O Direito Achado na Rua: nossa conquista é do tamanho da nossa luta

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

América Latina: o povo em movimento

Roberta Traspadini é professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF)


Para aqueles que acreditavam que chegamos ao fim da história com a etapa do domínio do capital financeiro internacionalizado, ao fim da luta de classes e ao fim das revoluções, a América Latina se apresenta como uma antítese.
A história real, ontem e hoje, é a do movimento dos povos na luta por sua libertação. Movimento cuja forma e o conteúdo não podem ser compreendidos através de um modelo predeterminado sobre o que é e como deve ser a luta revolucionária. São movimentos em movimento. Logo, as contradições quando aparecem, explicitam, na substância da luta de classes, as dificuldades reais vivenciadas por cada um dos povos latinos na luta cotidiana contra os opressores, exploradores.
No início do ano, vivenciamos três grandes mostras da força popular no continente.
Na Venezuela, a posse do presidente Hugo Chávez realçou o poder popular quando milhares de venezuelanos fizeram vigorar seu voto nas ruas e com sua voz clamaram, em alto e bom som, para toda América que Chávez estava presente, tardasse o tempo que fosse necessário para sua posse oficial. E fizeram juramento coletivo de seguir construindo um processo de mudanças estruturais da sociedade. Foi uma mostra real da conquista do poder e da luta popular para mantê-lo em suas mãos, mesmo tendo contra si um sistema mundial integrado para matá-lo.
No México, no dia 21 de dezembro, enquanto a mídia burguesa mundial se deliciava com a interpretação equivocada sobre o fim do mundo supostamente realçado pelos nossos ancestrais maias, os zapatistas saíram numa marcha silenciosa, com 40 mil participantes indígenas, cujo grito era evidente. Milhares de pessoas se uniram à luta zapatista. E não tinham dúvida nenhuma sobre o que reivindicavam frente à ode neoliberal dos governos mexicanos dos últimos 40 anos. A clareza do que querem, mediada pela certeza da sociedade na qual estão inseridos, fez do silêncio um grito real sobre as opressões/explorações.
A luta por outro mundo, necessário e possível, reforça, na particularidade histórica atual do povo mexicano, que não há em seu cenário político atual um nome partidário que possa abrir o horizonte de mudanças reais da tomada do Estado, através do voto, com voz popular. Isto não quer dizer que não acreditem na disputa do Estado, ou na tomada do Estado. Todo o contrário. Quer dizer que não acreditam que haja uma verdadeira disputa política no país, ou seja, um projeto partidário de direita contra um de esquerda, que possa colocar em movimento uma reação popular. Isso faz toda a diferença.
No Brasil, temos a luta do MST, que enfrenta muitas dificuldades frente ao novo modelo do capital, o agronegócio. Com sua existência e teimosia, o MST se prepara para realizar seu VI Congresso Nacional, cujos debates com a base já estão em curso e devem ser concluídos com um grande evento em janeiro de 2014. Neste mesmo ano, também comemorará seus 30 anos em movimento. Além da reforma agrária, o MST deu visibilidade a muitas outras lutas políticas da classe trabalhadora: educação, trabalho, terra, dignidade, cooperação para agroindústria autogestionaria e recuperou a agroecologia, sendo referência para muitos movimentos sociais no Brasil e em todo mundo. Afinal, resistir e acumular durante 30 anos enfrentando o capital é uma missão histórica!
Estas três histórias têm em comum a luta pela consolidação do poder popular. No conteúdo, a vitória e continuidade de Chávez no poder não é diferente da vitória e luta continuada do MST e do EZLN. Os movimentos sociais na Venezuela, na Bolívia e no Equador conseguiram, na disputa eleitoral, colocar nomes que legitimavam seus anseios. No México e no Brasil, as contradições políticas e econômicas sugerem mais cautela na análise sobre o que se tem e o que se quer.
Todas essas expressões de luta e poder popular expõem a clareza do referencial de classe desses movimentos, cuja construção popular gravita como o centro de suas ações.
No entanto, cada povo, com suas cores, suas misturas, seus sabores, expressa de forma única dito conteúdo de classe. A beleza dessas expressões está na clareza de suas ações. A opção não é por um ou por outro jeito. A opção é por todos os jeitos que manifestem, na convocatória da unidade, integração continental, que outro mundo possível está cotidianamente em construção em nossa América.


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