Roberta Traspadini é professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF)
Para
aqueles que acreditavam que chegamos ao fim da história com a etapa do
domínio do capital financeiro internacionalizado, ao fim da luta de
classes e ao fim das revoluções, a América Latina se apresenta como uma
antítese.
A história real, ontem e hoje, é a do
movimento dos povos na luta por sua libertação. Movimento cuja forma e o
conteúdo não podem ser compreendidos através de um modelo
predeterminado sobre o que é e como deve ser a luta revolucionária. São
movimentos em movimento. Logo, as contradições quando aparecem,
explicitam, na substância da luta de classes, as dificuldades reais
vivenciadas por cada um dos povos latinos na luta cotidiana contra os
opressores, exploradores.
No início do ano, vivenciamos três grandes mostras da força popular no continente.
Na
Venezuela, a posse do presidente Hugo Chávez realçou o poder popular
quando milhares de venezuelanos fizeram vigorar seu voto nas ruas e com
sua voz clamaram, em alto e bom som, para toda América que Chávez estava
presente, tardasse o tempo que fosse necessário para sua posse oficial.
E fizeram juramento coletivo de seguir construindo um processo de
mudanças estruturais da sociedade. Foi uma mostra real da conquista do
poder e da luta popular para mantê-lo em suas mãos, mesmo tendo contra
si um sistema mundial integrado para matá-lo.
No
México, no dia 21 de dezembro, enquanto a mídia burguesa mundial se
deliciava com a interpretação equivocada sobre o fim do mundo
supostamente realçado pelos nossos ancestrais maias, os zapatistas
saíram numa marcha silenciosa, com 40 mil participantes indígenas, cujo
grito era evidente. Milhares de pessoas se uniram à luta zapatista. E
não tinham dúvida nenhuma sobre o que reivindicavam frente à ode
neoliberal dos governos mexicanos dos últimos 40 anos. A clareza do que
querem, mediada pela certeza da sociedade na qual estão inseridos, fez
do silêncio um grito real sobre as opressões/explorações.
A
luta por outro mundo, necessário e possível, reforça, na
particularidade histórica atual do povo mexicano, que não há em seu
cenário político atual um nome partidário que possa abrir o horizonte de
mudanças reais da tomada do Estado, através do voto, com voz popular.
Isto não quer dizer que não acreditem na disputa do Estado, ou na tomada
do Estado. Todo o contrário. Quer dizer que não acreditam que haja uma
verdadeira disputa política no país, ou seja, um projeto partidário de
direita contra um de esquerda, que possa colocar em movimento uma reação
popular. Isso faz toda a diferença.
No Brasil,
temos a luta do MST, que enfrenta muitas dificuldades frente ao novo
modelo do capital, o agronegócio. Com sua existência e teimosia, o MST
se prepara para realizar seu VI Congresso Nacional, cujos debates com a
base já estão em curso e devem ser concluídos com um grande evento em
janeiro de 2014. Neste mesmo ano, também comemorará seus 30 anos em
movimento. Além da reforma agrária, o MST deu visibilidade a muitas
outras lutas políticas da classe trabalhadora: educação, trabalho,
terra, dignidade, cooperação para agroindústria autogestionaria e
recuperou a agroecologia, sendo referência para muitos movimentos
sociais no Brasil e em todo mundo. Afinal, resistir e acumular durante
30 anos enfrentando o capital é uma missão histórica!
Estas
três histórias têm em comum a luta pela consolidação do poder popular.
No conteúdo, a vitória e continuidade de Chávez no poder não é diferente
da vitória e luta continuada do MST e do EZLN. Os movimentos sociais
na Venezuela, na Bolívia e no Equador conseguiram, na disputa eleitoral,
colocar nomes que legitimavam seus anseios. No México e no Brasil, as
contradições políticas e econômicas sugerem mais cautela na análise
sobre o que se tem e o que se quer.
Todas essas
expressões de luta e poder popular expõem a clareza do referencial de
classe desses movimentos, cuja construção popular gravita como o centro
de suas ações.
No entanto, cada povo, com suas
cores, suas misturas, seus sabores, expressa de forma única dito
conteúdo de classe. A beleza dessas expressões está na clareza de suas
ações. A opção não é por um ou por outro jeito. A opção é por todos os
jeitos que manifestem, na convocatória da unidade, integração
continental, que outro mundo possível está cotidianamente em construção
em nossa América.
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