Que se Vayan Todos… Atualizações desde Lima, Perú: democracia em risco?
Renata Carolina Corrêa Vieira e José Geraldo de Sousa Junior
Primeiro um golpe do Congresso para nomear novos ministros do Tribunal Constitucional (sem respeitar o devido processo de nomeação dos ministros da Suprema Corte que ainda não tinham terminado seu mandato), para que se forme uma maioria fujimorista e assim libertar Keiko Fujimori, atualmente em prisão.
Em seguida, negam a questão de confiança, figura jurídica constitucional que o Congresso tem que aprovar quando o Presidente lhe pede alguma reforma constitucional (e a que ele queria fazer era justamente a reforma sobre a forma de nomeação dos ministros da Suprema Corte). O Congresso ignora o pedido do Presidente e nomeia um fujimorista ao Supremo. O Presidente declara a dissolução do Congresso (diante da negação “tácita” da questão de confiança, uma vez que o Congresso não aprecia o pedido do presidente e segue votando a nomeação da Corte) e, ao mesmo tempo, convoca novas eleições para janeiro/2020.
Em seguida, o Congresso já deposto decide afastar o Presidente por 12 meses por “ruptura da ordem constitucional“. A vice-presidenta abona o golpe e, apoiada por fujimoristas, se autoproclama presidenta do país. As Forças Armadas se reúnem com o Presidente e lhe declaram apoio por considerá-lo o legitimo presidente do país.
Nas ruas, o povo comemora o fechamento do Congresso: que se vayan todos!, grita o povo. Na madrugada, ex-congressistas tentam sair do país (já ameaçados em processos de corrupção e sem imunidade democrática).
As próximas cenas, de uma celeuma juridico-político-constitucional, difícil de entender, colocam em causa a questão, dramática para o Perú, mas de interesse de toda a América Latina: democracia em risco?
Mais difícil ainda para quem, de cidadania brasileira, reside temporariamente no Perú, cumprindo um estágio de intercâmbio acadêmico (UnB/CEAM/Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania e IIDS – Instituto Internacional Derecho y Sociedad, de Lima). Mas, por todas essas razões, precisando se situar, circunstancialmente, em meio a essa crise.
Procurando uma leitura editorial um pouco mais distanciada política e racionalmente dos desdobramentos do tenso momento político, encontramos no diário espanhol El País, em matéria de 3 de outubro, assinada por Francesco Manetto e Jacqueline Fowks, um esboço factual acerca dos acontecimentos.
Para os jornalistas, a crise política desencadeada no Peru pelo embate entre o presidente Martín Vizcarra e o Legislativo, controlado pela oposição, arrefeceu nesta quarta-feira quando fracassou a manobra improvisada da bancada fujimorista e de seus aliados de direita. Após a dissolução do Congresso e a convocação de eleições legislativas, anunciada na segunda-feira pelo presidente, o Congresso virtualmente o destituiu e aprovou sua substituição pela vice-presidenta Mercedes Aráoz. No entanto, ela renunciou na terça-feira à noite, por considerar que não há “as condições mínimas” para assumir o cargo.
Ainda segundo jornal, a nomeação de Aráoz representava um passo perigoso porque mergulhava o país em um grave choque institucional. Aráoz acabou assumindo que a votação no Congresso não era viável. Em carta endereçada ao chefe do Legislativo, Pedro Olaechea, e divulgada nas redes sociais, ela renunciou também ao cargo de segunda vice-presidenta do Governo. Fez isso, afirmou, com o objetivo de propiciar a convocação de eleições gerais e apelou ao pronunciamento da Organização dos Estados Americanos (OEA), que considerou que cabe ao Tribunal Constitucional a decisão final sobre o fechamento do Congresso. “Saímos todos nós e convocamos eleições, mas saímos todos agora e deixemos que o povo escolha agora”, disse Olaechea nesta quarta-feira.
Para os analistas de El País, o controle dessa instância judicial está precisamente na origem desse confronto, que vem ganhando forma há meses e não dá sinais de cessar. Os partidos de oposição pretendiam forçar a nomeação de membros afins no tribunal superior. A líder da Força Popular,Keiko Fujimori, está em prisão preventiva por um escândalo de lavagem de dinheiro vinculado a uma trama de subornos pagos pela construtora brasileira Odebrecht no Peru. E a alta corte terá de decidir se aceita os recursos dos políticos investigados.
Enquanto isso, Vizcarra argumenta que a dissolução do Congresso corresponde a uma tentativa de desbloquear a atividade parlamentar. A oposição não quis dar prioridade a uma moção de confiança [projeto de lei] e, pelo contrário, começou a votar em juízes alinhados com suas posições, chegando mesmo a nomear um deles. A iniciativa parlamentar apresentada pelo Governo buscava modificar o esquema de designação no tribunal superior. “Está claro que a obstrução e a blindagem não cessam e não haverá acordo possível”, declarou o chefe de Estado, que para dissolver o Congresso se fundamentou no artigo 134 da Constituição. Esta norma é agora objeto de debate de especialistas e juristas, a fim de determinar se sua aplicação foi justificada. O texto consagra que “o Presidente da República tem o poder de dissolver o Congresso se este censurou ou negou sua confiança a dois Conselhos de Ministros”. Sua interpretação agora depende da corte.
De todo modo, para El País, o que aconteceu nos últimos dias reflete o alto grau de polarização da política peruana, cercada e golpeada por uma corrupção quase sistêmica. O próprio Vizcarra assumiu o cargo de presidente, em março de 2018, porque seu antecessor, Pedro Pablo Kuczynski, teve que renunciar por causa da investigação realizada pela operação da Lava Jato peruana. Ele tinha derrotado Keiko Fujimori em 2016 por pequena margem. No entanto, o partido dela conseguiu o controle do Parlamento e o estilo de sua bancada resultou em uma crise de legitimidade que ainda não foi resolvida.
O fato é que começou o processo para pôr em andamento as eleições parlamentares convocadas por Vizcarra para 26 de janeiro. O órgão eleitoral nacional estabeleceu, em uma resolução publicada no diário oficial, o encerramento do registro de eleitores em 30 de setembro, a data em que o Executivo publicou o decreto de dissolução do Congresso e a convocação das eleições. O Tribunal Nacional de Eleições especifica que serão eleitos parlamentares “para completar o período constitucional do Congresso dissolvido”. Ou seja, o mandato vai expirar em julho de 2021. Os partidos políticos ainda estão avaliando sua participação.
Difícil de entender em seus próprios contornos, mas ainda quando se busca fazer isso sem a familiaridade da proximidade cultural e no contexto de uma conjuntura de crise obscurecendo a possibilidade de discernir nessas circunstâncias.
Por isso nos valemos de uma tentativa de melhor compreensão a partir de quem, em vivência nativa, pode contribuir para leitura da crise. Assim, emprestamos de um dileto amigo e brilhante pesquisador, ele próprio estando atualmente no Canadá cumprindo um programa de doutoramento, embora com grande experiência de expertise em processos de paz e justiça (juristas expertos extranjerosamicus curiae),integrante da Sala de Justicia (para o caso da Colômbia), junto ao Sistema Integral de Verdad, Justicia, Reparación y non Repetición – SIVJRNR. Jurisdición Especial para la Paz. Salvador Herencia Carrasco, no Human Rights Clinic- Human Rights Research and Education Centre, U.Ottawa, onde discute para sua tese o colonialismo, os desafios às normas dos direitos humanos, a auto-determinação, o gênero e a sociedade (falta de) representação na Corte Inter-Americana dos Direitos Humanos.
Para Salvador Herencia Carrasco o Peru está neste momento passando por um tempo político turbulento.48 horas depois do Presidente Vizcarra ter disssolvido o Congresso, as coisas estão lentamente a começar a voltar ao normal. As Forças Armadas, os governos estrangeiros e a Organização dos Estados Americanos reconhecem que, de acordo com a Constituição, o Sr. Vizcarra é o presidente.Terça-feira à noite, Madame. A Mercedes Aráoz despediu-se ao cargo de segundo vice-presidente. Sua posse ilegal como presidente de fato por um congresso adiado levou-a e aos partidos políticos que a apoiaram (APRA e Fuerza Popular) a lado nenhum. E muito provavelmente, ela vai enfrentar sérios problemas legais.
No horizonte, uma questão de grande impacto. Os promotores especiais que investigar os casos de corrupção de Lava Jato da Odebrecht no Peru vão investigar (novamente) o seu ex-CEO no Peru, Jorge Barata. Ele assinou um acordo, por isso é obrigado a contribuir com as investigações, ou vai perder quaisquer benefícios acusação.
Uma das grandes revelações esperadas são os nomes de membros do Congresso que receberam dinheiro da empresa durante a última campanha. Sob o arquivo ” campaña Legislativa “, há uma lista de apelidos (por exemplo: ” Shepard Alemão “, ” Doctor № “, ” Alpaca “, ” Alpaca “, etc.) com pagamentos feitos em dinheiro. A mídia tem especulado sobre os possíveis nomes (que cobrem todos os partidos políticos, mas principalmente APRA e Fuerza Popular), mas temos que esperar. Mais uma vez, Sr. Barata deve colaborar plenamente com os promotores peruanos.
O Congresso, liderado pela APRA e o partido de Fujimori agora nomeado como Fuerza Popular, tentou bloquear a investigação da Odebrecht. Entre outras coisas, eles tentaram derrubar o acordo de cooperação entre os Advogados Gerais do Brasil e o Peru ou eleger juízes tendenciosos para o Tribunal Constitucional, o que influenciou a dissolução do Congresso pelo Executivo.
A mídia local informou que alguns dos (agora) ex-membros do Congresso foram vistos no aeroporto, tentando sair do país. Se eles receberam subornos da Odebrecht e isso for confirmado pelo testemunho desta quarta-feira, eles serão presos e processados. As acusações podem ir de suborno a desfalque e qualquer coisa no meio. O pior cenário é que alguns deles poderiam ser investigados como parte de um grupo de crime organizado, o que significa muito tempo atrás das grades.
Vale a nota final e pessoal de Salvador Herencia Carrasco, com a confiança de que algo de bom possa estar no bojo de algo que parece ruim: Como peruano que vive no estrangeiro, não dormi muito nas últimas 48 horas. Tenho estado preocupado com os meus pais, com a minha irmã e amigos. No entanto, além de debates vivas no WhatsApp, há uma sensação de calma. Não houve um golpe, as Forças Armadas estão em suas bases, os meios de comunicação social não foram bloqueados e os jornalistas continuam a informar livremente, independentemente da sua posição política. Livrar-se da corrupção embutida em um sistema político não é fácil. A influência de Fujimori e do seu partido vai continuar, mas não posso deixar de sentir um pouco de orgulho em ver que, apesar da crise, conseguimos manter-nos à tona. Mal. Mas isso vai ajudar por enquanto.
Essa sensação de algo que parece ruim pode carregar a possibilidade de alguma esperança de melhora no ambiente da política, pode ser a atmosfera da conjuntura que vivemos em nossos países ao sul da América.
Mesmo no Brasil onde se vai adensando a consciência de que uma tremenda trama parlamentar-judiciária e midiática operou para instalar um projeto ultraneoliberal e que há alternativas para preservar o projeto democrático-popular que implementava políticas sociais em amparo à dignidade material dos setores mais excluídos da sociedade. A campanha Lula Livre e a enorme solidariedade ao ex-Presidente Lula, muito forte no plano internacional, contribuem para desmascarar toda a urdidura de uma trama golpista, contra a Democracia, o Estado de Direito, a Constituição e, em última análise, contra os trabalhadores.
Na Argentina, a prévia das eleições traz sinais promissores para mostrar que está em curso uma virada anti-neoliberal e de retomada de projetos que resguardem os interesses dos trabalhadores.
Ao mesmo, protestos contra cortes nos subsídios dos combustíveis voltaram a paralisar os transportes em grandes cidades do Equador nos últimos dias, após protestos que já deixaram 350 pessoas presas e ao menos 35 feridos.
A capital Quito, com cerca de 2,7 milhões de habitantes, permanece sem serviço de ônibus e táxi. As pessoas caminhavam desde cedo para as estações do sistema de transporte municipal, insuficiente para levar a população do norte ao sul da cidade. A falta de transportes também afetou outras cidades importantes como Guayaquil (sudoeste), centro comercial do Equador, e Cuenca (sul).
Enquanto os preços dos combustíveis disparam devido às medidas fiscais adotadas pelo presidente Lenín Moreno no início da semana, manifestantes mascarados atiraram pedras e enfrentaram a polícia em Quito, provocando grandes estragos em meio aos piores distúrbios em anos no país, num movimento contra a ação de governo que aproximou o Equador dos mercados depois de anos de um governo de esquerda e alinhou as políticas a um empréstimo de 4,2 bilhões de dólares do Fundo Monetário Internacional (FMI), descartando os subsídios dos combustíveis, que duravam décadas, e anunciou mudanças tributárias. A ação contou com a participação de grupos indígenas, estudantes e sindicatos.
Precisamos estar atentos ao que se passa e, tal como no Perú já se começa a divisar, a partir das primeiras análises que procedem de setores populares à esquerda, conforme Tito Prado, líder nacional do Novo Movimento Peru, o lado bom desse processo está em que se “em todos esses anos, o movimento social enfrentou uma dura luta e é o pano de fundo da crise”, o essencial é que “permaneça ativo para garantir uma saída democrática” e assim, pavimentar o caminho para as grandes transformações necessárias aos nossos países.
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