Revista Humanidades. Existindo, Resistindo e Reinventando: Universidades Públicas no Brasil Atual
Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.
Revista Humanidades. Existindo, Resistindo e Reinventando: Universidades Públicas no Brasil Atual. Brasília: Editora UnB. Nº 65, dezembro de 2021, 118 p.
A notícia do lançamento da nova edição da Revista Humanidades, veio no Correio do Livro, edição de 17 de dezembro de 2021, a publicação tradicional da Editora da UnB, com notícias das novidades editoriais.
Mais que isso, como um mimo, considerando o suporte digital da nova edição, o Correio do Livro informa que já está disponível nova edição especial da revista Humanidades dedicada ao tema “Existindo, resistindo e reinventando: Universidades públicas no Brasil atual” e oferece acesso à publicação digital da Revista pelo link: https://www.editora.unb.br/Acessolivre_humanidades.php .
Em resenha, a editora da publicação Inês Ulhoa, anota que
“os desafios são imensos, mas também são grandes as resistências que acompanhamos vindas de cada uma das universidades federais brasileiras e a determinação de que vale a pena a luta forjada na existência dessas instituições comprometidas com a produção da ciência, da cultura, da arte e na defesa do conhecimento e da liberdade, reinventando os sonhos e os projetos cultivados nos ideais de uma universidade democrática e inclusiva com respeito às diversidades. Este número 65 da revista Humanidades é dedicado ao debate necessário que se faz hoje diante dos ataques sistemáticos contra as instituições públicas de ensino superior. Portanto, se faz necessário o exercício da crítica para reafirmar a disposição de reagir aos desmandos e fazer valer os compromissos com o saber e o valor da vida de que se nutrem as universidades públicas”.
Basta ver o sumário da edição:
Existir, resistir e reinventar: verbos intransitivos
Márcia Abrahão Moura
Territórios de conhecimentos e de intersubjetividades: um lugar social para a Universidade
José Geraldo Sousa Junior
Universidade pública: todos temos que lutar
Antonio Ibañez Ruiz
Educação superior deve ser mantida como bem público
Marco Antonio Rodrigues Dias
O exercício e a dignidade do pensamento: o lugar da Universidade brasileira
Marilena Chaui
O futuro da Universidade
Marco Antônio Rodrigues Barbosa
Da responsabilidade social e do papel histórico da Universidade necessária e emancipatória
Inês Ulhôa
As categorias público e privado no Brasil: O conflito na Educação desde a Assembleia Constituinte
Maria Francisca Pinheiro Coelho
Educação, Universidades e a Constituição: disputas sobre o futuro
Cristiano Paixão
Segunda leitura
UnB 30 anos
Geralda Dias Aparecida
A edição não poderia ser mais oportuna considerando todas as iniciativas, marcantemente simbólicas, que registram os eventos de celebração dos 60 anos da Universidade de Brasília.
Ainda há pouco, no dia 15 de dezembro, participei de solenidade, representando exatamente a Comissão dos 60 Anos, para celebrar a assinatura da lei 3.998, de 15 de dezembro de 1961, assinada pelo Presidente Jango Goulart (seu filho João Vicente, na qualidade de presidente do Instituto João Goulart estava presente na cerimônia), que autorizou o Poder Executivo a instituir a Fundação Universidade de Brasília.
Para mim o evento se carregou de duplo sentimento. O contemporâneo, poder me manifestar na sessão; e o evocativo, porque como Reitor, instalei em 2011, cerimônia idêntica para marcar os 50 anos da lei. Ocasião em que re-lancei em edição comemorativa, o livro organizado por Darcy Ribeiro em 1962, Universidade de Brasília. Projeto de organização, pronunciamento de educadores e cientistas e Lei n3.998 de 15 de dezembro de 1961.
Sobre essa edição e seu objetivo tratei aqui neste espaço da Coluna Lido para Você – http://estadodedireito.com.br/universidade-de-brasilia-projeto-de-organizacao-pronunciamento-de-educadores-e-cientistas/. Lembrando as vicissitudes cíclicas de realização de projeto tão ambicioso, acentuei que
“Certamente, muito terá se perdido a partir das sucessivas interrupções e retomadas desse belo e generoso projeto, que nunca se deixou descolar de seu impulso utópico originário. Quando se examina o texto da lei que autoriza a instituição da fundação, incumbida de criar e de manter a Universidade de Brasília, melhor se afere esse movimento. Criado para ser autônomo, sustentável, público mas não estatal, o novo ente recebe a atribuição de inovar, no mais profundo sentido experencial, a ponto de poder organizar seu regime didático, inclusive de currículo de seus cursos sem restar adstrito às exigências da legislação geral do ensino superior (art. 14). Assim, por ocasião do cinqüentenário da UnB, pensando o seu projeto várias vezes interrompido, conforme mostrou Roberto Salmeron, é importante revê-lo em sua originalidade e compreendê-lo com o apoio das percepções que dele tiveram os seus mais próximos contemporâneos, para melhor orientar suas possibilidades atuais, no salto em que, alem de necessária, conforme preconizava Darcy, ela se faça também emancipatória (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (Organizador). Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória. Brasília: Editora UnB, 2012)”.
Nessa nova edição de Humanidades, agradecendo aqui o convite para dela participar, tive a oportunidade de expandir o alcance da inserção do experimento universitário no grande projeto de expandir e renovar conhecimentos, com o texto Territórios de Conhecimentos e de Intersubjetividades: um lugar social para a Universidade.
Tal como está na sua abertura, o texto foi originalmente tema de minha conferência inaugural do XXIIIº Congresso Internacional de Humanidades, realizado em Brasília na Universidade de Brasília. A conferência foi lida, na plataforma para a realização remota do evento, no dia 05 de janeiro de 2021. O Tema geral do Congresso foi: PODER, CONFLITO E CONSTRUÇÃO CULTURAL NOS ESPAÇOS LATINO-AMERICANOS.
Iniciei a minha conferência com uma saudação aos participantes, com uma indagação: apesar das diferenças de percurso para nos constituirmos um espaço comum latinoamericano social e político, qual a história comum que forja a comunidade de culturas e a comunidade de afetos que somos ou que podemos ser e na medida em que nos possamos constituir também como povos que se podem conceber como um destino compartilhado?
Apesar das diferenças de percurso para nos constituirmos um espaço comum latinoamericano social e político, qual a história comum que forja a comunidade de culturas e a comunidade de afetos que somos ou que podemos ser e na medida em que nos possamos constituir também como povos que se podem conceber como um destino compartilhado?
Temos sim, os povos que se expressam majoritariamente em línguas muito próximas, notadamente a espanhola e a portuguesa, e se somos cada um povo só o somos povos com vínculos comuns porque temos uma história comum que nos forja enquanto comunidade de culturas e comunidade de afetos, e que nos amalgama a partir de algum momento em nossas próprias histórias.
Mas, se temos uma história desde aí comum, o que temos de comum em nossa origem e em nossos destinos?
Ao meu perceber, o que há de comum entre nós, desde um momento objetivo de encontro e de qualquer possibilidade de um destino também comum, é o impacto dramático do colonialismo que se impôs sobre nossas identidades e as projeções decorrentes dessa experiência em nossa atualidade pós-colonial afetada econômica e politicamente pelas injunções do ultra-neoliberalismo e pelos desafios de toda ordem como exigências de libertação e de emancipação num processo de ação decolonial.
Sob a perspectiva da condição ultra-neoliberal, sigo pensando que para as classes dominantes, para as multinacionais e para o seu estado, para as oligarquias que ela fomenta, pouco importa que milhões de pessoas morram de fome e de doenças provocadas pela fome. O que importa, num quadro como este, é acrescentar mais uns quantos privilegiados a este núcleo de elite, que constitui o que entre nós, nos seus estudos sobre o Povo Brasileiro, Darcy Ribeiro denominou de engenho de moer gentes, na sua voragem de contínua concentração dos rendimentos, cada vez mais acentuada e desigual.
A exclusão social crescente é a outra face deste tipo de processo econômico, maliciosamente chamado de desenvolvimento, mas que é um processo perverso ou maligno. Porque a exclusão social é a sua consequência mais dramática, que gera os segmentos descartáveis segundo uma lógica de indiferença, que o MST entre nós qualifica de Brasil rejeitado. Falando de exploradores e explorados, há que levar em conta que se os explorados estavam dentro do sistema (sem explorados não pode haver exploradores), os excluídos estão, por definição, fora do sistema, são inexistentes, descartáveis conforme os tem denominado o Papa Francisco, ao avaliar as dimensões catastróficas desse processo globalizado.
Todos sabemos, porém, que as mudanças necessárias não acontecem só porque nós acreditamos que é possível um mundo melhor. Essas mudanças hão-de verificar-se como resultado das leis de movimento das sociedades humanas, se movidas pela consciência de que há culturalmente um direito à utopia mesmo que na forma de direito a sonhar.
A aproximação mediada pela economia política e pela filosofia, e mais propriamente por teorias da justiça ou instigações teológicas, segue uma linha civilizatória que mais se afasta das opções que mercantilizam a vida, enquanto se orienta para projeções que garantam o direito à vida plena, de homens e mulheres de carne e osso sim, porque ideologicamente o nosso percurso colonial separou seres humanos, para distinguir os que se inserem no contrato social os que ficam fora dele, os selvagens, os bestializados, os escravizados, os diminuídos, os segregados, os sobrantes “civilizatórios” todos alienados do humano.
Abri essa linha de problematização para ponderar o lugar entre nós latino-americanos do experimento colonial e indicar que desde esse lugar o modo decolonial é também uma condição para de minha parte figurar o que o XXIII Congresso está designando como PODER, CONFLITO E CONSTRUÇÃO CULTURAL NOS ESPAÇOS LATINO-AMERICANOS, a partir do que penso, possamos representar um projeto de libertação, de emancipação e de humanização possíveis.
Assim é que se apresenta muito instigante o eixo temático da publicação, na forma aliás como o amplia a Reitora Márcia Abrahão Moura, no seu artigo de abertura: Existir, resistir e reinventar: verbos intransitivos.
Para a Reitora, “sim: existir, resistir e reinventar são verbos muito caros ao momento atual. O tema que atravessa esta revista Humanidades é, portanto, crucial. Com a pandemia, a sociedade pôde perceber com mais clareza, a existência da universidade pública. E, assim, compreender a sua importância para um país em desenvolvimento”.
Por isso que, conforme escreve, “a ação intransitiva a reinventar é também necessidade de se reinventar. Em tempos sombrios, a Universidade se torna reflexiva, olha para dentro e enxerga, com todos os contornos, que a autonomia garante a prevalência das determinações acadêmicas sobre as ingerências políticas impostas pelos governos de plantão”.
O meu colega Cristiano Paixão, sobre essas ingerências dá a medida extrema em curso no Brasil hoje. Confira-se o seu artigo na publicação – Educação, universidades e a Constituição: disputas sobre o futuro. Nele, alude ao que chama “práticas desconstituintes verificadas no Brasil contemporâneo [que] atingem vários campos da experiência social e política: proteção ao meio ambiente, educação, cultura, combate ao racismo, preservação do patrimônio histórico, artístico e paisagístico. Há algo em comum entre essas matérias: todas elas pressupõem um projeto constitucional voltado ao futuro”.
Mas não estamos sós nessa ação de resistência e de reinvenção. Assim é que, “Reafirmando la necesidad de asegurar en el hemisferio el respeto y la plena vigencia de las libertades individuales y de los derechos fundamentales de todas las personas a través del Estado de Derecho, al igual que la importancia de promover debates y estándares para fortalecer la protección y garantía de la libertad académica en las Américas” a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, adotou, durante o 182º Período Ordinário de Sessões celebrado de 6 a 17 de dezembro de 2021, um conjunto de Principios Interamericanos sobre Libertad Académica y Autonomía Universitaria.
Na UnB, são 60 anos; no Brasil, 85 (considerando a criação da USP, pois a Universidade do Brasil não conta); na América, 500 anos; no Ocidente, 1000 anos; no Oriente, bem mais. Sempre se reinventando. Mesmo quando deixa de ser o lugar exclusivo da criação do conhecimento, ainda permanece e se recria, com firmes alianças civilizatórias, como lugar exclusivo para a sua livre circulação.
Ao final, duas notas de relevo. A primeira, a segunda leitura do marcante relatório de professora Geralda Dias Aparecida UnB 30 Anos. Reconfigurado sob a forma de artigo o texto foi a base para o processo da anistia prevista na Emenda 26 que convocou a Constituinte de 1988 e que permitiu a reparação, mais da dignidade que propriamente indenizatória, dos professores que sofreram a dramática diáspora conduzida pelo autoritarismo entre 1964 e 1968, sobretudo. Recentemente falecida a publicação tem o alcance de in memoriam.
A segunda nota é alusiva a um bônus da edição. As magníficas ilustrações, a cargo de Italo Cajueiro, também publicitário e professor universitário. O artista da edição é um premiadíssimo cineasta, animador, quadrinista, designer, artista plástico, roteirista, ilustrador, programador visual e diretor de curtas-metragens. Um bônus da edição.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua |
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