Resenha*:
LYRA FILHO, Roberto. Por que estudar Direito, hoje? Brasília:
Edições Nair, 1984.
LYRA FILHO, Roberto. Pesquisa em QUE Direito? Brasília:
Edições Nair, 1984.
Autores e
Autoras: Antônio Nascimento, Cássia Cristina Pinheiro Lopes, Cássio Carvalho,
Davi Pontes, Fábio Correia, Marcos Vinícius Nunes da Costa, Marcelo Gomes,
Mateus Resende Nobre, Roberta Siqueira, Túlio Nunes.
Roberto Lyra Filho jurista, escritor, poeta e linguista,
acadêmico nas áreas de Direito Penal, Direito Processual Penal, Criminologia,
Filosofia Jurídica, Sociologia Jurídica e Direito Comparado, em seus textos,
nos leva a um pensamento crítico acerca do Direito e dos motivos para estudá-lo
hoje. O autor não nos apresenta uma resposta simples e objetiva, visto que o
Direito está sujeito a mudanças, conforme a sociedade se transforma e a
história avança. Em contraposição à uma visão fixa que deturpa o direito e o
diminui a um conjunto predeterminado de normas e o limita dentro de parâmetros
conceituais de uma razão pura. Nos fazendo um convite a liberdade de pensar o
direito pela lógica dessa mesma liberdade, para quebrar a concepção de norma,
sanção, dominação do Estado.
Apesar de o direito muitas vezes estar positivado em uma
norma, a mensagem que essa norma, bem como o seu interprete e o seu aplicador
repassa, está inserida num contexto que a condiciona, proporcionando, assim,
leituras diversas, diante disso, o Direito é algo móvel, e não fixo, dialético
e não lógico.
Um exemplo utilizado pelo autor, para esclarecer esse ponto
foi a lei de segurança do poder, que encontrou “entraves” no Supremo Tribunal
Federal, quando tentou definir o que era segurança nacional. Segundo o texto:
E o choque de
mentalidades acabou nisto que o eminente Fragoso exprime de forma contundente
"a fórmula complicada da lei não teve ressonância na jurisprudência dos
tribunais", isto é, no ato de interpretá-la e aplicá-la, os juízes, apesar
de tudo, liam um sentido consentâneo com o seu posicionamento, e não com o do
legislador. (Por que estudar Direito, hoje?, p. 2)
Para o autor, há direitos não apenas advindos das
normas, mas também acima delas e até mesmo contra elas, diante dessa informação
ele nos apresenta a Nova Escola Jurídica Brasileira - NAIR, para a qual o
Direito é padrão atualizado de Justiça Social militante, que enseja a
determinação das condições de coexistência das liberdades individuais, grupais
e nacionais, com as únicas restrições admissíveis, na raiz da validade
específica de toda normatividade legítima. E são elas, precisamente, que
definem, de forma evolutiva e concreta, a essência manifesta da liberdade, como
direito de fazer e buscar tudo o que a não prejudica direitos alheios.
Lyra Filho faz uma análise a respeito dos tipos de docentes
que temos, os quais possuem a missão de ensinar Direito, ele nos leva a
refletir acerca do modelo de ensino tradicional, onde temos os docentes
conservadores a serviço de um processo "educativo", onde currículo,
programas, normas organizacionais, disciplinares são impostos, tornando a
educação autocrática e repressiva, mas nos fala também sobre os docentes
progressistas, que vão na contramão desse modelo.
O autor nos orienta a ter uma visão crítica sobre os conservadores,
entretanto nos orienta a aproveitar as lições ensinada por eles, nas palavras
do autor “Como dizem os ingleses, é preciso cuidado para não jogar fora o bebê
junto com a água do banho” (Por que estudar Direito, Hoje? pg. 7), esclarecendo
que as divergências entre os dois tipos de docentes, conservadores e
progressistas pode render frutos positivos, como:
“1) a conjugação
de esforços para certos objetivos comuns (por exemplo, o combate à dogmática
jurídica ou a introdução, no ensino, do elemento de conscientização política);
2) debate fraternal, em que a crítica dos companheiros com outra formação e
modelo pode e deve ajudar-nos a repensar as nossas próprias opções,
reavaliá-las e aperfeiçoá-las, sem deixar que a posição antidogmática se esterilize
na simples troca de um dogma por outro.” (Por que estudar Direito, hoje?, p. 6)
Quando Lyra Filho aborda a questão da pesquisa em Direito,
ele tenta nos fazer entender que Direito seria esse, objeto da NAIR, e, ele nos
mostra que não é um Direito tradicional, é um Direito produzido por livres
produtores intelectuais associados, sem amarras, sem prisões, que possui um
compromisso claro com o humanismo, com o socialismo democrático, a dialética e
o movimento anti-imperialista.
Acerca da Nair o autor no esclarece 5 características não aplicáveis a Escola: não é um
conjunto de normas; não se propõe a ser uma grande e profunda revolução nem
tampouco uma readaptação de modelos já existentes; não se constitui em partido
político, ou em um conjunto de intelectuais tradicionais e cegos às disrupturas
do mundo em constantes contrastes; bem como não se propõe a ser um grupo de
gabinete assentado sobre normas e burocracias.
Demonstra também 5 proposições acerca do Direito, enquanto
produção combativa, apresentadas pela Escola: não se define o direito pela
norma; não se restringe a norma como sanções a condutas; não se concede apenas
ao Estado o poder de criar normas e sanções; não se deve submeter o pensamento
ao fetiche positivista; não se pode formar o direito como um conjunto de
restrições à liberdade.
Concede-nos ainda esclarecimentos acerca das premissas
balizadoras dos pensadores da Nair: o direito enquanto liberdade militante
construída na convivência social entre indivíduos; a Justiça histórica e
concreta é estabelecida por porções crescentes de libertação consciente; o
padrão de legitimidade normativa está nos padrões mais avançados de direitos
sociais; o processo de libertação deve conhecer seus limites jurídicos, mas não
pode ser relegado a tutores estatais; o processo de positivação dialética do
Direito é constante e não pode ser limitado por qualquer que seja o modelo que
se arrogue as prerrogativas de controlar esse movimento histórico em um suposto
“Direito Positivo”.
Um ponto bastante importante, revelado no texto “Por que
estudar Direito hoje?” é a admissão de que a Nova Escola Jurídica Brasileira
não é detentora de uma verdade absoluta, ela está sempre em crescimento,
pesquisando as leis, a jurisprudência, a doutrina, o Direito supralegal e,
auscultando a práxis jurídica, sob o ponto de vista dos espoliados e oprimidos,
sua conscientização, seus movimentos libertadores, com o objetivo de trazer
rumos para a atuação do advogado na práxis, tanto de cidadão, quanto de
profissional.
O autor nos esclarece que o Direito nasce por força das
leis, mas não simplesmente assim, ele vem de uma gestação histórica, no útero
da libertação, fecundada pelo progresso, e, quando um grupo, classe ou povo
reclama o seu direito, não está se referindo puramente à norma que o consagra,
mas ao que considera a substância jurídica dessa norma.
Importante registrar que Lyra Filho nos mostra que o Direito
pode ter uma face nada nobre, aquela de atender aos interesses das elites
vigentes, da estrutura dominante, sendo utilizado como forma de dominação e
controle social, diante disso ele nos diz que:
Só confunde o
Direito e a norma quem vê o Direito sob o ponto de vista exclusivo da classe,
grupos e povos dominantes que detêm o poder estatal e interestatal e assim
produzem o “direito” que melhor lhes convém... (Pesquisa em QUE Direito, p. 20)
A mensagem repassada pelo autor, em seus dois textos, nos
leva a refletir sobre a utilização do Direito como forma de dominação e planta
em nós uma semente de desejo de mudança, bem como, nos traz, esperança, pois o
impossível torna-se gradualmente possível, na medida que nos conscientizamos,
para pressionar e conquistar, ponto a ponto, de etapa em etapa, mais e mais
“condições fundamentais” de libertação (Pesquisa em QUE Direito, p.37).
O autor lembra que as normas
não-estatais não são, necessariamente, menos jurídicas que as normas criadas e
impostas pelo Estado. Pelo contrário, essas normas impulsionam a dialética e
permitem as mutações com reflexo na aplicação e na criação do Direito.
Em um contexto de extremo
autoritarismo nas políticas públicas brasileiras nos anos 1980, Lyra convoca os
juristas a terem uma visão progressista de evolução democrática, sempre com a
humildade em ouvir e refletir sobre os conceitos em prol de um constante
processo de entendimento do pensamento jurídico. Para isso, entretanto, é
preciso não deixar o Estado como dono de um monopólio de produzir o Direito e
impor as suas normas, como “árbitro”.
Por fim, devemos lembrar dos ensinamentos de Marx que
consciência é conscientização e liberdade é libertação. Consciência não é algo
que temos, vamos construindo, vamos nos livrando do que os dominadores colocam
lá, e liberdade também não é algo que possuímos, ao contrário, ela vive
amarrada e nós temos que cortar os nós, segundo Lyra Filho.
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