quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Discurso de oradora - Direito – UnB - 12/09/2013



Renata Cristina de Faria Gonçalves Costa(*)
Boa noite,
Gostaria de cumprimentar a todas e todos em nome de uma pessoa que queria muito estar aqui, mas não pôde vir e me pediu para dizer apenas o quão feliz ela ficou em saber que a turma de Direito da Universidade de Brasília teria uma homenageada da Comunidade, em 2013, pela primeira vez. Dona Magnólia, Promotora Legal Popular, militante feminista na luta pelos direitos das mulheres, é dentre tantas uma das incríveis pessoas que representam um pouco da história da nossa Faculdade de Direito.
Falando em história, olho para nós hoje e digo com muita alegria que estamos também escrevendo essa narrativa. Estamos nos formando e formando algo mais. Assim, me viro para trás e divago, curiosa, pensando quantos e quantas passaram por esses lugares antes de nós. Onde estão essas pessoas?
Buscando nos corredores da Faculdade me deparei com aqueles quadros de formandos e formandas que temos espalhados por aí meio que encostados, silenciosos. Parei para ouvi-los. Cada foto antiga, roupas requintadas, penteados... Será que em dez anos vão olhar assim para as nossas fotos? Sei que uns hoje são ministros/as, outros/as são juízes/as, professores/as, advogados/as. Olhei para cada um/a e perguntei – como que perguntando também a mim mesma - que rumos tomaram depois daquela foto e de pronto me responderam que agora não era hora para saber isso. Me disseram para sonhar, caminhar e deixar as portas abertas... Ouvi com atenção e só para garantir escancarei também as janelas. Quem sabe também não seria um rumo possível? Senti e acreditei que certamente novas surpresas estariam por vir.
Tudo bem, se não me contam do futuro, podiam dizer, ao menos, o que percorreram daquela foto para trás. De certo, algo preparam no percurso até aqui, até lá, até onde nem sabemos. Então me contaram estradas diferentes - valiosas em sua diversidade-, memórias, experiências, causos que viraram lendas. E me perguntei: será que tiveram as/os mesmas/os professoras/es que nós? Será que conheceram Lyra Filho? Sei que o caso do judeu Shylock todo mundo discutiu e que foram aos JIUnBs, batizados... e até congressos, às vezes. Nesses espaços, eles/as e nós formamos bons laços e de muito que veio nesses seis anos, isso não se perde.
Mas não foi apenas daí que construímos ligações. Foi também nas salas de aula, nos estudos, mas foi, sobretudo, fora dos espaços tradicionais de ensino onde conseguimos construir saberes e redes mais profundas, combatendo juntos e juntas a insistência de alguns em querer nos fazer caber em caixinhas pré-fabricadas. Dizer que somos maiores do que isso não é fácil. Mover-se, posicionar-se também não, mas é preciso que a cada geração que passe por esses bancos um pouco desses limites sejam expandidos para que um dia a educação jurídica se misture com amor e paixões nesse ímpeto criativo e emancipatório que o professor Warat tanto defendia.
Posso dizer que carnavalizamos sim. E esse é o nosso manifesto: estar aqui e ter construído novos horizontes uns/mas com os/as outros/as, com funcionários/as, professores/as e, principalmente, com a comunidade. Unimos em várias expressões direito e sensibilidade, saber popular e acadêmico, extensão, pesquisa e ensino. Reviramos do avesso os rótulos e rituais, ressignificamos existências, sujeitos, palavras, toques. Acho que fizemos sim um pouco a nossa parte.
Dá pra ver daqui que – apesar dos obstáculos ou talvez justamente por conta deles - mantivemos os sonhos acesos em ilhas crescentes desde o primeiro dia em que fomos conhecer o Núcleo de Prática Jurídica, esse coraçãozinho tão esquecido da Faculdade que insiste em bater em meio a tanto conservadorismo que ainda existe por aí. Perguntei às fotos como era isso tudo na época deles/as e disseram que era ainda mais difícil e que temos sorte.... Com sorte diremos isso às turmas seguintes e assim por diante.
Fato é que o NPJ, como nós, insiste e segue em frente, na contramão das abstrações de quem insiste em acreditar que as respostas estão apenas nas bibliotecas. Fomos à BCE sim e muito, mas também fomos a Itapoã, Ceilândia, Estrutural e voltamos de novo ao Plano Piloto, mas voltamos diferentes. Vimos as injustiças com nossos próprios olhos e sentimos dores e odores que faziam o tal Olimpo se rever. Vimos o direito vivo e queríamos mais. Queríamos ir para a rua, construir conhecimento com cores, livros, histórias, pessoas. O direito estava em todo lado e conseguíamos misturar tudo tão bem.
Assim logo vimos que fechar-nos em muros era incompatível não só com nossos desejos, mas com as necessidades que nos são exigidas hoje, enquanto juristas, num país como o nosso, e desde há muito enquanto estudantes, enquanto universidade que pensa o Brasil.
Os corredores se ampliaram. Os muros caíram. Autonomia, alteridade, crítica e a cada dia mais inquietações. Foi tão rápido... Quando vi, por fim, cheguei ao último quadro de fotos. Ali tive certeza de que coagulamos vivências[1], aprendemos a con-viver com a diversidade e descobrimos que estamos cercados/as de pessoas, de vidas e de um contexto que nos clama algo. Escutemos quem e o que nos cerca aonde quer que esses novos caminhos nos levem. E se, por acaso, toparmos com qualquer tipo de ditadura - dentre as muitas formas que ela pode assumir - saberemos que nesses tempos não há como fazer poema neutro. Seguiremos apaixonadas e apaixonados, protestando, criando, transformando e fazendo poesia. Não que a poesia mude (logo) o mundo, mas porque fazer poemas nos faz felizes[2]. Parabéns a todas e todos por mais esse capítulo.

CÓRTAZAR. Julio. O jogo da amarelinha. Tradução de Fernando de Castro Ferro. 16ª edição. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011.

GULLAR, Ferreira. Boato. In: Na vertigem do dia. 2ª Edição. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2004.

(*) A oradora é integrante do Projeto Promotoras Legais Populares da UnB

[1] “Uma narrativa que não seja pretexto para a transmissão de uma ‘mensagem’ (não há mensagem, há mensageiros, e isso é a mensagem, assim como o amor é o que ama); uma narrativa que atue como coagulante de vivências [...]” (CORTÁZAR, 2011, p. 450).
[2] “ [...] Como ser neutro se acabou de chover e a terra cheira/ e o asfalto cheira/ e as árvores estão lavadas com suas folhas/ e seus galhos/ existindo? / Como ser neutro, fazer/ um poema neutro/ se há uma ditadura no país/ e eu estou infeliz? /Ora eu sei muito bem que a poesia/ não muda (logo) o mundo. / Mas é por isso mesmo que se faz poesia:/ porque falta alegria./ E quando há alegria/ se quer mais alegria!” (GULLAR, 2004, p. 66-67).

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