sexta-feira, 22 de março de 2024

 

CORREIO BRAZILIENSE, Caderno Direito & Justiça

 

'Direito & Justiça': "O CB é detentor único de uma tradição"

Pode-se dizer, com a volta do Suplemento, que o CB é detentor único de uma tradição - o suplemento jurídico - que só os grandes jornais logram ou ousam manter

postado em 21/03/2024 03:55

Por José Geraldo de Sousa Junior

 

Começo por compartilhar a minha satisfação quando li no Correio, o anúncio feito por Ana Dubeux, a brilhante editora do jornal, da volta do Suplemento Direito & Justiça, agora com a responsabilidade editorial da jornalista Ana Maria Campos.

Ana, a Dubeux, anunciava a pauta do Caderno, editado na cidade-capital, na qual estão instalados todos os sistemas judiciários e jurídicos do país, do térreo — as instâncias de base; à cobertura, os tribunais superiores que culminam a jurisdição, uniformizam as decisões, definem a sua repercussão e estabelecem a sua conformidade constitucional.

E ela ainda apontou para uma expectativa trazida com a novidade: "publicar matérias e artigos que vão ajudar o leitor a compreender melhor a engrenagem da justiça brasileira. Apresentar, discutir, analisar e opinar sobre temas que estão vivíssimos na nossa sociedade, por exemplo, a maior participação feminina e de negros nas cortes superiores".

Parte da satisfação está em ver o Correio, mais uma vez, preservar espaços valiosos do jornalismo clássico, que distingue os veículos de comunicação e lhes dá identidade. Até a sua suspensão, depois da morte de Josemar Dantas que o editou quase desde sempre, o Direito & Justiça era a sobrevivência escoteira dos suplementos voltados para o tema, depois de sua extinção, salvo uma ou outra coluna (eu mesmo mantenho uma Coluna Lido para Você no jornal Estado de Direito, de Porto Alegre, editado pela advogada Carmela Grüne; e durante anos uma coluna também no jornal A Voz do Advogado, da OAB do Distrito Federal, editado, até a morte de ambos — o jornal e o editor — pelo advogado e jornalista Galba Menegale).

Com Ana Maria, a Campos, uma novidade, igualmente boa, traz alento para um campo em geral sisudo quando não insosso, do ponto de vista verbal e seu modo de recortar ou traduzir o real: a linguagem do Direito. Os mais esclarecidos sempre se ressentiram disso, no duplo aspecto: o do continente e o do conteúdo. Por isso, o desatento deles em relação aos locutores do tema. Meu querido avô, jurista (professor) e notável, juiz — Floriano Cavalcanti de Albuquerque (ver https://estadodedireito.com.br/desembargador-floriano-cavalcanti-de-albuquerque-e-sua-brilhante-trajetoria-de-vida/), falando de si e de seus pares, desenhava-lhes o perfil: "A sua cultura tem que ser universal, para que dele não se chasqueie, como Lutero, 'Pobre coisa o juiz que só é jurista!', ou se reduza a nada, como D'Holbach, 'Quem só o direito estuda, não sabe direito'".

E eu ainda acrescento, com Anatole France, a essas qualidades próprias do bom juiz, certamente inspirando-se no presidente Magnaud, a combinação entre o espírito filosófico e a simples bondade (A Lei é morta o juiz é vivo). Algo que permita o salto humanizador que o exalte para além daquele lugar automático que já no século XIV mereceu a reprimenda de Bartolo de Sassoferrato ("I meri leggisti sono puri asini").

Ana Maria Campos, por tudo que se revela em seu jornalismo ágil, direto, elegante, é essa possibilidade renovadora para traduzir no diálogo com o social um jurídico que dele não delire, nem em abstrações nefelibatas; nem em positividades que o estanquem e se façam obstáculo ao processo dinâmico do jurídico que se decalca no social, na esfera pública, nos espaços de cidadania. Nas condições em que as sociabilidades legitimadas pela ética, pela política e pelo direito, permitam o trânsito da manifestação transeunte da multidão que a transforma em povo (Marshal Berman, em Tudo que é Sólido Desmancha no Ar).

Que o Direito & Justiça possa se constituir, com suas pautas e sua editoria, o campo de interlocução entre o social e o jurídico; que saiba compreender e exercitar a dimensão plena do ato de julgar, rejeitando a falsa oposição entre o político e o jurídico, ao entendimento de que, para se realizar, "a justiça não deve encontrar o empecilho da lei". Uma condição, dizia Víctor Nunes Leal, partir de seus cursos na UnB, sua leitura de Brasil (Coronelismo, Enxada e Voto) e sobretudo sua judicatura no Supremo Tribunal Federal, que permita "a jurisprudência do Supremo a andar pelas ruas porque, quando anda pelas ruas, colhe melhor a vida nos seus contrastes e se prolonga pela clarividência da observação reduzida a aresto".

https://www.correiobraziliense.com.br/direito-e-justica/2024/03/6819870-direito-justica-o-cb-e-detentor-unico-de-uma-tradicao.html

 

 

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