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A Constituição e a
escolha de Reitores
CATEGORIA: OPINIÃO
PUBLICADO: 20 OUTUBRO 2021
ACESSOS: 239
Em defesa do art. 207
da Constituição Federal e da harmonização do posicionamento do STF sobre a
escolha de reitores
Por ex-reitores(as)
A Constituição Federal
de 1988, a Constituição Cidadã, foi elaborada com o objetivo de remover e superar
o chamado ‘entulho autoritário’, restabelecendo os fundamentos do Estado de
Direito e instituindo direitos sociais capazes de forjar uma nação democrática.
Seu artigo 207 estabelece que “as universidades gozam de autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”,
prerrogativa que se expressa por meio do autogoverno e da autonormação, nos
marcos da Constituição.
O texto constitucional
não deixa margem a dúvidas: o autogoverno não é liberalidade, é exercido nos
termos do Estatuto da universidade e este, por sua vez, deve estar em
conformidade com a Constituição. A elevação da autonomia a preceito
constitucional objetivou superar a intervenção de governos ditatoriais nas
universidades.
Por meio do art. 16 da
Lei 5.540/1968, a ditadura aprofundou a heteronomia, institucionalizando a
lista sêxtupla e, assim, a ingerência governamental na escolha de reitores,
concebendo a universidade como uma instituição incapaz de tomar decisões
esclarecidas com base em sua própria lei (Estatuto). Não é possível esquecer
que a lei 5.540 é coetânea do Ato Institucional no 5 de dezembro de 1968, que
ampliou a violência do Estado sobre as universidades, cassando milhares de
servidores e, especialmente, docentes.
O fechamento do regime
seguiu seu curso autocrático e violento. Em 1977, o Congresso foi fechado e o
Decreto-Lei 6.420/1977 ampliou as prerrogativas presidenciais e debilitou,
ainda mais, a autonomia universitária, estabelecendo que também os diretores de
unidade seriam escolhidos pelo ministro da Educação a partir de uma lista
sêxtupla. Foi justamente para colocar um fim em tal violência estatal, que a
Constituição elevou a autonomia universitária a preceito constitucional com
força pétrea.
Em virtude da
“transição democrática” sui generis, já no contexto da redemocratização, a Lei
9.192/1995 manteve a heteronomia, por meio da prerrogativa presidencial de
escolha dos dirigentes máximos a partir de uma lista tríplice. Desde então, as
universidades têm seguido os termos legais, também presentes na LDB, porém sem
concordar com eles.
As instituições
universitárias federais, lutaram, desde os primeiros debates sobre a nova Lei
de Diretrizes e Bases, em prol de um ordenamento legal em conformidade com o
texto constitucional. É significativo que a lei que criou os Institutos
Federais de Educação Tecnológica, a lei 11.892/2008, reconheceu a hierarquia da
Constituição e estabeleceu que a escolha da reitora ou do reitor é feita pela
própria instituição, sem lista tríplice, cabendo ao presidente da República tão
somente nomear o(a) eleito(a) pela comunidade. Inusitadamente, a mesma
prerrogativa não foi garantida para as universidades que estão explicitamente
protegidas pelo art. 207.
O argumento de que a
lista tríplice permite uma correta discricionariedade do presidente da
República, não resiste à prova da realidade, conforme é possível verificar nas
nomeações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro. Grande parte dos reitores
nomeados pelo presidente é desprovida de legitimidade democrática, muitos
tiveram menos de 10%, quando não 0%, dos votos dos colegiados superiores e
devem sua nomeação à indicação de correligionários do governo. Nada pior do que
a conversão das universidades federais, de autarquias públicas autônomas, em
estruturas submetidas à pequena política de governos e forças partidárias: a
autonomia objetiva, justamente, proteger as universidades de ingerências
governamentais ilegítimas.
O STF elaborou peças
jurídicas meridianas em defesa do preceito constitucional, da autonomia
universitária e da liberdade de cátedra. Em virtude do ambiente de
instabilidade democrática que vivem as universidades, além de uma legislação
que nos remete ao período da ditadura, entendemos que o STF deve declarar a inconstitucionalidade
do art. 1o da lei 9.192/95 e do Decreto federal 1.916/96, e a plena eficácia da
Constituição Federal. Ao examinar o mérito da ADI 6565, conclamamos a
harmonização do posicionamento do STF com a ADPF 548, Plenário, 15/05/2020.
Torna-se claro que a
autonomia universitária é indispensável para a universidade desenvolver a sua
missão, acompanhar o desenvolvimento da ciência, das artes e da cultura, das
profissões e das demandas da sociedade. Estas são dimensões que têm ritmo e
exigências próprias e que não podem ficar subordinados às contingências
estritas de mudanças de governos. Portanto, não se trata de uma defesa
corporativa e menor, mas sim da possibilidade de as universidades exercerem o
seu papel na antecipação e identificação dos desafios e dos rumos para toda a
sociedade. Isto ocorreu quando da criação do Sistema Único de Saúde, na
genômica, na produção de vacinas, no desenvolvimento de matrizes energéticas e
na conservação do meio ambiente, entre outros. Sem o autogoverno, a liberdade
de cátedra seguirá sob severas ameaças e nossas universidade também!
Assinam os(as)
Reitores(as) :
Ana Lúcia Gazzola –
UFMG, 2002-2006
Ana Maria Dantas Soares
– UFRRJ, 2012-2016
Anísio Brasileiro de
Freitas Dourado – 2011-2015, 2015-2019
Carlos Alexandre Netto
- UFRGS, 2008-2012, 2012-2016
Clélio Campolina Diniz
– UFMG, 2010-2014
Cleusa Sobral Dias -
FURG, 2013-2016, 2017-2020
Eliane Superti –
UNIFAP, 2014-2018
Francisco César de Sá
Barreto – UFMG, 1998-2002
Gilciano Saraiva
Nogueira – UFVJM, 2015-2019
Gustavo Oliveira
Pereira – UNILA, 2017-2019
Jaime A. Ramírez –
UFMG, 2014-2018
Jose Carlos Tavares –
UNIFAP, 2006-2010, 2010-2014
José Geraldo de Souza
Jr. – UnB, 2008-2012
Jose Rubens Rebelatto -
UFSCar, 1996-2000
Julianeli Tolentino de
Lima, UFVSF, 2012-2016, 2016-2020
Malvina Tuttmann –
UNIRIO, 2004-2008, 2008-2011
Márcia Perales Mendes
Silva - UFAM, 2009-2013, 2013-2017
Margarida Salomão –
UFJF, 1998-2002, 2002-2006
Maria Lúcia Cavalli
Neder - UFMT 2008-2012, 2012-2016
Maria Beatriz Luce,
UNIPAMPA, 2008-2011
Maria Stella Coutinho
de Alcântara – UFSCar, 2008
Marco Hansen, UNIPAMPA,
2015-2019
Maurílio Monteiro –
UNIFESSPA, 2016-2020
Naomar Monteiro de
Almeida Filho – UFBA, 2002-2006, 2006-2010 – UFSB 2013-2017
Nelson Maculan Filho –
UFRJ, 1990-1994
Newton Lima – UFSCar,
1992-1996
Paulo Speller – UFMT,
2000-2004, 2004-2008 – UNILAB, 2010-2013
Pedro Hallal – UFPEL,
2017-2021
Odilon Antonio Marcuzzo
do Canto – UFSM, 1993-1997
Oswaldo Baptista Duarte
Filho – UFSCar, 2000-2008
Paulo Gabriel Soledade
Nacif – UFRB, 2006-2015
Reinaldo Centoducatte –
UFES, 2011-12, 2012-2016, 2016-2020
Ricardo Berbara – URRJ,
2017-2021
Roberto Leher – UFRJ,
2015-2019
Ronaldo Tadeu Pena,
UFMG, 2006-2010
Roberto Salles – UFF,
2006-2010, 2010-2014
Rui Oppermann – UFRGS,
2006-2020
Sebastião Elias Kuri –
UFSCar, 1988-1992
Sergio A. Araújo da
Gama Cerqueira – UFSJ, 2016-2020
Soraya Smaili –
UNIFESP, 2013-2017, 2017-2021
Targino de Araujo Filho
– UFSCar, 2006-2012, 2012-2016
Valéria Heloísa Kemp –
UFSJ, 2012-2016
Valeria Correa – UFAL,
2016-2020
Vicemário Simões –
UFCG, 2017-2021
Wrana Maria Panizzi,
UFRGS, 1996-2004
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