sábado, 8 de outubro de 2011

O futuro da Constituição e a Comissão da Verdade

Cristiano Paixão


Uma constituição pode ter uma vida curta ou longa. Em nossa história, há exemplos de constituições que tiveram duração curta (1934), que sequer tiveram vigência efetiva (1937) ou que foram substancialmente modificadas logo após sua promulgação (1967). No dia em que a Constituição em vigor completa 23 anos, é oportuno indagar: o que esperar do futuro da Carta de 1988? A resposta a essa questão depende, essencialmente, da capacidade do texto constitucional de se manter aberto, dinâmico, receptivo às demandas e transformações que ocorrem constantemente na sociedade.
Vivemos hoje um momento político decisivo. Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei que cria a Comissão Nacional da Verdade. Após extensas negociações com vários setores da sociedade, o texto proposto pelo Executivo foi aprovado, com pequenas alterações, na Câmara dos Deputados, e aguarda votação no Senado Federal. Um importante capítulo da vida política brasileira começa a ser escrito. Enfim, depois de uma espera prolongada – e uma condenação na Corte Interamericana de Direitos Humanos –, o Brasil poderá enfrentar o desafio de abrir seus arquivos, ter conhecimento de aspectos ainda obscuros da repressão ocorrida durante a ditadura militar e promover ações de reparação às vítimas e seus familiares.
A criação da Comissão da Verdade é uma importante conquista, que encontra origem e legitimidade na Constituição da República de 1988. Como se sabe, a Carta em vigor – democrática, participativa, inclusiva – representa uma ruptura em relação à ordem normativa implantada pelo regime ditatorial (Constituição de 1967, Emenda 1/69, vários atos institucionais e complementares). Ela inaugura um novo tempo, com novos direitos, novos princípios, novas formas de ação política.
A nossa República, por meio da Constituição de 1988, possui, entre seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana, compromete-se com os direitos humanos (inclusive em suas relações internacionais), assegura a todos o direito à vida e considera a tortura um crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. É com base nesses parâmetros normativos que a Comissão da Verdade deve operar. Seus objetivos devem ser os mesmos explicitados na Constituição.
Por essa razão, o aniversário da promulgação do texto de 1988 é uma data simbólica, que nos permite relembrar os vínculos sociais e políticos que se expressam – e se renovam – por meio de uma Constituição. No caso do Brasil, em que o direito fundamental à memória não se concretizou em todas as suas vertentes e desdobramentos, espera-se que os fundamentos máximos expressos na Carta de 5 de outubro informem os trabalhos da Comissão da Verdade – que deverá ser livre, soberana e comprometida, de modo integral, com os direitos humanos.

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