Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária forma bacharéis em Direito na Bahia
14/01/2012
Cícero Araújo e Marília Mercês,
de Feira de Santana (BA), Jornal Brasil de Fato
Estudantes comemoram a matrícula no curso de Direito da Uefs - Foto: MST |
No
dia 11 de dezembro de 2012, no campus da Universidade Estadual de Feira
de Santana-BA (Uefs), foram realizadas as matrículas da segunda turma
do Curso de Direito para beneficiários da Reforma Agrária pelo Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), com 40 estudantes,
futuros advogados e advogadas populares, provenientes do campo, de
várias regiões do país e de diversos movimentos sociais camponeses, como
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB), Movimento de Luta Camponesa (MLC), Movimento das Comunidades
Populares (MCP), Associações de Pequenos Agricultores, Fatres-Bahia e
Pastoral Rural (PR).
Esta concretização, antes de
tudo, significa uma conquista esperada pelos trabalhadores e
trabalhadoras rurais em todo o país, que em constante luta por justiça
social, abrem a possibilidade de que seus filhos e filhas adentrem de
maneira legítima nas universidades públicas brasileiras. Especialmente,
em cursos como o de Direito, que se dá de forma elitizada e excludente
no ensino superior no país. Aos quais as elites agrárias historicamente
lhes concedeu, unicamente, o “direito” a serem meros “lavradores da
terra” e despossuídos do conhecimento formal e acesso à universidade.
Outro significado que a abertura da turma da Uefs carrega é o de ser o
resultado do acúmulo de forças de anos de embates políticos travados
entre os sujeitos sociais do campo, a mídia e o judiciário conservador
brasileiro, que, tentaram impedir que se consolidasse o projeto da turma
de Goiás (Turma Evandro Lins e Silva), a qual diplomou em agosto 58
novos advogados e advogadas, em que cerca de metade já foi aprovada na
prova da OAB. A turma da UFG foi a primeira desse gênero e uma parceria
entre a Universidade Federal de Goiás, a Via Campesina e o Pronera.
Por
estas questões, a nova turma de direito avança na elevação da
democratização do ensino superior e formação acadêmica para preparação
de advogados e advogadas populares que poderão atuar no campo dos
direitos humanos, dos camponeses e na advocacia popular em todo o
Brasil.
“A turma especial de Direito de
assentados da reforma agrária representa um momento histórico da
Universidade Estadual de Feira de Santana. Nós temos assumido um
compromisso para que essa universidade seja cada vez mais democrática,
cada vez mais sociorreferenciada e tenha uma formação de uma turma
dessas. Nós entendemos que a universidade cumpre seu papel ao promover
esta possibilidade de que pessoas oriundas de um movimento tão
importante como o de reforma agrária possam estar aqui e se formar para
continuar a sua luta por transformação social”, afirma o reitor da Uefs,
José Carlos Barreto.
Em seu discurso na aula
inaugural, o reitor ainda afirmou que “ a Uefs é um espaço de lutas e
conquistas” e que “está em curso um projeto diferenciado do que a
universidade viveu em mais de 30 anos”, desde a sua fundação.
Histórico
O
curso foi demandado pelo conjunto dos movimentos sociais do campo,
especialmente o MST, desde 2009. Foi apresentada a demanda ao colegiado
do curso de Direito que aprovou e constituiu uma comissão para elaborar o
projeto com base nas prerrogativas do Pronera. A Comissão foi composta
pelos professores da Uefs, Cloves dos Santos Araújo e Paulo Torres que
elaboraram e apresentaram o projeto da Uefs ao Pronera/Incra. O processo
seletivo se deu de forma transparente, com edital publicado e divulgado
amplamente com vestibular envolvendo todas as disciplinas das ciências
humanas, exatas e da natureza, processo coordenado por meio do Setor de
Seleção da Uefs mediante inscrição dos candidatos que apresentaram
legitimidade nos requisitos previstos nas normativas do Pronera.
O
curso será ministrado por meio do método da Pedagogia da Alternância,
dividido em tempo-escola e tempo-comunidade. Os professores serão
oriundos do próprio quadro da Uefs, contando com a seleção de novos
professores, assim como colaboradores eventuais em parceria e cooperação
com outras instituições de ensino superior, a exemplo da Universidade
Estadual da Bahia (Uneb), que já atua nestes termos de parceria.
Além
da efetivação das matrículas dos quarenta educandos no dia 11 de
dezembro de 2012, houve também na noite do dia 13 do mesmo mês a aula
inaugural do curso que contou com a participação da comunidade acadêmica
da Uefs, principalmente dos alunos do curso de Direito e representados
no Diretório Acadêmico e Diretório Central dos Estudantes da Uefs. A
noite contou com a presença do ex -reitor da Universidade Nacional de
Brasília (UNB), o professor José Geraldo de Sousa Junior, que conduziu a
aula com o tema “Universidade e Inclusão Social”. Também participou da
mesa no evento o Ney Strozake, dirigente do Setor Nacional de Direitos
Humanos do MST e advogado popular da Rede Nacional de Advogados e
Advogadas Populares (Renap). Ney Strozake, em sua fala, chamou a atenção
da turma para que não se distanciem dos vínculos orgânicos com os
agricultores e agricultoras. “Como futuros advogados, devem direcionar
sua prática profissional na defesa dos direitos humanos e dos camponeses
em todo o Brasil, bem como na luta pelos direitos do conjunto da classe
trabalhadora”, afirmou.
Indagado sobre o
significado que este curso vem a ter no ambiente político–jurídico
brasileiro, José Geraldo respondeu: “Eu diria que este curso, pelo
impacto que ele traz e pelos antagonismos que ele suscitou, mobiliza
duas dimensões muito grandes e que se combinam: a primeira é perceber
que no processo social há novos protagonistas que ganharam força com a
revolução da questão democrática, que na questão da terra, por exemplo,
na capacidade assídua dos movimentos sociais, é simbolizada pelo MST. É
importante relembrar que o um ministro de Estado chegou a dizer que o
MST é o movimento social mais importante do século 20, e que esse
protagonismo gerou nos movimentos sociais uma interpelação dos modos de
organização da política, da economia e da vida da sociedade. É claro que
isso implicou em sair da organicidade do movimento, a qualificação dos
seus atores, e essa qualificação se deu nos vários níveis a que me
referi, entre eles o nível técnico, quer dizer, no papel de exercitar a
capacidade de atuar no campo da formação do ambientário da política e do
judiciário”.
José Geraldo também apontou a
importância da participação dos alunos ligados ao movimento de reforma
agrária na consolidação de um outro tipo de universidade e ensino. “A
entrada de vocês na universidade é uma expressão desse protagonismo que
abre espaço de inclusão. O positivismo tem reduzido o conhecimento a
ciência, o poder ao Estado, o Direito à lei. Este curso pode contribuir
noutra significância”, apontou.
A aula inaugural
não foi apenas uma aula, mas um marco na construção do próprio curso que
se inicia e uma certeza de que as lutas dos trabalhadores e
trabalhadoras rurais, por justiça social e democracia, também se dá no
campo da academia, de abrir o caminho para que milhares de outros jovens
possam encontrar no acesso ao ensino superior mais uma ferramenta para
contribuir na construção de outra sociedade possível e diferente da que
vivemos.
Cícero Araújo e Marília Mercês são militantes do MST e educandos do curso de Direito Uefs/Proner
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