quinta-feira, 12 de julho de 2018

O MST e sua relação com O Direito Achado na Rua


Ensaio apresentado no módulo “El Pluralismo Juridico hallado en la calle”, ofertado pelo Professor José Geraldo de Sousa Júnior, no curso de Especialização Internacional “Pluralismo Jurídico Igualitário y Descolonización”, do Instituto Internacional de Derecho y Sociedad – IIDS.

Clarissa Machado de Azevedo Vaz[1]

O Brasil é palco de uma imensa dicotomia, ao mesmo tempo em que possui uma lei (4.504/64) que institui e estabelece os procedimentos para a reforma agrária, também possui o maior movimento de reivindicação de terras do mundo, o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais sem Terra – MST. Essa é uma premissa básica que se utiliza aqui, apenas para demonstrar o ponto de partida de nossa análise. 
O que pressupõe a necessidade de uma legislação que institua a Reforma Agrária? A divisão ou distribuição de terras de maneira que, possa se estabelecer o uso racional da terra e, além disso, auxiliar no desenvolvimento econômico, da região e da população. Porém, a legislação de 1964 não conseguiu (ou não tinha esse objetivo) realizar a reforma agrária. 
A análise não se baseia na aplicação ou não da lei, mas em que circunstâncias e quais forças políticas que engendraram a sua criação. Havia na época, a reivindicação organizada por camponeses, para que a reforma agrária fosse realizada (Reforma Agrária na Lei ou na Marra[2]) Porém, não da mesma forma pela qual ela foi institucionalizada. 
Com o fim do golpe militar, na década de 1980, os camponeses voltam a reivindicar, politicamente, seu direito a terra, havendo, inclusive, participação dessa parcela da população na elaboração da Constituição Federal de 1988, que trouxe ganhos substanciais, do ponto de vista constitucional, garantindo a desapropriação para fins de reforma agrária no patamar de direito constitucional. 
Assim a reforma agrária no Brasil desenvolve uma outra dinâmica, enquanto o Estado, através da legislação e de sua burocratização, dificulta a realização da distribuição de terras, o movimento social de luta pela terra (aqui exemplificamos com o MST) desenvolve diversas formas de reivindicação, e, além disso, ensina que, dentro da reivindicação por terras encontram – se diversos direitos (novos Direitos) que não podem ser vistos de forma separada , pois fazem parte da própria dimensão de cidadania dos sujeitos que ali estão. Nesse sentido:

Os movimentos sociais instauram um novo espaço público onde a sociedade passa a ouvir suas mensagens e traduzir as reivindicações em tomada de decisão política, sem com isso perder a autonomia conquistada no processo de luta. Como já havia afirmado em outro livro  (2001), os movimentos sociais passam a adotar uma maneira de agir politicamente criativa e transformadora com motivações culturais, permitindo assim que as experiências psicológicas e culturais se tornem inovações culturais e conflitos sociais. (SOUSA JUNIOR. 2011, p. 158).

Avançando para a análise de O Direito Achado na Rua, o espaço político no qual se desenvolvem as práticas sociais é a Rua, ou seja, os espaços de convivência e de organização, como por exemplo nas assembleias populares, nas manifestações e ocupações. Até mesmo, no trabalho do campo, no manuseio da terra. 
Os sujeitos envolvidos nesse projeto classificam-se como novos sujeitos sociais ou novos sujeitos coletivos, ou ainda, “ali entendidas as expressões de sujeitos que reivindicam novos direitos ou a efetivação daqueles já legalmente instituídos”.
Para melhor compreensão utilizamos a explicação dada por Marilena Chauí no prefácio do livro de Eder Sader:

Por que sujeito novo? Antes de mais nada – ela própria responde – porque criado pelos próprios movimentos sociais no período: sua pratica os põe como sujeitos sem que teorias previas os houvessem constituído ou designado. Em segundo lugar, porque se trata de um sujeito coletivo e descentralizado, portanto, despojado das duas marcas que caracterizam o advento da concepção burguesa da subjetividade: a individualidade solipsisto ou monádica, como centro de onde partem ações livres e responsáveis e o sujeito como consciência individual soberana, de onde irradiam ideias e representações, postas como objeto, domináveis pelo intelecto. O novo sujeito é social; são os movimentos populares em cujo interior indivíduos, até então dispersos e privatizados, passam a definir-se a cada efeito resultante das decisões e atividades realizadas. Em terceiro lugar, porque é um sujeito que, embora coletivo, não se apresenta como portador da universalidade definida a partir de uma organização determinada que operaria como centro, vetor e telos das ações sociopolíticas e para a qual não haveria propriamente sujeitos, mas objetos ou engrenagens da máquina organizadora. Referido à Igreja, ao sindicato e às esquerdas, o novo sujeito neles não encontra o velho centro, pois já não são centro organizadores no sentido clássico e sim “instituições em crise” que experimentam “a crise sob a forma de um deslocamento com seus públicos respectivos” precisando encontrar vias para reatar relações com eles. (ACYPRESTE; BELLODULTRA; FERREIRA; PRATES. 2015, p. 134 – 135 apud CHAUÍ, SADER. 1995, p. 10 - 11).

Diferente do que acontecia nos antigos sindicatos e associações, onde mantinham o controle dos sujeitos e suas reivindicações centralizados, os novos sujeitos sociais tornam-se protagonistas da própria história demonstrando serem “potenciais criadores de novos direitos”. 
A partir dessa prática de novos sujeitos coletivos e novos movimentos sociais é que se reflete, dialeticamente, as práticas criadoras de novos direitos, no caso  aqui analisado, o movimento dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra, o que se inicia com a necessidade de um pedaço de terra, reivindicam e conquistam : 1. O direito de estudar em universidades públicas, 2. Cursos voltados para o campo, 3. Educação popular que considere a cultura e as experiências de vida, 4. Soberania alimentar com o desenvolvimento da agroecologia, 5. Prática de produção coletiva através das cooperativas e associações, 6. Saúde pública, entre outros. 
Concretamente, uma pluralidade de necessidades e reivindicações, para além da necessidade econômica, que se organizam coletivamente, estabelecendo relações solidarias e que superam o caráter individual liberal desenvolvido na modernidade. Desenvolvem um projeto político popular para a construção de uma sociedade mais igualitária, menos opressora, “legitima organização social da liberdade”. 


BIBLIOGRAFIA
SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Coord. O direito achado na rua: concepção e prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. 
___________. Direito como Liberdade: o direito achado na rua. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2011. 
WEBGRAFIA:
VIA CAMPESINA: https://viacampesina.org/es/quienes-somos/regiones/
MST: http://www.mst.org.br/quem-somos/#objectives
_____http://www.mst.org.br/2015/01/05/reforma-agraria-na-lei-ou-na-marra-ligas-camponesas-completam-60-anos.html




[1] Advogada Popular da ABRAPO. Especialista e Mestre em Direito Agrário pela UFG. Doutoranda em Direito UnB.
[2] Palavra de ordem das Ligas Camponesas, movimento de reivindicação de reforma agrária, surgiu em 1955 no Estado de Pernambuco e foram extintas logo após o golpe militar de março de 1964 “conseguiram levar o camponês para a sala de estar da política nacional - a reivindicação de reforma agrária conseguiu assento na agenda de prioridades do Brasil e tornou-se o principal item das Reformas de Base idealizadas pelo governo João Goulart”. (Disponível em: http://www.mst.org.br/2015/01/05/reforma-agraria-na-lei-ou-na-marra-ligas-camponesas-completam-60-anos.html).

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