sábado, 31 de julho de 2021

 

Tráfico de pessoas: crime agravado pela desigualdade social

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Durante todo o mês de julho e, mais simbolicamente no dia 30, dia internacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas, propaga-se mundo afora iniciativas para debelar esse flagelo global, o terceiro maior fator de lucro, atrás de armas e drogas.

 

O Dia Mundial contra o Tráfico de Pessoas foi instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2013.   De acordo com as Nações Unidas, praticamente todos os países do mundo são afetados pelo tráfico de pessoas, seja como país de origem, trânsito ou destino das vítimas. Além disso, os dados publicados indicam que as mulheres representam 49% e as meninas 23% de todas as vítimas de tráfico; e a exploração sexual é a forma mais comum de exploração (59%), seguida do trabalho forçado (34%).

 

 

 

Inscreve-se nos esforços para o enfrentamento desse flagelo, o Projeto Vez e Voz desenvolvido na Universidade de Brasília com o objetivo de desvelar uma prática criminosa que acontece demais nas periferias do Brasil. Seu objetivo é levar a temática invisível do tráfico de pessoas às escolas, dialogando com os estudantes, proporcionando informações para que se previnam dos aliciadores. Segundo os coordenadores do projeto, em Relatório, “é impossível falar de Tráfico sem falar de vulnerabilidade social, racismo, violência de gênero e sem citar a evidente desigualdade social, em que uns ganham muito e outros nada”.

 

A proposta pode ser acompanhada em https://www.youtube.com/watch?v=KaT3sUwW-RE (TVExpreso61 Programa O Direito Achado na Rua): Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Projeto Vez e Voz, em esclarecedora apresentação de sua coordenadora executiva, a educadora popular Rosa Maria Silva dos Santos, e da estudante estagiária Sabrina Beatriz Ribeiro Pereira da Silva.

 

Elas remetem ao Protocolo de Palermo (2000), texto adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, 2000, ratificado pelo Brasil (Decreto n. 5017/2004), definindo o tráfico de pessoas: “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos”, de onde deriva a atualização do Código Penal brasileiro, com a inclusão tipo definido no artigo 149-A incluído pela Lei 13.344/2016.

 

Como leitura de fundo acerca dos desafios e perspectivas para o enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil e sobre tráfico de pessoas e mobilidade humana, remeto a duas obras editadas na UnB, sobre as quais fiz recensão em minha coluna Lido para Você: http://estadodedireito.com.br/desafios-e-perspectivas-para-o-enfrentamento-ao-trafico-de-pessoas-no-brasil/.

 

Mesmo com essa avançada normativa internacional, ainda é o muito difícil vencer a sutileza ocultadora de “práticas” naturalizadas de relações sociais patriarcais que nem as autoridades de controle criminal, nem os meios de comunicação, nem as muitas catequeses, delas se dão conta. Todavia, como mostra Rosa Maria, elas carregam o núcleo do tipo criminal: o “amor romântico” que encobre o chamado “escravismo branco”; a ilusão do patrocínio na prática do sugar baby e, tão comum no trânsito entre desigualdades, a “generosidade” da casa grande que mantem a senzala quando recruta nas periferias os serviços de jovens que serão acolhidas como parte da família, para serem educadas, terem uma oportunidade, claro, com a retribuição de alguns serviços domésticos, sem limite de jornada, muitas vezes sem salário (porque lhes damos tudo), praticamente em cárcere privado.

 

 

(*) José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

Artigo exclusivo da Coluna de José Geraldo de Sousa Junior no Jornal Brasil Popular


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