quinta-feira, 9 de novembro de 2023

 

Constitucionalismo Achado na Rede: um (re)pensar sobre o Direito Humano à Comunicação

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

 

Título original Constitucionalismo Achado na Rede: um (re)pensar sobre o Direito Humano à Comunicação e a proteção contra novas formas de submissão maquínica

 

Thaisa Xavier Chaves. Constitucionalismo Achado na Rede: um (re)pensar sobre o Direito Humano à Comunicação e a proteção contra novas formas de submissão maquínica. Brasília: Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2023, 94 fls.

 

         Debruço-me sobre uma dissertação, que tive o prazer de orientar, mas que pelo protocolo acadêmico, embora me outorgue a presidência da Banca não permite que eu vote ou argua. Assim, nesta recensão, como que que exerço o meu ponto de vista sobre um trabalho valioso que oferece enorme contribuição para temas desafiadores.

            Essa, de resto, o reconhecimento atribuído pela banca examinadora, que aprovou a Dissertação, por meio das locuções qualificadas das professoras: Fernanda de Carvalho Lage– Membra Interna,  Nathália Vince Esgalha Fernandes – Membra Externa, Fundação Getúlio Vargas – FGV Rio e Talita Tatiana Dias Rampin, Faculdade de Direito, da Universidade de Brasília.

            Como síntese do trabalho apresentado, transcrevo o resumo que o define no Repositório de Teses e Dissertações da UnB:

Esta dissertação é uma reflexão sobre a importância fundamental e urgente da proteção do direito à comunicação, como direito humano, irrevogável e instransponível, seja pelo ato comunicacional possibilitar as interações humanas mais simples desde os primórdios da civilização – caracterizando uma necessidade humana intrínseca, mas principalmente por ter se tornado hoje um instrumento especializado de controle de massas, por meio de uma rede dados articulada pelos detentores dos meios de produção informacional, e que, neste sentido, torna-se um grande obstáculo a ser analisado, compreendido, dissecado, e inúmeras vezes rediscutido, para colocar em ação o projeto da corrente epistemológica de O Direito Achado na Rua. Parte-se então da compreensão de que este direito carece de justificativa e reconhecimento jurídico, político e social, especialmente quando analisado no contexto do controle tecnológico dos processos comunicacionais no âmbito virtual, no que tange aos seus impactos coletivos, muitas vezes, à revelia da justiça. Inserido em uma arquitetura comunicacional em rede pensada e constituída em favor de um projeto de dominação das sociedades capitalistas modernas e que pode servir a vários propósitos, sejam ideológicos, políticos, mas principalmente mercadológicos. Trabalha-se, portanto, sob a perspectiva decolonial de uma nova compreensão da dinâmica informacional, para que os efeitos nocivos do controle da comunicação na rede mundial de computadores, que corrompem este direito humano ao promover o esvaziamento das subjetividades, diminuindo o poder de comando pessoal, por meio de recursos vários, entre eles a apropriação e o manejo de dados pessoais dos usuários da rede, possam ser desincentivados e combatidos, de modo que possa ser criado um arcabouço jurídico, de caráter teórico-prático, acompanhado de uma agenda política e econômica, que leve em conta a comunicação em uma abordagem centrada no ser humano, na sua diversidade cultural, identidade política e no controle social. Propõe-se, portanto, com o presente estudo, situar o direito à comunicação no campo virtual como dimensão dos direitos humanos sob uma perspectiva decolonial, considerando a teoria crítica do Direito Achado na Rua, como percurso político, teórico e pedagógico de resistência epistemológica.

 

Todo o arranjo propositivo-analítico sobre a matéria compreendida na promessa do resumo, vai se desdobrar, tematicamente, nos elementos enunciados pelo Sumário da Dissertação:

INTRODUÇÃO

  1. A comunicação como direito humano emergente

1.1. Da rua à rede: o espaço do direito humano à comunicação

1.1.1. A sociedade digital e a transformação da territorialidade

1.1.2. Sociedades da informação, desafios e caminhos dos novos contextos comunicacionais

1.2. Internet: um direito fundamental

1.2.1. Direito de acesso à internet como paradigma humanístico da sociedade da informação

  1. A ARQUITETURA DA REDE

2.1. Pilar colonial: as veias abertas do colonialismo digital

2.2. Pilar capitalista: as estratégias do capitalismo tecnológico na comunicação

2.2.1. Algoritimização e a modulação algorítmica como ferramenta exploratória

2.2.2.- Dados: o principal ativo econômico tecnoliberal

CAPÍTULO 3 – TECNOUTOPIAS COMUNICACIONAIS

3.1 Ambivalências digitais: problemas e oportunidades

3.1.1 O cenário

3.1.2 A luta

3.2 Constitucionalismo transformador: o Constitucionalismo Achado na Rede

3.3 Cartografia de um mar de monstros

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

BIBLIOGRAFIA

 

O tratamento da comunicação, no plano dos direitos, considerando que a Autora quer conferir à Comunicação, a caracterização de direito humano emergente, demanda, conforme propõe, “uma pesquisa de caráter transdisciplinar, de modo que a dissertação passa a ser construída a partir de temas considerados centrais, que coexistem de forma independente e entrelaçada, dividida em três momentos”.

Assim, indica a Autora, “o primeiro capítulo se desenvolve a partir da descrição do processo histórico-social de construção do conceito de comunicação como direito. É feita, portanto, nesta parte, uma abordagem decolonial sobre o discurso universalista e normativo dos direitos humanos, no qual se assentam os alicerces onde a comunicação passa a se desenvolver no espaço político da internet. Aborda-se, portanto, a metamorfose do espaço público, que passa a territorializar as redes como local de luta e expansão de direitos remodelando a experiência comunicacional quotidiana da sociedade”.

No segundo capítulo o que pretende a Autora é “contextualizar o sentido histórico da produção das novas tecnologias de comunicação, com foco no desafio crítico de entendimento sobre as origens, dinâmicas, práticas, significados, historicidade e efeitos que as tecnologias comunicacionais em rede trazem à construção da ordem social na contemporaneidade. Para este propósito, a pesquisa utiliza o recurso imagético dos pilares que sustentam a realidade estrutural da internet: o pilar colonial que determina a infraestrutura comunicacional que monopoliza a teoria científica da tecnologia da comunicação a partir da assimetria geopolítica do conhecimento localizadas no Norte e corpo-politicamente marcadas como brancas; e, o pilar capitalista que centraliza na comunicação/informação digital a principal fonte de desenvolvimento produtivo”.

Finalmente, no terceiro capítulo se interessa, “por delinear o cenário tecnológico atual e as emergências subjetivas e coletivas nascidas dessa dinâmica societária. Ao problematizar tal dinâmica, a pesquisa incita a análise da interface entre o direito e a tecnologia sob um viés constitucional reconhecedor de mobilizações emancipatórias em que o espectro tecnológico seja instrumento de processos políticos de liberdades e não determinantes sociais. Na busca pela aplicação didática freiriana dialógica e libertadora, utiliza-se elementos textuais que possam vir a provocar o leitor e a leitora através da arte e da poesia, conexões transversais com o tema proposto, para delinear uma proposta inicial para uma utopia do direito à comunicação conectada às dimensões práticas da técnica como ferramenta útil, apta a construir cidadanias ativas”.

A alusão a uma perspectiva utópica não é feita num sentido delirante ou alieneado mas no empoderamento de um pensamento transformador do real. Trata-se, diz a Autora, de “compreender a interface existente entre o Direito e  tecnologia tendo o processo constitucional como fio condutor desta relação no sentido de trazer uma nova perspectiva na abordagem do direito humano à comunicação na discussão sobre os padrões de comunicação vigentes, seus marcos regulatórios e a relevância social das tecnologias informacionais”.

Assim é que ela propõe “um constitucionalismo transformador – achado na rede – como percurso teórico-conceitual e político, em uma reinterpretação do direito à comunicação de modo a garantir não somente a liberdade de expressão e de pensamento, mas também uma forma que assegure e proporcione os meios e suportes tecnológicos indispensáveis à efetivação de tais liberdades”.

Em uma de minhas recensões aqui neste espaço da Coluna Lido para Você, apresentei o livro Sociologia do novo constitucionalismo latino-americano: debates e desafios contemporâneos / [Organizadores], Gustavo Menon, Maurício Palma, Douglas Zaidan. –São Paulo: Edições EACH, 2022.1 ebook ISBN 978-65-88503-38-6 (recurso eletrônico) DOI 10.11606/97865885033861 Acesso: https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/view/939/851/3088, com o intuito de identificar caminhos emancipatórios para o constitucionalismo, a partir do que vem sendo designado de novo constitucionalismo latino-americano, ao fim e ao cabo, um constitucionalismo transformador (http://estadodedireito.com.br/direito-constitucional-ambiental-e-teoria-critica-na-america-latina-recurso-eletronico/).

Pode-se dizer que nesse percurso se distingue, no sentido acolhido pela Autora, o que já se configura como um constitucionalismo achado na rua. Consulte-se, a propósito, agora ao final de 2022, a publicação da Revista de Direito do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UnB que lançou edição especial inteiramente dedicada a O Direito Achado na Rua e sua Contribuição para a Teoria Crítica do Direito – (v.6 n. 2 (2022): Revista Direito. UnB |Maio – Agosto, 2022, V. 06, N. 2 Publicado: 2022-08-31. O Direito Achado na Rua. Contribuições para a Teoria Crítica do Direito. Edição completa PDF (https://periodicos.unb.br/index.php/revistadedireitounb/issue/view/2503). Sobre essa edição conferir em Jornal estado de Direito: http://estadodedireito.com.br/30425-2/.

Ali se verá, nesse e em outros trabalhos, como vai transparecendo um tanto da fortuna crítica dessa proposta teórica se concentra no cuidado de perceber os “achados” que têm permitido a atualização de suas linhas de pesquisa. O Constitucionalismo Achado na Rua pode ser considerado um desses achados. Chamo especial atenção, nesse sentido, para o bem elaborado verbete da wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Constitucionalismo_achado_na_rua).

Em que pese o método de elaboração anônima, posso afiançar que a redação do verbete resulta de autoria coletiva de meus alunos de disciplina Pesquisa Jurídica, em seu exercício pedagógico de aprendizado por meio de pesquisa e de autoria. No verbete em questão a posição de saída é a de que o “Constitucionalismo achado na rua consiste em construções teóricas e práticas jurídicas resultantes de estudos do Grupo da linha de Pesquisa O Direito Achado na Rua, integrante do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Tem entre seus objetivos conceber condições concretas de garantia e exercício de direitos por sujeitos coletivos, como grupos oprimidos e movimentos sociais. Tal concepção recebe influência da sociedade em diversos aspectos, como das lutas constituintes e da atuação de movimentos sociais, do novo constitucionalismo latino-americano e do pluralismo jurídico”.

Por isso que em SOUSA JUNIOR, José Geraldo de et al (orgs).  O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática, volume 2, (Parte IV): O Direito Achado na Rua: Desafios, Tarefas e Perspectivas Atuais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2015,  inscrevemos uma anotação programática nessa direção, ao indicar (p. 224): que “Essas experiências refletem uma espécie de ‘Constitucionalismo Achado na Rua’, em que os atores constituintes, os protagonistas desses processos, que envolveram povos indígenas, feministas, campesinas e campesinos, trabalhadoras e trabalhadores e setores historicamente excluídos, arrancam do processo constitucional novas formas de pluralismo jurídico e conquistas de Direitos”.

Acompanhei com muito interesse o modo como a pesquisa de Thaisa Chaves foi ganhando consistência nessa mesma direção para alcançar, diz ela, de modo concreto, “a possibilidade de um desenho do pensamento jurídico que tenha em vista a comunicação enquanto bem público – fundada na percepção do ato comunicativo como elemento central da sociedade da informação – e que seja pautada na noção de soberania algorítmica como a capacidade estratégica de regulação e de produção tecnológicas sob condições emancipatórias”.

É desse modo, é ainda a Autora quem afirma, que se apresenta a necessidade de “compreender a interface existente entre o Direito e a tecnologia e usar o processo constitucional com seus princípios, objetivos e fundamentos como fio condutor desta relação, significa encarar a elaboração jurídica em seu dinamismo teórico-prático para que o Direito possa ser moldado em torno de novas categorias sociais em mutação, uma vez que não deve ser somente a legislação a única fonte jurídica apta a considerar toda a complexificação social decorrente do cenário de comunicação tecnológica” (P. 74).

A abordagem da Autora expressa na acepção de um constitucionalismo achado na rede, tal como se expressa no título de sua dissertação, vem se encontrar com esse movimento transformador que vai de O Direito Achado na Rua ao Direito Achado na Rede. Ela, de fato, menciona esse encontro ao fazer citação da entrevista do professor Paulo Rená, num dos programas da playlist O Direito Achado na Rua. Conforme se poderá confirmar, para esse percurso e conceitos apropriados pela Autora em – https://www.youtube.com/watch?v=aVgqu53dEic&list=PLuEz7Ct3A0Uj9NU2BYmgSIM0rWv7IRAjK&index=67. Trata-se do programa O Direito Achado na Rua que entrevista o professor Paulo Rená sobre seu projeto Direito Achado na Rede, uma derivação de O Direito Achado na Rua, o grupo de estudos da Universidade de Brasília (UnB), do qual Paulo Rená faz parte. Direito Achado da Rede é plataforma desenvolvida para instituir espaços críticos constituídos pelas comunidades de informação e de conhecimento, da questão das fake news e do “monopólio da verdade” e temas correlatos. O projeto do professor Paulo Rená derivou das pesquisas que ele empreendeu para sua dissertação de mestrado. Escrita em 2010, o livro “O Direito Achado na Rede: a concepção do Marco Civil da Internet no Brasil” (acessível em formato e-book e em papel (no site da @editoradialetica).

Para a Autora da dissertação, o Constitucionalismo Achado na Rua, vai se constituir como “percurso teórico-conceitual e político, ambicionando mapear diferentes formas de erosão do arcabouço democrático e propiciar a criação de uma rota alternativa voltada à reestruturação do modelo de organização estatal, “[…] devolvendo à sociedade o papel de atribuir sentido político do Direito […]”, restituindo sua função social. (SOUSA & FONSECA, 2017, p. 2896) Impulsionar o Constitucionalismo Achado na Rua para um Constitucionalismo Achado na Rede significa adentrar por meio de uma percepção consciente no processo de formação histórica dos direitos digitais, encarando a complexidade e o dinamismo das sociedades da informação”.

Para a Autora, “é necessário, reconhecer a urgência social que emerge dos meios técnicos e suas materialidades múltiplas neste momento histórico, em que empresas e Estado flexibilizam seus pontos de contato e seus interesses se fundem, como estratégia de manutenção da tradição colonialista que se perpetua nas mãos dos detentores do domínio do capital e da técnica. Portanto, os desafios de um Constitucionalismo Achado na Rede reconhecedor de mobilizações emancipatórias como recurso jurídico (SOUSA & FONSECA, 2017) e formulador de um desenho jurídico-institucional que minimize os riscos das redes sociais e potencialize suas vantagens, implica, categoricamente, na configuração de um direito constitucional aberto à fragmentação de sistemas sociais que fujam do modelo tradicional Estado-Nação”.

A Autora descortina o que ela denomina de tecnoutopias  que possam ser conectadas às dimensões práticas da existência, valendo-se de referências minhas sobre a necessidade de multiplicidade dos movimentos sociais “[…] de natureza contestadora, solidarística e propositiva […]” que sejam comprometidos “[…] com a coletividade e a construção da esfera pública democrática, além de combinar a ética, a cultura e o conhecimento reflexivo da ciência […]”,  ela afirma, como dimensões definidoras de projetos emancipatórios no cenário de homogeneização imposto pela globalização.

Em consequência, ter em conta que “o impacto sociotécnico da comunicação em rede demanda, portanto, um pensar crítico para além do consumo da informação/comunicação. É necessário considerarmos as implicações geradas a partir da produção e inovação tecnológica do meio comunicacional e o aprofundamento do esgarçamento da crise econômica, moral, política e ambiental pelas quais passa a humanidade. Nesse sentido, o capítulo que encerra esta pesquisa se destina a (re)pensar a comunicação enquanto um direito humano, investigado no locus social da internet, que, como já visitada neste estudo, reproduz o modelo colonizador de espaços e corpos e expressa todo o seu potencial no aprofundamento do capitalismo. O objetivo, portanto, é analisar o cenário informacional virtual, as práticas sociais de ação política decorrentes desta cena social e pensar uma construção alternativa de realidades (jurídicas, inclusive) plurais e até mesmo divergentes”.

Penso que a Autora encontra uma rota favorável para navegar entre os escolhos desse “território de dragões”, conforme a metáfora do navegar impreciso de que falava Luis Alberto Warat. Aliás, ela toma esse autor para tomar-lhe a metáfora do navegador de longo curso que não teme afastar-se da navegação costeira e enfrentar monstros.

No item 3.3 abre exatamente um recorte com o título Cartografia de um mar de monstros, para sinalizar uma ousadia de descobertas:

Na esteira das tecnologias de comunicação das redes sociais, o poder informacional orienta a construção de sociabilidades que repercutem novas formas de produção da vida, da natureza e do corpo, forjado em uma matriz sociocultural bem conhecida (colonialista), embora sua direção se oriente por caminhos ainda desconhecidos.

A incompreensão do percurso social da produção de informação mediada por computador permite a aplicação da alegoria construída por Luis Alberto Warat, ao que parece, adstrita ao campo da oralidade, conforme explica Gonçalves (2013), sobre a figura mitológica dos dragões usados nos mapas cartográficos como representação simbólica do inexplorado. O recurso imagético enquanto ação interpretativa é um facilitador, que revela o quanto as redes sociais de comunicação apontam para uma dinâmica societária que ainda não alcançou compreensão. (SODRÉ, 2021)

A incerteza, os perigos e as possibilidades de um mundo de intervenções tecnológicas nos lança “[…] à deriva em outro estranho e obscuro mar de novidades.” (SHOSHANA, 2020, p. 403) “Se quisermos que esses caminhos fluam para mares democráticos, teremos que aprender como fazer isso, com tecnologia.” (LAGE, 2019, p. 11-12)

Portanto, “Torna-se urgente encontrar alguma terra firme […]” (WARAT, 2003, p. 2) que nos ampare diante da fissura social aberta entre a promessa tecnológica de aumentar as capacidades humanas e servir aos seus propósitos em contraposição à dinâmica do poder extrativista das plataformas digitais. Mensurar a violência contida neste projeto é descortinar o drástico processo de apagamento das alteridades, demonstrado o quanto, cada vez mais, “a gente fica sem a gente”. (WARAT, 1990, p. 37)

 

Thaísa traz Warat à cena num momento em que ele recebe novas homenagens. Agora no dia 4 de agosto, organizado por TRAEPP – Grupo de Estudos em Trabalho, Economia e Políticas Públicas (PPGD/UFPR), tendo na Coordenação-Geral a participação do Professor Paulo Ricardo Opuszka (UFPR), realizou-se o 1º Warat Fest, com um amplo programa acadêmico compreendendo conferências e defesas de teses e dissertações, além de depoimentos. A pedido do professor Paulo Opuszka gravei um depoimento em homenagem ao meu orientador no doutoramento: https://www.youtube.com/watch?v=BNFNNjLdT1o.

Com Warat, Thaísa desbrava mares de monstros, para enfim desbravar novos territórios de cidadania, tecidos na rede, como direitos. O que ela chama de Constitucionalismo Achado na Rede. Justificando:

Sob esse aspecto, dar densidade ao valor epistêmico do Constitucionalismo Achado na Rede vai além do artifício retórico que emoldura teorias sobre positivação e operacionalização de direitos constitucionais em ambientes digitais. A relação ambivalente da internet com a teoria dos direitos fundamentais manifesta a ambição constitucional em rede, que almeja compreender a automação da vida como ameaça e promessa e também pretende oferecer molduras interpretativas que não possuam enquadramentos estagnados das dimensões dos direitos fundamentais na era digital, levantando questões sobre como as fontes de direito podem ser aplicadas e o quanto novas oportunidades para a realização de liberdades individuais e coletivas podem ser criadas no contexto de proteção constitucional.

As sociedades em processo de amadurecimento político-institucional precisam adentrar em camadas analíticas mais profundas do oligopólio tecnológico, para além das discussões sobre políticas de vigilância e armadilhas da desinformação. É fundamental ampliar o debate sobre quem e em quais condições estão os que desenvolvem as tecnologias da informação e da comunicação, como são implementadas e se estes questionamentos dão conta de responder às necessidades de aprofundamento democrático. (MOROZOV, 2021)

Nesse sentido, o campo de análise sobre o Direito à Comunicação nos meios digitais dever ter como enfoque a internet e as tecnologias informacionais como principais expoentes de transformação e modificação social, política e econômica. Para tanto, leva-se em conta duas conceituações jurídicas importantes para o desenvolvimento do pensamento de expansão de direitos em torno da luta pela democratização da informação no contexto de controle comunicacional das mídias sociais (SOUSA JUNIOR, et al., 2017): a comunicação enquanto bem público e a soberania algorítmica.

Superando a ideia da comunicação sob o viés único do acesso à informação, da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, Spenillo (2008) agrega mais uma camada analítica à medida que a trata como bem público. A construção dessa noção de direito à comunicação se funda na percepção do ato comunicativo como elemento central das sociedades da informação, algo que perpassa dimensões políticas, sociais, culturais e econômicas, e que carece da criação de infraestruturas institucionais digitais que garantam o acesso, a participação e a fruição do espaço público digital, rigorosamente em condições de igualdade.

A comunicação encarada como bem público implica na luta pela garantia e pelo exercício da dignidade humana inseridas em um conjunto de direitos e liberdades estendidos para além do formato mercadológico e de produção de informações, mas como meio de impactar de forma significativa a construção da compreensão do direito humano à comunicação como bem social e universal. (PEREIRA, et al, 2021).

 

 

Em seguida à defesa, Thaisa compareceu ao Programa O Direito Achado na Rua que é produzido e exibido pela TV 61 (Jornal Expresso 61), sempre ancorado pelo jornalista João Negrão (https://www.youtube.com/watch?v=e-xKyIdtu-k&t=7s). Até aqui são já 84 programas que não só formam uma expressiva lista de vídeos, com essa retranca, mas um catálogo único de temas e pesquisadores que contribuem para adensar a fortuna crítica do projeto O Direito Achado na Rua.

Na sinopse do Programa, anota-se que a dissertação de Thaisa é uma reflexão sobre a urgência da proteção ao direito à comunicação, como direito humano, diante da mutação do espaço público para a rede que remodela a experiência comunicacional quotidiana da sociedade. Como instrumento especializado de controle de massas, por meio de uma rede de dados articulada pelos detentores dos meios de produção informacional, a comunicação digital torna-se um grande obstáculo a ser analisado, compreendido, e inúmeras vezes rediscutido, para colocar em ação o projeto da corrente epistemológica de O Direito Achado na Rua.

Parte-se então da compreensão de que este direito carece de justificativa e reconhecimento jurídico, político e social, especialmente quando analisado no contexto do controle tecnológico dos processos comunicacionais no âmbito virtual, no que tange aos seus impactos coletivos.

Por isso, a ênfase, conduzida pela edição de jornalismo, na necessidade de criação de um arcabouço jurídico, de caráter teórico-prático, acompanhado de uma agenda política e econômica, que leve em conta a comunicação em uma abordagem centrada no ser humano, na sua diversidade cultural, identidade política e no controle social. Propõe-se, portanto, com o presente estudo, situar o direito à comunicação no campo virtual como dimensão dos direitos humanos sob uma perspectiva decolonial, considerando a teoria crítica do Direito Achado na Rua, como percurso político, teórico e pedagógico de resistência epistemológica.

 

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.5

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