Boaventura de Sousa Santos
2013 será um desastre no plano social e imprevisível no plano político.
Conseguirá o Governo criar a estabilidade que lhe permita terminar o
mandato ou haverá uma crise política que obrigue a eleições antecipadas?
Digamos que cada uma destas hipóteses tem 50% de chances de se
realizar. Assim sendo, é necessário que os portugueses tenham a certeza
de que a instabilidade política que possa surgir é o preço a pagar para
que surja uma alternativa de poder e não apenas uma alternância no
poder. Poderão as esquerdas construir tal alternativa? Sim, mas só se se
transformarem e se unirem, o que é exigir muito em pouco tempo. À
partida, as perspectivas são negativas e para as inverter é preciso
coragem e criatividade políticas. Primeiro, é preciso eliminar dois
sensos comuns partidários com muito pouco senso. O PS pensa que sozinho
ganhará as eleições por maioria absoluta. É possível, mas, se estiver
tal como está, poderá garantir alternância, mas não alternativa. Com um
líder mal preparado, atado à troika por não ter projeto, mal disfarçando
que considera inevitável a erosão dos direitos sociais e que, assim
sendo, a direita está a prestar um favor ao PS, e mais preocupado em
combater os rivais do que o Governo, o PS corre o risco de frustrar mais
uma vez as expectativas dos portugueses, o que, sendo fatal para o PS
(veja-se o caso do PASOK), será sobretudo fatal para o país. O PS tem
congresso marcado para 2013 e tudo pode mudar, oxalá que para bem da
democracia. Por sua vez, o pouco senso dos partidos à esquerda do PS
consiste em estabelecer condições, aparentemente rígidas, para qualquer
entendimento com o PS e apresentadas na forma que mais dificulta esse
entendimento.
Se conseguirmos ultrapassar estes bloqueios, então haverá alternativa e não apenas alternância. Ofereço o meu contributo para a configuração de tal alternativa. Primeiro, as esquerdas devem centrar-se no bem-estar dos portugueses e não nas possíveis reações dos credores. A história mostra que o capital financeiro e as instituições multilaterais (FMI, BCE, Comissão Europeia) só são rígidas na medida em que as circunstâncias não as forçarem a ser flexíveis. Segundo, o que historicamente une as esquerdas é a defesa do Estado social forte: educação pública obrigatória gratuita; serviço nacional de saúde tendencialmente gratuito, ou seja, taxas moderadoras, sim, co-pagamento, nunca; segurança social sustentável com sistema de pensões assente no princípio da repartição e não no de capitalização; bens estratégicos ou monopólios naturais (água, correios) nacionalizados. As diferenças entre as esquerdas são importantes, mas não ofuscam esta convergência de base e foi ela que sempre determinou as preferências eleitorais das classes populares. É certo que a direita também contribuiu para o Estado social (basta lembrar Bismark na Prússia), mas fê-lo sempre pressionada pelas esquerdas e recuou sempre que essa pressão baixou, como é o caso, desde há 30 anos, na Europa. A defesa do Estado social forte deve ser a prioridade das prioridades e, portanto, deve condicionar todas as outras. Assim, o Estado social não é sustentável sem desenvolvimento e por isso esta deve ser a segunda prioridade a unir as esquerdas. Haverá divergências sobre o peso da ecologia, da ciência ou da flexissegurança no trabalho, mas o acordo de fundo sobre o desenvolvimento é inequívoco e esta é, portanto, a segunda prioridade a unir as esquerdas, já que, como a salvaguarda do Estado social é prioritária, tudo tem de ser feito para garantir o investimento e a criação de emprego. E aqui entra a terceira prioridade que deverá unir as esquerdas. Se para garantir o Estado social e o desenvolvimento é preciso renegociar com a troika e os restantes credores, então tal renegociação tem de ser feita com determinação. Ou seja, a hierarquia das prioridades torna claro que não é o Estado social que se deve adaptar às condições da troika, mas, ao contrário, que devem ser estas a adaptar-se à prioridade em manter o Estado social. Esta é uma mensagem que tanto os portugueses como os credores entenderão bem, ainda que por razões diferentes.
Para que a unidade assim criada entre as esquerdas tenha êxito político, há que considerar três fatores: risco, credibilidade e oportunidade. Quanto ao risco, é importante mostrar que os riscos não são superiores aos que os portugueses já estão a correr: empobrecer acorrentados à condição de periferia, fornecendo mão- -de-obra barata à Europa desenvolvida. Trata-se de um risco calculado destinado a pôr à prova a convicção com que o projeto europeu está a ser salvaguardado. A credibilidade reside, por um lado, na convicção e na seriedade com que se formular a alternativa e no apoio democrático com que ela contar e, por outro lado, no facto de o país ter mostrado que é capaz de fazer sacrifícios de boa-fé. Apenas não aceita sacrifícios impostos de má-fé, como se prova ter sido caso dos dois últimos anos: sacrifícios impostos como máximos apenas para abrir caminho para outros maiores. A oportunidade está aí para ser aproveitada. O BCE e UE dão sinais de que levam a sério o risco de desagregação da zona euro e das consequências que daí advirão. Chega a ser patético verificar que a troika só não abre a renegociação porque o Governo não a solicita. Basta ler as entrelinhas do que dizem os responsáveis (não os funcionários menores com o DNA modificado para só ver o Estado como inimigo). Ao nível mais alto sabe-se que é preciso tirar consequências do facto de o memorando não ter sido cumprido em aspetos decisivos (por exemplo, financiamento da economia), de serem claras as consequências perversas do que foi cumprido e de o contexto europeu se ter alterado. A oportunidade, para o ser, tem de ser aproveitada por aqueles a quem aproveita.
Se conseguirmos ultrapassar estes bloqueios, então haverá alternativa e não apenas alternância. Ofereço o meu contributo para a configuração de tal alternativa. Primeiro, as esquerdas devem centrar-se no bem-estar dos portugueses e não nas possíveis reações dos credores. A história mostra que o capital financeiro e as instituições multilaterais (FMI, BCE, Comissão Europeia) só são rígidas na medida em que as circunstâncias não as forçarem a ser flexíveis. Segundo, o que historicamente une as esquerdas é a defesa do Estado social forte: educação pública obrigatória gratuita; serviço nacional de saúde tendencialmente gratuito, ou seja, taxas moderadoras, sim, co-pagamento, nunca; segurança social sustentável com sistema de pensões assente no princípio da repartição e não no de capitalização; bens estratégicos ou monopólios naturais (água, correios) nacionalizados. As diferenças entre as esquerdas são importantes, mas não ofuscam esta convergência de base e foi ela que sempre determinou as preferências eleitorais das classes populares. É certo que a direita também contribuiu para o Estado social (basta lembrar Bismark na Prússia), mas fê-lo sempre pressionada pelas esquerdas e recuou sempre que essa pressão baixou, como é o caso, desde há 30 anos, na Europa. A defesa do Estado social forte deve ser a prioridade das prioridades e, portanto, deve condicionar todas as outras. Assim, o Estado social não é sustentável sem desenvolvimento e por isso esta deve ser a segunda prioridade a unir as esquerdas. Haverá divergências sobre o peso da ecologia, da ciência ou da flexissegurança no trabalho, mas o acordo de fundo sobre o desenvolvimento é inequívoco e esta é, portanto, a segunda prioridade a unir as esquerdas, já que, como a salvaguarda do Estado social é prioritária, tudo tem de ser feito para garantir o investimento e a criação de emprego. E aqui entra a terceira prioridade que deverá unir as esquerdas. Se para garantir o Estado social e o desenvolvimento é preciso renegociar com a troika e os restantes credores, então tal renegociação tem de ser feita com determinação. Ou seja, a hierarquia das prioridades torna claro que não é o Estado social que se deve adaptar às condições da troika, mas, ao contrário, que devem ser estas a adaptar-se à prioridade em manter o Estado social. Esta é uma mensagem que tanto os portugueses como os credores entenderão bem, ainda que por razões diferentes.
Para que a unidade assim criada entre as esquerdas tenha êxito político, há que considerar três fatores: risco, credibilidade e oportunidade. Quanto ao risco, é importante mostrar que os riscos não são superiores aos que os portugueses já estão a correr: empobrecer acorrentados à condição de periferia, fornecendo mão- -de-obra barata à Europa desenvolvida. Trata-se de um risco calculado destinado a pôr à prova a convicção com que o projeto europeu está a ser salvaguardado. A credibilidade reside, por um lado, na convicção e na seriedade com que se formular a alternativa e no apoio democrático com que ela contar e, por outro lado, no facto de o país ter mostrado que é capaz de fazer sacrifícios de boa-fé. Apenas não aceita sacrifícios impostos de má-fé, como se prova ter sido caso dos dois últimos anos: sacrifícios impostos como máximos apenas para abrir caminho para outros maiores. A oportunidade está aí para ser aproveitada. O BCE e UE dão sinais de que levam a sério o risco de desagregação da zona euro e das consequências que daí advirão. Chega a ser patético verificar que a troika só não abre a renegociação porque o Governo não a solicita. Basta ler as entrelinhas do que dizem os responsáveis (não os funcionários menores com o DNA modificado para só ver o Estado como inimigo). Ao nível mais alto sabe-se que é preciso tirar consequências do facto de o memorando não ter sido cumprido em aspetos decisivos (por exemplo, financiamento da economia), de serem claras as consequências perversas do que foi cumprido e de o contexto europeu se ter alterado. A oportunidade, para o ser, tem de ser aproveitada por aqueles a quem aproveita.
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