OPINIÃO
Nem
isto, nem aquilo: a terceira via é a direita disfarçada*
Rayane
Andrade
RAYANE
ANDRADE
13
de Sep de 2021 0
Com
o presente texto proponho uma análise sobre os últimos acontecimentos da
conjuntura nacional nesse setembro tão marcante. Vou me dedicar, em especial, a
análise dos atos bolsonaristas do último 7 e aqueles do sábado 12, puxados por
setores da direita que hoje se opõem ao Governo do presidente e que contaram
com presenças pontuais de parte da esquerda tradicional.
Faço
minha reflexão sobre o tema a partir de um poema assinado por Cecília Meireles.
A fluminense dispara sobre as dúvidas e como elas estão presentes em nosso
cotidiano. Diz trecho da poesia: “ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou
compro o doce e gasto o dinheiro. Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo… e vivo
escolhendo o dia inteiro!”. A disjuntiva que a artista provoca cabe como luva
para a encruzilhada política que atravessamos.
Os
atos que aconteceram no fim de semana foram chamados sob a lógica do isto ou
aquilo. Nem Bolsonaro, nem Lula era o que diziam os panfletos convocatórios. E
como a disputa política é também simbólica, nem vermelho, nem canarinho: vamos
de branco! O resultado: segundo estudo da USP, conduzido por Pablo Ortellado e
Márcio Moretto, publicado pela BBC Brasil[1], 67% dos participantes da
atividade se declararam caucasianos.
Esse
dado contrasta com o perfil das manifestações do dia da independência
bolsonaristas, cuja diversidade racial foi maior. Os professores apontam que
33% das pessoas que saíram em defesa de Jair Messias eram negras. Destacam
ainda, Moretto e Ortellado, que os atos organizados pelo Movimento Brasil Livre
(MBL) e companhia eram compostos em média por pessoas mais jovens, mais ricas e
com escolaridade superior que aquelas que atenderam o chamado bolsonarista.
Cumpre
destacar ainda que em termos de massificação, as marchas pró-Governo no dia 7
estão longe de ser um “flop”. Segundo dados da Polícia Militar de São Paulo,
mais de 125 mil pessoas ocuparam a paulista, sendo uma atividade cuja base de
sustentação era exclusivamente bolsonarista. Ao passo que no dia 12, o MBL, o
Novo, o PSDB, o PDT e demais forças da Direita, juntaram um público estimado em
6 mil participantes.
Além
da medição desproporcional de forças, esses dos episódios revelam muito sobre
como o tabuleiro do xadrez da política nacional está dividido. De um lado
existem as forças da extrema direita bolsonarista, financiadas a rodo,
mobilizadas e com sede de aprofundar o golpe de 16. No outro pólo, existe a
direita “gourmet”, que longe de ser delicada, vê em Bolsonaro um péssimo cavalo
para apostar nas fichas na disputa presidencial agendada e tenta
desesperadamente lançar um nome próprio para a corrida. E, por fim, há o campo
da esquerda que já vem puxando manifestações de massa desde o começo do último
trimestre, apontando para as consequências devastadoras da continuidade desse
Governo.
O
que mobiliza cada um desses setores? Bom, o bolsonarismo aposta na tática do
morde-e-assopra, cavando um pouco mais a tumba das liberdades democráticas a
cada gesto autoritário e recuo envergonhado. As declarações do presidente que
assanharam as massas, traziam o conteúdo antigo: não cumprir as decisões do
Supremo Tribunal Federal e foram seguidas de uma carta redigida por outro pária
especialista em missivas – Michel Temer.
Isso
se dá por duas razões: a primeira é que o STF, tem poder de fogo contra o clã
do presidente. Alexandre de Moraes tem acompanhado os inquéritos das Fake News
e investido contra os bolsonaristas mais eloquentes, expedindo pedidos de
prisão. Em segundo lugar, como lembra o profeta Jucá, a Corte está dentro do
grande acordo nacional. O Supremo representa parcela da elite brasileira que
tem acordo com as privatizações, a descentralização do Banco Central e outras
coisas mais, contudo acha Bolsonaro difícil de engolir.
Concretamente,
o colegiado reestabeleceu os direitos políticos de Lula colocando de volta ao
jogo o principal adversário eleitoral de Jair. As pesquisas mostram o mesmo
cenário de 2018 antes da prisão do ex-presidente ser decretada: o petista
lidera as intenções de voto para 22. O que provoca a reação da outra parcela da
Direita, a gourmet.
Da
parte lde Dória, Ciro e a juventude reacionária, o cálculo é apoiar o
impedimento de Jair Messias para dar gás ao nome do tal “caminho do meio”. E
para isso, o velho e funcional antipetismo é acionado, a saudade da Vaza-jato
bate e eles falam de uma frente ampla que continue a caça ideológica à esquerda
e suas pautas históricas. Cumpre lembrar que o MBL foi vanguarda bolsonarista.
Além de fotos icônicas com Eduardo Cunha, a juventude reacionária estava
invadindo hospitais até pouco tempo querendo provar que a Covid19 não existia.
Mais
de meio milhão de mortos depois, as memórias da defesa do racismo, e contra o
debate de gênero parecem rarear. Para os vídeos que registraram os tímidos protestos
dos “brancos”, via-se bandeiras LGBT. A pergunta que faço é: que tipo de luta
pela emancipação política dos sujeitos minoritários – mulheres, negritude,
diversidade sexual – se faz com quem ontem queria te ver morto até ontem? A
quem serve um movimento de identidades liberal e anti-povo?
O
resumo da ópera é que a fração das elites nacionais está sem saber o que fazer
diante de seu parco apoio popular e da polarização real entre o bolsonarismo e
as forças de esquerda, liderada pelo PT. E esse imbróglio não é fácil de
resolver. O PSDB assumiu publicamente ser oposição a Bolsonaro por cuidar da
democracia. É no mínimo risível depois de terem pedido recontagem de votos, que
abriu margem para uma das principais narrativas de Bozo: o ataque às urnas e o sistema
eleitoral.
Assim,
a direita “gourmet” que vota casadinho com o Governo nas pautas que vem
destruindo as condições de vida da classe trabalhadora, quer colocar o gênio de
volta na garrafa, mas viu que não dá conta de fazê-lo sozinha. E não tenham dúvidas
que esses sujeitos que agora marcham de branco e inflam bonecos tentando
igualar Lula a Bolsonaro nunca apoiariam uma candidatura da esquerda.
A
falsa equivalência entre o petismo e o bolsonarismo é necessária para que eles
se mobilizem como alternativa, mas ela não é capaz de ser mais real que o rei.
A população sabe que os resultados sociais dos governos petistas são totalmente
contrários aos que experimentamos hoje.
A
carestia corrói o salário mínimo que não tem reajuste real, a gasolina bate recordes
de preço, a fome volta aos lares brasileiros, o feminicídio cresce. Nessa toada
seguem a péssima gestão da pandemia, com os escândalos nas compras de vacina e
com a morte de mais de meio milhão de compatriotas.
O
impacto dessa política agressivamente neoliberal defendida pelo
“verdeamarelismo” do dia 7 e pelo “branquismo” do dia 12, repercute diretamente
nos nem-nem de verdade. O IPEA chama assim os jovens que não conseguem trabalho
e tão pouco se sentem motivados a estudar.[2] Esse limbo é provocado pela
completa estagnação das políticas macroeconômicas de responsabilidade da União
e empurra especialmente as mulheres negras, periféricas e para uma condição de
extremo empobrecimento e desalento.
E
o que fazer diante disso? Bom, aqui vamos analisar o último bloco do cenário
político posto. Para parte da esquerda fascinada com a doença infantil do
“frente amplismo”, como alguns analistas vem chamando, se sentiram confortáveis
em marchar lado a lado com quem é co-autor do genocídio em curso e que ontem
apoiava Bolsonaro e segue defendendo seu projeto neoliberal de cabo a rabo. A
esses setores, representados por alguns camaradas do PcdoB e lideranças do
Psol, segue o encargo de avaliar os efeitos de suas próprias ações. Como diz o
ditado popular, diz-me com quem andas, que te direi quem és.
Não
cabe na luta popular pelo Fora Bolsonaro quem apoia as suas políticas. Nosso
problema não é apenas com a “pessoa” Jair Messias, mas com o que ele
representa. O bolsonarismo é maior que o presidente e isso ficou claro em como
a turma seguiu organizada nos dias 8 e 9 de setembro. Emparelharam a Esplanada
com mais de cem caminhões e interromperam as BR’s por
algumas horas. E a base estava tão eufórica com a possibilidade da
implementação da
intervenção militar que vibrou com a fake news do estado de sítio e negou o
áudio verdadeiro do próprio Capitão pedindo para cessar o bloqueio.
Sem
tempo para vacilar, não podemos cometer os mesmos erros de análise do passado.
Nem superestimar as forças da extrema direita bolsonarista, nem subestimá-las.
A nós, do campo popular de esquerda, cabe organizar a classe trabalhadora,
olhar para os desempregados, órfãos do genocídio da má gerência da pandemia e
aumentar nossa capacidade ofensiva tanto do discurso quanto da prática.
São
tempos, literalmente, de vida e morte. Sem ilusões nem com a direita que escova
os dentes, nem com a direita que os afia. A nossa fortaleza é a luta pela
defesa das coisas mais belas e organizar a classe trabalhadora.
[1]SCHREIBER,
Mariana. Em ato convocado pelo MBL contra Bolsonaro, 38% não aceitam protestar
com PT, mostra pesquisa. BBC Brasil. Disponível em
<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58540540> Acesso em 13 de set. de
2021.
[2]
Conheça o perfil dos jovens que engrossam a fileira da geração “nem-nem”. PT.
Disponível em
<https://pt.org.br/conheca-o-perfil-dos-jovens-que-engrossam-a-fileira-da-geracao-nem-nem/mães>
Acesso em 13 de set. de 2021.
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