Se o Pastor Veste a Pele de Lobo a Ovelha é Tosquiada. Sobre o Gabinete Paralelo que Controla Agenda e Verbas do MEC
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O título do artigo deriva de matéria publicada em diferentes veículos de comunicação. No Estado de São Paulo (Breno Pires, Felipe Frazão e Julia Affonso, O Estado de São Paulo, 18 de março de 2022, https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,pastores-controlam-agenda-e-liberacao-de-dinheiro-no-ministerio-da-educacao,70004012011), a chamada para a matéria estarrece: “Gabinete paralelo de pastores controla agenda e verba do Ministério da Educação. Com livre circulação no MEC, religiosos ligados ao titular da pasta, Milton Ribeiro, atuam na intermediação com prefeitos que buscam recursos federais para a área”.
O corpo da matéria expõe uma situação que beira o escândalo se, não tiver a característica de notitia criminis, fossem ágeis, a Controladoria Geral da União, o Ministério Público Federal e o Ministério Público de Contas: “O gabinete do ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi capturado por um grupo de pastores ligados a ele. Embora não tenham vínculos com a administração pública nem com o setor de ensino, segundo apurou o Estadão, eles formam um gabinete paralelo que facilita o acesso de outras pessoas ao ministro e participam de agendas fechadas onde são discutidas as prioridades da pasta e até o uso dos recursos destinados à educação no Brasil. Com trânsito livre no ministério, os pastores atuam como lobistas. Viajam em voos da FAB e abrem as portas do gabinete do ministro para prefeitos e empresários. O grupo é capitaneado pelos pastores Gilmar Silva dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade”.
Outros veículos trazem áudios, com personagens identificados, confirmando uma prática envolvendo agentes públicos e personagens da vida privada ou econômica, operando no sentido de apropriação de recursos públicos para benefício privado ou corporativo.
Um absurdo que oscila entre a transgressão da ética pública (há uma Comissão de Ética Pública instalada na Presidência da República e o crime (Prevaricação, definida pelo glossário do Conselho Nacional do Ministério Público como prática de funcionário público contra a administração em geral que consiste em retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. A pena prevista é de detenção, de três meses a um ano, e multa, conforme o artigo 319 do Código Penal; Desvio de Finalidade no Ato Administrativo como dolo presumido do administrador público). Em último caso, uma afronta aos princípios definidos no art. 37 da Constituição Federal, que impõe a todos quantos integram os Poderes da República nas esferas compreendidas na Federação, obediência aos princípios da moralidade, legalidade, impessoalidade, eficiência e publicidade.
Depois de um processo intenso de controle material da ética e da legalidade no serviço público, com a inibição das práticas de favor, entre clientes e afilhados, por prebendas e seletividade de associados (basta conferir Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes Leal, ex-Ministro Do Supremo Tribunal Federal; Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, ex-Presidente do Conselho Federal da OAB), estandares foram sendo estabelecidos, entre eles o contido na súmula Vinculante do STJ (Superior Tribunal de Justiça), para conter o nepotismo, nos âmbitos administrativos, legislativos e sobretudo, no judiciário.
Em todos os casos, as premissas de proporcionalidade (ou de razoabilidade), mesmo considerando os cuidados de não incidir em objeções genéricas, não se rendem a situações que afrontem princípios (constitucionais), na constatação dos ilícitos demonstrados. Principalmente, no intuito de prevenir o desvio de finalidade inscrito na referência conceitual da ideia de deturpação do dever-poder atribuído a determinado agente público que, embora atue aparentemente dentro dos limites de sua atribuição institucional, mobiliza a sua atuação à finalidade não imposta, ou não desejada pela ordem jurídica, ou pelo interesse público.
O farto material reunido pelas matérias dos principais meios (de comunicação) não permite qualquer leniência no dever funcional de apurar –ética e juridicamente – os fatos noticiados.
Não se trata apenas de controle da execução orçamentária, em qualquer âmbito, fundado em corpo de normas que é, a um só tempo, “estatuto protetivo do cidadão -contribuinte” e “ferramenta do administrador público e de instrumento indispensável ao Estado Democrático Direito para fazer frente a suas necessidades financeiras“, para usar termos que são constitutivos de decisões judiciais produzidas no exame de ocorrências dessa natureza.
Trata-se de atuar de modo indisponível, como lembra Vilmar Agabito Teixeira, em seu ensaio O Controle da Corrupção: Desafios e Oportunidades para o TCU (em livro que organizei, em seguida a curso que igualmente coordenei: SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (org). Sociedade Democrática, Direito Público e Controle Externo. Brasília: Tribunal de Contas da União/Universidade de Brasília, 2006), e não se deixar enredar no “subdesenvolvimento institucional, o clientelismo, o comportamento dos agentes ‘caçadores-de-renda’, [aproveitando-se maliciosamente], das fragilidades do sistema político e eleitoral” (p. 333-356).
Se não por dever de ofício, que a Sociedade Civil (Partidos, Associações nacionais) ou a Institucionalidade (Bancadas Parlamentares), promovam representações, notitia criminis, ações constitucionais, para conter esse descalabro. Cidadãos não são ovelhas que se deixem tosquiar por seus pastores.
(*) José Geraldo de Sousa Junior é professor titular na Faculdade de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB)
José Geraldo de Sousa Junior é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – AEUDF, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. É também jurista, pesquisador de temas relacionados aos direitos humanos e à cidadania, sendo reconhecido como um dos autores do projeto Direito Achado na Rua, grupo de pesquisa com mais de 45 pesquisadores envolvidos.
Professor da UnB desde 1985, ocupou postos importantes dentro e fora da Universidade. Foi chefe de gabinete e procurador jurídico na gestão do professor Cristovam Buarque; dirigiu o Departamento de Política do Ensino Superior no Ministério da Educação; é membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, onde acumula três décadas de atuação na defesa dos direitos civis e de mediação de conflitos sociais.
Em 2008, foi escolhido reitor, em eleição realizada com voto paritário de professores, estudantes e funcionários da UnB. É autor de, entre outros, Sociedade Democrática (Universidade de Brasília, 2007), O Direito Achado na Rua. Concepção e Prática 2015 (Lumen Juris, 2015) e Para um Debate Teórico-Conceitual e Político Sobre os Direitos Humanos (Editora D’Plácido, 2016).
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