70 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Educação Humanizadora
Coluna Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito
70 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Educação Humanizadora. VIII Congresso Internacional de Educação. Alexsandro Miola, Geonice Zago Tonini Hauschildt, Jolair da Costa Silva (Organizadores). Santa Maria: Biblos Editora, 2019, 180 p.
Este livro reúne artigos ensaios preparatórios para o VIII Congresso Internacional de Educação, realizado em Santa Maria, RS, em maio de 2019. Na sua apresentação, o professor Jadir Zaro, um dos organizadores salienta a “importância dos Direitos Humanos para a sociedade contemporânea, para o mundo globalizado e cosmopolita” e o fazem no contexto dos 70 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, para “demonstrar o seu vínculo com a educação humanizadora”.
Esse enlace percorreu os debates do Congresso e é o fio condutor das contribuições que o livro oferece e serviram de base para as discussões levadas a efeito durante o evento. Assim, o texto de Frei Betto, ao declinar os Desafios Pedagógicos aos Direitos Humanos; de Rosane Leal da Silva, Educomunicação e o Compromisso em Promover os Direitos Humanos: Novos Desafios na Era Digital; de Joel Westheimer, Que Tipo de Cidadão? Direitos Humanos e uma Educação que Importa; de Terezinha Azerêdo Rios, O Direito à Alegria como Componente da Construção da Cidadania; de Luís Armando Gandin, Desafios de uma Educação Humanizadora; de André Viana Custódio, A Proteção Integral ao Desenvolvimento de Crianças e Adolescentes: Direitos Humanos e Políticas Públicas; e de Carlos Rodrigues Brandão, Alguns Imaginários para Pensar a Educação em Tempos de Crise e em Tempos de Esperança.
A minha apresentação no Congresso teve como referência texto que escrevi juntamente com a professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa – Direitos Humanos e Educação: Questões Históricas e Conceituais – e que foi trazido para o livro. Esse texto contêm elementos originalmente desenvolvidos por nós em trabalhos elaborados, individualmente ou em co-autoria, a partir de programas de formação no campo dos direitos humanos e da educação para os direitos humanos. Entre outras referências dessa origem vale por em relevo o Curso de Especialização em Gestão de Políticas Públicas de Direitos Humanos, da Escola Nacional de Administração Pública – ENAP/MPOG, realizado em Brasília no ano de 2013, para atender demanda da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos da Presidência da República, cujo primeiro módulo foi regido por José Geraldo de Sousa Junior e Antonio Escrivão Filho. A partir do texto preparatório os dois professores ampliaram o sumário das matérias por eles apresentadas no curso terminando por organizá-las em livro “Para um debate teórico-conceitual e político sobre os direitos humanos”, publicado em 2016, por D’Plácido Editora, de Belo Horizonte.
Igualmente, deve se remeter ao Curso de Especialização Educação em e para os Direitos Humanos e Diversidade Cultural, promovido pela Universidade de Brasília, para o Ministério da Educação, em 2015, no qual os autores se incumbiram, em atuação individual, dos módulos histórico-conceituais e de educação, a partir dos quais preparam textos para a memória editorial do Curso. A versão apresentada no livro ora Lido para Você, em edição co-autoral, aproveita sugestões desenvolvidas nos textos preparados para o curso e dos acréscimos decorrentes da interlocução que estabeleceram posteriormente, em diferentes ambientes de reflexão, seminários, conferências, comitês de definição de políticas públicas desse campo. Num segundo momento, de forma separada, os autores desenvolveram aproximações ao tema aqui exposto, conforme os capítulos 1: Algumas questões relevantes para a compreensão dos direitos humanos: problemas históricos, conceituais e de aplicação, de José Geraldo de Sousa Junior e capítulo 2: Retrospectiva histórica e concepções da educação em e para os direitos humanos, de Nair Heloisa Bicalho de Sousa, ambos os textos publicados em PULINO, Lúcia Helena Cavasin Zabotto. Educação em e para os direitos humanos. Brasília: Paralelo 15. Biblioteca Educação, Diversidade Cultural e Direitos Humanos, volume II, 2016.
Em seguida decidimos reunir os nossos textos numa versão síntese, publicada com o título Direitos Humanos e Educação: questões históricas e conceituais, publicada em SÁNCHEZ RUBIO, David; OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva; COELHO, Carla Jeane Helfemsteller. Teorias Críticas e Direitos Humanos: contra o sofrimento e a injustiça social. Curitiba: CRV, 2016. Nesta versão atual, preparada para o VIII Congresso Internacional de Educação e que serve de base para a exposição com o mesmo título apresentada na sessão de 10 de maio (2019), do Congresso, o que se pretende é articular a relação entre Direitos Humanos e educação, tal como David Sanchez Rubio indica a propósito da análise da proposta dos autores, como a resultante da ação protagonista “de los nuevos sujetos colectivos capaces de elaborar un proyecto político de transformación social y en donde se construyen nuevas sociabilidades y se establecen reconocimentos recíprocos a partir de una ciudadania popular activa y autónoma” (SÁNCHEZ RUBIO, David. Derechos Humanos Instituyentes, Pensamiento Crítico y Praxis de Liberación. Argentina, España e Mexico: Akal/Inter Pares, 2018, p. 150.
Essa última versão, com pequenos ajustes, é a que é publicada agora em MIOLA, Alexsandro; HAUSCHILDT, Geonice Zago Tonini; SILVA, Jolair da Costa (organizadores). 70 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Educação Humanizadora. Santa Maria: Biblos, 2019, p. 17-60.
O que procuramos designar nesse texto e esse foi o eixo de minha exposição no Congresso é que os direitos humanos se realizam como tarefa de emancipação. O que é preciso considerar é que o debate conceitual dos direitos humanos encontra, como fundamento teórico, um caminho orientado pela ação humana organizada em processo de libertação. Assim, os direitos humanos voltam ao domínio do agir humano, de modo que possam ser construídos e desconstruídos, reconhecidos e negados, efetivados e violados na dialética da história. Dessa forma, caem por terra alguns dos elementos definidores dos direitos humanos no âmbito das teorias abstratas, em especial, a sua condição absoluta e a sua validade universal.
Por isso que cuida-se de pensar os direitos humanos como projeto de sociedade, ou seja, a articulação dos elementos conceituais que aqui foram apresentados abre uma perspectiva orientada para que as categorias mobilizáveis desse tema possam contribuir para um programa de “reinvenção dos Direitos Humanos”. Essa possibilidade a partir da leitura criativa que a esse respeito está localizada em considerações indicadas por Joaquín Herrera Flores. Esse notável professor, tão precocemente falecido, havia lançado essa idéia a partir da “Cátedra de Direitos Humanos José Carlos Mariátegui” e do “Programa Oficial de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Desenvolvimento”, instaladas na Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha, onde desenvolveu seus trabalhos finais. Chama a atenção, nas propostas de sua docência e de seus últimos escritos, essa clara atitude de reinvenção dos direitos humanos, enquanto premissa teórica apta a sustentar “a abertura de processos de luta pela dignidade humana” e, enquanto premissa política, apta a orientar projetos de sociedade, originados de “práticas sociais que aspirem a se realizar social e institucionalmente.
Nessa perspectiva, trata-se também de pensar os direitos humanos articuladamente com uma prática de educação, a partir de elementos fundamentais que compõem o processo educativo: uma prática voltada para a promoção e defesa dos direitos humanos; os educandos (indivíduos e povos) são sujeitos de direitos; um processo de formação voltado para as diferentes dimensões da educação; o conteúdo programático inclui princípios, valores, mecanismos e instituições específicas; reconhece uma vinculação direta entre os direitos humanos, a democracia, a paz e o desenvolvimento. Com esta orientação que tem como eixo a formação de sujeitos de direitos, diferentes iniciativas em países latino-americanos foram implementadas, demonstrando que podem ser bem sucedidas, caso os atores do poder público e da sociedade civil, sejam capazes de conduzir projetos e ações efetivas e contínuas, uma vez que a configuração de uma cultura de direitos humanos requer um trabalho de compromisso com as diferentes gerações.
Esta formulação inicial a respeito da educação em direitos humanos pautada na ideia dos sujeitos de direitos como agentes pluridimensionais se enriquece com novos elementos estruturantes vinculados à resistência à opressão, à violação de direitos, às relações sociais solidárias e à vivência efetiva dos direitos humanos:
Neste sentido, a educação em direitos humanos é aquela capaz de formar para resistir a todas as formas de opressão, de violação dos direitos; mas também é aquela que forma sujeitos de direitos capazes de solidariamente viabilizar as melhores condições para que todos e todas possam viver concretamente os direitos humanos permanentemente.
Essa formação de sujeitos de direitos capazes de resistência diante das violações e opressões, além de garantir a defesa, promoção, reparação e conquista de novos direitos, tem chance de se efetivar de forma definitiva por meio da proposta dos direitos humanos como projeto de sociedade. Essa perspectiva pode ganhar força em nosso País se o processo democrático se consolidar, mantendo seu caráter popular e participativo, de modo a contribuir para a construção de uma cultura de direitos humanos que se oriente “por uma visão crítica e emancipatória dos Direitos Humanos, segundo uma pauta jurídica, ética, social e pedagógica”, conforme eu próprio, com Maria Vitória Benevides, deixamos assinalado em outro lugar (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; e BENAVIDES, Maria Vitória. O Eixo Educador do PNDH-3. Revista Direitos Humanos, Especial PNDH-3, n. 05. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, abril 2010).
São questões que o Congresso pôs em circulação e que suleiam as abordagens trazidas por este livro, ora Lido para Você, e que podem ser sintetizadas nas palavras fortes de Carlos Rodrigues Brandão lançadas na plenária inaugural do evento, num repto ao que devemos crer? De sua parte ele nos disse: “Na contracorrente da funcionalização e mercantilização do saber, devemos mais que nunca, crer que o ser humano pode fazer e criar com o seu conhecimento, em nossa era, algo que começa a ser compreendido como de um alcance inacabável e inimaginável. Se houver tempo de vida humana no planeta Terra por séculos e por milênios ainda, este alcance poderá tomar a direção de uma compreensão de profunda harmonia entre todas as coisas – pessoas e sociedades humanas incluídas – e o Todo de que elas são parte. Esse seria o caminho da realização do saber como plena humanização e de consagração da experiência humana como uma fecunda e assumida partilha do mistério da Vida”.
E em sua própria resposta, ele formulou algo que certamente nos mobiliza nessa quadra de grandes interpelações: “No que devemos crer? Crer em nós, educadores, e agir em tempos de crise, com palavras e ações de insurgência e esperança”!
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua |
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