Ludmila
Cerqueira Correia**
Elaine
Santos***
Coimbra, 09 de setembro de 2015.
Era uma festa, um festival europeu, mas
carregado de simbolismo com potencialidades revolucionárias. É a festa do
internacionalismo de uma Europa que goteja crise por todos os lados ao mesmo
tempo em que se observa a América Latina tomada pela volta do conservadorismo
odioso, onde as pessoas são hostilizadas nas ruas até mesmo por trajar
vermelho. É o que tem ocorrido no Brasil desde 2013, tendo se acentuado nos
últimos meses, quando pessoas que vestem roupas vermelhas, sem qualquer
pretensão política, são agredidas.
A Festa do Avante!, organizada pelo Partido
Comunista Português (PCP)****, chega à sua 39ª edição, com a participação de
mais de oito mil pessoas, durante três dias (04 a 06/09/2015), na Quinta da
Atalaia. É um festival com música, teatro, cinema, debates políticos com os
dirigentes do PCP, palestras, comidas, artesanatos, feiras de livros e discos,
esportes, além de atividades infantis específicas. A festa ganha dimensão
internacionalista quando abre espaço para os partidos à esquerda de todo o
mundo, os quais divulgam e compartilham suas lutas, ideias e críticas. Isso
reverbera inclusive nas contradições do próprio festival, que abriu espaço para
movimentos de esquerda bastante criticados em seus países de origem.
Mais que um local de encontros, a festa é
também um momento de denúncia das políticas de direita contrárias às aspirações
dos trabalhadores, o que ficou muito claro nos discursos dos dirigentes do PCP
no comício ali realizado no último dia, referenciando as eleições legislativas
portuguesas que ocorrerão em outubro próximo. Apesar do acirramento eleitoral,
toda a gente também comemora, canta, dança e, assim, renova as energias
fraternas de uma torrente humana composta por várias gerações que ocupam a
Quinta da Atalaia: intelectuais, trabalhadores, estudantes, militantes, movimentos
sociais, amigos, jovens, crianças que reafirmam a atualidade das ideias
transformadoras.
Um dos tons mais marcantes da festa foi a
presença de gerações de uma mesma família, que além de valorizar as lutas e
conquistas, contribui para transformar a história da juventude europeia no
contexto da atual crise. Significa dizer que não
somos um “sujeito” reconhecido apenas como um nome próprio, isolados, mas sim reconhecidos
pela nossa “trajetória”, que carrega também os deslocamentos dentro de um
espaço social (determinado pelo capital). Por isso é urgente entender as
condições objetivas em que essa história de lutas se desenrolou – em Portugal
ou em qualquer país – e a partir disso, pensar na sua superação.
Para nós, a vida científica está além da academia e
precisamos de reflexividade crítica para entender isto. É a escola do realismo
social que nos ensina, na qual todos os conflitos se fazem presentes na luta
por sobrevivência; é assim que nos fazemos humanos e humanizamos, com um furor
obcecado por uma mudança, uma centelha de vida.
*
Parafraseando a canção Tanto Mar, de Chico Buarque, que participou da Festa do
Avante! em 1980.
**
Ludmila Cerqueira Correia é doutoranda em Direito, Estado e Constituição
no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, integrante
do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, bolsista CAPES em estágio
doutoral no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, professora do
Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba e
Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania (Centro de
Referência em Direitos Humanos da UFPB).
*** Elaine Santos é socióloga, doutoranda
no Programa Direito, Justiça e Cidadania no século XXI do Centro de Estudos
Sociais da Universidade de Coimbra e professora da rede pública estadual de São
Paulo.
**** Ver: <http://www.festadoavante.pcp.pt/2015/inicio>
Esta
carta traz a valiosa contribuição da companheira Elaine Santos, que tem
compartilhado ideias, lutas e sonhos na jornada Conimbricense. E, como não
podia deixar de ser, estávamos juntas na Festa do Avante!
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