segunda-feira, 29 de junho de 2015

Prisão Acadêmica no século XXI? (Cartas do Mondego)

Ludmila Cerqueira Correia*

Coimbra, 29 de junho de 2015.

No percurso da Universidade de Coimbra, não só a Biblioteca Joanina me chamou a atenção, mas, sobretudo, o espaço chamado de Prisão Académica. Ao ler sobre a história do prédio da referida biblioteca, e especialmente sobre o piso situado mais abaixo, comecei a pensar nas origens da prisão especial para portadores de diploma de ensino superior no Brasil. Será?
A Prisão Académica, instalada em 1593 sob a Sala dos Capelos (onde, até hoje, as teses de Doutorado são defendidas) e transferida em 1773 para o piso inferior da Biblioteca, foi criada para receber os professores, funcionários e estudantes que cometiam crimes, uma vez que, à época, a Universidade detinha a condição privilegiada de corporação dotada de foro privativo. Conforme consta nos registros daquela Universidade, essa cadeia privativa tinha como objetivo proteger tais pessoas, com destaque para os estudantes, “do convívio com criminosos de delito comum”**. Além disso, também era utilizada como medida disciplinar.
No Brasil, segundo o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 334, ajuizada contra o dispositivo do Código de Processo Penal que prevê a prisão especial, “a lei estabelece uma espécie de relevância cultural-social do indivíduo por circunstância de ordem privada, como o grau de instrução, amparando o suposto ‘direito’ desses cidadãos a não ‘se misturarem’ com presos ‘comuns’”***. E então, alguma relação da Prisão Académica de Coimbra com a prisão especial brasileira ou mera coincidência?
Foi assim que me lembrei imediatamente da prisão especial para portadores de diploma de ensino superior no Brasil. Afinal, estaria a referida Prisão Académica nas origens desse instituto previsto na legislação brasileira desde 1937? Não me recordo de nenhum registro sobre essa questão nos livros ou manuais de Direito Processual Penal. É possível que haja estudos de historiadores sobre o tema, o que requer uma pesquisa aprofundada. Longe de querer debater a constitucionalidade ou função desse tipo de prisão no Brasil, o que me faz compartilhar essa reflexão é simplesmente a possibilidade de pensarmos juntos as repercussões, ainda hoje, de determinados institutos europeus, em especial, os portugueses, na vida brasileira.
Quando comentei essa inquietação com alguns amigos brasileiros que também estão em Coimbra, nenhum deles havia pensado nessa questão antes, mesmo já tendo conhecido a tal Prisão Académica, que é considerada a única cadeia medieval existente em Portugal****, tendo sido desativada em 1834 (em virtude da extinção da jurisdição da Universidade).
E a pergunta persiste: seria a prisão especial a Prisão Académica em pleno século XXI no Brasil?

* Ludmila Cerqueira Correia é doutoranda em Direito, Estado e Constituição no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, integrante do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua, bolsista CAPES em estágio doutoral no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, professora do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba e Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Loucura e Cidadania (Centro de Referência em Direitos Humanos da UFPB).

** Disponível em: http://visit.uc.pt/prisao/



**** A Prisão Académica integra a Universidade de Coimbra, com duas celas mantidas no seu formato original. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário