UnB Notícias OPINIÃO
Maristela Abad, mérito
universitário da UnB
·
11/03/2019
José Geraldo de
Sousa Junior1
Em 20/5/2017,
por meio de nota de pesar publicada no portal da Universidade, a Reitoria da
UnB comunicou à comunidade acadêmica o falecimento, dizia a nota, “da nossa
querida servidora técnica Maristela Abad”. Maristela, a nota
destacava, entrou para o quadro da Universidade de Brasília aos 16 anos
e, ao longo de sua trajetória, ajudou a construir a Universidade, com amor,
dedicação e conhecimento técnico de alto nível. Trabalhou em vários órgãos da
instituição, como a Editora, a Prefeitura do Campus e o Ceplan. Também atuou
nos gabinetes de reitores. Quando faleceu, era assessora da Vice-Reitoria da
Universidade.
Por onde
passava, completava a
nota, Maristela contagiava a todos, com sua alegria, espírito
aguerrido, sempre pronta para ajudar e buscar soluções aos complexos problemas
do cotidiano acadêmico. Sua partida prematura deixa um vazio em todos nós.
Não é comum
essa maneira tão subjetiva, numa instituição instalada no sistema burocrático
da gestão pública, de registrar o perfil de seus quadros, nas várias situações
que designem o seu percurso funcional.
Penso que essa
nota sensível, até extravagante na linguagem protocolar, tem muito a ver com o
modo pelo qual, na UnB, Maristela Abad inscreveu e marcou em todos a vivacidade
de uma biografia que de muitos modos atravessou o funcional-burocrático, não se
deixou enquadrar no seu recorte de impessoalidade, nem perder a sua pertinência
à universidade, deixando-se alienar do profundamente humano tão entranhadamente
constituinte de Maristela.
Foi assim que a
conheci nos meados dos anos 1980, então Chefe de Gabinete do Reitor Cristovam
Buarque, quando ela, lotada na Reitoria, foi designada para trabalhar
diretamente comigo.
Talvez ela já
tivesse transposto o limiar dos 16 anos de quando ingressou na UnB, mas a sua
jovialidade era o impulso de seu agir diligente, disposto, lealmente
comprometido com a institucionalidade universitária.
Nessa época,
lembremos, a Universidade, salvo a máquina central de processamento, o mítico
Galileu, não dispunha de computadores pessoais e a internet não havia ainda se
configurado no ponto com ou no ponto edu. A
capacidade de operar e de estabelecer o racional próprio à burocracia, no seu
melhor sentido weberiano, era atributo da inteligência e da sensibilidade,
requerendo habilidades de memória e cognição para operar processos que
realizassem os fins e objetivos administrativo-acadêmicos. Alguns servidores,
em setores estratégicos da Universidade, exponenciaram essas habilidades, se
tornando memória, arquivos vivos, referências ativas do saber fazer
institucional. Maristela era uma dessas referências, já então inscrevendo em
sua biografia o agregado das múltiplas funções e atribuições que exercitou e
que são descritas em seu curriculum vitae e no memorial
apresentado ao Conselho Universitário.
Penso que,
entre as mais nitidamente incorporadas e estimadas em seu percurso, estão
aquelas que ela realizou no âmbito das Letras, na Editora e mais reconhecidamente
nas atividades de coordenação dos programas conduzidos pelo Instituto de Letras
da UnB, UnB Idiomas, formidável empreendimento extensionista universitário, e
Instituto Confúcio, o singular programa de cooperação internacional
interinstitucional – singular porque, enquanto todos os outros programas
congêneres (francês, norte-americano, italiano, espanhol) são conduzidos por
organismos nacionais instalados no âmbito da sociedade civil, o Confúcio é
abrigado no solo universitário, ganhando uma dimensão que o faz único,
especial.
O que se põe em
relevo na atuação institucional de Maristela deriva, a meu ver, de sua própria
atenção reflexiva, no sentido de compreender, valendo-me aqui de suas palavras
o que se pode constatar, “na história recente da Universidade, o avanço das
suas políticas no sentido de buscar um modelo de produção e transmissão do
saber científico de forma a contemplar as diversas demandas requeridas pela
sociedade”. Daí que ela tenha procurado conduzir essa sua reflexão para
estudos avançados no plano acadêmico, notadamente em pesquisa que desenvolveu
para o Mestrado em Economia que completou na UnB em 2015. Na dissertação que
defendeu, ela parte, exatamente, da preocupação, segundo ela, de que, a “condição
universitária gere um espaço privilegiado para a aproximação do fazer acadêmico
com as necessidades sociais”. Em seu estudo, tomando como referência a
extensão universitária, ela buscou analisar e avaliar o programa com o qual
tanto se envolveu, o UnB Idiomas, Programa de Extensão da Universidade de
Brasília.
De fato, com o
título Extensão universitária e sua eficácia: estudo de caso do UnB Idiomas,
sob a orientação da professora Denise Imbroisi (aliás, relatora da proposta de
concessão do título no Consuni), ela defendeu, em 2015, a dissertação, cujo
resumo diz bem de seu compromisso e de sua capacidade de reflexão a partir de
sua prática: A avaliação das ações extensionistas é um importante
instrumento para a validação ou não de seus processos e resultados em relação
aos objetivos das políticas instituídas. Ademais, a avaliação pode ser um
instrumento fundamental para se alcançar melhores resultados e proporcionar uma
melhor utilização e controle dos recursos aplicados nos Programas e Projetos
extensionistas, como também fornecer aos gestores dados importantes para o
desenho de políticas mais consistentes. Esta pesquisa buscou avaliar a eficácia
da Extensão Universitária à luz das normas extensionistas praticadas em uma
universidade federal e das Políticas de Extensão hoje praticadas no Brasil,
tendo como objeto da pesquisa o UnB Idiomas, Programa de Extensão da
Universidade de Brasília.
Uma de minhas
mais nítidas satisfações no curso de meu reitorado na UnB (2008-2012) e até de
indisfarçável orgulho foi formular um programa de gestão de pessoas em cujo
âmbito se institucionalizou uma política de formação e de registro de
contribuições dos servidores da Universidade para compartilhar a causa comum de
gestão universitária.
Um registro
exemplar dessa política tem relevo com a publicação do livro – Gestão
Universitária – organizado por César Augusto Tibúrcio Silva e Nair de
Aguiar Miranda, responsáveis também, pela realização do primeiro curso de
pós-graduação lato sensu em Gestão Universitária, para
servidores da UnB.
O curso e a
publicação das monografias elaboradas e aprovadas pelos alunos do programa
traduziram louvável iniciativa do Decanato de Gestão de Pessoas, em parceria
com a Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Gestão de Políticas
Públicas (Face).
Tenho notícia
que o reitorado atual da professora Márcia Abrahão não só manteve como
amplificou a política de capacitação pós-graduada dos servidores e organizou
novos programas de incentivo para o seu aperfeiçoamento técnico-profissional.
Espero que o programa editorial tenha prosseguido, porque ele acaba
estabelecendo um valioso repositório de talentos, eventualmente convocáveis
para o exercício de funções de gestão universitária, ao mesmo tempo que se
organiza como que um catálogo de gestão, rico em seu sumário de referências.
Aliás, conforme
prefácio lançado no primeiro volume da publicação, deixei em relevo três
dimensões analíticas presentes nessa iniciativa. A primeira delas é a que diz
respeito à participação de cada pessoa, na condição de aprendiz e produtor de
saber, agregando e gerando conhecimento sobre seu próprio meio. É o exercício
de uma das faces daquilo que Boaventura de Sousa Santos chama “ecologia dos
saberes”, para designar a produção de conhecimentos contextualizados,
situados e úteis e que só podem florescer em ambientes tão próximos quanto
possível das práticas de que se originam e “de um modo tal que os
protagonistas da ação social sejam reconhecidos como protagonistas da criação
de saber”.
A educação é a
estratégia por excelência para realizar essa autonomização do indivíduo dentro
de seu campo, ou, dito de outra forma, é a chave para sua emancipação social, o
primeiro passo para a refundação democrática da administração pública, e a
condição para pensar o próprio Estado democrático. Nesse sentido, a UnB atua
como aporte para geração de conhecimentos, atendendo às demandas de aquisição e
desenvolvimento de competências por parte dos servidores.
A segunda
dimensão é a que considera os servidores na condição de uma categoria
destacada. A realização desse curso de formação caminha no sentido da
valorização do ethos de todo esse segmento universitário. Por
meio da especialização desses servidores pela qualificação, o seu poder de ação
amplia-se e acentua-se também a sua inserção estratégica e a sua
representatividade corresponsável pela gestão da Universidade a que servem.
A terceira, por
fim, de conteúdo político, é entre as dimensões aquela a partir da qual os
sujeitos atuam como representantes ou membros da instituição. Eles, os
servidores, são a própria UnB. Têm papel fundamental na administração de sua
estrutura e atuam, junto a toda a comunidade, como multiplicadores, difundindo
os saberes e as práticas que adquirem.
Maristela Abad
reuniu, em sua atuação na UnB, todas essas dimensões e em todas elas soube
apresentar-se com a pertinência que a tornou respeitada e admirada. Seu lugar
institucional foi estabelecido, pois, com mérito e o devido reconhecimento.
Mas nesse
reconhecimento deve incidir também uma dimensão de exemplaridade, uma história
que possa indicar, na própria instituição, um modo de representar num modelo,
caminhos que outros, dadas as condições adequadas, também possam trilhar.
Por isso, o
alto significado da distinção que o Instituto de Letras propôs e que o Conselho
Universitário aprovou, conforme artigo 66 do Estatuto da Universidade, ao
atribuir a Maristela Abad, post-mortem, o título de Mérito
Universitário, por ter se distinguido por relevantes serviços prestados à
Universidade de Brasília, numa solenidade realizada, não por coincidência, num
8 de março, dia internacional de homenagem a mulher.
A UnB, nessas
condições, carrega de elevado simbolismo a cerimônia, porque assim confirma o
que ainda, nesta data, salientou a reitora Márcia Abrahão em artigo publicado
no Jornal Correio Braziliense (p. 11) – Mais mulheres na ciência: um
desafio de todos nós. Imprime à homenagem uma nota de afirmação do
feminismo, sua luta por reconhecimento de dignidade identitária, pela
construção de um lugar forte no saber fazer profissional e na pesquisa avançada
acadêmica, científica, tecnológica, num movimento que, ao fim e ao cabo, conduz
à emancipação de todo o social e o político, atributos plenamente reconhecidos
no percurso institucional de Maristela Abad.
________________________________________________
1 Professor da Faculdade de Direito e ex-Reitor da UnB.
Nenhum comentário:
Postar um comentário