quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Entrevista Néviton de Oliveira Batista Guedes

Entrevista do professor e Desembargador Federal (TRF 1a. Região) Néviton de Oliveira Batista Guedes, publicada na Revista  dos Estudantes de Direito da UnB:
"(...) REDUnB: O senhor foi membro do Centro Acadêmico dos Estudantes de Direito, do Diretário Central dos Estudantes Honestino Guimarães e do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UnB. Como era o movimento estudantil dessa época, mormente marcado pelos debates e trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, bem como a entrada em vigor da própria Constituição Federal? Como a sua participação na política estudantil ajudou na sua formação?
Bastante, eu considero isso uma das coisas mais importantes. Se eu tivesse oportunidade de aconselhar — e eu sempre aconselho aos jovens-, eu diria que esse é um aspecto-a participação na política estudantil - essencial na vida de qualquer aluno e, sobretudo, de um aluno que faça o curso de Direito. Porque eu não concebo um aluno de Direito que esteja alheio ao que acontece em torno de si, seja no âmbito da faculdade, seja no âmbito da universidade, seja no âmbito da sua cidade ou do seu país. E a experiência me comprovou essa ideia de que essas atividades extracurriculares, sejam em um grupo de extensão, em um projeto de extensão, seja em um grupo de pesquisa, em um projeto de pesquisa, sejam na política estudantil, é que ao final marcam os grandes alunos.
Hoje olhando para o passado, quase todos os colegas que encontraram sucesso na profissão, de uma forma ou de outra, tiveram atividades além das atividades meramente curriculares. Isso também não é uma regra que não tem exceção, certamente eu tenho excepciona is amigos, colegas que tivera m grande sucesso sem jamais terem se envolvido em qualquer atividade político-acadêrnica, ou de extensão. Mas a regra demonstra isso: que esse envolvimento é testemunha de uma disposição de espírito, já que, ao demonstrar que você quer participar de um projeto de extensão, de um centro acadêmico, você está demonstrando algo: que você quer mais, que você se compromete com aquilo que você está fazendo. Aquele aluno que passa pelo curso de Direito e só no curso de Direito, diz pouco sobre a experiência que está tendo. O professor Roberto Lyra Filho tinha uma frase muito famosa que dizia: "quem só sabe Direito nem Direito sabe", e isso resume tudo o que eu quero dizer: o aluno de direito tem que demandar necessariamente uma ação mais ampla, política, filosófica e teórica. E a minha participação na política estudantil foi muito importante para minha formação, ainda que eu não visse isso na época, pois o envolvimento era essencialmente político. Não havia um sentido utilitário tão próximo, no sentido de que "eu vou utilizar disso porque isso vai me dar uma boa formação", coisa que, aliás, ocorre em muitas universidades do mundo, ou seja, essas instituições estimulam a ou exigem dos bons alunos atividades extracurriculares. Aqui era comum a crítica contra a participação na política estudantil ou atividades extracurriculares.
Na verdade, percebi de minha experiência algo muito diferente: o espírito do homem público, do jurista é isso também (participação política), e isso com o mesmo grau de importância que a formação de disciplinas dogmáticas. A época que eu estive na universidade era uma época de transição, nós estávamos saindo do regime da ditadura militar, tinha acabado o último governo militar, do presidente-general João Figueiredo, e entrando em um período democrático, com a eleição do presidente José Sarney, na verdade do Tancredo Neves, que morreria sem tomar posse. O meu período, tanto no DCE quanto no Centro Acadêmico, foi o período central da discussão das eleições diretas, da emenda que não conseguimos aprovar. Houve mobilização popular, época em que foi decretado estado de emergência, tendo à frente o general Newton Cruz. Então tudo isso nós vivíamos, mas não era um período propriamente de ditadura, havia já uma ampla liberdade, nós dizíamos o que queríamos, e havia um projeto de construção de democracia que se chocava com aquilo que aprendíamos em sala de aula. Havia todo um arcabouço institucional, legal, uma constituição que se construiu na ditadura, e que impedia, precisamente, o nascer de uma nova democracia. Essa também é a senda da própria constituinte, da nova constituição.
Os alunos que estavam na Universidade de Brasília, naquele momento, que participaram do centro acadêmico, que participaram do DCE, tiveram oportunidade de participa r de tudo isso. Pra mim foi muito estimulante, engrandecedor. O fato de estarmos no DCE e também no Centro Acadêmico levava-nos a uma
busca que normalmente não era com um ao aluno, quer dizer, além do curso de direito, eu fiz boa parte do curso de filosofia, eu fiz muitas disciplinas do curso de sociologia, algo que, à época, o currículo permitia. Eu não sei se hoje fecharam mais o currículo de vocês. Na minha época, basicamente a gente tinha poucas disciplinas obrigatórias, e como disciplinas optativas você podia fazer o mundo, então a minha experiência com política estudantil foi sobre todos os aspectos, e, por incrível que pareça, mesmo para a minha formação de estudioso do direito, foi excepcional. Muito do que eu penso, autores que depois acabaram tendo importância e que muitos hoje reverenciam, não eram comuns na órbita do Direito, como Niklas Luhmann, ou Júrgen Habermas. Naquela época se a gente quisesse travar contato com esses autores, tínhamos que buscar em outros cursos (filosofia ou sociologia), à exceção do professor José Geraldo, que até pela formação dele nos colocava em contato com eles. Dentro do curso de direito isso era completamente excluído. Aliás, mesmo autores do direito mesmo, como Robert Alexy, você não tinha contato com eles. Era comum você ter contato com eles através de professores da filosofia e da sociologia, e não ter contato com eles, salvo um ou outro curso no Brasil, como a pós-graduação lá em Santa Catarina ou na DSP, graças ao Warat, o professor Tércio e José Eduardo Faria na USP,mas isso era incomum. A formação na minha época era estrita mente dogmática e por dogmático aqui eu quero dizer um ensino voltado pura e simplesmente para a compreensão dos textos legais. Basicamente isso. Numa época em que
essas leis eram feitas, basicamente, por um poder autocrático, você compreende perfeitamente porque nasceram movimentos como o direito alternativo, como o direito achado na rua, que tinham como proposta comum, não obstante suas diferenças, precisamente um olhar de transformação do direito.
REDUnB: Durante sua graduação, o senhor se envolveu nos debates de uma linha teórica e prática que ainda hodiernamente possui relevância dentro da Faculdade de Direito, o ''Direito Achado na Rua" formulado por Roberto Lyra Filho. Como o senhor aprecia essa participação? A seu parecer, quais são as limitações e pote n ciai idade s dessa linha de pesquisa no contexto atual?
À época, quando nós estávamos dentro da universidade e do curso de Direito, isso envolvia um pouco de academia e um pouco de política estudantil, então nós formamos um grupo que acabou disputando o Centro Acadêmico e sendo vencedor, nós formamos acho que 3 ou 4 diretorias, chamava-se quid iuris? ("Qual é o Direito?"). Eu me lembro que o professor José Geraldo lançou uma crítica bastante acerba com relação à escolha do nome e isso dentro até de uma discussão na aula de filosofia, salvo engano do Direito, porque ele dizia que a escolha havia sido errada, porque, dizia ele, "se vocês querem discutir o direito posto, ou seja, se vocês querem colocar sob discussão o direito como um todo, por um direito que, segundo o seu olhar concretize justiça, a sua pergunta não se volta a partir do direito posto, é uma pergunta de fora, e a pergunta então que vocês deveriam ter é quid ius? "Qual a resposta de justiça?", qual a resposta, qual o direito no sentido filosófico, ma is justo, o direito essencial. Se vocês querem perguntar qual é a resposta a partir do direito posto, urna pergunta, digamos, kelseniana, assím a pergunta de vocês deveria ser quid iuris?, que era o nome do grupo. E de fato, a nossa vocação, a nossa preocupação era outra, era muito mais vasta, ninguém estava formando um grupo para buscar respostas a partir do direito posto, até porque isso era precisamente o ponto contra o qual nós lutávamos. A resposta, ou melhor, a pergunta correta teria sido "quidius?", a pergunta mais vasta, e o professor José Geraldo sempre mais amplo, mais fundamental, chegou a colocar a velha questão do conflito das faculdades, em que Kant teria perfeitamente respondido isto, "olha, se a pergunta é 'qual a resposta de Direito?' Esse quem tem que responder é a Faculdade de Direito, se a pergunta é 'qual é o direito do ponto de vista da justiça?' isso é uma resposta que a filosofia tem que dar". Então, o nosso grupo, aqueles que formavam essa ideia, teve como aporte teórico precisamente as preocupações do professor Roberto Lyra Filho, que na época já tinha saído da faculdade, quando nós efetivamente formamos o grupo. Em 1986, o Lyra tinha ido para, salvo engano, dar aula em São Paulo, mas tinha aqui um dileto discípulo seu, que era o professor José Geraldo, que naquele conjunto de professores era o que tinha uma abertura maior. Hoje em dia a Faculdade de Direito tem um amplo leque de professores que tem uma visão mais aberta do direito, mas naquela época era algo bem mais restrito. Então, se você me pergunta, o quê que isso importou na época, importou compartilhar ideias que confrontavam o status quo. Passados mais de 20 anos, o engraçado é que essa proposta do "direito alternativo" e do "direito achado na rua", na minha opinião, acabou sendo vítima de suas próprias virtudes. De fato, saindo amplamente vitoriosa,
essa proposta, com o passar do tempo, com a promulgação da Constituição de 88, que incorporava todos os valores de democracia e se mostrou eficaz, hoje eu não posso recusar aplicação ao Direito, eu não posso propor confrontar um Direito-como fazia m os movimentos alternativos-que concretiza precisamente os valores com os quais eu concordo e pelos quais nós lutávamos. Há um momento de lutar, um momento de reformar, um momento de consolidar. Eu acho que, passados 20, 30 anos, se nós tivéssemos mantido o mesmo sistema jurídico, a mesma institucionalidade, a mesma autocracia, a mesma ditadura, o caso seria ainda de levar adiante aquelas bandeiras; mas hoje, isso perdeu o sentido. Na minha opinião, o jurista democrático,o jurista que tem compromisso com a justiça, ele tem que fazer a afirmação desses valores hoje positivados na Constituição. Tanto é que o meu maior problema hoje, aquilo que me motiva, nos meus estudos de direito constitucional, teoria da constituição, teoria jurídica, é exatamente buscar padrões de racionalidade, padrões de pré visibilidade, e de concretização desses princípios. Então, eu acho que a nossa mobilização teve seu momento, teve grande importância, mas eu não sei se eu me inspiraria pelo
mesmo movimento hoje"
Para ler a entrevista completa, acesse http://periodicos.bce.unb.br/index.php/redunb/article/view/10099

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