11/07/2012 - Atualizado em 11/07/2012
Fonte:
http://www2.correiobraziliense.com.br/euestudante/noticias.php?id=30850
Saulo Araújo
Testemunhas da repressão no câmpus entre 1964 e 1984 devem ser ouvidas pela comissão da UnB |
Universidade de Brasília institui grupo com o objetivo de esclarecer episódios de violência contra a comunidade acadêmica durante a didatura militar. Desvendar o desaparecimento de alunos é o principal foco do trabalho
A Universidade de Brasília (UnB) vai remexer o seu passado. Em 15 dias, um grupo de professores e historiadores se reunirá para esmiuçar documentos engavetados que podem revelar detalhes da violenta repressão sofrida pela comunidade acadêmica durante o regime militar. Testemunhas serão convidadas a contar o que viram e ouviram entre 1964 e 1984. O projeto, batizado de Comissão da Verdade da UnB, terá duas abordagens. Uma pretende desvendar o desaparecimento de líderes estudantis no período da ditadura e investigar episódios de tortura contra servidores. A segunda visa resgatar a história de uma das maiores instituições de ensino do país.
“Alguns estudantes da UnB se tornaram símbolos de luta e a história deles pode iluminar o futuro dos jovens de hoje que não conhecem a fundo o que se passou naquele difícil período”, afirmou o professor da Faculdade de Direito Cristiano Paixão, um dos entusiastas da proposta. A conclusão do trabalho auxiliará, ainda, a Comissão da Verdade em âmbito nacional, instalada em maio último a fim de apurar violações dos direitos humanos cometidos nos anos de chumbo. “Esse grupo tem sete membros e apenas dois anos para investigar tudo entre 1946 e 1988. É pouco tempo. A UnB foi alvo direto da ditadura, era vista como uma ameaça e, por essa razão, existem questões que ainda não foram completamente entendidas”, destacou Paixão.
Uma das prioridades do colegiado da universidade é esclarecer o que houve com Honestino Guimarães, aluno do curso de geologia e um dos principais opositores do regime. Ele foi visto pela última vez em outubro de 1973, após ser descoberto, no Rio de Janeiro, por homens do Centro de Informação da Marinha. Honestino passou a viver na clandestinidade na capital carioca em 1968, depois de ser preso diversas vezes em Brasília.
Ele era acusado por arapongas do governo de “promover e orientar a ação subversiva na UnB e ser o responsável por todas as crises por que tem passado a UnB. Um agitador contumaz e pernicioso ao ambiente universitário”. O texto consta em arquivos secretos do Serviço Nacional de Informações (SNI), publicados com exclusividade pelo Correio em abril último. Ele foi declarado desaparecido político, dado oficialmente como morto em 1994, mesmo que o corpo nunca tenha aparecido. “Esclarecer o que houve com Honestino, Paulo de Tarso e Ieda Delgado será uma questão de honra para a UnB”, destacou Cristiano Paixão.
Primeiras tarefas
No fim da tarde de ontem, Cristiano Paixão e o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior, se encontraram para discutir o assunto. Nos próximos dias, devem ser definidos os integrantes da comissão. O Diretório Central dos Estudantes (DCE) será convidado a participar do processo. Também em breve serão distribuídas as primeiras tarefas do grupo. “A comunidade acadêmica está se mobilizando bastante em torno desse tema, pois todos entendem que se trata de uma questão de restaurar a dignidade violada e, sobretudo, de não permitir que fatos como esse se percam na obscuridade do passado”, frisou José Geraldo.
O reitor destacou ainda que a Comissão da Verdade da UnB pretende consultar reportagens publicadas pelo Correio Braziliense nos últimos anos sobre a repressão da ditadura nas universidades federais. “O jornal, ao longo das últimas décadas, prestou um grande serviço à memória e à história do Brasil. Muitos textos revelaram fatos da ditadura na universidade que nem eu conhecia. Certamente, eles nos ajudarão a consolidar o trabalho da comissão”, ressaltou.
O senador Cristovam Buarque (PDT), primeiro reitor eleito pela comunidade universitária, em 1984, considerou fundamental o passo dado pela atual administração na tentativa de trazer à tona fatos do passado. “É totalmente relevante o que o atual reitor está fazendo, pois, na universidade, formamos historiadores. Não podemos admitir que passagens tão importantes da UnB permaneçam no campo do desconhecimento. Eu lamento não ter feito isso na minha gestão, mas estávamos no começo da democracia, tendo em vista que não era fácil aprovar um projeto tão ousado à época”, destacou.
Reportagens do Correio subsidiarão o trabalho da equipe
Rotina de invasões e resistência
9 de abril de 1964
Acontece a primeira invasão na UnB, nove dias após o golpe militar. O então reitor, Anísio Teixeira, e o vice, Almir de Castro, foram surpreendidos por tropas do Exército e por policiais de Minas Gerais. Os militares chegaram em 14 ônibus, com três ambulâncias já preparadas para possíveis confrontos. Buscavam também 12 professores que deveriam ser presos e interrogados.
8 de setembro de 1965
A segunda ocupação foi motivada por uma greve de professores que durou 24 horas. A paralisação foi uma resposta à demissão dos docentes Ernani Maria de Fiori, Edna Soter de Oliveira e Roberto Décio de Las Casas, afastados por determinação do regime.
4 de março de 1968
O episódio mais violento. Os alunos protestavam contra a morte do estudante Edson Luis de Lima Souto, assassinado por policiais no Rio de Janeiro. Esse foi o estopim para o decreto da prisão de 60 universitários, entre eles, Honestino Guimarães. Ao todo, 60 deles acabaram presos e o estudante Waldemar Alves foi baleado na cabeça. Ele ficou meses no hospital, mas se recuperou.
6 de junho de 1977
Na última invasão, militares prenderam estudantes e intimaram professores e funcionários. A motivação foi a greve que alunos e docentes declararam para dar um fim às agressões que sofriam.
5 de fevereiro de 1984
A democracia e a estabilidade da UnB são retomadas com a eleição de Cristovam Buarque, o primeiro reitor eleito pela comunidade acadêmica. Ele tomou posse em maio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário