SOCIOLOGIA
JURÍDICA: saber a orientar o fazer
Maria Rosinete dos Reis Silva[1]
No
artigo Sociologia Jurídica: condições
sociais e possibilidades teóricas, José Geraldo de Sousa Junior (2002), retrata
a importância da Sociologia Jurídica como campo epistemológico para a
compreensão e análise das mútuas e recíprocas conexões entre Direito e
Sociedade. Não se trata de um mero arranjo curricular. Pensar sociologicamente
interfere na capacidade de fazer uma leitura interpretativa dos processos
políticos e jurídicos.
Na
análise dessas conexões entre Direito e sociedade, que não são equivalentes,
mas que se interligam de várias formas com algumas tensões de reconhecimento e
de legitimação, deve-se considerar os valores, os costumes, as tradições,
compreensão que será alcançada com o auxílio da Sociologia Jurídica, pois esta
tem, na experiência, um lugar de pertencimento. Com isso, será possível entender como a
sociedade se forma e como o jurídico toma o lugar que já foi da religião, da
moral, da ética, dos costumes, da tradição, por exemplo. Aqui está a distinção feita por Max Weber
entre racionalidade tradicional e racionalidade positiva e, a partir daí,
entender o direito além da mera formalidade, cuja continuidade normativa só
sobrevive se amparada na validade social.
Nessa
dinâmica da construção do conhecimento é indispensável a articulação das
condições sociais com as possibilidades teóricas que o tempo torna
assimiláveis, razoáveis. Boaventura de Souza Santos defende que, o paradigma,
para ser totalmente conhecimento, precisa ser social. Trazer para o debate as
questões teóricas que derivam dessa leitura sociológica conferirá validade ao
conhecimento, já que as articulações que se estabelecem no social e que se interconectam
com o direito vão modificando o próprio direito, conferindo-lhe continuidade
normativa.
Para
a análise da Sociologia Jurídica, enquanto condições sociais e possiblidades
teóricas, José Geraldo de Sousa Junior traça, em primeiro lugar, um percurso
histórico, destacando seus antecedentes e precursores, como Durkheim, que
considera a sociedade como “unidade por excelência do estudo da Sociologia”.
Na
sequência, o autor aborda a constituição
e desenvolvimento da Sociologia Jurídica na contemporaneidade, alicerçado,
sobretudo, nos ensinamentos de Elias Diaz. Para este, as interrelações entre
Direito e sociedade subdividem-se em sistema
de legalidade (direito positivo) e sociedade, explicando, por exemplo, o
que está formalmente assegurado e vigente no ordenamento jurídico e o que é
eficaz, ou seja, se o que está sendo vivenciado pelos seus destinatários ainda
tem sentido de ser, a exemplo da expressão “mulher honesta”, empregada desde as
Ordenações Filipinas como integrante de figuras delitivas, sendo suprimida do
Código Penal somente pela Lei 12.015/2009; e sistema
de legitimidade (valores jurídicos) e sociedade, com reflexos em temas
relevantes, como a dignidade da pessoa humana e a defesa dos direitos humanos.
O
autor também apresentou as direções
temáticas de renovação do campo sociológico, sem a qual continuará sendo
constatado e vivenciado as discrepâncias de articulação entre Estado e
sociedade. Enquanto aquele (Estado formal) manter-se isolado das regras que
articulam os indivíduos no seu espaço social, advindas da realidade vivenciada
por cada um dentro de sua comunidade, permitirá a atuação paralela do Estado
informal, o qual surge e mantem-se com outras formas de democracia e cidadania
que não se subsumem ao ato de votar.
Desse
distanciamento do direito positivo da realidade, dos fatos sociais, é possível
compreender a razão pela qual muitas leis, inclusive a Constituição Federal,
não possuem efetividade, mas continuam em vigor. Apesar de serem feitas com
caráter erga omnes, na verdade,
tem-se uma seletividade que vai, desde a sua elaboração, até sua aplicação, a
exemplo das leis penais, cuja seletividade é exercida pelo sistema de controle
formal da criminalidade, com a escolha das condutas que se quer considerar como
infração penal, quem realmente deseja-se punir, a forma de punição e como
deverá ser executada e, por fim, entender a razão pela qual muitas leis são
criadas para uma finalidade e, na prática, servem a fins diversos, até mesmo
contrário do que se propôs formalmente.
Para
tanto, o conhecimento sociológico da
formação dos ordenamentos jurídicos é imprescindível para a compreensão das
constantes transgressões dos mesmos, que não encontram validade e legitimidade
normativa nas práticas sociais. Neste ponto, a Sociologia Jurídica apresenta-se
como mediação transformadora da realidade, apontando a realização de novos
direitos, como O Direito Achado na Rua, de
Roberto Lyra Filho, por meio do qual busca-se a superação dessas contradições entre
as leis e a justiça, entendendo o direito como modelo de legítima organização social
da liberdade, em que as práticas sociais criam direitos e estabelecem novas
categorias jurídicas.
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