicos que podem ser perseguidos por quem axiomaticamente os encarna e representa. Percebe-se, pois, que a Administração não pode proceder com a mesma desenvoltura e liberdade com que agem os particulares, ocupados na defesa das próprias conveniências, sob pena de trair sua missão própria e sua própria razão de existir. (...) as prerrogativas inerentes à supremacia do interesse público sobre o interesse privado só podem ser manejadas legitimamente para o alcance de interesses públicos; não para satisfazer apenas interesses ou conveniências tão-só do aparelho estatal, e muito menos dos agentes governamentais (p. 73).

É do interesse da coletividade, ao contrário, enquanto comunidade acadêmica e da própria universidade, porque ínsita ao seu desempenho ordinário de atividades e das funções públicas que carrega consigo, ver-se a distribuição de salas para o desempenho de todas as atividades legítimas e reconhecidas em lei, como o direito de se organizar para defender a universidade e reivindicar direitos frente ao administrador da entidade pública. Isso não pode ser atacado nem pela via transversa, que é o que representa a Ação de Reintegração de Posse.
Principalmente, após já estar expressado, por diversos meios, matérias jornalísticas no portal da UnB, Circular n.º 7/DAC, de 07 de abril de 2011, que garante espaço para a AMCEU/CASSIS no Instituto Central de Ciências, Resolução nº 06/2008, do Conselho de Administração, que prevê consulta à AMCEU/CASSIS sobre questões de residência universitária, sem falar em disposições legais, o interesse público e as escolhas administrativas quanto ao modo de tratamento do espaço da universidade para os Centros e Diretórios Acadêmicos.
Não pode o reitor, em direta afronta às normas internas e aos princípios públicos que regem o funcionamento de uma universidade, usar uma Ação de Reintegração de Posse para impor sua vontade pessoal quanto ao uso do espaço acadêmico e afastar da gestão o dever de discutir e realizar as normas de distribuição de salas constituídas pela própria universidade. Da mesma forma, por não ser útil e necessário ao propósito apontado pelo administrador, nos termos já demonstrados quanto à falta de interesse de agir, não poderia este Juízo ter recebido a inicial e deferir uma liminar de reintegração de posse que não existe de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, que não serve ao que pretende a reitoria, supostamente encarnando em si os interesses da Fundação Universidade de Brasília para violar direitos, não só dos estudantes, como de toda a comunidade acadêmica.
Na pior das hipóteses, essa desocupação poderia ser conseguida administrativamente por meio de negociação, apontando-se outro local para sediar a AMCEU/CASSIS, que está sob amparo da Lei 7.395/1985 (art. 4º) e do Estatuto da Juventude (Lei 12.852/2013 – art. 5º, parágrafo único, art. 12), que asseguram aos estudantes de nível superior o direito de se organizarem por meio de Centros e Diretórios Acadêmicos, com o devido respeito e incentivo por parte das Instituições de Ensino a sua autonomia, organização e participação.
Afinal, qual a necessidade de uma ação judicial que busca reaver um bem público que nunca foi tomado de quem lhe pertence?
Por outro lado, se é um dever do Poder Público incentivar a livre associação dos jovens; se é um dever do Poder Público garantir a participação efetiva dos jovens nas instâncias deliberativas das universidades; se é um dever das universidades formular e implantar medidas de democratização do acesso e permanência, inclusive programas de assistência estudantil, ação afirmativa e inclusão social, não é direito se organizar no espaço da universidade para pleitear que estas obrigações sejam cumpridas? Não é criando associações que se enraízam e legitimam na universidade que isso pode ser feito?
Evidente que sim! É ínsito a tudo isso o dever da Administração da Universidade se organizar para melhor atender aos anseios de distribuição de salas para os estudantes e para toda a comunidade acadêmica. Essa obrigação não deve e não pode ser atacada por uma Ação de Reintegração de Posse, sobretudo quando estas disposições legais já estão regulamentadas por instrumentos normativos internos da Universidade e estes impõem à Instituição de Ensino a obrigação de garantir às organizações estudantis o seu direito de ter uma sede e de ocupar o espaço da universidade.
Mesmo mantendo-se na sala, por disposição constitucional e legal, esta sempre e inevitavelmente integrará o bem público, nunca deixará de ser da UnB. Por isso igualmente a suposta Autora não demonstra necessidade/utilidade para o seu pedido de Reintegração de Posse de uma sala que nunca foi nem será perdida pela universidade, como não demonstra a utilidade da ampliação da Ação de Reintegração de Posse desta sala para a Reitoria e para impedir que o Centro Acadêmico possa ter sua sede na UnB, sem que isso prejudique ou crie responsabilidades para partes que não se confundem nos dois pedidos realizados no âmbito da Ação em curso.

c)      DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

Quanto à impossibilidade jurídica do pedido, pode-se afirmar que esta se dá pela ausência de esbulho, da inadequação da via eleita pela Autora para proteger supostamente seu direito de propriedade.
Os Centros Acadêmicos são órgãos representativos do corpo discente da Universidade, que buscam articular os interesses dos estudantes e promover sua participação nos espaços institucionais. Dessa forma, atuam como instrumentos para atender às finalidades de inserção cidadã da Universidade. A Lei n. 7.395/1985 assegura, em seu art. 4º, o direito das estudantes de organização em Centros Acadêmicos como entidade representativa, e é nesse sentido que a AMCEU/CASSIS se faz reconhecida como entidade estudantil devidamente legitimada pela FUB e pelos estudantes enquanto instância de defesa dos interesses de estudantes de baixa renda.
Tentando fazer valer seus direitos assegurados pelo Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES, instituído pelo Decreto 7.234/2010, estudantes organizados por meio da AMCEU/CASSIS, após inúmeras promessas infrutíferas por melhoras da Reitoria da Universidade de Brasília, decidiram ocupar o espaço da sala BT-260. Para tanto, foi feita uma avaliação da adequação do local, conforme será explicado adiante.
A ocupação se mostrou uma medida necessária e proporcional para a concentração dos estudantes e para sua organização. Não há animus domini por parte dos integrantes da AMCEU/CASSIS, que não desejam ocupar o espaço para, como donos, fazer dele um lugar seu, com exclusividade e disposição próprias dos institutos da posse e da propriedade privadas.
Tampouco houve, em qualquer momento, a intenção por parte da AMCEU/CASSIS de exercer detenção sobre bem publico. Trata-se aqui do direito de ocupar o espaço acadêmico para realizar nele o desiderato da universidade, além do livre exercício de manifestação da indignação dos estudantes ante a conduta omissa da reitoria quanto à realização das normas de ocupação de salas da universidade para o desempenho das atividades próprias do mundo acadêmico.
Evidente, quando se faz isso, em nenhum momento, a sala deixa de ser bem público vinculado a Universidade de Brasília. Apenas, como aconteceu com quase todos dos 52 (cinquenta e dois Centros Acadêmicos), toma uma destinação, igualmente, pública, consoante com o que dizem as Leis 7.395/1985 (art. 4º) e 12.852/2013 (art. 5º, parágrafo único, art. 12), bem como o Decreto 7.234/2010, que estabelece à Política Nacional de Assistência Estudantil.
Não se trata, portanto, de esbulho, como alega a suposta Autora, pois a comunidade acadêmica e a FUB não se veem privadas da sala BT-260. Ao contrário, o que se vê é que o espaço foi democratizado e a atuação dos estudantes reafirma o interesse público e o caráter de instituição pública da UnB.
Se os estudantes ocupam uma sala para dar a ela destinação de interesse da coletividade universitária, em consonância com os dispositivos e instrumentos legais citados, não há que se falar em prejuízo à comunidade acadêmica (fl. 04) e muito menos em estarmos diante de um “problema institucional” (fl. 04). Especialmente porque a sala sempre e inevitavelmente integrará o bem público. Nunca deixará de ser da UnB.
Como observa com muita lucidez Ricardo Antonio Arcoverde Credie ("As ações de manutenção e imissão de posse", RePro n° 22, p. 62), "em muitos casos, pode ocorrer que a turbação ou esbulho inexistam". É precisamente o caso dos autos, maxime se levarmos em consideração que a ocupação da sala BT-260 é uma forma de fazer cumprir a função pública do espaço acadêmico e a ocupação da Reitoria que, embora não seja promovida pelos Réus, tem a finalidade de exercer pressão social e dar visibilidade à luta pelo cumprimento aos princípios constitucionais que regem o direito à educação (acesso e permanência). Tudo na conformidade do que, brilhantemente, já percebera o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, do E. Superior Tribunal de Justiça, em voto proferido no julgamento do HC n° 4399-SP, 96/0008845-4, 6a Turma, unân., j. 12.3.96, ao afastar o cometimento de esbulho em caso semelhante ao ventilado nos autos:

"Invoque-se a Constituição da República, especificamente o Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira - cujo Capítulo II registra como programa a ser cumprido a - Reforma Agrária (art. 184 usque 191). Evidente, essa norma tem destinatário. E como destinatário, titular do direito (pelo menos - interesse) à concretizacão da mencionada reforma. A demora (justificada, ou injustificada) da implantacão gera reações, nem sempre cativas à extensão da norma jurídica. A conduta do agente do esbulho possessório é substancialmente distinta da conduta da pessoa com interesse na reforma agrária. (...) No esbulho possessório, o agente dolosamente, investe contra a propriedade alheia, a fim de usufruir um de seus atributos (uso). Ou alterar os limites do domínio para enriquecimento sem justa causa. No caso dos autos, ao contrário, diviso pressão social para concretização de um direito (pelo menos - interesse). No primeiro caso, o contraste de legalidade compreende aspectos material e formal. No segundo, substancialmente, não há ilícito algum. Formalmente, e só nesse nível, poder-se-á debater o modus faciendi" [sem grifos no original].

A analogia das situações é evidente, pois a AMCEU/CASSIS, com a ocupação da Sala BT-260 e, depois da primeira decisão liminar de reintegração de posse, com a ocupação da Reitoria por estudantes diversos da UnB, não necessariamente ligados à AMCEU/CASSIS, apenas se busca que a reitoria da Universidade faça valer os direitos dos estudantes à assistência estudantil, moradia e saúde, direitos estes garantidos pela PNAES, inexistindo, evidentemente, animus domini dos estudantes em relação aos locais ocupados. Não há qualquer relação entre as ocupações e o objeto da ação de reintegração de posse, que é o meio adequado para reverter o esbulho possessório, a imersão clandestina e violenta na posse com intenção de tornar-se dono e utilizá-la com fins privados, particulares.
De modo semelhante, decidiu o eminente Juiz da 8ª Vara Federal de Minas Gerais em ação de reintegração de posse proposta pelo DNER contra um grupo de trabalhadores rurais sem terra:

"... quando a lei regula as ações possessórias, mandando defenestrar os invasores ( arts. 920 e segts. do CPC), ela - COMO TODA LEI - tem em mira o homem comum, o cidadão médio, que, no caso, tendo outras opções de vida e de moradia diante de si, prefere assenhorar-se do que não é dele, por esperteza, conveniência, ou qualquer outro motivo que mereça a censura da lei e, sobretudo, repugne a consciência e o sentido do justo que os seres da mesma espécie possuem. Mas este não é o caso no presente processo. Não estamos diante de pessoas comuns, que tivessem recebido do Poder Público razoáveis oportunidades de trabalho e de sobrevivência dignas (v. fotografias). Não. Os "invasores" (propositadamente entre aspas) definitivamente não são pessoas comuns, como não são milhares de outras que "habitam" as pontes, viadutos e até redes de esgoto de nossas cidades. São párias da sociedade (hoje chamados de excluídos, ontem de descamisados), resultado do perverso modelo econômico adotado pelo país. Contra este exército de excluídos, o Estado (aqui através do DNER) não pode exigir a rigorosa aplicação da lei ( no caso, reintegração de posse), enquanto ele próprio - o Estado não se desincumbir, pelo menos razoavelmente, da tarefa que lhe reservou a Lei Maior. Ou seja, enquanto não construir - ou pelo menos esboçar - "uma sociedade livre, justa e solidária" (CF, art. 3º, I ), erradicando " a pobreza e a marginalização" (nº III), promovendo "a dignidade da pessoa humana" (art. 1º, III ), assegurando "a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social " (art. 170), emprestando à propriedade sua " função social " ( art. 5º, XXIII, e 170, III), dando à família, base da sociedade, "especial proteção" (art. 226), e colocando a criança e o adolescente " a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, maldade e opressão" (art. 227), enquanto não fizer isso, elevando os marginalizados à condição de cidadãos comuns, pessoas normais, aptas a exercerem sua cidadania, o Estado não tem autoridade para deles exigir - diretamente ou pelo braço da Justiça - o reto cumprimento da lei."


 Demonstrada a ausência de esbulho, juntamente com as expressas disposições de lei, o que se percebe é que a Autora promove ação cujo pedido é juridicamente impossível, como é igualmente carecedora de interesse de agir.
Pode-se mesmo falar de falta de causa de pedir, porque não há como se deduzir uma relação entre o direito substancial e o processo, porque a ordem jurídica nega que os fatos como alegados e pelo meio utilizado pela suposta Autora possam gerar direitos.
Ante este impasse, a reintegração de posse também se mostra uma medida desnecessária e inadequada. O direito substancial invocado pela suposta Autora não pode ser protegido pelo meio utilizado e o meio utilizado não é adequado para atender a pretensão indicada pela suposta Autora. Não há nos fatos, tal como alegado, a demonstração de uma relação jurídica que permita o resultado esperado. Fala-se em esbulho, quando, em verdade, a sala nunca deixou de ser da Universidade. Portanto, não há possibilidade de se formar uma relação jurídica entre a universidade e os supostos réus que permita a ação de reintegração de posse. Fala-se em esbulho, no caso da ocupação da Reitoria, que seria merecedora de uma nova ação, quando o que se tinha era uma manifestação política que não foi promovida pelos mesmos Réus.
Como dito acima, só o fato de a Autora alegar a propriedade e requerer uma medida possessória, por si só, já seria suficiente para que este Juízo indeferisse a inicial. Para a defesa da propriedade, o rito correto seria o rito ordinário da Ação Reivindicatória, ainda sim, se existisse no direito brasileiro o conceito de propriedade ou posse pública, não o rito especial da Ação de Reintegração de Posse, que discute o instituto da posse.
O que se percebe na ação é uma incompatibilidade insanável de ritos, que só pode ser sanada com a extinção do feito.
Mais uma vez, embora não tenham os Réus Heitor e Tatiana participado da ocupação da Reitoria, também há inadequação do rito pela opção em opor uma ação própria para a defesa de direito real com o intuito de impedir ou limitar o exercício de direito pessoal, que é o direito de manifestação e de reivindicação. Após a Constituição de 1988, sobretudo, pela interpretação reiterada que vem sendo dada pela doutrina e pelos Tribunais quanto à constitucionalização do Processo Civil, este deve estar imediata e inescusavelmente ligado à realização de direitos fundamentais, tais como o direito de manifestação, o direito de organização, ambos ínsitos ao direito ao acesso e permanência no ensino superior. Não pode haver o contrário, a interposição de Ação para impedir a realização de direitos fundamentais.


d)     DA AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM

Pode-se dizer que a Ação de Reintegração de Posse e seu posterior pedido de aditamento são promovidos por pessoa inexistente, a Fundação Universidade de Brasília.
A transformação de Universidades Públicas em Fundações se deu a partir da Reforma Administrativa de 1967, como forma de constituir a progressiva desobrigação do Estado em relação ao financiamento da Educação, embora mantivesse para o chefe do Executivo Federal o direito de nomear dirigentes sem consulta à comunidade universitária.
As Fundações, diferentemente das Autarquias, possuem “autonomia” na obtenção de recursos próprios pela prestação de serviços remunerados por parte das universidades, bem assim, autonomia na organização e ordenação de gastos, semelhante ao que fazem as empresas privadas. Portanto, submetidas ao direito privado, poderiam as Fundações decidir sobre os recursos, mesmo, incrementar sua folha de pagamento e/ou ter sua própria política salarial; contratar “livremente” seus professores e técnicos, diferente das Autarquias que deveriam seguir um padrão administrativo-financeiro.
Esta estratégia, que foi utilizada lenta e progressivamente pelos governos militares para transformar as Autarquias universitárias em Fundações, atenderia perfeitamente aos ditames da “Universidade-empresa”, propostos pela Reforma Administrativa de 1967, que depois foi incorporada às universidades pela Reforma do Ensino Superior de 1968.
Era uma forma de centralização de poder com desobrigação de dever. Era uma forma de gradativamente fazer a universidade brasileira perder o seu caráter público colocando-se a serviço do interesse econômico privado, assumindo feições que combinassem melhor com esse propósito. Por exemplo, ao obter financiamento externo, deveria fazer integrar-se à sua administração um conselho de curadores formado por empresas financiadoras que deveriam fiscalizar o uso dos recursos segundo os interesses privados.
Como afirma Celso Antônio Bandeira de Mello:

O que se passou no Direito brasileiro é que foram criadas inúmeras pessoas designadas como “fundações”, com atribuições nitidamente públicas, e que, sob este aspecto, em nada se distinguiam das autarquias. O regime delas estaria inevitavelmente atrelando-as às limitações e controles próprios das pessoas de Direito Público. Entretanto, foram batizadas de pessoas de Direito Privado apenas para se evadirem destes controles moralizadores ou, então, para permitir que seus agentes acumulassem cargos e empregos, o que lhes seria vedado se fossem reconhecidas como pessoas de Direito Público. (Curso de Direito Administrativo, 25 ed., p 183-184).

Com o RE 101.126/RIO DE JANEIRO, relatado pelo Min. Moreira Alves e julgado em 24 de outubro de 1984 pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, não existem Fundações-Universidades. As universidades foram re-autarquizadas, dada a impropriedade em se falar em fundação de direito público (toda fundação é forma civil, isto é, de direito privado).
O mesmo foi reafirmado com o REsp 204.822/Rio de Janeiro, relatado pela Min. Maria Thereza de Assis Moura e julgado em 26 de junho de 2007.
  Em síntese, se as Fundações-Universidades foram abolidas, se estas simplesmente não existem, não poderia a Fundação Universidade de Brasília atuar como Autora da presente Ação de Reintegração de Posse. Isto é, há uma flagrante ilegitimidade ativa, configurada não apenas pela participação de pessoa jurídica de direito privado, em tese, defendendo interesses que não lhe são próprios, mas porque esta pessoa jurídica já não mais existe por força de decisões do STF e do STJ, as quais interpretam a Constituição e outras normas do ordenamento jurídico brasileiro.
Por mais este motivo, deve ser extinta a presente Ação.

e)      DA AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM

A suposta Autora optou por situar no polo passivo do feito, além dos estudantes Heitor Claro da Silva e Tatiana Berioska Poiato Vieira, a figura genérica de “DEMAIS OCUPANTES”, designação comumente usada por Autores que querem se esquivar de identificar todos os sujeitos, que segundo o próprio relato, deveriam integrar o polo passivo da Ação. Isso, mesmo sendo uma condição fundamental segundo a Teoria Geral do Processo e disposições expressas no art. 282, II, CPC, identificar e individualizar as partes envolvidas em um litígio.
Enquanto pertinência subjetiva da demanda, a legitimidade não pode ser genérica ou incerta para não haver prejuízo a quem deva efetivamente ser alcançado e deva se defender, no caso do polo passivo. Sabe-se que a citação é elemento indispensável de toda a demanda e, para que se efetue, o réu há de ser individualizado.
É sabido que há entendimento já sedimentado do E. Superior Tribunal de Justiça – STJ, de que em casos envolvendo ocupação de propriedade por grande número de pessoas, é até possível compreender que não se faça a identificação e a qualificação de todos os evolvidos para que se dê efetivamente a citação de cada um dos réus individualmente. Isto porque, em geral, tal entendimento é aplicado a ações em que se alega esbulho possessório como prática de uma quantidade incerta e incomensurável de agentes.
Não é o caso da situação exposta na presente ação. A ocupação da sala BT-260 é feita por estudantes matriculados na Instituição e em quantidade, segundo o que indica a Autora na fl. 04 da inicial, de 15 (quinze) estudantes, o que demonstra ser perfeitamente possível sua identificação e individuação no polo passivo. Ou seja, não se tratam de sujeitos estranhos e incertos para a Autora, que detém documentos e tem feito reuniões frequentes com os ocupantes. Portanto, neste caso, seria uma obrigação inescusável da suposta Autora a devida individualização e qualificação das partes a figurarem no polo passivo para que tivessem o direito de exercício ao legítimo direito de defesa e à garantia de um processo devido.
Principalmente para, como ocorre a partir do segundo pedido liminar feito pela suposta Autora no processo, não sejam os Réus nomeados e individuados tidos como responsáveis por atos que não deram causa.
Frise-se, a ocupação da Reitoria é fato diverso da ocupação da sala BT-260. Distingue-se em seus motivos e em seus agentes, condições se obscurecem ante a falta de nomeação e a abstração dos fatos geradores de tais movimentos, induzindo este Juízo a agir contra os Réus da primeira ação judicial como se estes se confundissem com o polo passivo da segunda ação, inserida equivocadamente na primeira.
O fato é que, frise-se, além de não haver identidades de objetos nos dois pedidos realizados no bojo da presente Ação de Reintegração de Posse, também não há identidade partes. Os agentes da ocupação da Reitoria não se confundem com os 15 (quinze) estudantes que, segundo a suposta Autora, ocupavam a sala BT-260. São estudantes diversos que promoveram a ocupação da Reitoria em protesto por algo que só havia acontecido na UnB durante a ditadura militar, a saber, a colocação da polícia no Campus Darcy Ribeiro, em meio a outra atitude não mesmo desrespeitosa a toda a comunidade universitária constituída pela Ação de Reintegração de Posse contra um Centro Acadêmico formado pelos estudantes mais economicamente vulneráveis da Universidade.
Não custa repetir, além de não poder a suposta Autora ampliar indevidamente o escopo da Ação de Reintegração de Posse anteriormente promovida com uma nova causa de pedir, não poderia furtar-se da responsabilidade de individuar os ocupantes de um e outro espaço utilizando tão-somente o rótulo “DEMAIS OCUPANTES”, constante da peça inicial, para configurar em face de quem se dirigia a Ação de Reintegração de Posse.
Com esse mecanismo ilegal, ampliou o polo passivo da demanda confundindo o Juízo quanto aos responsáveis por uma e outra ocupação e gerou a possibilidade de indevidamente atribuir responsabilidades a pessoas quem nem estiveram no local, como é o caso dos Réus Heitor e Tatiana. Estes não participaram da ocupação da Reitoria e, em seu nome, não se poderia promover a intimação das partes envolvidas nesta última, que era uma nova ocupação, com novos e distintos participantes.
Da mesma forma, não poderiam estes responder por uma multa a ser aplicada em caso de desrespeito à ordem judicial. A uma, por serem hipossuficientes mantidos por políticas de assistência estudantil da Universidade e não terem recursos financeiros para dispor de um valor como este sem comprometer a própria sobrevivência e o exercício do seu direito à educação; a duas, por não participarem e não terem relação imediata com a ocupação da Reitoria.
Se não tem como saber quem são os responsáveis por uma e outra ocupação, correndo-se o risco de imputar aos únicos dois estudantes mencionados na Ação, que não estavam na ocupação da Reitoria, responsabilidades indevidas ensejadas por situação que não deram causa, não é possível que o presente feito prossiga, sobre pena de ferir de morte o Direito Processual Civil brasileiro.
Individuar os Réus é uma condição necessária para o estabelecimento da relação processual. Estando esta obrigação processual descumprida, este Juízo está diante de uma nulidade insanável conforme o art. 282, II, do diploma processual civil. Isto é, sendo impossível a participação de sujeitos genéricos no processo, especialmente, nas circunstâncias específicas do caso concreto, há que se extinguir o presente feito por falta de legitimidade passiva ad causam dos “DEMAIS OCUPANTES”, assim genericamente dispostos na inicial.

f)       DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DE LIMINAR

Observado o pedido promovido pela suposta Autora, é possível afirmar que lhe cabe comprovar a existência de esbulho, bem assim, a fumaça do bom direito e o perigo da demora, que devam funcionar como elementos fundamentais para o convencimento do magistrado na concessão de liminares. Pois, o pleito de urgência deve estar embasado em requisitos essenciais informadores das medidas de urgência.
Em nenhum momento, porém, a suposta Autora versou sobre a fumaça do bom direito e tampouco sobre haver fundado receio de dano irreparável. Aliás, nesse sentido, se limita a observar que não é admissível que os estudantes permaneçam na sala BT-260 ou, posteriormente, no Gabinete do Reitor, sob alegações inverídicas e sem fundamento. Quanto à sala BT-260, de que atrapalham a monitoria de Física ou as medições do laboratório de nanoteconologia ou, ainda, que fazem suas necessidades fisiológicas no local. Quanto à reitoria, sem apresentar especificamente a nuances de seu fundado receio, que, “no espaço ocupado pelos estudantes, há obras de artes e documentos importantes que estão ameaçados pela presença dos invasores” (fl. 78).
Entretanto, observa-se que não há, de forma alguma, fundado receio de dano irreparável que justifique a Ação de Reintegração de Posse e a Ação dentro da Ação. Ainda que não necessariamente promovida pela AMCEU/CASSIS,  especificamente sobre a ocupação da Reitoria, uma vez que a desocupação da Sala BT-260 já está plenamente demonstrada como arbitrária, realiza-se de forma ordenada, com intuito exclusivo de denunciar atitudes anti-democráticas da gestão universitária, sem ter gerado, em absoluto, nenhum dano ao patrimônio da universidade e tendo os estudantes envolvidos se comprometido a não provocar qualquer prejuízo às obras, documentos e bens presentes no local ocupado.
Ainda, ironicamente, após a reintegração de posse da sala BT-260, este local, reivindicado pela Autora em razão da sua extrema importância por ser onde se realizam as monitorias de Física, está, desde então, trancado com cadeados soldados.
Onde está o cumprimento da função e do interesse público tão ventilados pela autora para lograr a reintegração de posse da sala? Por que, se esta sala é tão indispensável e fundamental para a monitoria de Física, está trancada com cadeados soldados, como comprova fotos em anexo, tiradas no dia 26/09/13?
Ou seja, a liminar foi pleiteada com a simples alegação, infundada, de que poderia haver ao dano ao patrimônio da Autora, sem apresentar provas cabais. Todos os documentos, obras de arte e bens sitos no local na ocupação foram preservados e tratados com a devida reverência ao patrimônio público. É um pedido manifestamente ilegal, pois carente de qualquer fundamentação jurídica que justifique a concessão da liminar, e afeta com sua ilegalidade a decisão proferida.


g)      DA IMPOSSIBILIDADE DE ADITAMENTO DA INICIAL QUANDO JÁ HOUVE CITAÇÃO DOS RÉUS.

Este Juízo da 22ª Vara Federal recebeu a petição interposta pela suposta Autora no dia 18 de setembro como emenda à inicial da Ação de Reintegração de Posse (fl. 78). Ocorre que os Réus se apresentaram em juízo no dia 13 de setembro, a fim de requerer a reconsideração da decisão proferida em sede liminar pelo mesmo Juízo, conforme faz prova o protocolo anexo, suprindo, assim, a falta de citação, consoante a dicção do §1º do artigo 214 do código de Processo Civil, in verbis:
Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu.
§ 1o O comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação.
Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.
Feita a citação, a lei processual, em seu artigo 264, veda a modificação do pedido ou da causa de pedir sem o consentimento do Réu, em observância ao principio da estabilização da demanda. É sua redação:
Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.
Portanto, no caso em apreciação, a suposta Autora não poderia ter aditado a inicial, modificando seu pedido, em virtude de expressa vedação legal, uma vez que, quando do protocolo da referida petição, ocorrido em 18 de setembro, a oportunidade de aditamento já estava preclusa, não podendo o MM. Juiz apreciar pedido de reintegração de posse do “imóvel sito no Prédio da Reitoria do Campus da UnB, Gabinete do Reitor – Asa Norte, Brasília – DF” (sic, fl. 81), já que o pedido aventado na inicial dizia respeito tão somente à sala BT-260.
É cediça a jurisprudência no sentido de vedar decisões com o referido teor, por se tratar de julgado extra petita. Nesse sentido, confira-se:

CIVIL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. REGRESSO DO FIADOR. PEDIDO FORMULADO APÓS A CITAÇÃO DO RÉU. ARTS. 264 E 321 DO CPC. SENTENÇA EXTRA PETITA. FIANÇA. ART. 831, DO CCB. TERMO INICIAL. JUROS DE MORA. ART. 833, DO CCB. CORREÇÃO MONETÁRIA. DEVIDA DESDE A DATA DO DESEMBOLSO. 
A lei processual, no art. 264 do CPC, enuncia que, feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei. 
Embora seja o réu revel no processo, a teor do art. 321, do CPC, não pode o autor alterar o pedido, ou causa de pedir, após o momento da citação.
(...)
Recurso conhecido e parcialmente provido. (Acórdão n.666258, 20110810055836APC, Relator: ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 03/04/2013, Publicado no DJE: 09/04/2013. Pág.: 185) (grifo nosso).

Com isso, é devido eliminar do feito o segundo pedido de Reintegração de Posse, bem como anular todas as suas possíveis consequências, de modo que não alcancem aos Réus nominados e/ou os inominados.



2.      DO MÉRITO

a)      DOS FATOS ALEGADOS NA INCIAL DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE DA SALA BT-260
           
A presente Ação de Reintegração de Posse nº 0049035-89.2013.4.01.3400/SJDF movida pela Fundação Universidade de Brasília tem como pretensão a imediata retirada de estudantes integrantes de Programas de Assistência Estudantil da UnB de sala que ocupam para o desempenho de atividades próprias da comunidade acadêmica.
É uma Ação equivocada, principalmente, por deixar de considerar que a ocupação de salas por estudantes para a constituição de seus Centros Acadêmicos, além de estar legitimada por lei, regulamentada pelas normas e compromissos acadêmicos, também faz parte da dinâmica interna de organização de uma Universidade. Ou seja, integra a disposição do espaço para atividades que se desenvolvem pelos estudantes, professores e servidores técnico-administrativos universitários e que esta distribuição do espaço universitário é de atribuição exclusiva da gestão da universidade nos estritos termos do que informa o interesse público. Não se confunde com o interesse pessoal do administrador porque realiza as disposições normativas em que o interesse público se expressa.
Está-se diante de uma das situações que corriqueiramente ocorrem na universidade para que esta se reafirme enquanto espaço de construção de pensamento e de liberdade, mas sua gestão opta por ir ao Poder Judiciário, negando o direito de os estudantes exercerem suas atividades de organização e de reivindicação, inclusive previstas em lei (Lei 7.395/1985, Lei 12.852/2013) e em normas internas (circular n.º 07/2011 e outras conforme se pode observar nas matérias publicadas no portal da UnB), certamente, ou a gestão é incapaz de gerir o espaço acadêmico ou se mostra intencionada a não cumprir a lei porque esta fere os seus interesses privados. Mais ainda, porque a lei, juntamente com a Constituição, impõe outra perspectiva de universidade, pública por natureza, que está à disposição para que a comunidade acadêmica possa exercer sua liberdade de criação.
É igualmente por isso que, em lugar de debater o espaço ocupado em si, sua conveniência ou a possibilidade de alternativas, a suposta Autora, certamente devido à confusão equivocada que faz de si com um ente privado, trata a ocupação, que é corriqueira dentro da dinâmica acadêmica, como um ato que viola o que chama de “propriedade” da universidade e recorre ao Judiciário se valendo de alegações infundadas e inverídicas que contaminam toda ação e confundem este Juízo.
Só esse fato de a suposta Autora alegar a propriedade e requerer uma medida possessória, por si só, já seria suficiente para que a Ação nem fosse recebida, menos ainda deferida uma decisão liminar. Porém, outros argumentos precisam ser observados para que se tenha a certeza de que, além de ser carente, a Ação de Reintegração de Posse promovida não pode prosperar também quanto ao mérito, sendo também impossível de se manter a decisão liminar que tacitamente acolhe a demanda e determina a reintegração de posse.
É um equívoco igualmente basear-se, como dito, em fatos inverídicos, alguns mesmo absurdos.
O que se pode afirmar é apenas que a ocupação legítima do espaço acadêmico se deu por estudantes que dependem da Assistência Estudantil e que estão há dois anos, após terem sido retirados em 2011 da Casa do Estudante Universitário (CEU) para que esta fosse reformada, sem local para sediar a sua Associação. Esta, chamada de Associação de Moradores da Casa do Estudante (AMCEU), que tem assento no Conselho de Administração da UnB e é reconhecida pelas normas internas da Universidade, está sendo reestruturada como Centro de Assistência Estudantil (CASSIS) para que possa se ocupar de todas as vertentes de assistência previstas no Decreto 7.234/2010 (Política Nacional de Assistência Estudantil – PNAES).
Foi com o intuito de reestabelecer o espaço de sua organização, bem assim, garantir o seu direito à educação nos termos previstos na Constituição Federal de 1988, no PNAES, nas Leis 7.395/1985, Lei 12.852/2013, nas normas internas da UnB, mas, sobretudo, para reivindicar direitos que vêm sendo sistematicamente violados pela gestão atual da Universidade de Brasília, que os estudantes da Assistência Estudantil ocuparam a sala BT-260. Ou seja, foi por interesse público e para reafirmar o caráter público da universidade. Foi para realizar os princípios ínsitos aos bens públicos, principalmente aqueles que estão à disposição das universidades de modo que estas realizem o seu caráter de público lugar de produção de conhecimento, outrossim, de realização das liberdades, incluindo-se as liberdades políticas e de organização para a defesa de ideias e da democracia, sendo incabível pensar-se em posse de bem público ou afronta à propriedade de bem público.
Até porque, se não há confusão com o uso privado próprio daqueles institutos, não se pode igualmente lançar mão de expedientes ínsitos ao direito privado para defesa dos bens públicos, muito menos dos espaços acadêmicos de uma universidade, que cumprem sua razão de ser ao serem ocupados, utilizados e vivenciados pela comunidade acadêmica. 
É por isso que, quando se discute a legitimidade da “posse” de um imóvel público, é preciso perguntar ao que ele serve, quais são os princípios que regem as atividades que nele se realizam, quais os seus propósitos e quais os propósitos de quem o ocupa.
Quando a suposta Autora alega ser “proprietária” da sala BT-260 e pede a sua reintegração na posse do que chamou de seu imóvel (fl. 04), além de, efetivamente, negar os princípios que regem a universidade, o modo de construção do conhecimento e a dinâmica democrática interna de uma instituição como a universidade, dá demonstração de que quer desnaturar o espaço acadêmico em uma lógica plena de interesses que não necessariamente são públicos. Pior é que, de igual modo, a decisão a quo admite os seus argumentos para assimilar a negação do interesse público e os princípios regentes da universidade enquanto instituição que serve à sociedade; uma instituição que tem caráter público.
Diante dessa demonstração de que a preocupação não era eminentemente com a coletividade, seria de bom alvitre que este Juízo refutasse o argumento de que havia um projeto de monitoria sendo realizado na sala em questão ou de que havia um laboratório de nanotecnologia sendo afetado pela trepidação supostamente causada pelos ocupantes.
Mais ainda porque, quando os estudantes procuraram um lugar que pudesse sediar suas atividades, estes verificaram previamente qual das salas do ICC não dispunha de afazeres acadêmicos. A despeito de estar localizada no térreo do ICC-Central, a referida sala não indicava, como não indica até agora, após o despejo indevido (vide fotos em anexo) qualquer atividade que pudesse ou possa ser prejudicada. Ao contrário, teria uma função pública com a sede da AMCEU/CASSIS, cujas ações são importantes para dinâmica e são reconhecidas pelas normas internas da Universidade.
Sobre os argumentos indicados a este Juízo acerca do laboratório de nanotecnologia que estaria sendo prejudicado pela trepidação provocada pelos ocupantes, é importante perceber que se trata de uma inverdade. Primeiro, porque a sala ocupada NÃO fica acima do laboratório de nanotecnologia (vide fotos já anexadas aos autos por ocasião do pedido de reconsideração e em anexo a esta peça). O que fica acima do referido laboratório é o próprio Instituto de Física, com suas salas e repartições funcionais. Se há trepidações que supostamente prejudicam as pesquisas, estas são produzidas por aquele Instituto.
Segundo, considerando o lugar onde está situado, se há trepidações, estas certamente não são ocasionadas pelos ocupantes da sala BT-260. Aliás, se a presença de estudantes de baixa renda na sala que a Autora deseja ver reintegrada provoca isso, a presença de estudantes para a suposta monitoria de física para 3.500 (três mil e quinhentos) pessoas também deveria provocar.
Terceiro, por estar em um local de passagem, com corredores situados acima e ao lado; por estar especialmente próximo a uma escada cujos degraus, de tipo aéreo, que, sem qualquer viga de sustentação que os ligue, são presos à parede e provocam vibração; por estar em um corredor com dezenas de máquinas de grande porte ligadas dia e noite, entre estas um transformador localizado em frente, que também emite um campo eletromagnético capaz de influenciar nas medições, se há trepidação, esta pode ser causada por quaisquer destes elementos. 
Ainda em relação às alegações da suposta Autora que ensejaram a decisão em debate, quando se acredita que o pior já havia sido dito, verifica-se que a reitoria não encontra limites de racionalidade para o que apresenta judicialmente. Para desqualificar uma ocupação legítima do espaço acadêmico, que se dá exatamente pela incapacidade da gestão em distribuir salas de modo que os integrantes da comunidade universitária desenvolvam suas atividades cotidianas, incluindo-se sua organização em Centros Acadêmicos, a suposta Autora não se acanha em faltar com a verdade, alegando que os ocupantes da sala fazem suas necessidades fisiológicas no local (fl. 05).
Qualquer pessoa entenderia que essas palavras beiram o absurdo, senão o preconceito e, até mesmo, racismo, em relação a estudantes que dependem de assistência estudantil, entre estes cotistas raciais, da Universidade de Brasília. Especialmente porque é o local próximo de uma dezena de banheiros. A não ser que esta universidade esteja mantendo os ocupantes em cárcere privado. Neste caso, fazer as necessidades fisiológicas no local seria não apenas possível como também necessário.
Se há alguém dormindo na sala em contenda, é para assegurar o êxito da ação de reivindicação política, por conseguinte, para que a UnB reconheça o direito de a AMCEU/CASSIS, como organização estudantil, inclusive com assento no Conselho de Administração da Universidade, ter um lugar para o desempenho de suas atividades dentro do espaço acadêmico. Frise-se, nenhum dos ocupantes ou das ocupantes deseja morar ou fazer da sala um local seu.
Ao contrário, por meio do espaço, o que se pretende é dar visibilidades aos problemas da Política de Assistência Estudantil, apontar as principais necessidades de estudantes que dela dependem para seguirem seus estudos e reivindicar a moradia estudantil. Esta, infelizmente, tem sido promovida de forma limitada e com o favorecimento ao mercado imobiliário de Brasília desde que se iniciou a reforma da Casa do Estudante Universitário em 2011.
De qualquer maneira, é sabido por todos que nem mesmo os animais realizam suas necessidades fisiológicas no local em que dormem e que, um ser humano que está em processo de reivindicação por direitos tem consciência suficiente para cuidar do espaço em que atua, sobretudo se precisa permanecer nele por mais tempo.
O fato é que a atual gestão da UnB, que, com indicações de conservadorismo exacerbado, falta com respeito a direitos dos estudantes e de demais integrantes da comunidade acadêmica, não tolera ter que realizar uma Política de Assistência Estudantil. Não tolera ter que desempenhar recursos, mesmo que estes tenham origem direta do orçamento da União, para que seja assegurado o direito à educação para estudantes com situação financeira menos favorecida, em lugar de direcioná-los para outras atividades mais próximas da forma de pensar a universidade que a atual gestão propaga, como uma barreira aos mais pobres e um favorecimento aos interesses econômicos privados.
Um dos indícios de que isso é verdade é que, neste momento, também está acontecendo uma ocupação de uma sala por estudantes de medicina que querem instalar a nova sede de seu Centro Acadêmico. Em nenhum momento, a universidade falou em reintegração de posse.
Também estão presentes no espaço público entidades que promovem atividades eminentemente privadas com fins de lucro e estas, além de não ressarcirem a Instituição pelo uso, tratam o espaço ocupado como se fosse exclusivo (alugam a terceiros, promovem eventos pagos, etc.). Nem por isso a gestão da universidade, que viola normas de direito público e decisões reiteradas do Tribunal de Contas, especialmente o Acórdão TCU 2.731, falou em Reintegrar a Posse.
Embora seja legítima a ocupação dos estudantes de medicina, por que o trato é diferenciado com estudantes que dependem da Assistência Estudantil e querem reorganizar a sua associação com vistas a terem seus direitos assegurados e uma universidade cumprindo a sua função pública de garantir o direito de acesso e permanência ao estudante de baixa renda? Por que a universidade desrespeita um acordo de distribuição de uma sala no Instituto Central de Ciências (“Minhocão”) previsto na Circular n.º 7, de 07 de abril de 2011? Será que estes estudantes estão sendo vítimas de preconceito e, sendo grande parte deles de negros, de racismo?
É possível que sim, principalmente porque quase todos, senão todos dos mais de 50 (cinquenta) Centros Acadêmicos existentes na universidade obtiveram suas salas para o desempenho de suas atividades por ocupação. Nunca, com exceção dos tempos da ditadura militar, houve pedido de reintegração de posse para evitar que estas organizações estudantis ocupassem o espaço acadêmico. Porque este deve estar livre. Em uma universidade, essa liberdade se exerce ou precisa se exercer em toda a sua plenitude. A produção de ideias depende de organização, de irreverência, de contato com a realidade, por conseguinte, com a política, interna e externa ao campus.
Se a democracia depende de liberdade de associação, de manifestação, de pensamento e de expressão do pensamento, na universidade, esses princípios que também estão positivados na Constituição Federal vigente no País, não são menos importantes. Uma formação democrática e cidadã depende da capacidade e da possibilidade de organização de estudantes, professores e servidor técnico-administrativos. Depende dos processos de reivindicação, da participação nas instâncias de deliberação e, isso, está intimamente relacionado com a capacidade de reunir, de dialogar com os pares sobre os rumos da universidade. Está intimamente ligado à ocupação dos espaços acadêmicos com ideias que se expressam por meio de organizações estudantis, que, por sua vez, se enraízam no espaço físico da universidade, podendo ter dentro desta, o seu próprio espaço físico de referência.
Portanto, baseada em alegações inverídicas, a manutenção da presente Ação admite como possível uma reintegração de posse contra integrantes da comunidade acadêmica da UnB que apenas reafirmam o caráter público da Universidade e de suas instalações. Pior, abre um precedente grave porque indica ser possível a intervenção judicial em um tema, qual seja, a distribuição do espaço acadêmico, compete exclusivamente à universidade e à comunidade acadêmica administrar.
Se a gestão não se sente capaz de fazer isso, ainda assim, não é o Judiciário que deve fazê-lo, porque existem normas, compromissos e expressões normativas da escolha administrativa que devem servir de base para a decisão que o reitor está obrigado a tomar. Não pode é, por interesses não propriamente públicos, esquivar-se de cumprir essas normas e valer-se de uma ação de Reintegração de Posse para tanto.
É evidente que a presença da AMCEU/CASSIS no local não provoca prejuízos à UnB. Pelo contrário, reafirma a Universidade enquanto tal. Neste sentido, o que se tem é uma ação carente de condições essenciais que, com efeito, contamina com suas ilegalidades e nulidades a decisão que acolhe os argumentos de uma inicial inepta e determina a Reintegração de Posse.


b)       DA OCUPAÇÃO DA REITORIA E DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE MANIFESTAÇÃO

Embora não tenha relação direta com a ocupação da Sala BT-260, seja no que concerne aos motivos e aos agentes, a ocupação à reitoria foi organizada espontaneamente por estudantes diversos da Universidade de Brasília para cobrar do Reitor uma posição devida quanto à polícia no campus por ocasião de uma indevida e anti-democrática Ação de Reintegração de Posse, bem assim, para que a UnB se abstenha de tratar as demandas de política de assistência estudantil que viabilize a permanência de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica como um caso de polícia. Ou seja, a segunda ocupação tem como objetivo garantir o direito constitucional à educação dentro de um espaço eminentemente público e democrático.
A ocupação em questão tratava-se, pois, de uma manifestação pacífica de estudantes que não necessariamente se confundiam com aqueles que estavam na Sala BT-260, com o intuito de pressionar a administração da Universidade para reafirmar o caráter público da UnB, com efeito, para que fossem atendidas pautas relevantes para a comunidade acadêmica.
Este é um método legítimo de manifestação dos movimentos estudantis, e é incabível a um Estado que se diz Democrático e de Direito cercear o direito coletivo de se organizar para reivindicar direitos. O modelo de Estado adotado pela Constituição Federal exige uma participação ativa de seus cidadãos nos seus diversos espaços de poder, inclusive dentro de suas autarquias.
O Brasil ainda luta contra as consequências do passado autoritário, e os brasileiros ainda sofrem com a dificuldade de atingirem uma cidadania ativa. E quando os cidadãos e cidadãs têm ensaiado qualquer tentativa de efetiva participação, os debates públicos sobre condições dignas de vida e sobre direitos têm prontamente abafados com uso do aparelho repressivo do Estado.

Aprendi em 1964, que o mundo dos homens se divide em dois: o Reino da Liberdade e o Reino da Opressão. E ainda: poucos são os homens que compartilham do Reino da Liberdade enquanto o Reino da Opressão é densamente povoado. E mais: que os homens que vivem subjugados no Reino da Opressão, quando politizados, organizam-se e lutam para destruir as cadeias que os deixam submetidos.
Convivi com homens, em 1964, que tinham os olhos postos no Reino da Liberdade, não somente porque a prisão política lhes tirara o direito constitucional de ir e vir. Eles sabiam – e com eles eu aprendi – que a questão da liberdade é muito mais complexa.
Claro: no cotidiano de um tempo que parece parado, as grades que nos roubam a paisagem e a convivência dos entes queridos são intoleráveis. Claro: ali a tortura se conjuga com o medo porque não podemos saber, antecipadamente, quais são os próprios limites – afinal somos humanos. Claro: é inadmissível aceitar a legitimidade do carcereiro. Assim a prisão política fascista é o ilógico, o antinatural, as violências física e mental instaladas, irredutíveis. (Moacyr de Góes, in: GALVÃO, Mailde Pinto. 1964: Aconteceu em Abril. 2.ed. Natal: EDUFRN, 2004).

A ocupação enquanto expressão do direito de manifestação, protegido pela Constituição Federal em seu art. 5º, XVI, acolhe plenamente a maneira pacífica que os manifestantes escolheram para expressar suas ideias.
É exatamente nos espaços comuns, de livre acesso (e mantidos enquanto tais, como no caso em baila) que configuram, primordialmente, o lugar do exercício da participação, da discussão, sobretudo quando se trata de questões coletivas e do interesse de toda a universidade. Não há falar em restrição não só à liberdade de reunião, mas, e em consequência, à liberdade de manifestação, a não ser em um Estado de Exceção.
Ademais, o direito de ir, vir e permanecerassegurado pelo art. 5º, XV, CF, também torna patente que não há qualquer ofensa ao ordenamento jurídico pelos manifestantes. Ora, a Universidade de Brasília é bem público de uso comum da comunidade acadêmica e de qualquer brasileiro. Como se pode falar, então, em ocupação irregular, em distorção do uso do espaço, quando tal espaço, mais do que nunca, está sendo utilizado de maneira aberta e pública por estudantes da própria Universidade?
Não reside qualquer vício jurídico na manifestação. De forma descabida, a suposta parte Autora (e a decisão das fls 78 a 81) defende, como argumento para exigir a desocupação, que não se admite o exercício do direito constitucional de liberdade de expressão e de manifestação de forma a causar prejuízos ao patrimônio público e à coletividade.
Ora, a manifestação é declaradamente pacífica e não causou nenhum dano. Não há qualquer fundamento, tampouco comprovação desse receio. Pelo contrário, a política repressiva e contra o interesse público promovida pela atual gestão da UnB é que vem causando danos à coletividade.
O bem é de uso comum da comunidade acadêmica e de toda a sociedade, como se sabe. No entanto, mesmo que se tratasse de bem de uso especial – e trazemos isto à baila apenas para enriquecer o debate e a compreensão acerca da questão -, haveria que se enfrentar uma profunda discussão acerca do significado de atos reivindicatórios perante bens desta natureza. Veja, por exemplo, a ponderada e correta decisão a seguir colacionada:

Trata-se de pedido de Reintegração de Posse promovida pela Câmara de Vereadores de São Luís contra os réus acima identificados (...) sob a alegação de que no início da tarde do dia 23 de julho de 2013, houve a invasão do prédio sede do Poder Legislativo Municipal por mais de cem pessoas, as quais promoveram grande tumulto e ocuparam seu plenário, (...) dentre as reivindicações, estão as seguintes: Iniciativa de lei de passe livre para estudantes; passagens no valor de R$ 1,90 (um real e noventa centavos), dado que houve recente isenção dos impostos PIS e COFINS; informações sobre cálculos da tarifa de ônibus com base na lei de acesso à informação; aumento da frota dos ônibus da UFMA e da UEMA; aumento das principais frotas de ônibus desta cidade; abertura de contas das empresas de transporte público e resolução concreta dos problemas da Vila Apaco, dentre outros. Ao final, a autora pediu a desocupação imediata do prédio com auxilio da força policial. (...) No entanto, há que se fazer a distinção entre invasão, alegada pela autora, e as ocupações perpetradas pela população pelo país afora nos últimos dias, não só em virtude do animus de permanência e da situação de violência geralmente ocorrida no primeiro caso, como também, respeitante a intencionalidade, observando-se que estamos tratando de significados no campo social. Segundo relata a própria autora, as pessoas que se encontram no interior da Câmara Municipal estão reivindicando pretensos direitos que acreditam ser delas e da sociedade, o que se constitui um movimento de interface objetivando serem ouvidos e atendidos em direitos afetos à sociedade. E, salvo melhor juízo, procuraram o local e a instituição adequados para ouvir os reclamos dos munícipes, tendo em vista que os vereadores são os mais próximos e legítimos representantes dos cidadãos diante dos demais Poderes, e os legitimados e responsáveis pela edição de leis capazes de atender aos anseios sociais. A inicial não relata violências físicas ou ao patrimônio municipal, apenas manifestação pacífica e palavras de ordem como "dali não sairão até que sejam atendidas todas suas reivindicações". Diante desse quadro, parece-me que o caso é de ocupação. E o movimento é político, de pressão social do legítimo patrão dos políticos: a população e a sociedade, as quais, por força da Constituição Federal, têm legítimos direitos de manifestação e exigência de compromisso social, de ética, moralidade e probidade, de respeito e eficiência, de publicidade e prestação de contas, dentre outros, o que, infelizmente, a população não está conseguindo vislumbrar na classe política, isso tudo sem negar-lhe a importância para o estado democrático de direito. Neste caso, deve-se ter cuidado com a judicialização da política e com as consequências dos atos judiciais relativamente ao resultado dos anseios da sociedade, devendo-se escolher o caminho primoroso da negociação, do equilíbrio e do respeito mútuo entre os interesses dos mandantes, dos mandatários e da sociedade, sem esquecer que as instituições devem ser preservadas, visto serem donatárias da ordem social. Por todas essas razões e antes de manifestação sobre a liminar requerida, reputo de suma importância a realização de inspeção judicial no âmbito da Câmara Municipal de São Luis, de modo a se ter a certeza de que o patrimônio público não sofreu agressão e nesta situação se manterá, para o que designo o dia 30 de julho de 2013, às 11:00 horas. Designo também, audiência de tentativa de conciliação para o mesmo dia às 15:30 horas, na sala de audiência desta Vara, devendo participar os representantes da Câmara Municipal e dos movimentos indicados, inclusive as pessoas nomeadas no relatório. (Carlos Henrique Rodrigues Veloso. Juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública. Poder Judiciário do Estado do Maranhão. AÇÃO ORDINÁRIA. Processo : 34079/2013 31190-71.2013.8.10.0001 Autor : Câmara Municipal de São Luís Procurador: Dr. Ítalo Gomes Azevedo Réus : Movimentos Passe Livre, Acorda Maranhão, Vem Pra Rua e Moradores da Vila Apaco.).
Mesmo nesse caso, assim, há que enfrentar a importante discussão acerca do significado da manifestação, que diverge profundamente de uma invasão com fins de apropriação permanente do bem público e, por isso, deve ser tratada de forma diferenciada também pelo mundo jurídico. No caso em tela, não há animus domini, a questão nada tem a ver com direito de posse, tampouco de propriedade, mas sim do direito à manifestação e reunião, cuja ocupação é tão-somente uma forma de expressão.
Além disso, não se pode, em nenhum caso, conceber que a via jurisdicional funcione como rota de fuga de gestores que venham a esquivar-se de sua missão precípua, qual seja: servir à universidade e a ela, efetivamente, prestar contas.
Ora, vive-se um importante momento no país, no qual amplas camadas da população reconhecem a necessidade de reivindicar seus direitos, historicamente vilipendiados. É preciso reconhecer, neste despertar, importante fator progressista, um verdadeiro sinal de desenvolvimento da consciência coletiva rumo a uma sociedade mais próspera e justa, em conformidade com os ditames constitucionais ou, em verdade, o próprio espírito da avançada Constituição Federal de 1988.
Afinal, está ou não suficientemente claro que os gestores e governantes precisam aprender o verdadeiro sentido do processo democrático? Se, de maneira lícita, pacífica e culturalmente rica, a população aponta a necessidade de tal aprendizado, isto é sem dúvida, fator de engrandecimento da comunidade acadêmica da UnB.

c)      DA AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA ÁREA CUJA REINTEGRAÇÃO DE POSSE SE PLEITEIA
A suposta parte Autora atravessou pedido de emenda à inicial, desrespeitando regras processuais básicas e a garantia do direito ao contraditório e ampla defesa, pois amplia o pedido após os réus já terem sido citados.
Como se não bastasse, a suposta Autora requer: “a vedação de não ocupação de qualquer a sala do Campus Darcy Ribeiro, sob pena de aplicação de multa a ser fixada por Vossa Excelência” (fl. 75).
Consta da decisão eu deferiu o pedido liminar que “É evidente a necessidade de que se impeça novo esbulho em qualquer dependência da universidade”. O julgado não apenas reintegra o Agravado na posse da sala do Gabinete do Reitor, mas também determina aos Requeridos “que se abstenham de ocupar outras dependências da UnB”. Com isso, incorre-se na impropriedade de não demonstrar identificação e delimitação precisas das localidades objetos do feito em tela.
Data maxima venia, como pode o douto Magistrado deferir uma liminar em Ação de Reintegração de Posse que não só se antecipa à ocorrência de eventual ocupação, mas também tem como objeto uma área imprecisa, referindo-se a uma localidade de patente inexatidão que carece de clara e necessária individualização?
Sobre o tema, a doutrina ensina que:
“Quanto à individuação da coisa possuída, trata-se de imposição categórica derivada da natureza da ação possessória. (...) Assim como não se pode reivindicar área imprecisa de imóvel, também não de admite pretender alguém reintegração ou manutenção de posse sobre local não identificado com precisão. Mesmo porque, o mandado possessório (objetivo final da ação) seria inexeqüível se a sentença acolhesse pretensão relativa a gleba sem divisas exatas e definidas.” (grifo nosso) [1]
Veja-se, portanto, que a individualização das áreas de que se deseja a reintegração de posse é requisito essencial da ação possessória, sendo que seu descumprimento enseja, inclusive, a extinção do processo sem julgamento do mérito. Nesse sentido, é o entendimento jurisprudencial, in verbis:

REINTEGRAÇÃO DE POSSE - DESCRIÇÃO INDIVIDUALIZADA DA ÁREA - NECESSIDADE.
Não estando, regular e devidamente, descrita a área ocupada e objeto de reintegração de posse, o processo deve ser extinto sem julgamento de mérito. (TJMG; Apelação Cível nº 000.168.327-5/00, 5ª Câmara Cível, Contagem, Rel. Des.
Hugo Bengtsson. j. 24.02.2000). CD ROM IURIS PLENUN, v. I, Ed. 66, Jul/Ago 2002.)

AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. NECESSIDADE DE INDIVIDUALIZAÇÃO DO BEM E PRECISA CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA ESBULHADA. CARÊNCIA DA AÇÃO. FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE ACORDO COM O ESTABELECIDO NO § 4º DO ART. 20 DO C.P.C. 1- É requisito das ações possessórias a individualização do bem imóvel e a precisa caracterização da área esbulhada. (TJMG; Apelação Cível 1.0074.02.008317-1/001, Rel. Des.(a) Pedro Bernardes, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/05/2006, publicação da súmula em 24/06/2006.)

O pedido da suposta Autora ultrapassa o escopo e o objeto da ação de reintegração de posse. A Autora requer a “não ocupação de qualquer outra sala do campus...”. Ora, tal pedido materializa uma imposição negativa, que deve ser intentada por meio de uma nova ação, de obrigação de não fazer, já que o ato foge do objeto de Ação Reintegração de Posse.
O pedido da Autora é equivocado processualmente e ilegal, uma vez que não respeita requisito básico da ação de reintegração de posse que é a delimitação do local a ser reintegrado e interpõe, assim, pedido genérico, incerto e indeterminado, cujo deferimento, nos termos em que foi elaborado, é uma afronta à legalidade e ao sistema processual pátrio.
O pedido liminar já foi deferido nesse sentido, em manifesta afronta às regras processuais, não se pode manter tal decisão em sede de sentença, sob pena de se abrir um grave precedente para que futuras ações de reintegração de posse se dêem sem o menor cuidado da parte autora com a delimitação da área a ser reintegrada.
Além disso, deferindo-se tal pedido, a AMCEU/CASSIS se vê impedida, previamente, de se manifestar contra qualquer possível descumprimento do acordo realizado com a reitoria, que resultou na sua desocupação. A abrangência da decisão liminar inclui “qualquer dependência da UnB”. Portanto, para além das salas de aula, objeto do pedido da Autora, abrange corredores, gramados, ou seja, qualquer espaço de uma universidade que é pública e onde as pessoas têm o direito de transitar, se manifestar e ocupar seus espaços livremente.
A manutenção da decisão liminar (fls. 78/81) em sede de sentença põe em grave risco o direito constitucional de manifestação dos estudantes, proibindo que “ocupem” os espaços da universidade, sem se definir ao certo o que se inclui nesse conceito de “ocupação” e compreendendo que uma ocupação para reivindicar direitos e reafirmar o espaço e o interesse públicos, ainda que nada tenha a ver com posse privada, seja guerreada com ação de reintegração de posse.
A inviabilização da “ocupação”, entendida genericamente, como descrita no pedido da Autora, representa uma afronta aos fins últimos da universidade, que requer que seu ambiente seja ocupado para que faça cumprir o próprio direito à educação, para além do direito de manifestação.
Como se pode pretender que os estudantes sejam proibidos de, ocupando-as, apoderarem-se das dependências de uma universidade quando é essa ocupação, cotidiana e habitual, imprescindível para a efetivação dos propósitos acadêmicos – educativos e políticos?
Além do mais, há prévio pedido de aplicação de multa (também deferido em sede liminar) contra os estudantes que porventura ocuparem qualquer dependência da UnB. Ora, já há uma insegurança jurídica patente nesse pedido e na decisão liminar a respeito da abrangência do termo “ocupar” e, como se não bastasse isso, os estudantes vinculados ao CASSIS são beneficiários dos programas de assistência estudantil da UnB, e comprovadamente vulneráveis economicamente. São estudantes de baixa renda, que se vincularam ao CASSIS justamente porque não conseguem arcar com os custos de moradia, alimentação, compra de material didático e todos os gastos que cursar uma faculdade exige e que não têm condição alguma de arcar com uma multa num valor altíssimo como esse e que, além do mais, recairia sobre Heitor e Tatiana, os únicos que foram mencionados nominalmente pela Autora, mas que sequer participaram da ocupação da reitoria, como já demonstrado supra.
Por fim, o deferimento desse pedido genérico, no mérito, como já o foi feito em apreciação da liminar, pode levar ao absurdo de fazer com que os estudantes, ao se reunirem em qualquer outra dependência, seja o jardim, os corredores ou os bancos externos da referida universidade, que tem áreas para além de quatro campi, sejam impedidos de se manter no local, afetando frontalmente diversos direitos, como o de reunião. Isso torna explícito quão abrangentes e genéricos são os efeitos do deferimento desse pedido.

d)       DA POLÍTICA DA REITORIA DENOMINADA “OCUPE A UNB E DA OCUPAÇÃO COMO “ULTIMA RATIO”

A presente ocupação da sede do Gabinete do Reitor da UnB, ao contrário do que se possa entender, não se trata de “exercício arbitrário das próprias razões”. Na verdade, independente dos Réus nominados da presente Ação, a decisão deliberada de ocupar o espaço da Administração deu-se exatamente por esta não possibilitar qualquer avanço concreto no processo democrático de negociação, optando pela Ação de Reintegração de Posse e pela colocação da força policial no campus, tal como na ditadura militar. Isto porque, esta atitude é uma demonstração de recusa ao exercício do princípio constitucional que dá à Universidade a autonomia de gerir sua própria dinâmica, na qual também se insere sua política acadêmica de relações entre os segmentos que a compõem.
Cabe salientar que a medida discutida não foi tomada pelos estudantes que dela lançaram mão sem a devida ponderação de necessidade, adequação e proporcionalidade. Nesse sentido, segundo Alexy, no sopesamento de diferentes princípios a serem levados em conta para uma decisão, há que se utilizar de um meio que seja adequado (adequação), ao mesmo que tempo que seja o meio menos gravoso possível (necessidade)[2] para alcançar determinado objetivo.
Estranha tal tipo de postura quando a própria Universidade possui uma interessante política que incentiva a organização estudantil e permite que cada entidade acadêmica exerça sua autonomia política, inclusive, concedendo-lhe o direito de ocupar espaços físicos em todos os campi a fins de instalação de suas sedes, conforme consta no projeto chamado “Ocupe a UnB” (reportagens em anexo). Principalmente, quando o objetivo de tal política é justamente mostrar que a Universidade não deve restringir a liberdade de organização política e de manifestação do pensamento, pois esta é uma de suas principais funções. Ocupá-la para a produção do saber, da cultura, para a prática de atividades lúdicas sempre foi perquirido por toda a comunidade acadêmica.
Não se pode olvidar, aliás, que a busca por intervenção à força de agentes externos à Universidade, remonta a um triste período da história, no qual a própria UnB sofreu absurda ocupação pelas tropas militares durante o regime de exceção por mais de uma vez, com o intuito de, justamente, proibir a livre manifestação do pensamento e da organização política. Qualquer solução que atravesse o diálogo entre os setores envolvidos não é saudável para uma Instituição que teve seu caráter dilapidado por uma política deliberada de cerceamento das liberdades democráticas e não é facilmente tolerado pela comunidade acadêmica, por isso, a ocupação da Reitoria.
Além disso, conforme já se ressaltou, não é novidade o uso por parte dos segmentos acadêmicos, seja estudantil, seja docente, seja técnico-administrativo, do instrumento de ocupação da sede do Gabinete do Reitor da UnB. Salutar rememorar que por intermédio deste expediente, jamais arbitrário se usado de forma correta e como ultima ratio, que dirigentes acusados por improbidade administrativa renunciaram ao cargo que ocupavam, sendo possível proteger a UnB de gestores que colocaram o seu interesse acima do interesse público.


III – DO PEDIDO

Ante o exposto, requerem os Réus:

Sobre a Ação de Reintegração de Posse da Sala BT-260,

a)      PRELIMINARMENTE, que seja considerada carente a presente Ação de Reintegração de Posse por falta de interesse de agir, impossibilidade jurídica do pedido e falta de legitimidade das partes, bem assim, que seja extinta sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI combinado com os arts. 282, 295, todos do CPC, e anulados todos os efeitos das decisões liminares proferidas;

b)      Caso sejam julgadas improcedentes as preliminares alegadas pelos Réus, que reconsidere a primeira decisão liminar proferida, uma vez que a suposta Autora não demonstrou os requisitos para a concessão de medidas de urgência, quais sejam a fumaça do bom direito e o perigo da demora;

c)      Caso sejam julgadas improcedentes as preliminares alegadas pelos Réus, que, no MÉRITO, seja julgada improcedente a presente Ação de Reintegração de Posse da Sala BT-260 e, ao final, todos os efeitos das decisões de urgência sejam eliminados, uma vez que os fatos alegados na inicial são inverídicos e não atua o Centro Acadêmico contra o interesse público da Universidade, ao contrário, reafirma o seu caráter público e a ocupação de espaços dentro da Universidade é um direito instituído por lei;

Uma vez que se trata de Ação dentro de outra Ação, sobre a Ação de Reintegração de Posse do Gabinete do Reitor, requer:

d)     Em caso de julgamento improcedente das preliminares alegadas em sede de Contestação, que, PRELIMINARMENTE, ou seja, antes de analisar o mérito do aditamento promovido pela suposta Autora, que este seja desconsiderado e retirado dos autos, uma vez que os Réus, ao peticionarem no processo no dia 13 de setembro de 2013, já tinham sido citados antes mesmo do novo pedido, ocorrido no dia 18 de setembro de 2013, tudo nos termos do art. 294 CPC;

e)      Caso sejam mantidos os pedidos ventilados por ocasião do aditamento, que sejam julgados improcedentes por não guardarem qualquer relação com a causa de pedir e com as partes nominadas na inicial da presente Ação de Reintegração de Posse, bem como por toda argumentação supra;

f)       Em caso de julgamento improcedente das preliminares alegadas em sede de Contestação e de ser acolhido o aditamento, que seja, ao menos, reconsiderada a nova decisão liminar, tornando sem efeito multas, obrigações de fazer e não fazer determinadas, uma vez que não está demonstrada a fumaça do bom direito e o fundado receio da demora, sob pena de nulidade processual grave;

Quanto a ambas as Ações, em caso de ser mantida a Ação de Reintegração de Posse como uma grande ação em que possam caber mais de uma causa de pedir e partes que não possuem identidade entre si:

g)      Que, ao final, seja julgada a Ação de Reintegração de Posse improcedente em todos os seus termos, sendo anulados todos os seus efeitos, incluindo-se aqueles produzidos por decisões liminares;

h)      Que seja concedido o benefício da justiça gratuita, uma vez que são hipossuficientes integrantes de Programas de Assistência Estudantil da UnB, como a suposta Autora mesmo reconhece na inicial;

i)        Que seja condenada a suposta Autora em verbas de sucumbência e honorários advocatícios;

j)        Que sejam julgados procedentes todos os pedidos dispostos em sede de Contestação.


Protestam provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, principalmente pelos documentos já acostados aos autos quando do pedido de reconsideração, por novos documentos que vão acostados à presente peça e pela prova testemunhal.


São os termos em que pede e esperam deferimento.

Brasília (DF), 30 de setembro de 2013.


__________________________________
KAROLINE FERREIRA MARTINS
OAB/MG 141.900

______________________________
ÉRIKA LULA DE MEDEIROS
OAB/DF 38.307


__________________________________________
JONATA CARVALHO GALVÃO DA SILVA
OAB/DF 40.699


______________________________________________
JÚLIO CÉSAR DONISETE SANTOS DE SOUZA
OAB/MG 124.405


___________________________________
JOSÉ HUMBERTO DE GÓES JUNIOR
OAB-SE 3.144


_________________________________
BRUNA DE FREITAS DO AMARAL
OAB/SP 339.012




[1] JÚNIOR, Humberto Theodoro, Curso de Direito Processual Civil, Rio de janeiro, Forense, 2000, 23ª edição, vol. III, pp. 122-3.
[2] ALEXY, Robert. “Teoria dos Direitos Fundamentais”. São Paulo: Editora Malheiros, 2a edição, 2011. Página 116.CONTESTAÇão

Nenhum comentário:

Postar um comentário