quarta-feira, 30 de março de 2022

 

Dicionário de Direitos Humanos

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

 

 

Dicionário de Direitos Humanos. José Luiz Quadros de Magalhães; Lucas de Alvarenga Gontijo; Bárbara Amelize Costa; Mariana Ferreira Bicalho (Orgs.). Editora Fi de Acesso Aberto (https://www.editorafi.org/). 572 p. (LINK DO LIVRO: https://www.editorafi.org/323dicionario).

 

                                     

 

         Antes de mergulhar no exame da obra, um registro com sabor de novidade editorial. Conforme Lucas Fontella Margoni, proprietário, editor e fundador da Editora Fi!, a proposta dessa nova Editora é se constituir “um modelo e referência em edição, publicação e distribuição de livros sob Acesso Aberto, focada em produções acadêmicas/científicas de relevância. Um novo e importante conceito de divulgação e disponibilização de pesquisa e conhecimento! Publicamos exclusivamente  monografias, dissertações e teses, destacadas por excelência, assim como projetos e coletâneas de artigos, vinculadas às instituições de ensino superior mais tradicionais e inovadoras. Tenho muito orgulho em ver hoje nomes reconhecidos e de referência fazendo parte do catálogo, apoiando uma proposta voltada à Ciência Aberta. Como os livros não são vendidos, todos se enquadram perfeitamente sob a política de regulação da Creative Commons, o que possibilita melhor aproveitamento de conteúdo de mídia, artístico de terceiros. O trabalho original aprovado tradicionalmente por bancas ou comitês, que segue uma normalização técnica obrigatória (ex.: ABNT), é adaptado para nosso layout/design, elaborando uma capa à altura da qualidade do escrito, sempre aberto a sugestões e inspirações ;)”.

            Portanto, no link da Editora o conteúdo pode ser baixado gratuitamente. Para aferir a qualidade, fiz a encomenda da edição impressa. Até para manuseio à moda antiga, (“estendendo memória e imaginação”, cf. BORGES, Jorge Luis. O Livro. São Paulo: Edusp, 2008, p. 10), tendo-o ali à mão, enquanto circulo entre as estantes para, “sempre, mais reler, do que ler” (BORGES, idem p. 33).

Apresentando a obra os organizadores, entre eles o querido amigo José Luiz Quadros de Magalhães, para marcar a intenção da Obra, pontuam:

O filósofo italiano Franco Berardi, no seu livro lançado também no Brasil “Depois do Amanhã”, oferece-nos uma belíssima reflexão sobre a linguagem. Ele comenta sobre o momento quando os seres humanos começaram a desenvolver um idioma, criando sons, palavras, que eram atribuídas a referências de objetos, animais, sentimentos, eventos, gradualmente criando uma gramática e um sentido de tempo próprio de cada cultura. É sempre importante lembrar que não há uma única relação com o tempo, e que o tempo linear é uma visão universalizada pela violência a partir do início da construção do primeiro sistema mundo, colonial moderno. Entre os milhares idiomas sobreviventes entre outros milhares extintos pela violenta uniformização imposta pelos impérios coloniais europeus, encontramos muitos que não tratam o tempo de forma linear. Existem idiomas em um presente contínuo, em um viver em permanente mutação, como por exemplo muitos povos da floresta. Não há passado, não há futuro e nem um presente congelado, como pretendem os modernos, mas uma vida em permanente mutação, que acompanha o ritmo permanente de mudança das terras férteis e da floresta tropical. Trata-se de uma visão de um mundo em um presente contínuo, em permanente mudança, não congelado, de outras regiões e de outras culturas. O olhar sobre o mundo surge da vida integrada a ambientes naturais. Um futuro de ambientes artificiais vai se afirmando como um futuro monolítico, monocromático, sem vida, onde as mudanças são apenas tecnológicas. Um mundo ideal para o poder centralizado, hierarquizado e opressor. Poder que se pretende permanente, congelado. Este dicionário tem uma intenção: entender algumas dessas novas palavras, ajudar a combater o vazio de sentido do empobrecimento da linguagem e lutar pela possibilidade de volta da comunicação. Só há comunicação efetiva se a palavra é envolvida pelo sentimento, sensibilidade, afeto, olhar, gesto e sons. As palavras viajam no tempo, são aprisionadas pelo poder e libertadas pelo povo, em um combate pela diversidade. O mundo contemporâneo não mais se encaixa nas palavras e conceitos modernos. Sempre converso com meus alunos sobre a tentativa de encaixar o mundo e sua radical transformação nas palavras e conceitos modernos.

 

Um notável esforço, empreendido por um pugilato autoral reunido pelos Organizadores, todos e todas versáteis no tema, que logram articular enunciados (verbetes extendidos), no sentido de emancipar a língua da armadilha de sentido que Roland Barthes denuncia como seu caráter fascista (Aula, São Paulo: Cultrix, s/d – original das Éditions du Seuil, 1978, p. 14: “a língua, como desempenho de toda linguagem, não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer”); e ao mesmo tempo, contribuir para que se projetem em sua viagem (conforme também CANOTILHO, J.J. Gomes. Novos ‘paradigmas’, novos ‘saberes’, novos ‘direitos’, as ‘palavras viajantes’. OAB Anais da XIII Conferência Nacional. Belo Horizonte: Conselho Federal da OAB, 1990: “Em crise estão muito dos ‘vocábulos designantes’ – ‘Constituição’, ‘Estado’, ‘Lei’, ‘Democracia’, ‘Direitos Humanos’… que acompanharam, desde o início, a viagem do constitucionalismo…palavras viajantes”, p. 105-106).

A Obra, incluindo a Apresentação e o Prefácio, contêm 78 verbetes: Abuso de Autoridade (Jamilla Monteiro Sarkis), Accountability Social (Mateus Vaz e Greco), Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas (Isabela Gonçalves Almeida e Guilherme Scodeler de Souza Barreiro), Autoritarismo (Lilia Schwarcz), Comissão da Verdade (Fernanda Nalon Sanglard),Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Samella de Pinho e Santos e Gabriel de Souza Salema), Comunidades Quilombolas (Márcia Cristina Gama Zanon, Arthur Carvalho Pereira e Matheus de Mendonça Gonçalves Leite), Contratações Públicas Sustentáveis (Daniel Lin Santos), Crianças, Adolescentes e seu Estatuto. Lei n. 8.069/90 (Gabriella Véo Lopes da Silva), Crimes Contra a Humanidade (Ana Carolina de Rezende Oliveira), Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: Uma Breve Revisitação Crítica (Débora Caetano Dahas), Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (Gladstone Leonel Júnior, Antonio Escrivão Filho e Patrick Mariano Gomes), Defensoria Pública (Rômulo Luiz Veloso de Carvalho), Democracia (Lucas de Alvarenga Gontijo e Mariana Ferreira Bicalho), Desastres e Direitos Humanos (Fernanda Dalla Libera Damacena), Desenvolvimento Sustentável (Raíssa Dias de Freitas), Desinformação (Gregório de Almeida Fonseca), Devido Processo Legal e Devido Processo Constitucional (Igor Alves Noberto Soares), Dignidade Humana (Nelson Camatta Moreira), Direito à Alimentação (João Pedro Stédile), Direito à Diferença (José Luiz Quadros de Magalhães), Direito à Diversidade (José Luiz Quadros de Magalhães), Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado (Raíssa Dias de Freitas), Direitos de Acesso à Informação e à      Comunicação (Rene Morais),  Direitos Humanos no Brasil (Robson Sávio Reis Souza), Direitos Políticos (Carolina Lobo e Mariane dos Santos Almeida Costa), Ditadura e Direitos Humanos (Igor Alves Noberto Soares), Educação em Direitos Humanos (Guilherme Scodeler de Souza Barreiro e Raíssa Nayady Vasconcelos Santos), Estado Democrático de Direito (Jordânia Cláudia Gonçalves Torquette), Execução Penal (Flávia Ávila Penido), Familiar de Pessoa em Privação de Liberdade (Monique Pena Kelles e Samuel Rivetti Rocha Balloute), Feminismo e Gênero (Mariana Cardoso Magalhães), Garantias Constitucionais Processuais (Jordânia Cláudia Gonçalves Torquette), Igualdade (Wânia Guimarães Rabello de Almeida), Igualdade das Mulheres na Política e Sub-Representação Feminina (Larissa de Moura Guerra Almeida), Indígenas e Igualdade Eleitoral (Keila Francis de Jesus da Conceição), LGBTQIA+ (Mateus Vaz e Greco), Liberdade (Francisco Celso Calmon), Liberdade de Associação (Bárbara Nascimento), Literatura, Direitos (Humanos) e Democracia (Débora Caetano Dahas), Memória e Verdade (Fernanda Sanglard), Mínimo Existencial Ecológico (Flávia Alvim de Carvalho), Movimentos Feministas no Brasil: Noções Introdutórias (Bruna Camilo de Souza Lima e Silva), Nacionalidade (Nankupé Tupinambá Fulkaxó), Necropolítica (Mariana Lara Corgozinho), Paridade de Gênero (Gisleule Maria Menezes Souto e Luana Mathias Souto), Pena (Monique Pena Kelles), Pessoa com Deficiência (Ligia Veloso), Pessoa de Ocupação (Bárbara Nascimento), Pessoa em Privação de Liberdade (Monique Pena Kelles), Pessoas com Crença Religiosa e/ou Espiritual (Alanys Valença Martins e Guilherme Scodeler de Souza Barreiro), Pessoa em Situação de Rua (Mariana de Souza Godinho e Wânia Guimarães Rabello de Almeida), Poder Executivo, Poder Judiciário e Poder Legislativo (Igor Alves Noberto Soares), Políticas Afirmativas (Pâmela Guimarães-Silva), Políticas Públicas de Direitos Humanos (Bárbara Amelize Costa), População em Situação de Rua (Ana Célia Passos Pereira Campos e Igor de Souza Rodrigues), Populações Atingidas por Desastres (Anna Carolina Murata Galeb, Guilherme Cavicchioli Uchimura, João Marcos Rodrigues Dutra, Leandro Gaspar Scalabrim, Sara Brígido Oliveira e Tchenna Fernandes Maso), Pós-Verdade (Rafael Geraldo Magalhães Vezzosi), Povos e Comunidades Tradicionais (Graziele Aparecida de Jesus, Inara Brenda Luisa de Oliveira e Matheus de Mendonça Gonçalves Leite), Racismo (Gil Ricardo Caldeira Hermenegildo e Laura Alves de Oliveira), Reconhecimento, Resistência e Direitos Humanos da População LGBTQIA+ (Débora Caetano Dahas e Maria Eduarda Parizan Checa), Refugiados, Migrantes, Apátridas e Deslocados Internos (Mayra Thais Andrade Ribeiro), Representatividade LGBT na Política (Ana Clara Serrano Mendes e Guilherme Scodeler de Souza Barreiro), Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (Luana Mathias Souto), Saúde (Luciana de Melo Nunes Lopes), Seguridade Social (Juliana Sequeira Borges Costa e  Guilherme Scodeler de Souza Barreiro), Sistema Prisional (Flávia Ávila Penido), Soberania (Lucas de Alvarenga Gontijo e Mariana Ferreira Bicalho), SUS (Luciana de Melo Nunes Lopes), Testemunho (Fransuelen Silva), Trabalhadora e Trabalhador Sexual (Bárbara Natália Lages Lobo), Trabalho e Direitos Humanos (Cléber Lúcio de Almeida), Trabalho Escravo ou Análogo (Maíra Dias de Freitas), Tribunal Penal Internacional (TPI) (Gabriel de Souza Salema e Sanmella de Pinho e Santo), Tributos e Desigualdades (Marciano Seabra de Godoi), Verdade (Rafael Geraldo Magalhães Vezzosi), Violência (Paulo Henrique Borges da Rocha e Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia), Violência Política e Gênero (Jô Moraes).

São autoras e autores com diferentes graus de inserção no sistema acadêmico e militante de proteção e promoção de direitos e de direitos humanos. Aqui, foram reunidos pelo Grupo de Estudos e Extensão Redes de Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Minas.

O Redes, diz Mariana Bicalho na Apresentação, “é voltado para a efetivação dos Direitos Humanos em Minas Gerais (embora, na Obra, haja pesquisadoras e pesquisadores de todo o Brasil, com diferentes percursos) e para construção de conhecimentos e ações com e para a rede de entidades governamentais e não-governamentais que atuam na proteção e promoção de direitos.

Distingo, entre tantos, companheiros do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, forte também em objetivos próximos: Antonio Sérgio Escrivão Filho, Gladstone Leonel Silva Junior e Patrick Mariano Gomes. O faço pela confiança político-epistemológica. E pela parceria estreita. Escrivão, meu colega na Congregação Docente da Faculdade de Direito da UnB é coautor, comigo, de Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos (Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2016, cf, aqui, em Lido para Você: http://estadodedireito.com.br/para-um-debate-teorico-conceitual-e-politico-sobre-os-direitos-humanos/Com Gladstone, professor na UFF, tenho investido, em aproximações co-autorais, na tese de um Constitucionalismo Achado na Rua, conforme La Lucha por La constituyente y reforma Del sistema político en Brasil: caminos hacia un ‘constitucionalismo desde La calle’  La Migraña, n. 17/2016 e a publicação na Revista Direito e Práxis, vol. 8, n. 2 (2017): “A luta pela constituinte e a reforma política no Brasil: caminhos para um ‘constitucionalismo achado na rua’”, seguindo o percurso original desse brilhante pesquisador. Ver a propósito: http://estadodedireito.com.br/novo-constitucionalismo-latino-americano-um-estudo-sobre-bolivia/, sobre o seu livro Novo Constitucionalismo Latino-Americano: um estudo sobre a Bolívia, 2a. Edição. SILVA JUNIOR, Gladstone Leonel. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2018.

Com Patrick nossa parceria é a de trincheira, no campo da advocacia pro bono, de interesse público. Junto com colegas advogados e parlamentares do campo progressista, subscrevemos representações no Ministério Público Federal e no Conselho de Ética Pública contra ministros de estado e seu chefe na governança atual, por afronta à Constituição e por desvio de poder ou de finalidade notadamente em suas investidas desdedemocratizantes e desconstituintes tendo como foco a universidade pública, sua autonomia e a liberdade de ensino.

Com respaldo em excelente bibliografia, mas principalmente na combinação de elementos teórico-políticos que se adensam no percurso dos autores, o verbete por eles publicado, começa por caracterizar os sujeitos da sua enunciação:  “Os Defensores e as Defensoras de Direitos Humanos são aquelas pessoas ou coletivos que pautam as suas trajetórias pela luta por direitos para além de si mesmo, apontam um horizonte de respeito ao outro e de transformação das mazelas da vida social. Para isso é fundamental que seus direitos sejam garantidos dentro do contexto das lutas que encampam”.

Ao longo do texto, sem perder de vista a existência de “diversas normas internacionais e nacionais que garantem a proteção de Defensor/a de Direitos Humanos (DDHs) e determinam ao Estado a responsabilidade de assegurar os seus direitos e proteger as ações empreendidas”, os Autores organizam a sua exposição de modo a: 1) Propor uma caracterização do termo; 2) Estabelecer a contextualização internacional do tema;  3) Esboçar a articulação nacional que sobre o tema se formula; 4) Traçar o cenário atual e casos emblemáticos

Nesse último tópico os Autores explicam que “desde 2017, a agenda de direitos humanos no Brasil sofre com o desmantelamento de políticas públicas, diversos conflitos territoriais, crescente militarização no campo político-social, desinformação e violência de todos os tipos. Questões que impactam diretamente a atuação dos defensores e defensoras de direitos humanos, os/as quais vivenciam uma realidade de incertezas, por vezes, ameaças, quando não assassinados.

Segundo a organização Global Witnes (2020), no ano de 2019 foram assassinados 24 defensores do meio ambiente no Brasil, sendo 10 indígenas, o que colocou o Brasil no ranking de 4º país mais violento do mundo para Defensores/as de Direitos Humanos.

No Brasil, cabe salientar, é característica a falta de proteção do Estado às lideranças ameaçadas, mesmo havendo programas públicos voltados para a proteção de defensores/as, dada a sua ineficácia por falta de interesse político, recursos pessoal capacitado.

Em 2018, o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes é um caso emblemático da falta de proteção daqueles que além de lutarem, representam o povo. Passados alguns anos, se mantém a incógnita em relação aos mandantes e as razões do assassinato de Marielle, o que acaba por representar de modo emblemático a característica marcante dos casos de violência e assassinato de defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil: impunidade.

Um dos casos mais recentes foi o assassinato de Fernando dos Santos Araújo em janeiro de 2021. Ele era sobrevivente e testemunha central de um dos massacres mais violentos dos últimos anos, o massacre de Pau D´Arco, em 2017, no Pará, que tinha como suspeitos policiais militares. Nessa ocasião, dez trabalhadores rurais foram assassinados durante uma ocupação de terra.  Fernando recebia ameaças de morte e foi executado dentro da própria casa”.

O pano de fundo de todas essas questões, postas em evidência em suas relevâncias no conjunto da Obra e dos verbetes que a compõem, pressupõem um viés crítico para seu mais pertinente enquadramento. Tenho tido essa preocupação ao exame de abordagens nesse sentido, podendo ser conferidos aqui neste espaço (Lido para Você), de alguns desses aspectos. Assim, em http://estadodedireito.com.br/diccionario-critico-de-los-derechos-humanos/a propósito de SORIANO DÍAZ, Ramón; ALARCÓN CABRERA, Carlos; MORA MOLINA, Juan (Directores). Diccionario Crítico de los Derechos Humanos. Huelva (España): Universidad Internacional de Andalucia, Sede Iberoamericana, 2000; ou em http://estadodedireito.com.br/enciclopedia-latino-americana-dos-direitos-humanos/, sobre a Enciclopédia Latino-Americana dos Direitos Humanos. Antonio Sidekum, Antonio Carlos Wolkmer e Samuel Manica Radaelli (Organizadores). Blumenau: Edifurb; Nova Petrópolis: Nova Harmonia, 2016.

Essas leituras críticas tem permitido cavucar o terreno inesperado de contribuições notáveis, incluindo aquelas procedentes de um reconhecimento que se poderia dizer até improvável, quando se pensa a concepção e a prática de projetos como aquele a que se vinculam os autores do verbete que pus em relevo.

Esses dias, coincidentemente, a plataforma facebook ativada por seu algoritimo que associa temas que possam guardar interesse para o assinante, resgatou republicando em meu perfil matéria da UOL (Folha de São Paulo), alusiva a pronunciamento do Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (aliás, meu colega e do Escrivão na Congregação docente da Faculdade de Direito da UnB), na qual, segundo a minha leitura e também do Escrivão, ele afirma a disposição criativa de O Direito Achado na Rua: “Colocar HC na pauta do STF é “coisa de direito achado na rua”, diz Gilmar… – Veja mais em https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/03/19/colocar-hc-na-pauta-do-stf-e-coisa-de-direito-achado-na-rua-diz-gilmar.htm?cmpid=copiaecola. O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes afirmou nesta segunda-feira (19) que colocar habeas corpus em pauta no pleno da suprema corte brasileira é algo novo e que isso é “coisa de direito achado na rua“. “A rigor nunca ninguém discutiu a pauta ou não de um HC [habeas corpus]. Isso é tudo novo. Digo que isso é coisa de direito achado na rua”, afirmou ao ser questionado sobre o habeas corpus coletivo protocolado no STF por advogados do Ceará contra a prisão de “todos os cidadãos que se encontrem presos e que estão na iminência de serem”. O processo caiu nas mãos de Gilmar Mendes por sorteio….”.

Será esse o Gilmar que é em geral posto de modo hostil a concepções como a de O Direito Achado na Rua, de resto, muito mais no que é dele apropriado do que por ele mesmo exposto. Valho-me de um incidente que anotei em texto por mim publicado na coluna que mantive por anos na Revista do Sindjus-DF – Sindicato dos Servidores do Judiciário e do Ministério Público em Brasília. Em seu nº 51, setembro de 2008, p. 5, com o título O Direito se Encontra na Lei ou na Rua?, fiz referência ao julgamento da ADPF nº 144, na qual o Ministro, então Presidente do Supremo Tribunal Federal fez uma afirmativa que teve ampla repercussão: “cada vez mais nós sabemos que o Direito deve ser achado na lei e não na rua”, logo reivindicada como citação sua pelo jornalista Reinaldo Azevedo, que em Veja (edição 2016, 11/07/2007), arrepia-se também em face de “O Direito Achado na Rua” porque “tal corrente entende que o verdadeiro direito é o que nasce dos movimentos sociais” (quero dizer que a mim, pessoalmente, o Ministro na sala de professores na Faculdade de Direito da UnB afirmou que no julgamento estava falando sobre algemas e não sobre O Direito Achado na Rua enquanto concepção teórica)?

Temos dúvida, Escrivão e eu. Basta aferir, conforme também a Folha de São Paulo – https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/08/sem-decisoes-do-stf-quadro-de-gravidade-da-covid-19-seria-maior-diz-gilmar-em-live-do-mst.shtml – . A matéria faz alusão a live do MST na qual “Gilmar Mendes se diz emocionado com convite e defende decisões do STF na pandemia”, e afirma que “a democracia se constrói com diálogo”. Para o Jornal Brasil de Fato que deu ampla repercussão ao tema (https://www.brasildefato.com.br/2020/08/14/gilmar-mendes-em-reuniao-com-mst-pacto-entre-poderes-evitaria-as-100-mil-mortes), o Ministro qualificou, “a desigualdade social em uma das maiores economias globais, como é o caso do Brasil, é motivo de vergonha e constrangimento”. E se afirmou convicto em face da exigência de atuação na “defesa intransigente da democracia e dos direitos fundamentais”, propondo a criação de uma lei de responsabilidade social”.  Não é essa afinal uma agenda inscrita no programa teórico-jurídico de O Direito Achado na Rua?

O conjunto de enunciados (verbetes) contidos na Obra, remonta, tal como dissemos Antonio Escrivão Filho e eu em nosso Para um Debate Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos, vale dizer, cogitar da teoria e da história dos direitos humanos, especialmente, a partir do Brasil, parece algo pertinente, sobretudo desde uma aproximação que encontra, na America Latina, novos horizontes epistêmicos; no Estado, um complexo agente de garantia e, simultaneamente, de violação de direitos; e nas lutas sociais, o compromisso ético-político que põe em movimento e dá fundamento a uma sociedade livre, justa e solidária.

A edição da obra se faz no memento em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos se reúne em audiência pública – dias 22 e 23 de março – para debater a denúncia sobre o assassinato de Gabriel Sales Pimenta (Caso Sales Pimenta vs Brasil). Trata-se de caso relacionado à suposta responsabilidade do Estado pela suposta situação de impunidade nos fatos relacionados à morte de Gabriel Sales Pimenta, advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá. Em decorrência de seu trabalho, teria recebido diversas ameaças de morte, pelas quais teria solicitado proteção estatal em diversas ocasiões perante a Secretaria de Segurança Pública de Belém, no Estado do Pará. Ele foi finalmente assassinado em 18 de julho de 1982. A referida morte teria ocorrido em um contexto de violência relacionada às reivindicações de terras e reforma agrária no Brasil. A Comissão concluiu que a investigação dos fatos relacionados à morte de Gabriel Sales Pimenta, encerrada em 2006 com decisão de prescrição, foi marcada por omissões do Estado.

O caso está relacionado à suposta responsabilidade do Estado pela suposta situação de impunidade nos fatos relacionados à morte de Gabriel Sales Pimenta, advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá. Em decorrência de seu trabalho, teria recebido diversas ameaças de morte, pelas quais teria solicitado proteção estatal em diversas ocasiões perante a Secretaria de Segurança Pública de Belém, no Estado do Pará. Ele foi finalmente assassinado em 18 de julho de 1982. A referida morte teria ocorrido em um contexto de violência relacionada às reivindicações de terras e reforma agrária no Brasil. A Comissão concluiu que a investigação dos fatos relacionados à morte de Gabriel Sales Pimenta, encerrada em 2006 com decisão de prescrição, foi marcada por omissões do Estado.

                                                 

Caso emblemático porque ele põe em causa, exatamente, a necessidade de proteção a defensores de direitos humanos. Em suma, do que se cuida é compreender os direitos humanos dentro de “um programa que dá conteúdo ao protagonismo humanista, conquanto orienta projetos de vida e percursos emancipatórios que levam à formulação de projetos de sociedade para instaurar espaços recriados pelas lutas sociais pela dignidade”.

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua

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