segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

NO JARDIM DA FACULDADE DE DIREITO DA UnB*



                                                     José Geraldo de Sousa Junior
 Os últimos resultados do Exame de Ordem da OAB, com os alunos de Direito da UnB alcançando a marca de mais de 90% de aprovação levam a pensar no que poderia estar por trás desse desempenho.
     Ora, uma semana após  o resultado ser divulgado, os alunos da turma de História do Direito iniciaram a encenação de O Santo Inquérito, de Dias Gomes. 
Eles deram continuidade ao desempenho de seus colegas da turma de Pesquisa Jurídica, que já  montaram, nos jardins da Faculdade, O Mercador de Veneza, de Shakespeare, e também,  Antígona, Medida por Medida, Gota d'Água.
     A Faculdade de Direito é geralmente visualizada pelo porte de seu edifício instalado em elegante colina  do Campus Universitário Darcy Ribeiro. Dessa colina topográfica extraiu-se, aliás, metáfora epistemológica que designa a relevância do pensamento ali desenvolvido, nomeando, por isso,  uma linha editorial denominada O Que se Pensa na Colina. Em foto de um volume da coleção Estudos de Direito Público, comemorativo dos 25 anos do Mestrado em Direito da UnB, um detalhe da fachada do edifício, cujo projeto leva a assinatura do arquiteto Mateus Gorovitz, mostra, sobre as  tonalidades do verde e do azul, símbolos cromáticos da UnB, o matiz encarnado da camiseta do estudante transeunte e de bicos de papagaio, cultivados pelas mãos benfazejas do Arnaldo, o antigo jardineiro da Faculdade.
    O jardim da Faculdade de  Direito da UnB traduz com fidelidade a combinação de elementos racionais  com o sentido ético que orientam, ambos, o processo de formação que nela se desenvolve. Se à noite o jardim é Veneza, para servir à coreografia de atores-estudantes de temas da filosofia do direito; não perde em outras ocasiões a sobranceira e atenta circunspeção do olhar da tradição fixado nas efígies de Pontes de Miranda, Carlos Campos, Tavares Bastos,
     Passado e futuro, razão e sensibilidade se encontram nesse jardim onde, como no jardim de Jorge Luis Borges, há veredas que se bifurcam para a escolha de novos vários futuros.     Entre as árvores e sebes bem cuidadas, há sempre um chilrear harmonioso de jovens em seus grupos de estudos, assumindo pontos-de-vista; de trinados dos habitantes permanentes, os sabiás elegantes, os bem-te-vis orgulhosos, os coleirinhas travessos que correm a se esconder sob a proteção do emaranhado de orelhas-de-onça. Nas luminárias do frontal do Auditório Joaquim Nabuco, homenagem ao abolicionista que século XIX filiara-se a uma das primeiras ONGs do Ocidente, a Anti-Slavery International, as andorinhas fazem ninhos.     
Na majestosa gameleira, gerações de joões-de-barro nasceram na moradia conquistada por seus ancestrais, antes mesmo que inscrita como Direito na Constituição mas, certamente, inspirando os jovens pesquisadores que contribuíram para a defesa do direito de morar como um direito humano fundamental em sua realização pela Comunidade do Acampamento da Telebrasília.  A interpretação da conquista das aves, fica a cargo de seu parente poeta, o Manoel de Barros, em sua Gramática Expositiva do Chão, onde ensina a entrevistar passarinhos.
     Bem no meio do jardim, formou-se nativo, um landim brasiliensis. A árvore  do cerrado, conta uma lenda local, foi o centro de cerimônia de estudantes rebeldes, em tempos de intervenção no começo dos 80, antípoda da celebração  dos jovens Hegel, Hölderlin e Schelling no Stiff, plantando a árvore da liberdade.
     Mais adiante, ali onde o jardinzinho é como um dia de festa na pobreza da terra, como outra vez Borges, descreve o seu jardim, uma anônima e contorcionista schefflera (Actinoplylla Schefflera), se projeta, como uma Diotima que não fosse apenas imaginação de Sócrates, mas que original e destemida sai também, como os estudantes que mal a notam, à procura de luz.
     Há certamente, razões acadêmicas para justificar  o desempenho dos estudantes da Faculdade de Direito nas avaliações. A minha suspeita é de que uma causa impensada e sensível vem desse jardinzinho modesto impregnando a subjetividade epistemológica dos jovens juristas para a promessa de solidariedade que eles possam carregar pela vida.

* Texto publicado no Livro Idéias para a Cidadania e para a Justiça, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 2008



Um comentário:

  1. Que texto bonito, prof. José Geraldo. Arrancou sorrisos e saudades no Piauí! Abração

    ResponderExcluir